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Patofisiologia e farmacologia humana. UP 7 - Sistema endócrino e metabolismo. Química Farmacêutica Apontamentos

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Patofisiologia e farmacologia humana

UP 7 - Sistema endócrino e metabolismo

Química Farmacêutica – Apontamentos

Insulina

A insulina foi descoberta na década de 20 do século passado por Banting e Best. Inicialmente era isolada a partir de animais mas actualmente é produzida por tecnologias de DNA recombinante.

A insulina é biossintetizada nas células β pancreáticas, inicialmente como pré-pró-insulina, que é clivada em pró-insulina, que origina insulina e peptídeo C:

A pró-insulina é mais solúvel que a insulina e tem alguma actividade insulin-like. A insulina consiste em duas cadeias peptídicas que estão ligadas por duas pontes dissulfureto após a clivagem do peptídeo C. Estudos de difracção de Raios-X mostraram que a insulina existe na forma de proteína hexamérica contendo dois iões zinco, constituída por 3 grupos de dímeros. Os dímeros estão ligados primariamente por 4 pontes de hidrogénio e por uma interacção hidrofóbica envolvendo folhas-β, e por outras interacções. A insulina activa tem de estar na forma monomérica, ocorrendo dissociação dos hexâmeros e dos dímeros após administração.

REA - o conhecimento da estrutura 3D da insulina permitiu perceber que a sua actividade biológica (bem como a formação de hexâmeros e dímeros) reside mais na estrutura espacial da molécula que em a.a.

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específicos. Esta informação foi confirmada pelos resultados de alterações estruturais. Os últimos 3 a.a. da cadeia B podem ser removidos sem perda de actividade, mas a clivagem do C-terminal da cadeia A (Asn-21) leva a uma perda total da actividade. De modo geral, pode ocorrer substituição de a.a. desde que não ocorram alterações na geometria global da molécula.

O receptor da insulina é constituído por dois heterodímeros e cada um deles é constituído por uma unidade α (extracelular, onde se liga a insulina) e outra β (atravessa a membrana plasmática e tem actividade tirosina-cinase, que após ligação da insulina à unidade α, fosforila proteínas intra-celulares, activando-se cascatas de sinais celulares).

A administração de insulina é fundamental no tratamento da Diabetes mellitus.

Apesar de existirem algumas diferenças entre as estruturas da insulina em várias espécies animais, a maioria das preparações comerciais de insulina foram obtidas de fontes bovinas (difere da humana em 3 a.a.) ou porcinas (difere da humana em apenas 1 a.a.). Actualmente, como já foi referido, a insulina é produzida por tecnologias de DNA recombinante, permitindo ultrapassar problemas das de origem animal, nomeadamente a antigenicidade.

As preparações de insulina podem ser divididas em 4 grupos: -acção ultra-curta, muito rápido início de acção (Ex: lispro) -acção curta, rápido início de acção (Ex: regular)

-acção intermédia (Ex: NPH ou isofânica, lente, insulina-zinco) -acção longa, início lento de acção (Ex: ultralente)

As de acção curta são dispensadas com a insulina em solução, o que permite um rápido início de acção. As de acção intermédia ou longa são dispensadas como suspensões túrbidas, com mobilização retardada da insulina do local de injecção. Este efeito é obtido criando complexos fracamente hidrossolúveis da insulina aniónica com protamina (policatiónica) em tampão fosfato (insulina NPH) ou com zinco em tampão acetato (insulinas lente ou ultralente). Além destes aspectos de formulação, também foram efectuadas alterações estruturais específicas que influenciam a farmacocinética das insulinas de acção muito curta. Um exemplo é a insulina lispro, em que os resíduos 28 e 29 foram trocados – esta alteração não influencia a interacção com o receptor, mas reduz a tendência para a insulina se organizar em hexâmeros (que são comuns na insulina humana, e que são mais insolúveis que monómeros). Muitas vezes também se encontram preparações que consistem em insulinas de acção curta misturadas em proporções adequadas com insulinas de acção intermédia, para controlar os aspectos farmacocinéticos mencionados.

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Sulfonilureias

Os ADO podem ser divididos em 4 grande grupos:

-Secretagogos de insulina (sulfonilureias de 1ª e 2ª geração e meglitinidas) -Biguanidas (Ex: metformina, fenformina)

-Tiazolidinadionas (Ex: rosiglitazona, pioglitazona) -Inibidores de α-glucosidades (Ex: acarbose, miglitol)

Através de modificações estruturais nas sulfonamidas antibacterianas, obteve-se, entre outros compostos, a carbutamida (R = NH2), que revelou ter acção hipoglicemiante concomitante (os efeitos

hipoglicemiantes de sulfonamidas verificaram-se aquando da sua utilização no tratamento de febres tifóides). No entanto, este composto não teve utilidade como antidiabético oral precisamente devido à sua actividade antibacteriana, podendo originar resistências bacterianas. A substituição do grupo amino da carbutamida por um grupo metilo originou a tolbutamida, que manteve a acção hipoglicemiante, mas já não tem acção antibacteriana:

Os antidiabéticos orais da família das sulfonamidas têm a seguinte estrutura:

Nesta estrutura, X pode ser O, S ou N incorporados numa estrutura heteroaromática, como tiadiazole ou pirimidina ou numa estrutura acíclica como ureia ou tioureia. No caso das ureias, o N2 deve ter uma cadeia com, pelo menos dois carbonos.

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As sulfonilureias podem ser divididas em 1ª geração (tolbutamida, tolazamida, aceto-hexamida e cloropropamida) e 2ª geração (gliburida, glipizida e glimepirida; tendencialmente têm semi-vidas superiores e menos efeitos secundários).

Os canais de K+ são muito diversos e, do ponto de vista da Biologia Molecular, podem subdividir-se em

três grupos – superfamília S4 (dependentes de voltagem), canais minK e canais dependentes de ATP. Os canais regulados por ATP ou por outros nucleótidos de adenina bloqueiam-se ao aumentar a relação ATP/ADP como consequência do metabolismo da glucose, o que leva à abertura dos canais de Ca2+. Estes

canais de K+ são dímeros formados por uma subunidade α e uma subunidade β, também designada SUR

(Sulfonyl urea receptor), por ser a região onde se ligam as sulfonilureias. Estes fármacos, ao ligarem-se ao receptor levam ao seu bloqueio (de modo similar ao aumento relativo do ATP), ocorrendo retenção intracelular de K+ com consequente despolarização. Esta alteração do potencial de membrana activa os

canais de Ca2+ dependentes de voltagem, e o aumento da concentração intracelular de Ca2+ estimula a

libertação nas células β do pâncreas.

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Esteróides

As hormonas são alvos ideais para o design racional de fármacos:

-as hormonas são mensageiros químicos específicos que influenciam funções metabólicas específicas no organismo, e por isso a sua manipulação farmacológica por administração de agonistas ou antagonistas permite a modulação terapêutica de muitos eventos bioquímicos;

-uma vez que muitas hormonas são moléculas relativamente pequenas (Ex: esteróides, peptídeos com PM<1000), podem ser facilmente estudados utilizando cálculos de molecular modelling para facilitar o

design racional de novos fármacos.

De modo geral, pode-se considerar que as hormonas podem ser péptidos, esteróides ou aminas biogénicas (Ex: adrenalina, T3 e T4)

Introdução

As hormonas esteróides (o seu percursor sintético é o colesterol) incluem: -hormonas sexuais – estrogénios, progestinas e androgénios

-adrenocorticóides – glucocorticóides e mineralocorticóides

As hormonas esteróides são baseadas num esqueleto carbonado gonano com 4 anéis – um ciclopentanofenantreno totalmente hidrogenado que se designa por ciclopentanoperhidrofenantreno.

Os 4 anéis do esqueleto designam-se por A, B, C e D e todos estão em conformação “cadeira” nos esteróides naturais (a conformação “cadeira” é inerentemente mais estável que a “barco”). Além disso, na natureza, a fusão dos anéis B/C e C/D é trans (os glicósidos cardiotónicos são uma excepção, tendo fusão C/D cis) enquanto que a dos anéis A/B é trans (Ex: colestano) ou cis (Ex: coprostano), o que condiciona que a molécula tenha uma configuração estendida, com os substituintes em C10, C13 e C17 acima do plano da molécula. Considera-se que substituintes acima do plano da molécula são designados beta e os que estão abaixo do plano são alfa (Ex: 5α-colestano):

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Os dois grupos metilo são ambos axiais em relação aos anéis B e D, e o substituinte em C10 (que nem sempre é metilo) é considerado o ponto de referência conformacional. Em geral os substituintes vizinhos são cis se são ambos diequatoriais ou diaxiais e são trans se são axiais-equatoriais. A estabilidade, reactividade e mesmo a espectroscopia de um substituinte pode ser diferente dependendo da sua posição axial ou equatorial – os substituintes equatoriais são normalmente mais reactivos e menos estáveis que os seus epímeros e têm diferentes espectros de absorção, e as propriedades farmacológicas também podem ser alteradas.

A existência dos anéis fundidos confere rigidez considerável aos esteróides e a isomerização cis-trans necessita da quebra e formação de ligações covalentes. Assim, os esteróides mantêm a sua conformação à temperatura ambiente, ao contrário do ciclo-hexano.

Se se examina um análogo do colesterol completamente saturado verifica-se que existem 8 átomos de carbono estereogénicos [5 e 10, 8 e 9, 13 e 14 na fusão dos anéis A/B, A/C e C/D, e 3 (OH) e 17 (cadeia alquílica)] no núcleo tetracíclico, ou seja, é possível existir 28 (264) estereoisómeros (sem considerar o

carbono quiral em C20). Na natureza é comum variarem os substituintes em C3 e em C17.

Os esteróides podem ser classificados de acordo com os seus substituintes (especialmente em C17), bem como pela sua ocorrência.

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Pequenas alterações na estereoquímica e no padrão de substituição do esqueleto gonano resultam em efeitos fisiológicos e farmacológicos muito diferentes mas muito específicos.

Uma das características únicas e poderosas das hormonas esteróides é a natureza do receptor esteróide. Ao contrário de outras hormonas ou fármacos, cujo alvo é um receptor proteico membranar, os esteróides alcançam os genes ao nível nuclear.

Bioquímica do receptor de esteróides (RE)

Os RE são macromoléculas altamente específicas encontradas em muitos locais no organismo humano. Os esteróides têm uma selectividade tecidular muito marcada ao ligarem-se a estes receptores e, nos órgãos-alvo exercem a sua influência directamente na síntese proteica ao nível da transcrição da mensagem genética. Os esteróides actuam primariamente por regulação da expressão genética de tecidos específicos, embora possam influenciar também outros processos celulares.

Apesar da selectividade tecidular da acção dos esteróides, o esquema geral do mecanismo esteróide-receptor é caracteristicamente uniforme. Esta hipótese geral para a hipótese esteróide-esteróide-receptor foi obtida por estudos envolvendo os receptores de estrogénios e de progestinas. O mecanismo aceite actualmente consiste em vários passos em diferentes subestruturas celulares:

-activação do receptor citoplasmático (também pode ser nuclear em alguns casos) -translocação do complexo H-R para o núcleo

-ligação do complexo aos locais aceitadores do DNA -activação da transcrição e influência na síntese proteica

As hormonas esteróides são transportadas para as suas células alvo pela corrente sanguínea maioritariamente ligadas às proteínas plasmáticas, mas difundem para o interior celular na sua forma livre. Aqui encontram o receptor citoplasmático (também pode ser nuclear em alguns casos) – os RE são proteínas grandes constituídas por vários domínios:

-domínio “E” – constituído pelos 250 a.a. do C-terminal – é a região de ligação do ligando (HBD) e de proteínas chaperones;

-domínio “D” (região hinge) – localizado adjacente ao domínio “E”, e está envolvido na translocação do complexo esteróide-receptor para o núcleo;

-domínio “C” – é a região de ligação ao DNA (DBD) e consiste em 70 a.a. dispostos em duas regiões com formato de dedo, cada uma coordenada com um ião zinco. Estas duas zonas são cruciais para o processo em que o esteróide é reconhecido e se liga ao DNA;

-domínio “A/B” – zona N-terminal (NTD), com acção moduladora do DNA, que permite que o complexo esteróide-receptor já ligado ao DNA active genes e inicie a transcrição; esta região é intensamente imunogénica;

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Assim, após entrar na célula, o esteróide liga-se ao domínio “E” do receptor, formando o complexo esteróide-receptor. Este complexo liga-se concomitantemente a mais 8 ou 9 peptídeos (também via domínio “E”), que se designam chaperones, que são macromoléculas como heat shock proteins (Ex: hsp70, hsp90). Os chaperones ajudam a que o receptor adquira um formato 3D adequado para a ligação final e óptima do esteróide. Após a ligação dos chaperones, o complexo esteróide-receptor torna-se no “complexo esteróide-receptor maduro”. Após a ligação óptima do esteróide ao receptor, o complexo maduro dissocia-se dos chaperones, convertendo-se na forma activada, que é então fosforilado, dimerizado e transportado para o núcleo com a ajuda do domínio “D”. Uma vez no núcleo, as duas zonas com zinco do domínio “C” ligam-se ao DNA e o domínio “A/B” efectiva a transcrição genética. A resposta pela célula é muito rápida – em 30 minutos já é detectada síntese proteica induzida.

A descoberta dos RE contribuiu para o esclarecimento dos mecanismos de acção das hormonas lipofílicas (esteróides, vitamina D3, ácido retinóico e hormonas tiroideias T3 e T4).

A principal força de união das hormonas esteróides aos seus receptores é hidrofóbica e a sua especificidade deriva de outras interacções electrostáticas e de Van-der-Waals, assim como pela formação de pontes de hidrogénio em que intervêm os substituintes oxigenados em C3 e em C17 (e também em C11 nos adrenocorticóides). A estrutura quase planar dos esteróides facilita a sua entrada no canal hidrofóbico dos seus receptores e a sua mobilidade conformacional aumenta as possibilidades de interacção. Alterações conformacionais pequenas podem ser cruciais para existir uma afinidade específica para um determinado receptor.

As hormonas esteróides naturais têm uso limitado como fármacos pois não são activas por via oral e em muitos casos têm efeitos secundários difíceis de ultrapassar. Actualmente têm sido efectuados estudos de modelação molecular envolvendo comparação de estruturas 3D, que têm permitido melhorar as potências e as selectividades destes compostos.

(Nogrady – p. 312-315; Avendaño – p. 745-746)

Síntese de alguns esteróides

As diferentes hormonas esteróideias foram descobertas durante as investigações para estudar o sistema endócrino dos mamíferos. A tarefa foi complicada pois encontram-se em baixas concentrações. Por exemplo, foi possível obter 15 mg de estrona cristalizada a partir de 15000 litros de urina. O isolamento, caracterização e semi-síntese das hormonas sexuais e corticais efectuou-se na década de 1930-1940, e a sua utilização terapêutica só foi possível depois de 1950 devido aos preços muito elevados destes compostos. As matérias-primas mais acessíveis nessa altura eram o colesterol e os ácidos biliares. Por exemplo, a obtenção de progesterona a partir de ácido cólico requeria uma síntese com 27 passos (e alguns com baixo rendimento)!

Ainda que seja possível obter quase todos os esteróides por síntese total, actualmente, quase todos os fármacos esteróides são preparados por semi-síntese a partir de matérias-primas naturais obtidos das

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Dioscoreas mexicanas (diosgenina) e da soja (sitosterol e estigmasterol), as quais já têm o núcleo esteróide formado. A sua produção comercial foi possível graças aos trabalhos do químico R.E. Marker sobre sapogeninas esteroideias – observou que a diosgenina, uma sapogenina espirostânica abundante nos rizomas de Dioscorea composita e D. macrostachys, podia ser uma matéria-prima adequada para a obtenção de pregnenolona, que é a molécula-chave para a preparação de progesterona, cortisona e outras hormonas esteróides. O processo desenvolvido por R.E. Marker baseia-se no tratamento da disgenina com Ac2O a 200ºC em autoclave, seguindo-se uma oxidação crómica quimiosselectiva que origina um

cetoéster que por tratamento com AcOOH origina o acetato de 16-desidropregnenolona (16-DHP), que, por redução, hidrólise e oxidação de Oppenauer origina a progesterona:

A reacção de Oppenauer é muito comum e útil na química de esteróides, pois permite a conversão de esteróides naturais ∆5-3β-OH em ∆4-3-onas, que é uma função característica de hormonas esteróides.

A 16-DHP também é percursora da desidroepiandrosterona (DHEA) (figura seguinte), que é uma molécula-chave na preparação de testosterona e de outros androgénios e estrogénios. Ironicamente, a síntese dos estrogénios (são os esteróides estruturalmente mais simples das hormonas esteróides) é a mais complicada dos 3 grupos de hormonas esteróides estudadas pois não há plantas que produzam quantidades comerciais de esteróides com anel A aromático.

Degradação

de Marker

(autoclave) 16-DHP Ac (redução quimiosselectiva da dupla conjugada e hidrólise) Oxidação de Oppenauer

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A exploração irracional das dioscoreias mexicanas obrigou à procura de alternativas à diosgenina como fonte dos esteróides – um processo, designado por processo Upjohn, permite obter progesterona com rendimentos elevados a partir do estigmasterol, que é um esterol abundante no insaponificável do óleo de soja: DHEA Ac 1) Ac2O 2) H+ (Beckmann) N-acetilenamida 1) H2O, OH -2) Rx Oppenauer

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A maior dificuldade da síntese dos corticosteróides usando as matérias-primas esteróides habituais é a introdução de oxigénios em C11, e as sínteses iniciais eram ainda muito longas e dispendiosas. Após várias tentativas, o problema solucionou-se usando um método químico-biológico, que permitiu, em 11 passos, obter a cortisona a partir da progesterona. O passo chave, mediado por um fungo Rhizopus arrhizus, foi descoberto de forma fortuita.

Mecanismo da transposição de Favorskii:

(Avendaño – p. 745-748, 759-761) Condensação selectiva com oxalato de dietilo (impedim do enolato em C12 e C2 pouco reactivo por deslocalização das cargas por conjugação) Enolato reage

com Br2

Impedim estereoq.

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Adrenocorticóides

As hormonas corticosteróides - glicocorticóides e mineralocorticóides são segregadas pelo córtex supra-renal, enquanto que a medula segrega as catecolaminas adrenalina e noradrenalina.

O córtex supra-renal está dividido em três zonas: zona glomerulosa (exterior), zona fasciculata (meio), e zona reticular (interior). Embora estas três zonas sejam variáveis na sua anatomia, também são distinguidas pela sua bioquímica - todas as três zonas corticais segregam corticosterona, a zona glomerulosa sintetiza aldosterona e a zona fasciculada e reticular sintetizam cortisol (e também hormonas sexuais).

Com base nos seus efeitos bioquímicos, podem ser facilmente distinguidos dois grupos de corticosteróides:

1. Glicocorticóides, que condicionam o metabolismo de hidratos de carbono, gorduras e proteínas 2. Mineralocorticóides, que regulam o equilíbrio de electrólitos através de retenção de Na+.

Estas duas classes de corticosteróides são muito importantes em química medicinal e no design de fármacos. A maioria dos glucocorticóides tem algum efeito mineralocorticóide, o que é geralmente considerado uma acção indesejável. Estudos de química estrutural e de relação estrutura-actividade permitiram efectuar alterações moleculares para tentar separar as duas actividades.

O receptor glucocorticóide pertence a uma superfamília de receptores nucleares proteicos, que inclui os receptores de esteróides, da vitamina D, das hormonas da tiróide, do ácido retinóico e outros receptores que interagem com os promotores que regulam a transcrição de genes-alvo.

Embora o receptor glucocorticóide seja diferente do de estrogénios ou da progesterona, os princípios básicos da sua acção parecem ser similares. Este receptor tem 800 a.a. de comprimento e tem três domínios funcionais: o C-terminal (onde existe a região de ligação glucocorticóide), a porção média (contém nove cisteínas, estando dobrada numa estrutura com forma de "dois dedos" estabilizada por iões Zn2+; tem a região de ligação do DNA), e o N-terminal (que tem a região específica do receptor).

No sangue, os glucocorticóides circulam ligados à globulina transportadora de corticosteróides (CBG), no entanto, a molécula de esteróide entra na célula na forma livre. Após entrar na célula, o esteróide liga-se ao receptor de glucocorticóides, o qual está ligado a duas proteínas estabilizadoras, nomeadamente 2 proteínas heat shock protein 90 (Hsp90); com a ligação do esteróide, o complexo resultante torna-se instável e liberta as proteínas de estabilização (Hsp90). Este complexo entra então no núcleo, na forma de dímero activado. O complexo, de seguida, liga-se a um elemento de resposta aos glucocorticóides (GRE) num gene, permitindo, assim, a regulação da transcrição pela RNA polimerase II.

Os glucocorticóides têm sido utilizados como fármacos anti-inflamatórios (são os AI mais eficazes), antialérgicos e imunodepressores.

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-a 1ª geração é representada pela cortisona, cortisol e corticosterona (cetonas C-3 α,β-insaturadas, com uma cetona ou um OH em C11 e uma cadeia lateral 17α,21-di-hidroxi-20-ona). A cortisona transforma-se

in-vivo em cortisol e é mais estável que este, sendo administrada por via oral, enquanto o cortisol é

administrado por via parenteral;

-a 2ª geração é representada pela prednisona (∆1-11-cetona) e pela prednisolona (análogo 11β-hidroxilado

da prednisona). Nestes compostos foi aumentada a potência sem aumentar a acção mineralocorticóide, o que se explica pela alteração da geometria do anel A devido à dupla ligação adicional (estudos teóricos permitiram verificar que a introdução de insaturações levou à existência de vários confórmeros com diferenças energéticas mínimas). Uma análise por regressão da actividade anti-inflamatória (AI) de uma série de derivados do cortisol com um substituinte em C9 (F, Cl, Br, I, OH, CH3, OCH3, OEt, SCN)

revelou que a acção AI estava correlacionada com o efeito indutor, tamanho e parâmetro π de solubilidade – a actividade aumenta quando esse substituinte retira carga (σ positivo), quando diminui o seu tamanho e quando aumenta a sua lipofilia, sendo o flúor o mais activo dos substituintes halogenados. Sugeriu-se que o principal efeito da electronegatividade do substituinte em C9 é o aumento da acidez do OH em C11, o que origina uma ponte de hidrogénio mais forte deste grupo com o receptor;

-a 3ª geração está representada pelo defrazacort (análogo da prednisolona com um anel oxazolina em C16-C17), que se composta como um pró-fármaco, sendo hidrolizado por esterases séricas ao derivado activo 21-OH, não tendo muitos dos efeitos secundários dos corticosteróides anteriores.

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Glucocorticóides - REA

A REA dos glucocorticóides é baseada em duas hormonas naturais - cortisol e corticosterona. As suas características estruturais são a 3-cetona conjugada, o grupo 11-OH, e a cadeia lateral 17β-ketol.

As modificações moleculares que têm sido efectuadas têm geralmente como objectivo obter compostos com acção glucocorticóide (e anti-inflamatória), mas sem efeitos colaterais nomeadamente mineralocorticóides. As alterações efectuadas têm permitido alterar a actividade farmacológica e a afinidade para o receptor (uma elevada afinidade não reflecte necessariamente uma elevada actividade farmacológica).

Duas modificações importantes são:

1. Halogenação. A 9α-fluorocortisona é apenas cerca de 10 vezes mais activa do que o seu composto parental, mas sua actividade mineralocorticóide é 300-600 vezes superior, o que é indesejável, uma vez que leva a edema. Assim, a fludrocortisona e outros compostos 9α-fluorados são usados apenas topicamente, em pomadas.

2. Ligações duplas adicionais. Compostos ∆1, como a prednisona (uma ∆1-11-cetona) e a prednisolona

(análogo 11-hidroxilo da prednisona). A mudança da geometria do anel A aumenta a potência glucocorticóide sem aumentar a actividade mineralocorticóide.

A introdução de um grupo metilo (metilprednisolona) resultou num ligeiro aumento na actividade, no entanto, as melhorias mais significativas na actividade resultaram da combinação de uma dupla ligação com um halogénio e um metilo.

A triamcinolona, na forma de acetonido (cetal de cetona) tem um grupo 9α-fluoro além da insaturação ∆1

e do 16α-OH, e é utilizada no tratamento da psoríase e de outros problemas dermatológicos. A dexametasona é um análogo 16α-metilo da triancinolona e é talvez o glucocorticóide mais activo, sendo também altamente estável.

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É interessante notar que a progesterona se liga bem ao receptor de glucocorticóides (apesar da falta do oxigénio em C11), no entanto, não provoca a activação de genes nas células alvo de glucocorticóides, o que revela a importância do papel do grupo 11-OH.

A estrutura óptima glucocorticóide evidencia uma conformação meia-cadeira 1α,2β para o anel A, e o anel D como um envelope 13 (C-13 está para cima). A halogenação é mais efectiva nos carbonos 6, 7, 9 e 12. Os compostos ligam-se na sua face β por forças de ligação hidrofóbicas.

Mineralocorticóides

Os mineralocorticóides, como a aldosterona, regulam a concentração de eletrólitos no organismo, estimulando a retenção de Na+ nas células renais.

A 11-desoxicorticosterona e a fludrocortisona são muito menos activas que a aldosterona, mas são usadas para manter o balanço electrolítico na insuficiência adrenal. Os antagonistas da aldosterona, tais como a espironolactona são úteis como hipotensores diuréticos, porque o aumento da excreção Na+ que

promovem é sempre acompanhado por um aumento do volume urinário.

Estruturalmente, a aldosterona tem uma estrutura única e difere dos glucocorticóides por ter um grupo 18-aldeído e não ter o 17α-OH. O 18-aldeído participa num equilíbrio tautomérico (principalmente com o OH em C11, mas também pode ser com o OH em C21), formando um anel hemiacetal cíclico.

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do receptor mineralocorticóide tem sido deduzida através da clonagem do seu DNA, evidenciando considerável semelhança estrutural e funcional com o receptor de glicocorticóide.

(Nogrady – p. 320-337; Avendaño – p. 497-515)

Funcionamento da tiróide e fármacos tiroideus

Foi no século XIX que se iniciou o estudo das hormonas implicadas na função endócrina da tiróide, que incluem a L-tiroxina ou 3,5,3´,5´-tetraiodo-L-tironina (ou 3,5,3´,5´-tetraiodo-p-hidroxifenoxifenilalanina) (T4) e seu análogo 3,5,3´-triiodo-L-tironina (T3). Estas hormonas iodotironinas (que são também a.a.)

influenciam o desenvolvimento e a função de muitos órgãos através de interacções com os seus receptores (localizados no interior da célula) ou alterando níveis de outras hormonas. A T3 é mais activa que a T4

para a maioria dos seus efeitos fisiológicos (sendo gerada nas células sistémicas a partir da T4 por acção

da 5´-desiodase).

As hormonas T3 e T4 são geralmente utilizadas no tratamento do hipotiroidismo, mas podem originar

problemas cardíacos.

A iodação da tiroglobulina, uma proteína que se sintetiza nas células foliculares da tiróide, é efectuada através do iodeto concentrado nesses folículos (entra nas células foliculares mediante um sistema de simporte com Na+, que está acoplado a uma ATPase) e é catalisada pela hormona tiroperoxidase. A

tiroglobulina iodada tem na sua sequência os resíduos T3 e T4 ligados por ligações peptídicas e está

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As hormonas T3 e T4 são libertadas para o sangue após a hidrólise da tiroglobulina estimulada pela

hormona TSH (ou tirotropina – glicoproteína hipofisária com uma subunidade α idêntica à da hormona LH e outra β com 112 a.a. e uma cadeia hidrocarbonada). A TSH, por sua vez, é libertada por acção da TRH, segregada pelo hipotálamo. A concentração de hormonas tiroideias no plasma é regulada por

feed-backs negativos e é regulada também por outros compostos como a somatostatina, noradrenalina,

dopamina,..., que condicionam a libertação da TSH. A ligação da TSH aos seus receptores na tiróide promove um aumento das concentrações de cAMP e de Ca2+, que favorecem a endocitose da

tiroglobulina, seguida da sua hidrólise, libertando-se as hormonas tiroideias para o sangue, onde são transportadas maioritariamente ligadas a proteínas plasmáticas (TBG, TBPA e albumina), pois são muito insolúveis. Por este motivo, estes compostos entram provavelmente nas células por difusão passiva. A síntese e o estudo (através de métodos qualitativos e quantitativos, incluindo pela correlação de Hansch) de compostos análogos às hormonas tiroideias tem permitido conhecer melhor o seu mecanismo de actuação e estabelecer a relação entre a estrutura e a actividade. Para existir actividade tiromimética são necessários dois anéis aromáticos (separados por um espaçador O, S ou C) e é necessária a sua disposição ortogonal (ângulo de ~120º), imposta pela dissubstituição por iodos nas posições 3 e 5 na estrutura do éter difenílico. A sua eliminação leva à perda da afinidade para o receptor, originando-se compostos inactivos, com excepção de análogos dibromados, que são mais activos in vivo devido à sua absorção oral superior. A substituição da função éter pelos isósteros metileno ou enxofre mantém a actividade uma vez que retém a conformação preferida. Pelo contrário, os derivados de bifenílos e metilenoxi não são activos.

Na triiodotironina, o substituinte em 3´pode orientar-se proximal ou distal em relação ao resto da molécula (figura anterior) e o grupo OH fenólico em 4´pode adoptar conformações cis ou trans em relação ao substituinte em 3´. Por sua vez, a cadeia de tirosina pode adoptar conformações cisóides ou

transóides.

Possivelmente o OH 4´ liga-se por uma ponte de hidrogénio a um centro básico aceitador de protões do receptor, sendo essencial, e só pode ser substituído por um NH2 (um dos seus H também forma uma

ligação intramolecular com o iodo-3´). Este grupo 4´-Oh também é importante para a ligação à proteina transportadora TBPA.

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Alguns análogos sem o 4´-OH são activos porque são hidroxilados metabolicamente. Do mesmo modo, os 4´-metoxilos podem ser considerados pró-fármacos, que se activam porque sofrem desmetilação metabólica.

O átomo de iodo em 3´pode ser substituído por muitos grupos lipofílicos (Ex: halogénio, alquilos – o isopropilo tem efeito óptimo, arilos,...) sem que ocorra diminuição da afinidade para o receptor. No entanto, a introdução de outra substituição em 5´ impede estericamente a formação da ponte de hidrogénio do OH-4´ com o receptor, originando perda de actividade (de forma proporcional ao tamanho do substituinte). Esta substituição também favorece a ligação às proteínas plasmáticas, reduzindo a concentração da hormona livre.

Nas posições 3 e 5 devem existir halogénios (iodo) ou metilos mantendo, como já referido, os anéis em posição perpendicular e participam em ligações hidrofóbicas com o receptor.

Finalmente, é importante uma cadeia lateral aniónica com 2 ou 3 carbonos, em posição para em relação ao espaçador (o anião liga-se por ligação iónica ao receptor nuclear). O grupo amina da tirosina não é essencial para a actividade (até desfavorece a afinidade para o receptor), mas os análogos que não têm este grupo, apesar da afinidade para o receptor, têm baixa actividade devido à sua semi-vida curta. Este grupo amina é importante no transporte das hormonas e atrasa o metabolismo da hormona.

O hipotiroidismo pode ser tratado com administração regular de iodo, no entanto, quando a glândula não está funcional ou está destruída tem de se administrar (levo)tiroxina sintética. A investigação neste campo tem sido direccionada para obter tiromiméticos selectivos, nomeadamente um derivado de piridazinona, que é tão activo como a T3 na acção hipocolesterolémico no fígado, mas tem actividade cardíaca mínima.

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(Avendaño – p. 524-527; Nogrady – p. 359-362) Fármacos antitiroideus

Ao contrário do que acontece no hipotiroidismo, o tratamento do hipertiroidismo já não é tão simples. Em alguns casos são utilizados isótopos de iodo que emitem radiações β (131I

2) e γ (125I2) pois podem destruir

selectivamente os folículos.

Também são conhecidos compostos goitrogénicos (que produzem hipotiroidismo), nomeadamente a progoitrina (que é transformada em goitrina em certas plantas), de origem natural. Alguns aniões volumosos como o tiocianato (SCN-), o pertecneciato (TcO4-) ou o perclorato (ClO4-) já foram utilizados

na clínica por inibirem competitivamente a captação de iodo pela glândula, embora tenham efeitos secundários graves. Mais recentemente, os fármacos escolhidos para controlar o hipertiroidismo são as tioamidas, como o 6-propiltiouracilo e o metimazole – ambos são derivados cíclicos da tioureia e actuam inibindo a tiroperoxidase. O carbimazole é convertido in vivo em metimazole. Os estudos de REA mostraram que o grupo tiocarbamida (-N-C(=S)-R) é essencial para a sua actividade antitiroideia.

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Inibidores da HMGCoA redutase

Nos humanos, mais de metade do colesterol total é sintetizado (“de novo”) no fígado, num processo que requer mais de 20 enzimas, e que começa a partir de acetato, activado na forma de acetil-CoA. O passo limitante nesta síntese é a reacção catalisada pela enzima hidroximetilgluraril-coenzima A redutase (HMGCoA redutase), que transforma o substrato HMG-CoA em ácido mevalónico:

Na descoberta de inibidores da HMGCoA redutase, úteis em dislipidémias, foram estudados muitos metabolitos de microrganismos na inibição da biossíntese in vitro de colesterol, encontrando-se finalmente a compactina/mevastatina em várias espécies do género Penicillium. A partir do fungo

Monascus ruber e de Aspergillus terreus, isolou-se outro composto mais activo, a mevinolina, que é o

derivado metilado na posição 6, que foi posteriormente designado lovastatina. A simvastatina é um análogo sintético da lovastatina. Estas moléculas revelaram-se bastante selectivas para esta enzima em relação a outras intervenientes na biossíntese do colesterol. Estruturalmente, algumas das estatinas são lactonas, cuja forma activa é a do di-hidroxiácido correspondente (derivado do ácido 3,5-di-hidroxivalérico, resultante da hidrólise da lactona, que ocorre em EPP hepática), podendo esta última estrutura ser considerada um análogo do estado de transição da reacção catalisada pela enzima em causa. Outras estatinas, por sua vez, já não são pró-fármacos, estando já na forma de hidroxiácido. Assim, em estudos enzimáticos, segundo os modelos considerados, a porção estrutural di-hidroxiácido deverá ocupar o local activo da enzima (onde se acopla também a unidade de 5 átomos de carbono do substrato – ou seja, o farmacóforo das estatinas é similar ao substrato), enquanto a restante estrutura ocupa uma região hidrofóbica adjacente. Como resultado destas interacções, a afinidade dos compostos para a enzima é elevada e a dissociação do complexo enzima-inibidor é muito lenta. Estas hipóteses bioquímicas já foram

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Os estudos de REA avaliaram nomeadamente a importância da lactona e da sua estereoquímica, a capacidade de abertura da lactona ser hidrolisada a di-hidroxiácido, a estrutura e comprimento adequado do grupo que liga a lactona à zona lipofílica e o tamanho e volume do grupo lipofílico.

Após várias modificações estruturais dos protótipos, verificou-se a necessidade de existência de um grupo carboxilato e dos grupos hidroxilo na configuração eritro. Quando os hidroxilos lactónicos foram substituídos pelos isósteros tiol ou amina observou-se uma diminuição da potência. A inserção de uma unidade de ligação (entre a lactona e a zona lipofílica) que não seja etilo ou (E)-etenilo também diminui a potência dos compostos. Modificações na zona lipofílica da compactina, na maioria dos casos originou compostos com potências inferiores, excepto para certos análogos bifenílicos.

Modificações da cadeia lateral 2(S)-metilbutiril éster da lovastatina mostraram que a introdução de um grupo alifático adicional no carbono α em relação ao carbonilo do éster aumentou a potência da lovastatina. Assim, a adição de um grupo metilo adicional ao referido carbono α originou a conhecida simvastatina. A introdução deste grupo permitiu bloquear a hidrólise do éster e originar um composto com uma meia vida plasmática mais longa e originou um composto mais potente que o precursor.

O epímero do carbono adjacente ao oxigénio lactónico na lovastatina é muito menos potente que a lovastatina. Modificações na porção ácido 3,5-di-hidroxivalérico levaram a compostos menos potentes, excepto quando o 5-OH foi substituído por uma cetona, em que a potência se manteve comparável. Possivelmente deverá ocorrer redução da cetona ao hidroxilo correspondente.

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As estatinas podem ser separadas em duas classes – as do tipo 1 são as mais antigas e as mais recentes são as de tipo 2, as quais retêm a porção que mimetiza a HMG da molécula mas a zona que mimetiza a CoA está alterada.

As estatinas são exemplos de inibidores enzimáticos de ligação lenta e forte, em que, ao contrário dos inibidores reversíveis, o equilíbrio entre a enzima e o inibidor é atingido lentamente e a inibição é dependente do tempo (já aproximada à cinética da inibição irreversível), e considera-se inibição por ligação forte porque ocorre inibição substancial quando as concentrações do inibidor e da enzima são comparáveis. Este tipo de inibidores enzimáticos de ligação lenta e forte pode envolver a formação de ligações covalentes ou não covalentes (caso das estatinas) e, tipicamente, estes inibidores são análogos do estado de transição.

(Avendaño – p. 303-305; Silverman – p. 262-267; Nogrady – p. 317-319) Síntese da simvastatina:

A lovastatina é um produto de fermentação e pode ser utilizada na síntese da simvastatina. A síntese inicia-se com as protecções do hidroxilo (na forma de éster benzoato) e da cetona da lactona (na forma de acetal cíclico). Esta última protecção faz-se para favorecer a selectividade no passo seguinte – metilação. No work-up desta reacção, devido a se gerar meio básico ocorre também a hidrólise do éster benzoato. Por fim regenera-se a cetona com HCl diluído em THF, obtendo-se a simvastatina.

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Dada a semelhança estrutural entre a lovastatina e a simvastatina, porquê não é possível a conversão directa da lovastatina em simvastatina por simples metilação?

(Helv. Chim. Acta, 2003, 86, 673-677) Ácidos biliares

O colesterol é metabolizado no fígado a ácidos biliares, que são necessários para a digestão lipídica pois são detergentes naturais e solubilizam lípidos da dieta. Todos os hidroxilos dos vários ácidos biliares (um máximo de 3 grupos OH) são axiais, a ligação A/B é cis e a polaridade da cadeia lateral (ácido carboxílico) é aumentada por conjugação com glicina ou taurina. Assim, estas moléculas têm uma porção hidrofílica e outra lipofílica, actuando como detergente, levando à formação de compostos de inclusão com ácidos gordos, promovendo a sua absorção intestinal.

As “pedras” biliares podem ser dissolvidas lentamente com tratamentos prolongados com ácido quenodesoxicólico e ácido ursodesoxicólico, que são ambos ácidos biliares fisiológicos esteroisoméricos (apenas diferem da estereoquímica dos OH na posição 7).

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Estrogénios, progestagénios e androgénios

Introdução

Das várias hormonas esteróides produzidas a partir do colesterol, as hormonas sexuais são extremamente importante. As hormonas esteróides com efeitos no sistema reprodutor são divididas em 3 classes:

1. Estrogénios - regulam a ovulação e o desenvolvimento das características sexuais femininas secundárias; é o grupo melhor estudado das 3 classes de hormonas sexuais

2. Progestinas ou gestagénios - mantêm a gravidez 3. Androgénios - hormonas sexuais masculinas

Estas três classes de hormonas sexuais têm fundamental importância em química medicinal, não só pelo seu papel na susceptibilidade de reprodução, mas também pelo seu potencial terapêutico em várias patologias, nomeadamente cancro

ESTROGÉNIOS

Estrogénios esteróides

Os principais estrogénios produzidos pelas mulheres são a estrona (E1), o estradiol (ou 17β-estradiol, E2) e o estriol (E3).

Estradiol é o principal produto segregado pelos ovários e é o agonista mais potente destes 3 compostos. A estrona e o estriol são formados no fígado (a partir de estradiol) ou nos tecidos periféricos (a partir de androgénios tais como a androstenodiona), sendo metabolitos urinários do E2. Na gravidez, são sintetizadas grandes quantidades de estrogénios pela unidade fetal-placentária.

Embora os estrogénios sejam facilmente isolados da urina de mulheres grávidas, a sua fonte mais abundante tem sido, historicamente, a urina de cavalos. Os cavalos excretam quantidades significativas de vários estrogénios equinos, incluindo equilenina (esteróide com um anel naftaleno) e equilina. Os estrogénios equinos não são sintetizados nos seres humanos, mas ligam-se facilmente aos receptores de estrogénios humanos.

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Actualmente, vários estrogénios utilizados na terapêutica são produzidos por semi-síntese a partir de intermediários sintetizados a partir da diosgenina e de outros precursores naturais.

Os estrogénios têm um anel A aromático e, portanto, a falta de um grupo 19-metilo. Tal como na maioria dos esteróides oxidados em C17, os estrogénios naturais são pouco activos por via oral pois são metabolizados pela flora intestinal a compostos inactivos hidrossolúveis. Se se ligarem 1 ou 2 carbonos em C17 obtêm-se álcoois terciários, que já não sofrem ataque enzimático e já são activos por via oral. O etinilestradiol e o seu éter 3-metílico (mestranol) são 2 exemplos de estrogénios semi-sintéticos activos por via oral, sendo ambos utilizados com contraceptivos orais. O etinilestradiol é tão potente como o estradiol administrado por via parenteral, mas é 10-20 vezes mais activo por via oral. Também são utilizados por via oral derivados de tipo éter na posição 3 (Ex: mestranol e quinestrol). A propriedade mais importante dos estrogénios semi-sintéticos é a sua maior eficácia quando administrados por via oral.

Foram desenvolvidos alguns ésteres do estradiol para serem administrados por via intra-muscular, formando depósitos no organismo, sendo lentamente hidrolizados libertando o estradiol.

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Estrogénios não-esteróides

Além de agonistas de estrogénios com estrutura-base esteróide,vários esteróides não-estrogénicos também foram sintetizados (são mais fáceis de sintetizar que os estrogénios esteróides) e utilizados, nomeadamente dienestrol, dietilestilbestrol, benzestrol, hexestrol, metestrol, metalenestrilo, e clorotrianiseno.

Destes compostos não-esteróides, os primeiros foram trans-dietilestilbestrol (DES) e o seu derivado reduzido, o hexestrol. A forma habitual de representação destes derivados estilbeno (difeniletileno) sugere uma semelhança estrutural com o esqueleto esteróide. No entanto, esta semelhança é puramente acidental,

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uma vez que os dois grupos etilo não são obrigatórios para existir actividade estrogénica. Contudo, a "espessura" da molécula é importante para a sua actividade - os planos dos dois grupos fenilo devem formar um ângulo de torção de 60°, e quatro grupos metilo proporcionarão um impedimento estérico similar ao de dois etilos (o derivado dimetilo é inactivo). Além desta orientação geométrica, a distância interplanar entre os dois grupos OH fenólicos no DES também é importante. Durante muito tempo foi sugerido que a distância entre os dois grupos OH no DES correspondia à distância entre o 3-OH e o 17-OH do estradiol. Estudos estruturais recentes mostraram, no entanto, que as distâncias 17-OH-17-OH são de 12,1 Å no DES, e de apenas 10,9 Å no estradiol - esta discrepância pode ser eliminada pela formação de pontes de hidrogénio com duas moléculas de água com o 17-OH do estradiol, considerando-se então o grupo OH da água, em vez do grupo OH do estradiol no cálculo da distância. Estudando a actividade estrogénica do derivado reduzido do DES – o hexestrol, verifica-se novamente qual é a conformação activa (ver figura seguinte). Além disto, outros estudos de farmacologia quântica também sugerem que o receptor de estrogénios pode reconhecer várias conformações de baixa energia do DES, desde que as geometrias OH-OH estejam dentro de uma faixa aceitável.

Mais tarde verificou-se que a substituição de um dos substituintes alquilo dos derivados do estilbeno por um anel aromático e o outro por um halogénio permitiu reter a actividade – um exemplo é o clorotrianiseno:

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Síntese do dietilestilbestrol:

O DES foi um dos primeiros estrogénios sintéticos desprovidos do núcleo esteróide. A sua síntese inicia-se com a alquilação da desoxianisoína com iodeto de etilo na preinicia-sença de uma bainicia-se forte. A reacção do produto obtido com brometo de etilmagnésio conduz à olefina trans e a uma pequena quantidade do isómero cis. Por fim, a desprotecção dos éteres metílicos conduz ao DES, cuja hidrogenação ocorre de forma estereoespecífica originando o isómero (+/-)-treo do hexestrol, que é o diastereoisómero activo:

(Avendaño – p. 630)

Anti-estrogénios

Os antagonistas dos receptores de estrogénios são utilizados com duas finalidades: na fertilidade e como agentes antitumorais.

O estradiol inibe a secreção das gonadotrofinas LH e FSH por feedback negativo. O resultado desta inibição é a produção de um único óvulo em cada período menstrual, evitando sobreposição de gravidez. Antiestrogénios, nomeadamente o clomifeno, podem bloquear esta inibição em mulheres inférteis devido à anovulação resultante da produção excessiva de estradiol (podendo, no entanto, ocorrer gravidez múltipla e, em alguns casos, defeitos congénitos nos nados vivos).

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Antiestrogénios, como o tamoxifeno, também são activos como agentes antitumorais em carcinomas mamários estrogénio-dependentes (constituem 2/3 do total dos tumores mamários). Paradoxalmente, o uso do tamoxifeno para tratar o cancro da mama está associado a um risco aumentado de cancro do endométrio. Além disso, o tamoxifeno pode originar cancro hepático em administrações prolongadas devido à formação de aductos com o DNA após a sua activação metabólica por oxidação benzílica pelo citocromo P450:

No toremifeno, esta reacção de bioactivação já é menos provável devido ao efeito destabilizador do intermediário pelo cloro.

Tanto o clomifeno como o tamoxifeno são 1,1,2-trifeniletilenos e também derivados aminoéter do estilbeno, estando estruturalmente relacionados com os estrogénios não-esteróides, como o DES e ainda mais com o clorotrianiseno. Dada esta semelhança, como se explica que uns sejam agonistas e outros antagonistas de estrogénios?

Quando os estrogénios não-esteróides (Ex: DES) entram no núcleo da célula, ligam-se ao DNA e depois induz dois factores de activação (TAF1, TAF2), os quais deslocam uma molécula repressora, permitindo a transcrição e síntese proteica. Nos antiestrogénios, a estrutura do anel aromático permite a ligação ao DNA, mas a cadeia dialquilo-aminoetilo impede a indução do TAF1.

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Síntese do tamoxifeno:

A síntese do antitumoral tamoxifeno obtém-se de modo similar à obtenção do dietilestilbestrol:

(Avendaño – p. 630) -inibidores da aromatase

Dada a grande variedade de estruturas que são oxidadas por enzimas do citocromo P450, é natural que existam muitos análogos dessas estruturas que conseguem inibi-las de forma reversível ou irreversível. Muitos destes inibidores são ligandos do ferro ligando-se à enzima no mesmo local que o substrato. Geralmente descobriram-se como consequência da interacção inesperada e indesejável de certos fármacos que inibem o metabolismo de outros. No entanto, alguns dos mais selectivos têm utilidade terapêutica. Neste contexto e como já referido, na biossíntese de hormonas esteróides a partir do colesterol estão implicadas várias enzimas do citocromo P450. A enzima aromatase (CYP19) catalisa a transformação de androgénios em estrogénios:

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Através de oxidações em C-19, originando um aldeído, que é posteriormente oxidado e ocorre aromatização com perda do anião formato, forma-se a estrona e o estradiol. Esta reacção é catalisada pela aromatase, a qual se localiza principalmente nos ovários, embora após a menopausa esta reacção ocorra preferencialmente nos tecidos gordos.

A produção de estrogénios está associada, nomeadamente, a ginecomastia, endometriose e cancros do endométrio e da mama. Por exemplo, os tumores da mama dependentes de estrogénios podem tratar-se, além da cirurgia, com antagonistas dos receptores de estrogénios (Ex: tamoxifeno) ou como inibidores da aromatase (antagonismo indirecto de estrogénios), inibindo a biossíntese de estrogénios. Entre estes está a aminoglutetimida, que foi introduzido na terapêutica como antiepiléptico, tendo sido já durante a sua utilização clínica que se detectaram as suas propriedades antiestrogénicas. Este composto é um inibidor reversível da aromatase que actua por interacção entre o azoto amídico e o átomo de ferro da porfirina enzimática; é provável que o anel de piperidinadiona seja o responsável pela interacção com o local activo da enzima.

Também se observou que alguns antifúngicos inibidores de uma enzima do citocromo P450 (14α-desmetilase) de fungos, como o cetoconazole ou o econazole, inibiam outras enzimas P450, nomeadamente a aromatase. Nestes compostos, o azoto do anel azole (geralmente imidazole ou triazole) é que coordena com o ferro. Assim, foram desenvolvidos análogos dos compostos anteriores que fossem mais selectivos para a aromatase (e portanto mais activos e seguros nomeadamente que a aminoglutetimida), tendo então acção antitumoral:

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Alguns antineoplásicos inibidores da aromatase considerados inibidores baseados no mecanismo (inibição “suicida”) são esteróides derivados da androstenodiona (um dos substratos da enzima) funcionalizados em C4 (Ex: 4-hidroxiandrostenodiona – ver mecanismo de inibição na figura seguinte) ou em C19 (Ex: plomestano):

Actualmente, no tratamento de cancros da mama estrogénio-dependentes, utilizam-se já inibidores da aromatase muito activos e selectivos (Ex: anastrozole). Contudo, a resposta a estes fármacos é um pouco inferior à esperada, possivelmente devido ao facto de que a formação de estrogénios nesses tumores deriva fundamentalmente da acção da enzima estrona-sulfatase, que hidrolisa o sulfato de estrona (forma circulante de estrona) a estrona. Por outro lado, os efeitos estrogénios podem ser originado por outros compostos que não apenas os referidos, nomeadamente o androst-5-en-3β,17β-diol (adiol), proveniente da hidrólise catalisada por sulfatase do sulfato de desidroepiandrosterona:

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(RA = receptor de androgénios; RE = receptor de estrogénios)

Assim, é de considerar a combinação, nomeadamente de inibidores da aromatase com inibidores de sulfatases.

(Avendaño – p. 300-303)

No contexto da acção estrogénica/anti-estrogénica é ainda relevante mencionar a importância de alguns compostos nomeadamente no tratamento da osteoporose pós-menopausa. Exemplos incluem a tibolona, que já não é um estrogénio clássico com anel A aromático, e o raloxifeno (derivado benzotiofénico) e análogos. Estes últimos compostos compreendem esqueletos miméticos do trifenileteno já anteriormente mencionados. A estratégia de incorporação da parte estilbeno do trifenileteno num sistema bicíclico de benzotiofeno (ou outros grupos análogos) origina derivados mais rígidos, em que a cadeia lateral básica se dispõe de forma quase ortogonal a estes anéis (no tamoxifeno esta cadeia é coplanar à parte estilbeno). Esta diferença espacial pode explicar a selectividade da acção tamoxifeno/raloxifeno (por exemplo). O metabolismo do raloxifeno e análogos já não é tão problemático como o dos derivados trifenileteno.

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PROGESTAGÉNIOS

A única hormona progestina natural é a progesterona e é produzida pelo corpo lúteo no ovário Se ocorrer uma gravidez, o corpo lúteo persiste durante os três primeiros meses de gravidez e depois o seu papel produtor de progesterona é substituído principalmente pela placenta.

A progesterona foi usada no passado para o tratamento do risco de aborto espontâneo e actualmente as progestinas têm sido usadas no tratamento paliativo do cancro inoperável do endométrio. O uso principal das progestinas deve-se ao seu efeito antifertilidade.

A progesterona não pode administra-se por via oral à sua fraca absorção e devido a sofrer ruptura metabólica da cadeia lateral em C17, pelo que tem de ser administrada por via parenteral em excipientes oleosos ou em suspensões aquosas de microcristais (que são dolorosas). Além disso, não é muito potente e tem um tempo de meia-vida sérica muito curta (~5 minutos), pelo que se tentou desenvolver análogos semi-sintéticos melhorados. Os derivados alquilo (retarda o metabolismo) ou os ésteres da 17α-hidroxiprogesterona são já activos por via oral.

Os análogos com substituintes hidrófilos como a 17α-hidroxiprogesterona não têm acção progestagénica, pelo que o substituinte em C17 deve interagir com uma zona hidrófoba do receptor. A acetilação aumentou a solubilidade lipídica e assim prolongou a duração da actividade de tais derivados.

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A introdução de uma dupla ligação, de um metilo ou um cloro em C6, além de aumentar a actividade progestagénica, também aumenta a actividade por via oral e retarda o metabolismo, embora nalguns casos origine compostos androgénicos. A introdução de um grupo metilo na posição C-6 de 17α-acetoxyprogesterona conduziu a uma série de progestinas altamente activas. A introdução de um grupo metilo em C-11 também interfere com a destruição metabólica destes fármacos e aumenta a sua potência oral.

A etisterona é um composto acetilénico preparado a partir da androsterona, e é uma progestina também já activa por via oral, embora também tenha acção androgénica.

A remoção do grupo 19-metilo na etisterona conduziu a uma série de progestinas altamente activas e com semi-vidas mais longas. Mais tarde, foram sintetizados vários derivados semi-sintéticos da progesterona (progestagénios), nomeadamente levonorgestrel, desogestrel, noretisterona, norgestrel e etinodiol sendo utilizados principalmente em formulações de contraceptivos orais.

Na preparação destes progestagénios sintéticos, manter a função 4-eno-3-ona do anel A é fundamental para preservar a ligação ao receptor. No entanto, o carbonilo em C20 não é essencial para a actividade, tal como não é importante a alteração das posições relativas dos substituintes em C17. A substituição do metilo em C18 por um etilo também beneficia a actividade (Ex: norgestrel).

Não deixa de ser curioso como foram derivados de androgénios o ponto de partida para obter contraceptivos orais e que, por outro lado, os derivados da 17α-acetoxiprogesterona sejam usados como androgénios.

Estes avanços na química medicinal foram cruciais para o design de contraceptivos orais (principal aplicação das progestinas).

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A mifepristona é uma antiprogestina que origina dilatação do colo uterino e também pode ser útil no tratamento de tumores dependentes de progesterona. Várias antiprogestinas são 19-noresteróides substituídos em C11. No desenvolvimento das antiprogestinas é importante dissociar a actividade antiprogestina da acção antagonista do cortisol.

ANDROGÉNIOS

Estes esteróides controlam o desenvolvimento de características masculinas: produção de espermatozóides e crescimento dos órgãos sexuais (pénis, testículos), próstata e vesículas seminais (efeito androgénico). Os androgénios também controlam os efeitos metabólicos durante o crescimento na adolescência e estimulam a síntese proteica (originando a “retenção de azoto") (efeito anabolizante). A testosterona é a hormona sexual androgénica protótipo, sendo produzida nos testículos, e tem de ser reduzida a di-hidrotestosterona (DHT) antes de se ligar ao seu receptor. Para que haja ligação eficaz ao receptor de androgénios é importante existirem funções oxigenadas nas posições 3 e 17, sendo óptima nos derivados 17β-hidroxi-3-oxo. Outros análogos androstanodióis, androstenodióis, androstanodionas ou 5α-androstan-3-onas têm menor afinidade. Estes compostos também podem ligar-se a receptores de glucocorticóides actuando como antagonistas. As hormonas naturais testosterona e DHT degradam-se rapidamente após administração por via oral ou parenteral. A esterificação do hidroxilo em C17 origina compostos lipossolúveis que se administram por via parenteral na forma de depósitos. Tal como nos grupos de esteróides anteriores, a semi-vida da testosterona e DHT pode prolongar-se por introdução de um metilo ou etilo em C-17α, pelo que a 17α-metiltestosterona é já activa por via oral e a fluxomesterona ainda é mais activa.

Existem também análogos sintéticos da testosterona, nomeadamente a 17α-metil-19-nortestosterona e a oxandrolona, que têm cerca de 100 vezes maior actividade que a testosterona como androgénios. Devido ao metilo adicional em relação à testosterona, a 17α-metiltestosterona é activa por via oral.

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A separação da acção anabólica da androgénica é importante no tratamento das condições patológicas como o cancro, trauma, osteoporose e nos efeitos da imobilização. Nestas condições é necessária a retenção de azoto e mineral, mas os efeitos androgénicos masculinizantes não são desejáveis em pacientes do sexo feminino.

A fluoximesterona (derivado 9α-fluoro-11-hidroxi-17α-metilo da testosterona), tem 10 vezes a acção androgénica e 20 vezes acção anabólica do composto original, mas é usado principalmente como androgénio em terapia de substituição hormonal, no hipogonadismo e algumas formas de cancro da mama.

Por eliminação do metilo em C19 obtêm-se compostos como a nandrolona. Estes fármacos e os seus derivados 17α-alquilo normetandrolona e noretandrolona têm maior actividade como anabolizantes que como androgénios. Dada a semelhança estrutural destes compostos com alguns progestagénios já referidos, não é de estranhar a sua acção progestagénica.

Com a introdução de duplas ligações conjugadas (trienbolona), metilação em C7 (7α-metil-19-nortestosterona) ou com a subsituição por oxigénio em C2 (oxandrolona) aumenta-se a actividade anabólica em relação à androgénica. Outros agentes anabolizantes conhecidos são a metandrostenolona e o estanozolol e o clostebol. Alguns destes agentes têm um anel oxazole ou pirazole ligados ao anel A. O uso de esteróides anabolizantes por atletas é generalizado, mas perigoso e proibido.

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A acção molecular dos androgénios mediada pelo seu receptor difere ligeiramente do modelo geral das hormonas esteróides descrito anteriormente, o qual se baseia principalmente nos estrogénios e progesterona.

Na próstata, a testosterona é reduzida enzimaticamente a DHT, que então se liga com elevada afinidade a um receptor citosólico. Esta ligação requer minutos a várias horas.

O achatamento destes compostos, especialmente na área dos anéis A e B, é uma condição prévia para uma ligação eficaz ao receptor (compostos A/B cis são inactivos). Parecem estar presentes também locais acessórios de ligação para o grupo 17α-metilo (o que reforça a ligação ao receptor) e o grupo 17β-hidroxilo é igualmente essencial para a actividade.

O receptor de esteróide intracelular (citosólico) está ligado a proteínas estabilizadoras como heat shock

protein 90 (Hsp90); quando o receptor citosólico se liga a uma molécula de esteróide, o complexo

receptor-esteróide resultante torna-se instável e liberta as proteínas de estabilização (Hsp90). Este complexo entra então no núcleo, ligando-se uma sequência específica de nucleotídeos (elemento de resposta androgénica) num gene, regulando assim a transcrição pela RNA polimerase II e factores de transcrição associados. O mRNA resultante é exportado para o citoplasma para a produção de proteínas que permite a resposta final do androgénio.

Anti-androgénios

Os antiandrogénios, nomeadamente o acetato de ciproterona ou a flutamida (composto não-esteróide - anilida substituída), são antagonistas competitivos do receptor citosólico de andogénios. Estes compostos não actuam evitando a formação de DHT mas sim inibindo a retenção nuclear de DHT na próstata, e originam a feminização de fetos masculinos e a diminuição da libido nos homens. A ciproterona também é um progestagénio activo. Nos homens, os antiandrogénios são habitualmente usados no tratamento do cancro da próstata e, raramente, para inibir a libido na "hipersexualidade"; nas mulheres, os antiandrogénios são usados para tratar a virilização excessiva.

A bicalutamida e a nilutamida são potentes antiandrogénios activos, que podem ser utilizados no tratamento do carcinoma prostático metastático. O finasteride é um esteróide inibidor da enzima 5α-reductase, e representa uma abordagem alternativa aos antiandrogénios.

A contracepção masculina, envolvendo a supressão da espermatogênese, é uma área intensamente estudada, mas ainda com poucos resultados práticos positivos. Injecções de enantato de testosterona

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originaram azoospermia em apenas 65% dos homens num estudo multicêntrico fundamental. O danazole, um inibidor de gonadotrofinas em mulheres, é também apenas parcialmente activo nos homens. Mesmo o acetato de ciproterona também permite obter uma contracepção fiável.

O gossipol é um composto fenólico isolado do algodão, e tem actividade antiespermatogénica directa, não afectando a função endócrina (parece agir na fase de espermátides da espermatogênese). Em alguns estudos, revelou ser 99% eficaz na redução da contagem de espermatozóides. Infelizmente, devido à sua toxicidade, este composto dificilmente terá sucesso como fármaco. No entanto, pode ser um composto protótipo para o design de agentes melhorados.

Inibidores da 5α-redutase

A testosterona é a hormona endógena que estimula o desenvolvimento muscular, a espermatogénese e outras funções em muitos tecidos. No entanto, em certos locais, como a próstata, a testosterona é uma pré-hormona, sendo a verdadeira hormona um seu metabolito reduzido – a 5α-dihidrotestosterona, origina por acção da enzima 5α-redutase:

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Dada a implicação desta hormona em certos processos patológicos, como a hiperplasia da próstata, foram desenvolvidos inibidores da sua síntese, sendo um deles a finasterida. Este composto é um 4-aza-esteróide que mimetiza o enolato intermediário desta reacção, sendo um inibidor potente desta enzima. Este composto também é utilizado no tratamento da alopecia androgénica.

A sua acção inibitória tem sido atribuída à sua semelhança estrutural com a testosterona, o que permite que se ligue à enzima, sendo reduzido a di-hidrofinasterida em vez do substrato habitual. Além disso também actua como inibidor baseado no mecanismo da enzima formando um aducto covalente com o cofactor NADPH. Este aducto NHDP-finasterida liberta a di-hidrofinasterida muito lentamente, tendo um tempo de semi-vida de 1 mês.

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Homeostase do cálcio vitamina D e derivados

A vitamina D (calciferol) pode encontrar-se nomeadamente em óleos de peixes e no leite, e também pode formar-se na pele humana por acção da luz solar sobre uma pré-vitamina D.

A designação de vitamina D aplicou-se inicialmente aos produtos da fotólise do ergosterol, em que se forma taquisterol e um complexo molecular 1:1 de ergocalciferol (activo como antirraquítico) e lumisterol (inactivo).

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ruptura da ligação σ entre os carbonos C9 e C10 é acompanhada da formação de uma nova dupla ligação

cis entre os carbonos C6 e C7. Este sistema de três ligações duplas conjugadas reordena-se através de

uma transposição sigmatrópica e finalmente isomerizar-se a uma geometria s-trans (em C6-C7 – apesar de ser ligação simples, devido à conjugação, tem carácter parcial de dupla ligação, e por isso alguma restrição rotacional). O colesterol e derivados são precursores da vitamina D3 (colecalciferol). Assim, de

modo similar, o 7-desidrocolesterol, originado por metabolismo no organismo, transforma-se por irradiação (por exposição solar da pele) em colecalciferol.

É de notar que apesar da alteração estrutural, para maior facilidade, nos derivados da vitamina D mantém-se a numeração e a estereoquímica que teriam os esteróides primitivos.

As reacções fotoquímicas que originam a abertura do anel B em sistemas 5,7-di-desidrogenados (que existe no 7-desidrocolesterol e no ergosterol) são exemplos de reacções electrocíclicas. Estas, em conjunto com as reacções de cicloadição e com as transposições sigmatrópicas, um conjunto de reacções designadas pericíclicas, que ocorrem através de mecanismos concertados (em que todas as ligações se quebram e se formam em simultâneo).

Nas reacções electrocíclicas representadas nas duas figuras seguintes, um ciclo-hexadieno (anel B dos esteróides) rompe-se e converte-se num sistema triénico conjugado. A luz UV fornece a energia necessária à ruptura da ligação σ entre os carbonos C9 e C10, e a re-hibridização a orbitais p origina os derivados 9,10-seco-5(10),6,8-triénicos.

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A formação das vitaminas D2 e D3 requer uma segunda reacção pericíclica – uma transposição sigmatrópica [1,7], em que um átomo de H do metilo em C19 passa à posição C9:

Os referidos foto-rearranjos, que levam à clivagem do anel B dos esteróides, são reacções utilizadas na indústria farmacêutica para obter estas vitaminas.

Ambas as formas referidas da vitamina D têm acção similar no organismo humano. A vitamina D3 é

absorvida na dieta, ou, como já referido, biossintetizada na pele. A forma activa da vitamina D3 é a

1α,25-dihidroxivitamina D3, formada por hidroxilação enzimática nos microssomas hepáticos (25-OH) e depois

na mitocôndria renal (1-OH):

A 1,25-dihidroxivitamina é então transportada para o osso, intestino e outros órgãos alvo (rins e glândulas paratiróides), podendo ser considerada uma hormona. Este composto actua então nos seus receptores (nucleares) nesses órgãos (Ex: osso e rim) controlando o cálcio e o fosfato (Ex: estimula a reabsorção óssea e impede a excreção renal de Ca2+) e também influencia a absorção intestinal destes iões (Ex:

aumenta a absorção intestinal activa de Ca2+), promovendo a mineralização do osso, e é útil no

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O metabolismo global do cálcio é regulado pela PTH e pela calcitonina. A PTH, bem como o estado hipocalcémico, activam a enzima 1α-hidroxilase renal, que leva à formação da vitamina D3 activa

[1,25-(OH)2D3]. Se as concentrações de cálcio, de calcitriol e de PTH plasmáticas se elevam a certos níveis,

então é activada uma 24-hidroxilase renal, que inactiva a vitamina D3. Os derivados 1,triol e

24,25-diol também suprimem a secreção de PTH.

Para lutar contra a raquitismo, em alguns países é feita a suplementação do leite infantil com 1,25-(OH)2D3. Devido à importância da osteoporose, têm sido desenvolvidos muitos análogos da vitamina D3.

Quase todas as modificações que originaram compostos com actividade superior resultaram de alterações na cadeia lateral em C17 – esta cadeia é muito flexível, mas o OH-25 (fundamental para a interacção com o receptor) pode situar-se numa região espacial ampla:

(Nogrady – p. 510-511; Avendaño – p. 518-523)

Bifosfonatos

Os bisfosfonatos são compostos sintéticos desenhados para mimetizar o pirofosfato, em que o átomo de oxigénio no P-O-P é substituído por um átomo de carbono, criando uma estrutura base não-hidrolisável. Os bisfosfonatos ligam-se selectivamente à porção hidroxiapatite do osso, diminuindo o número de locais ao longo da superfície óssea em que a reabsorção óssea mediada por osteoclastos pode ocorrer. Isto permite que os osteoblastos formem novo osso bem mineralizado com competição inferior dos osteoclastos. Os fármacos deste grupo incluem, nomeadamente:

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Calcitonina

A calcitonina é um péptido com 32 a.a. de cadeia única. A calcitonina obtida de espécies animais diferentes é idêntica em 7 dos primeiros 9 resíduos e contém glicina na posição 28 e uma prolinamida C-terminal (Pro-NH2). Esta prolimanida, bem como a ponte dissulfureto entre os resíduos Cys 1 e 7 é crucial

para a sua actividade biológica. Os resíduos 10 a 27 podem variar no sentido de tentar controlar a potência e o tempo de semi-vida dos análogos obtidos.

A calcitonina isolada de peixes é várias vezes mais potente que a dos mamíferos devido à sua afinidade superior para os seus receptores ósseos e renais. A calcitonina de salmão difere da humana em 16 resíduos e está disponível na forma de spray nasal e injectável.

(Nogrady – p. 363; Foyes – p. 196-197)

Outros agentes relevantes

A hormona PTH é segregada pelas glândulas paratiróides, sendo um polipéptido de cadeia única com 84 a.a., obtido a partir de percursores pré-pró-PTH e pró-PTH. O acetato de teriparatido é um polipéptido sintético correspondente ao N-terminal de 34 a.a. da PTH (que corresponde à porção estrutural necessária para a sua actividade biológica), obtido por tecnologias de DNA recombinante. É utilizado como agente de diagnóstico e como agente formador de ossos.

(Nogrady – p. 363-364; Foyes – p. 196)

A ingestão adequada de sais de Ca2+ nas fases de crescimento, nomeadamente na adolescência (aprox. 1200-1500 mg/dia), aumenta a densidade mineral óssea, e, teoricamente, reduz o risco de desenvolvimento de osteoporose. Apesar de a suplementação de cálcio por si só não ser suficiente para reverter a perda óssea existente na osteoporose, têm sido utilizados clinicamente alguns sais inorgânicos de cálcio (geralmente em combinação com outras terapias), nomeadamente:

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