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Memória e autoritarismo: setores populares e a ditadura Stroessner no Paraguai.

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Academic year: 2021

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Memória e autoritarismo: setores populares e a ditadura Stroessner no Paraguai.

PAULO ALVES PEREIRA JÚNIOR*

A maioria dos estudos referentes aos regimes militares na América Latina se concentra apenas em grupos "intelectualizados" da sociedade (artistas, escritores, estudantes) e em trabalhadores organizados em sindicatos ou partidos políticos. Grande parte desta historiografia prioriza o conceito de classe para analisar as ações dos indivíduos. Entretanto, explicar a situação do Paraguai - um país predominantemente agrário - seria inviável. Nesse caso, os conceitos marxistas (proletariado, burguesia) se manifestam insuficientes, pois não conseguem explicar as ações dos sujeitos sociais.

Procurando utilizar um conceito que atenda as particularidades do Paraguai, utilizaremos nesse trabalho o termo setores populares. Porém, é importante evidenciar a origem e a aplicação dessa ideia. Edgar Salvadori de Decca, no livro O silêncio dos vencidos (1981), mostra como o discurso dos políticos e dos intelectuais - que participaram das “revoluções” - silenciaram os setores populares. O autor trabalha, por exemplo, com o golpe militar de 1964 no Brasil. Em 1964, uma junta militar depõe o presidente João Goulart, implantando uma ditadura cívica-militar no país. Diante do impacto do golpe de 1964 e da – suposta – ausência de resistências populares expressivas, os intelectuais se voltaram para a revolução de 1930 para entender o golpe.

O principal motivo desta “retomada” está no fato de que o governo populista de Vargas teria “mascarado” a realidade ao se colocar como autêntico representante dos trabalhadores por um lado e, por outro, desarticulado os sindicatos independentes, o que teria repercutido na falta de resistências ao golpe. De Decca considera, assim, que as experiências dos trabalhadores em 1964 foram analisadas a partir de um modelo de participação

* Graduando em História pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), em Foz do Iguaçu (PR). E-mail: paulo.junior@unila.edu.br. Orientador: Paulo Renato da Silva, doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: paulo.silva@unila.edu.br

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social que, apesar de fundamental, desconsidera outras possibilidades de reação que possam ter ocorrido, o que produziu o “silêncio” destacado no título.

É interessante notar como ele tenta, de certa maneira, mostrar o distanciamento entre os setores populares e os intelectuais. Dessa forma, De Decca levanta que a construção de setores populares não é produzida por esses setores. Nesse processo de construção, os intelectuais projetam ações dos setores populares que não são destes, “anulando-os” consideravelmente. A academia, “ao recorrer à classe operária ou ao movimento operário como objetos, como abstrações, silenciou os ecos da experiência proletária” (DECCA, 2004:34), ou seja, os discursos acadêmicos “silenciaram” as vozes dos operários. Além disso, os intelectuais marxistas priorizam como sujeitos históricos os trabalhadores, apenas aqueles que fazem parte do processo de produção, como já citado.

O argentino Luis Alberto Romero no capítulo “Los sectores populares urbanos como sujeitos históricos", de seu livro (escrito em conjunto com Leandro Gutiérrez) Sectores

Populares, Cultura y Política: Buenos Aires en la entreguerra (1995), pensa nos

trabalhadores em esferas que vão além do campo do trabalho, como as produções culturais, as relações familiares e religiosas, o lazer e a diversão, entre outros campos. Além disso, Romero evidencia o termo setores populares, que inclui as crianças, as mulheres, os idosos e os camponeses que estão à margem do processo produtivo, mas inseridos nas esferas que citamos acima. Trata-se, portanto, de uma crítica ao conceito de classe – ou, pelo menos, ao seu uso tradicional:

en el caso específico delas sociedades latinoamericanas se puso en evidencia el carácter insular de su clase obrera (por lo menos de aquella que satisficiera el viejo paradigma) y la amplitud de otros grupos que no se confunden con ella pero que tampoco puedan ser separados completamente, por los cuales pasan algunos de los procesos sociales más significativos.

Así hoy, en el caso de las sociedades urbanas, los estudios sobre lo que Gramsci llamo de clases subalternas parecen no centrarse exclusivamente en los trabajadores industriales sino en un conjunto más amplio, genéricamente denominado sectores populares urbanos (ROMERO, 2007:27).

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Esse viés perspectivo seria mais interessante para se analisar o caso paraguaio, pois, como já citamos anteriormente, permitiria explicar historicamente os setores não ligados aos processos produtivos clássicos, já que se trata de um país fundamentalmente agrário.

A representação dos setores populares na historiografia, sobretudo sobre as ditaduras na América Latina, é a nossa problemática. Apesar de destacarem as manifestações políticas dos movimentos populares e sociais - através de guerrilhas, passeatas e protestos -, muitos estudiosos consideram que as ditaduras militares latino-americanas conseguiram silenciar quase toda a sociedade, tornando-as passivas e coniventes com os governos autoritários. O presente trabalho buscará analisar as formas de como uma parcela da historiografia apresenta o papel dos setores populares durante o regime de Alfredo Stroessner (1954-1989).

A representação dos setores populares na historiografia sobre o regime stronista

No Brasil, os estudos sobre a ditadura de Alfredo Stroessner começaram a ser produzidos no final da década de 1970. Basicamente, destacamos três trabalhos que tiveram maior repercussão: Stroessner: Retrato de uma ditadura (1980), de Julio José Chiavenato; A

herança de Stroessner: Brasil - Paraguai, 1955-1980 (1987), de Alfredo da Mota Menezes; e Paraguai: a consolidação da ditadura de Stroessner (1954-1963) (2000), de Ceres Moraes.

Observaremos de que modo os setores populares são representados nessas obras e se toda a sociedade paraguaia foi silenciada ao omissa ao governo stronista.

Em Stroessner: Retrato de uma ditadura, Chiavenato busca mostrar os organismos e os países legitimadores do regime, a participação da sociedade (os setores que apoiaram e que foram contrários ao regime), a participação da Igreja Católica e a corrupção existente durante o governo. O autor, com uma linguagem jornalística e sem fontes precisas, mostra um Paraguai em plena ditadura de Stroessner, numa fase em que as estruturas políticas, sociais e econômicas estavam entrando em crise.

Chiavenato, apesar de considerar a participação política expressiva dos setores populares durante o stronismo, coloca o povo como apenas um observador, e não como um ator efetivo. O jornalista, ao evidenciar a ascensão de Stroessner, levanta que este reprimiu “qualquer tentativa de organização política das massas” (CHIAVENATO, 1980:90),

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sufocando violentamente qualquer oposição ao seu governo. Sendo um sistema que oprime, através do exílio político ou dos assassinatos, todos os movimentos contrários ao regime, no Paraguai ficaria apenas “um povo sem vanguarda política a organizá-lo, perdido dentro da miséria social e da falta de perspectiva, mas que vai se “politizando” pela própria opressão social que sofre” (CHIAVENATO, 1980:91).

Através desse exemplo, a sociedade estaria apenas observando a situação política vivida em seu país, não atuando diretamente na realidade a sua volta, pois não teria voz. Os setores populares, para Chiavenato, estariam desenvolvendo uma consciência política na medida em que são oprimidos, seja através da censura, da corrupção ou da violação dos direitos humanos. Assim, o povo estaria sendo omisso ao governo.

Em vários trechos do livro, o jornalista reforça sua tese de omissão: “Mas o povo observa atento” (CHIAVENATO, 1980:147), e “O Paraguai inteiro espera a queda de Stroessner, para ver o que vai acontecer” (CHIAVENATO, 1980:147); reforçando a visão de uma população que - apesar de lutar ativamente contra o regime - se acomoda e espera, um dia, a queda do ditador. A ausência de um partido de massas, que desenvolveria com maior agilidade a “politização” da população, seria um fator que explicaria a “passividade” da sociedade paraguaia, já que estamos falando de um autor marxista.

Na obra A herança de Stroessner: Brasil - Paraguai, 1955-1980 (1987), Menezes aborda as relações políticas, culturais e econômicas entre o Paraguai e Brasil, que foram intensificadas durante o período do governo Stroessner. O autor também mostra como o Brasil ajudou a legitimar o stronismo, através de intervenções políticas e econômicas no país. Essas relações geraram grandes obras, como a Ponte Internacional da Amizade (projetada em 1956 e inaugurada em 1965) e a Usina Hidroelétrica de Itaipu (inaugurada em 1984). Foi durante esse período que houve a “invasão” intensificada dos brasileiros em terras paraguaias.

Menezes expõe, logo na apresentação, que o seu objeto de pesquisa não é propriamente a ditadura de Stroessner, mas as relações entre os governos brasileiro e paraguaio, “Este livro analisa a história das relações Brasil-Paraguai durante a era de Alfredo Stroessner” (MENEZES, 1987:09). Ou seja, o importante da obra são as relações econômicas

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entre os dois países, sem destacar nenhum outro elemento externo, como a participação política dos setores populares.

Através dessa perspectiva, o autor, em seus estudos, silencia a ação dos setores populares na política do Paraguai, mostrando - dessa forma - que os paraguaios foram passivos ao regime, ao não destacar nenhuma manifestação contrária ao governo. A fácil aceitação da entrada de brasileiros no país, a cooptação de inúmeros funcionários públicos e o envolvimento dos paraguaios no contrabando, como forma de sustento, ajudaria a corroborar a hipótese de que a sociedade paraguaia aceitou, sem hesitar, a ditadura de Stroessner.

Em Paraguai: a consolidação da ditadura de Stroessner (1954-1963), Moraes evidencia as instituições e os setores da sociedade que legitimaram e consolidaram o regime stronista. Para isso, faz um recorte histórico que vai de 1954, ano do golpe, até 1963, período que o governo estava estruturado: “Fez-se esse recorte temporal pelo fato desse período ser considerado como de consolidação da ditadura, visto que 1954 marca a tomada do poder, e em 1963, já estavam praticamente esgotadas as forças de resistência da sociedade civil” (MORAES, 2000:09). Além disso, a autora refuta a tese de que o regime só foi possível se consolidar “porque haveria, no povo paraguaio, uma enraizada cultura autoritária e clientelista” (MORAES, 2000:07).

Entretanto, ao longo de seu trabalho sua crítica não se fundamenta. A autora coloca que a sociedade paraguaia do período foi neutra, por conta da instabilidade recorrente no país. Essa “passividade” dos setores populares estaria associada ao medo da repressão, aos discursos nacionalistas, e outros mecanismos que ajudaram a consolidação do regime stronista. Dessa forma, apesar de iniciar criticando essa visão de passividade, manteve a “ideia” que quis combater.

Partiremos agora para os estudos produzidos no Paraguai sobre o tema. Tendo em vista evidenciar - nessa parte - os estudos mais atuais sobre o regime militar de Stroessner, destacamos dois trabalhos recentes: O capítulo “El Régimen de Stroessner (1954-1989)”, de Andrew Nickson, publicado no livro Historia del Paraguay (2010), organizado por Ignacio Telesca, e El Paraguay bajo el stronismo (1954-1989) (2010), de Bernardo Neri Farina e Alfredo Boccia Paz.

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No texto “El Régimen de Stroessner (1954-1989)”, Nickson apresenta um panorama do regime de Stroesser desde o seu início - em 1954 - até seu fim, com o golpe de 1989, organizado por Andrés Rodríguez. O texto expõe os “pilares” do regime, as instituições que consolidaram os 34 anos de governo de Stroessner e os movimentos sociais contrários ao governo stronista. Como “pilares” do regime, o autor destaca que o Partido Colorado e as Forças Armadas foram as instituições que permitiram a manutenção de Stroessner no poder. “La longevidad del régimen se basó en la alianza tripartita que Stroessner supo forjar, como presidente de la República, con los militares y su propio partido” (NICKSON, 2010:277).

Entretanto, é curioso notar a forma de como os setores populares são representados neste estudo. Nickson evidencia que o regime “contó con el soporte de un número significativo de la población” (NICKSON, 2010:291). Para manter o apoio expressivo da sociedade, o governo usou a corrupção e o clientelismo - principalmente entre os trabalhadores rurais - entre os colorados e os militares como um mecanismo de apoio ao regime. Por conta desse sistema mantido pelo o governo, os setores populares teriam sido omissos ao autoritarismo da ditadura de Stroessner, pois se beneficiariam do mesmo, através de atividades ilegais e da obtenção de trabalho.

O livro El Paraguay bajo el stronismo 1954-1989 faz um rápido panorama de todo o regime de Stroessner, onde é destacado a memória da ditadura na sociedade paraguaia, a violação dos direitos humanos, o contrabando, as relações internacionais e a estrutura social e econômica do governo. É importante observar, nessa obra, a representação dos setores populares durante o período stronista.

Logo na introdução, os autores colocam que o autoritarismo imposto durante a ditadura de Stroessner “instaló el miedo como conpañero habitual de las actividades cotidianas de dos generaciones de paraguayos” (FARINA; BOCCIA PAZ, 2010:12-13), ou seja, o sistema repressivo do stronismo introduziu na sociedade paraguaia o medo. Isso indicaria a justificativa da omissão da população frente às ações do regime.

Adiante, Farina e Boccia Paz mostram que havia um forte esforço, por parte do governo, em dominar as organizações sociais que foram postas em prática. Toda a tentativa de iniciativa cidadã que fosse contrária à política de Stroessner seria reprimida. Dessa maneira,

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“se fue perfilando el carácter autoritario del (...) gobierno, que inponía con mano de hierro una cruenta pacificación” (FARINA; BOCCIA PAZ, 2010:101). Haveria, então, uma estrutura governamental que impedia a ação e a mobilização dos setores populares opositores ao regime.

Essa “passividade” da sociedade civil, evidenciada na historiografia trabalhada, é altamente discutível, pois como é possível cobrar de uma sociedade - que viveu sobre um regime autoritário que manteve sob um estado de sítio, por quase trinta anos - pode desenvolver uma cultura de mobilizações políticas contrárias ao governo? A visão desses autores não estaria altamente associada com uma vertente tradicional, condicionada nos conceitos de classe? Os paraguaios teriam sido omissos ao regime por não possuírem uma consciência política, mas como explicar as diversas manifestações contrárias ao governo? Considerações Finais:

Vimos, através da perspectiva de diferentes autores, como os setores populares são evidenciados na história do período stronista. Todos os autores evidenciam que os setores populares foram omissos à ditadura, por razões distintas, mas foram. Farina e Boccia Paz colocam que o objetivo de Stroessner era “disciplinar a la sociedad” (FARINA; BOCCIA PAZ, 2010:114), o que na opinião de todos os autores trabalhados foi bem sucedido.

Entretanto, coerção social não significa o apoio de todos. Apesar de estar sob a vigilância do Estado, uma grande parcela dos setores populares não foram totalmente oprimidos. Boa parte da historiografia sobre as ditaturas latino-americanas colocam que a única forma de oposição ao governo era através de guerrilhas ou de manifestações públicas. Porém, essa questão deve ser relativizada, pois os setores populares contrários ao regime encontraram outras formas de manifestarem sua condição, como por exemplo, as denúncias aos membros da Igreja Católica, que representou uma forte oposição ao regime.

O que talvez tenha ocorrido nesse período foi uma “simulação” dos setores populares que, uma vez colocando-se como disciplinados e aceitando as imposições do governo, manifestavam seu descontentamento de forma que não comprometesse diretamente suas condições “legais”, pois como foi levantado, o medo e o terror era um sentimento nutrido por

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uma parcela da sociedade paraguaia. Contudo, isso não impediu a atuação política da população.

Referências Bibliográficas:

CHIAVENATO, Julio José. Stroessner: retrato de uma ditadura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1980.

DECCA. Edgar Salvadori de. O silêncio dos vencidos. São Paulo: Brasiliense, 2004.

FARINA, Bernardo Neri; PAZ, Alfredo Boccia. El Paraguay bajo el stronismo (1954-1989). Colección: La gran historia del Paraguay, nº 13. Asunción: El Lector, 2010.

MENEZES, Alfredo da Mota. A Herança de Stroessner: Brasil - Paraguai, 1955-1980. Campinas: Papirus, 1987.

MORAES, Ceres. Paraguai, a consolidação de Stroessner 1954-1963. Porto Alegre: Edipuc-RS, 2000.

NICKSON, Andrew. “El Régimen de Stroessner (1954-1989)”. In: Ignacio Telesca (org.).

Historia del Paraguay. Asunción: Taurus, 2010.

ROMERO, L. A. “Los sectores populares urbanos como sujetos históricos”. In: ROMERO, L. A.; GUTIÉRREZ, L. H. Sectores Populares, Cultura y Política: Buenos Aires en la

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