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A crise estrutural do capital. István Mészáros. São Paulo: Boitempo, 2009, 133 p.

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A crise estrutural do capital. István Mészáros. São Paulo: Boitempo, 2009, 133 p.

Cézar Henrique Maranhão

Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Paraíba, Brasil <cezarmaranhao@uol.com.br>

No final da década de 40 do século XX, ao escre-ver um ensaio sobre Goethe, o filósofo marxista György Lukács modestamente afirmava que se contentaria caso o resultado de seus estudos o possibilitassem erguer uma frágil ponte para faci-litar a alguns homens o caminho entre passado e futuro no então confuso e desfavorável perío-do de transição viviperío-do naquele momento. Pas-sadas mais de três décadas da morte de Lukács, um antigo discípulo e companheiro de estudos chamado István Mészáros confirma que o con-junto da obra lukacsiana, empenhada em dina-mizar o ‘renascimento do marxismo’, nos legou mais do que uma frágil ponte entre o passado e o futuro.

Nascido em 1930, na cidade de Budapeste, Hungria, István Mészáros tem desenvolvido importantes estudos que procuram resgatar a densidade e a radicalidade da crítica marxista ao sistema de produção e reprodução social ba-seado no capital. Entre seus trabalhos destacam-se obras fundamentais para a compreensão con-temporânea do pensamento de Marx, tais como:

A teoria da alienação em Marx, livro que ganhou

o Prêmio Deutscher em 1971; O poder da

ideolo-gia, publicado primeiramente no Brasil pela

edi-tora Ensaio, em 1996, e atualmente reeditado pela Boitempo; sem falar na sua obra de maior fôlego: Para além do capital, que reúne, num denso e longo volume, mais de 25 anos de estu-dos sobre a atualidade da crítica marxiana. Vale ressaltar que recentemente o autor foi contem-plado com o Prêmio Simon Bolívar do Pensa-mento Crítico pelo seu livro O desafio e o fardo

do tempo histórico, lançado em 2007, também

pela Boitempo. Todas essas publicações fazem parte da construção de uma crítica devastadora aos mecanismos de produção e reprodução que o autor chama de ‘sistema sociometabólico do capital’. Através de uma aguda investigação, István Mészáros tem se firmado como um dos principais intelectuais marxistas contemporâ-neos e como um dos críticos mais profundos e radicais das sérias ameaças impostas pelo capi-tal ao futuro da humanidade.

O livro A crise estrutural do capital reúne sete artigos e uma entrevista que condensam as principais teses e formulações analíticas do au-tor sobre as raízes concretas da atual crise do sistema capitalista mundial. Com textos escritos ao longo de duas décadas, o mais antigo em 1971 e o mais recente em 2009, a publicação contém artigos que, ao negarem a substância episódica ou pontual da atual crise capitalista, apontam para a existência de uma “crise estru-tural do sistema metabólico do capital” que afeta todas as esferas de produção e reprodução social. Ao contrário das teses sobre um suposto ‘capitalismo organizado’, que dominaram o de-bate intelectual pós-Segunda Guerra, desde o final dos anos 60 do século passado, Mészáros já chamava a atenção para a emergência de uma nova fase da crise capitalista. Depois de um lon-go período dominado pelas tradicionais crises cíclicas, que alternavam momentos de expansão e recessão, o sistema capitalista passa agora a atravessar uma crise endêmica, cumulativa, crô-nica e permanente, indicando a ativação dos limites estruturais absolutos do sistema socio-metabólico do capital. Assim, a crise estrutural do capital tem aprofundado a histórica disjun-ção entre produdisjun-ção para as necessidades sociais e a autorreprodução do capital, ampliando suas características destrutivas e recolocando como imperativo vital para o futuro da humanidade a busca por uma alternativa ao sistema meta-bólico do capital.

Ao desenvolver suas análises sob o prisma do método inaugurado por Marx, as reflexões de Mészáros procuram respostas para duas ques-tões fundamentais: Que determinações históri-cas fizeram com que o capital adentrasse uma fase em que não pode mais encontrar soluções duradouras para as suas próprias contradições ficando condenado a exacerbar seu potencial des-trutivo? E que contradições inscritas na dinâ-mica da luta de classes e no próprio desenvolvi-mento capitalista podem oferecer as condições e requisitos para uma alternativa radicalmente contrária à dinâmica coisificante e predatória do capital?

Para responder tais indagações, o autor bus-cará a raiz da crise atual no próprio esgotamen-to do modo de intercâmbio e controle humano sobre as forças da natureza desenvolvido sob a égide do capital. No terceiro capítulo do livro, argumenta que no decurso do desenvolvimento

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histórico humano a função de controle social, antes assumida pelos próprios produtores, foi gradativamente alienada do corpo social e trans-ferida para o capital. Surge, assim, uma forma de controle da produção reificada que adqui-riu o poder de aglutinar os indivíduos num padrão de produção hierárquico estrutural e funcional possuindo uma lógica de reprodução, ou seja, um ‘metabolismo social’, na qual as ne-cessidades de acumulação do capital assumem o objetivo primordial do intercâmbio orgânico com a natureza em detrimento das necessidades sociais dos próprios produtores. Assim é que Mészáros reafirma a teoria da alienação de Karl Marx que, ainda nos anos 40 do século XIX, percebeu a imposição gradativa do capital en-quanto força alienada e estranha que, ao não admitir qualquer tipo de controle consciente, reduz os cálculos e planejamentos humanos a zero. Por isso, o capital é um modo de produção, por princípio, incapaz de prover a racionalidade abrangente de um adequado controle social. Para Mészáros é exatamente essa impossibilidade de qualquer tipo de controle externo consciente sobre a lógica de acumulação do capital que gera a atual crise estrutural que presenciamos. Em outras palavras, a substância essencial da crise contemporânea radica na inerente disjunção, cada vez mais acentuada, entre a produção para atender as necessidades sociais e a autorrepro-dução alienada e incontrolável do capital.

Em períodos anteriores da história do capi-talismo foi possível às diversas personificações do capital, com a ajuda de seus Estados, amorte-cerem ou deslocarem, por um curto período de tempo, os efeitos mais nefastos das crises cícli-cas capitalistas. Para Mészáros, essa possibili-dade limitada a uma fase específica do desen-volvimento capitalista fez surgir, inclusive no interior do movimento socialista, a defesa de que seria possível estabelecer um gradativo con-trole estatal sobre o capital. No entanto, diante da atual crise estrutural, as intervenções do Es-tado na economia perderam o seu potencial de deslocamento dos efeitos negativos da crise para se converterem em novas causas para o agra-vamento do poder destrutivo do capital. Esta realidade fica evidente com a presente estraté-gia de ‘nacionalização das falências’ que possibi-litou aos países imperialistas salvarem os grandes grupos transnacionais do desastre através da socialização de suas perdas e do saque contínuo

ao dinheiro público. Dessa forma, as próprias contradições capitalistas ironicamente puseram fim às ilusões social-democratas de uma huma-nização do capital e acabaram por transformar antigos adeptos das teses reformistas em atuais defensores das políticas neoliberais.

É importante ressaltar que, apesar de afir-mar o bloqueio do crescimento da economia e o desgaste do papel civilizatório do capital pela crise, não há em Mészáros qualquer sinal de uma teoria fatalista que aponte para uma autodes-truição do capitalismo. Pelo contrário, para o referido autor, a atual incapacidade do capital encontrar soluções duráveis para sua crise es-trutural abre possibilidades históricas para uma reativação da alternativa socialista no mundo. Preocupado com os caminhos do movimento so-cialista no século XXI é que Mészáros irá desen-volver uma controvertida e rigorosa crítica às experiências socialistas do século XX. Para o autor, a identificação equivocada do alvo apro-priado para a transformação socialista radical trouxe consigo sérias consequências para o movi-mento socialista. O autor alerta que as experiên-cias do chamado “socialismo real”, ao confundi-rem a mera “expropriação dos expropriadores” com o horizonte da transformação socialista, pro-porcionaram uma sobrevida ao capital mesmo no interior de uma economia pós-capitalista. Assim, a tese do autor oferece uma explicação sobre os motivos pelos quais as sociedades so-cialistas repetiram e adensaram as desumani-dades típicas das sociedesumani-dades de classe. Mesmo sem a figura do expropriador capitalista, mas com a permanência de um sistema baseado na alienação dos trabalhadores de suas condições de existência, o capital conseguiu manter seu metabolismo social no interior do chamado so-cialismo real. Por isso, Mészáros faz um alerta ao movimento socialista no século XXI. Não basta acabar com o capitalismo – enquanto for-ma política de dominação de ufor-ma classe sobre outra – para que a sociedade socialista seja criada de maneira sustentável, faz-se necessário ir para além do capital, superando a forma alienada de intercâmbio orgânico com a natureza através da restituição do controle social da produção pelos produtores diretos.

Publicado para concentrar as principais ela-borações do autor sobre as determinações con-cretas da crise atual, A crise estrutural do capital é um livro que tanto aglutina o pessimismo do rigor

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Territórios e identidades: questões e olhares contemporâneos. Frederico Guilherme Bandeira de Araújo e Rogério Haesbaerth (Orgs.). Rio de Janeiro: Access, 2007, 136 p.

Grácia Maria de Miranda Gondim

Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil

<grama@fiocruz.br>

Os textos organizados por Frederico Guilherme Bandeira de Araújo e Rogério Haesbaerth em

Territórios e identidades: questões e olhares con-temporâneos resultam de uma comunicação

coor-denada no XI Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Plane-jamento Urbano e Regional (Anpur) em Salvador, em 2005. Refletem em profundidade os concei-tos de território e de identidade à luz dos con-textos político, econômico e cultural forjados no interior dos projetos de modernidade/pós-modernidade e suas consequências na esfera pública e privada – na dimensão espaço-tempo-ral e na subjetividade dos sujeitos. É leitura fun-damental para aqueles que se debruçam sobre esses temas nos campos da saúde e da educação. As reflexões indicam direções metodológicas e estratégias de análise capazes de potencializar estudos em diferentes áreas: na educação, sobre o lugar do conhecimento e dos sujeitos da apren-dizagem – a escola, o professor, a família, a so-ciedade; na saúde, para compreender os

signifi-cados e sentidos do processo saúde-doença e a organização do sistema de saúde em territórios-população – como direito à vida e a cidade.

O livro indaga a polissemia dos termos ter-ritório e identidade na contemporaneidade, em função de posições epistemológicas divergentes produzidas por mudanças radicais na estrutura da sociedade em escala planetária, que refletem novas configurações do Estado-Nação, da cultura e da intimidade da vida das pessoas. Os proces-sos produtores destas transformações têm como características centrais à globalização da econo-mia, o relativismo liberal, a velocidade da infor-mação, o intercâmbio étnico e a mobilidade de populações por todo o mundo. Dentre os entes emblemáticos da modernidade, a fragmentação da cultura e o aprisionamento do sujeito em si mesmo são geradores de crise permanente de identidade social e dissociação espaço-tempo que se materializam, em última instância, em uma profunda crise no próprio campo de legitima-ção dos saberes em si. É no contexto dito pós-moderno que emerge uma concepção de terri-tório que realça tanto a continuidade e a fixidez quanto as relações duráveis e bem-definidas de coletivos identitários ou instâncias de poder. Do mesmo modo, a ideia de classe social se dilui em função dos arranjos produtivos, tecnológi-cos e organizacionais centrados na lógica do tra-balho individual a despeito do tratra-balho coletivo. O individual privilegiado não é mais o sujeito consciente de si inserido e constituído em uma totalidade-mundo na qual expressa sua subjeti-vidade. É agora sujeito de si mesmo pela exacer-bação da liberdade individual e da subjetividade frente ao conjunto de outros sujeitos em si. Nessa direção, os textos realizam análises críticas dos conceitos de território e identidade, das práti-cas de construção identitárias e dos processos de territorialização-desterritorialização-reterri-torialização, consubstanciados em variados ar-ranjos espaciais – local, regional e global, e em múltiplos contextos de vida.

“Identidades e territórios enquanto simu-lacros discursivos” traz um recorte epistemoló-gico da problemática dos signos a partir da con-cepção do ‘conceito’ – como possibilidade de representação do real ou como incompletude e multiplicidade, para traduzir processos, objetos e sujeitos. Para pensar o território, a identidade e as relações entre eles, o autor remonta ao pen-samento platônico do logos como razão universal, analítico de um grande intelectual marxista já

em sua maturidade quanto reúne o otimismo de um militante convicto da causa revolucionária socialista. Apesar de em muitas passagens o argu-mento do autor parecer demasiadamente abstrato, os ensaios reunidos no livro oferecem significa-tivas contribuições para intelectuais e militantes interessados na compreensão das atuais determi-nações da crise capitalista e dos desafios futuros do movimento socialista internacional. Nas páginas deste livro, o leitor encontrará bem mais do que um conjunto de análises sobre a mais grave crise social da história da humanidade; descobrirá também um belíssimo manifesto em nome da ple-na realização da liberdade e da igualdade substan-tiva, uma histórica bandeira dos trabalhadores e que, atualmente, também se impõem como condi-ção de existência futura da própria humanidade.

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e à teoria das ideias como essência das coisas, para situá-los como conceitos que podem ex-pressar um objeto no mundo, sem confundir-se com ele. Ao problematizá-los enquanto conceitos (re)significados em contextos sociais emergen-tes, investe-os de diferentes significados – ora como espaços da diferença e resistência, ora como homogeneização de indivíduos e padronização mercadológica de coletivos. Assim, território e identidade, para além de suas materialidades, são vistos como significações simbólicas consti-tuídas pelos sujeitos em sua luta cotidiana no campo das formulações sobre o mundo. A base epistemológica dessa reflexão é a ‘virada lin-guística’, passagem conceitual de uma visão de mundo calcada na teoria das representações para outra que busca entendê-lo a partir dos signos, dos processos de significação onde o mundo só se torna real a partir do pensamento, da lingua-gem. Nesse contexto, o autor descreve os dois termos como ‘simulacros discursivos’, por en-tender que a objetividade dos signos se constitui a partir de encaixes de quatro domínios insepa-ráveis – o objeto, o significante, o significado e o sentido, os quais conformam a totalidade. Portanto, a materialidade dos conceitos só se efetua na arena das relações interdiscursivas e das relações sociais.

“Identidades territoriais: entre a multiterri-torialidade e a reclusão territorial (ou: do hibridis-mo cultural à essencialização das identidades)” toma como eixo as reflexões de Lévi-Strauss (1977) sobre a crise identitária dos anos 1970 – o ‘no-vo mal do século’, para alertar sobre a necessi-dade de não nos atermos apenas aos aspectos subjetivos das revoluções sociais, mas, princi-palmente, sobre as condições objetivas que elas expressam. Argumenta acerca do modo de cons-tituição de identidades nos múltiplos contextos contemporâneos, onde os sujeitos históricos as forjam na relação que estabelecem entre espaço geográfico, memória e imaginação. A ideia cen-tral é imbricar a esta discussão o olhar sobre a multiplicidade territorial, seu caráter híbrido, flexível, àquelas manifestações mais arraigadas do território e das identidades mais fechadas e essencializadas. Aqui os conceitos de território e cultura são indissociáveis e constituídos no jogo das inter-relações onde se (re)definem a cada contexto em seu elementos constituintes. Nessa trama discursiva o território traduz a di-mensão política do espaço geográfico, por conter

em seu interior desejos e intencionalidades ex-pressas por meio de diferentes formas de poder. No mundo globalizado esses poderes são mul-tifacetados, difusos, distinguindo-se daqueles mais formalizados e visíveis. São forças ‘invi-síveis’ e simbólicas, nas quais as diferentes mani-festações culturais põem em prática os projetos de mundo de grupos específicos. O autor propõe que o território seja visto como processo, rela-cional. Mais como territorialização do que co-mo espaço fixo, estável. Coco-mo algo abstrato no sentido ontológico – possibilidade de tornar-se real a partir do imaginário e inserir-se como uma estratégia político-cultural a despeito da não materialidade do território de referência. A territorialização, por seu caráter processual, possibilitaria a constituição de identidades de forma dialógica, múltipla, aberta, em constante (re)construção: identidades territoriais, onde as referências espaciais localizam relações sociais, políticas, culturais e econômicas de grupos e in-divíduos. Haveria, portanto, ‘identidades dester-ritorializadas’, constituídas pela complexidade da relação espaço-tempo, nomeadas de multi-territorialidades, um híbrido de lugares iden-titários com possibilidade de acesso a vários territórios em rede, sem hierarquia de lugar, e as ‘identidades territoriais reclusas’, reação a multiplicidade e ao hibridismo decorrente da velocidade do movimento pós-moderno.

Em “Espaços dos pobres, identidade social e territorialidade na modernidade tardia” se dis-cute a possibilidade de influência do território na constituição da identidade social, em espe-cial, a das classes populares que, já na virada do século XIX para o século XX, eram tidas como perigosas e estavam circunscritas a um territó-rio específico onde realizava sua materialidade. O texto traz elementos importantes à reflexão: a família – unidade socioeconômica fundadora da modernidade que articula dimensões do tra-balho, espaço e sentimento; as redes – estrutura social que extrapola as relações familiares e per-mite a incorporação de outros sujeitos sem laços consanguíneos, e as noções de enraizamento e pertencimento – trazem em si a ideia de espaço-tempo. Como dado empírico, localiza a discussão da identidade social em dois cenários singulares – a favela brasileira e a cité francesa. Similitudes e diferenças marcam as dinâmicas desses lugares: as primeiras referem-se ao trabalho, à inserção dos jovens, à discriminação interna do lugar e à

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violência. As segundas vinculam-se à estrutura social e ao papel do Estado e permitem diferenciar e afastar a favela carioca da cité parisiense. Con-clui o texto que o enfraquecimento das matrizes identitárias modernas, indivíduo, nação e classe social, cria na modernidade tardia brasileira um efeito homogeneizante nos territórios das classes populares cujo padrão espacial é a favela.

O mote do discurso “Festa e identidade: a busca da diferença para o mercado de cidades” é a cidade e as manifestações culturais. As fes-tas populares são tratadas como possibilidade de construção identitária, de resistência e afir-mação do lugar, mas, também, como produto mercadológico, utilizadas como recurso cultural que denota as particularidades locais diante do mercado global. No Brasil tiveram desde sem-pre um caráter ritualístico de compartilhamen-to entre acompartilhamen-tores estratégicos e os demais mora-dores das cidades. A cidade de Mossoró no Rio Grande do Norte é o lugar onde a autora visua-liza diferentes formas de apropriação dos espaços das festas: ora como expressão da identidade popular, ora como manipulação de grupos espe-cíficos – do estado e/ou da sociedade tradicional, para fins de controle e propaganda regional. Nesse sentido, a festa se caracteriza como produção social, que gera diferentes produtos em diversas dimensões da vida – material, espiritual, política, econômica e simbólica. Por um lado, podem cele-brar o encontro e a unidade entre pares, servindo de renovação e (re)atualização de sua identidade, por outro, pode evidenciar conflitos, tensões e censuras. É um espaço de múltiplas territoriali-dades – os diferentes sujeitos se fazem repre-sentar na esfera material e imaterial. As festas ‘concebidas’ são aquelas organizadas pelo poder público com intenção regulatória – do profano, do subversivo, como domínio estratégico-fun-cional. Já as festas ‘vividas’ relacionam-se às representações espontâneas dos habitantes da cidade – os afetos, o sagrado, as paixões, como domínio simbólico-expressivo. Nos últimos anos as festas populares na cidade de Mossoró têm significado as lutas de forças antagônicas locais: de um lado a espetacularização dos rituais pelo poder público junto com a indústria da cultura; de outro, a igreja e a população resgatando a tradição de bravura e religiosidade como forma de resistência da identidade local.

O texto final, “Território, identidade e lutas sociais na Amazônia”, problematiza os embates

territoriais travados para preservar as identi-dades locais. O marco da discussão é o processo de integração e incorporação da região na divi-são territorial do trabalho, em escala nacional e internacional, a partir dos anos 1960. Cria-se no norte do país uma malha espacial de controle técnico-político, definida por meio de planos, programas e projetos governamentais, indu-tores de um tipo de desenvolvimento que erige a região à condição de fronteira de recursos na-turais disponível ao massacre do grande capital. Essa modernização conservadora – colonialista e autoritária – fez emergir movimentos sociais tradicionais em oposição à desterritorialização e à fragmentação das identidades daí decor-rentes. As lutas populares se configuraram co-mo ‘r-esistência’ à subalternização material e sim-bólica e de afirmação das identidades e modos de vida próprios daquelas populações. São lu-tas por maior igualdade e melhor distribuição dos recursos materiais – criação de território de igualdade, mas, também, por reconhecimento das singularidades culturais, expressas nos mo-dos de produzir e reproduzir a vida nesses lu-gares – criação de territórios de diferenças. Esses contextos identificam novos sujeitos políticos, num nítido movimento emancipatório do ter-ritório e da cultura. Diante das especificidades das lutas na Amazônia, o autor conclui que a construção de identidade é sempre histórica e realizada por sujeitos implicados. É relacional e contrastiva – afirma-se nas diferenças e em movi-mentos de interação. É material e simbólica – representa o concreto/objetivo e o subjetivo/ simbólico. É estratégica e posicional – está em estreita conexão com as relações de poder e de-marca, incessantemente, as diferenças de grupos, podendo ser hegemônica ou subalterna. Por fim, propõe uma tipologia para identidade de acordo com a posição que os sujeitos ocupam no espaço social: a identidade legitimadora – outorgada pelo Estado para efetivar seu controle sobre o corpo social; as identidades de resistências – fruto da luta de sujeitos desvalorizados pela lógica dominante; e a identidade de projeto – forjada pela necessidade de (re)significar e (re)posicionar o papel de certos atores sociais no convívio social.

Este texto encerra a da coletânea, deixando em aberto inúmeras respostas para que o leitor empreenda sua própria busca de significado para os conceitos de território, identidade e cultura.

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