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O Congresso Nacional e o Sistema Internacional de Proteção de Direitos Humanos: o desconhecimento do controle de convencionalidade

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Academic year: 2021

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XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

O Congresso Nacional e o Sistema Internacional de Proteção de Direitos

Humanos: o desconhecimento do controle de convencionalidade

Karen Cristina Correa de Melo

Mestranda em Direitos Humanos pela UniRitter. Médica pela UFRGS e especialista em Obstetrícia e Ginecologia pelo Hospital de Clinicas de Porto Alegre.

Medicina pela UFRGS e Direito pela UniRitter mandarparakaren@gmail.com

Daniella Bitencourt

Mestranda em Direitos Humanos pela UniRitter, especialista em Direito Tributário pela UFRGS e Mackenzie/SP

Graduação em Direito na UniRitter daniellabitencourt4@gmail.com

RESUMO: O artigo descreve a compatibilização que é realizada entre os projetos de lei (PL) ou projetos

de emenda à Constituição (PEC), promovida pelos parlamentares que estejam responsáveis pelas comissões permanentes no Congresso Nacional, principalmente a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ), que pode ser caracterizada por controle de constitucionalidade prévio. O que se pretende demonstrar é que, apesar de estarem condicionados a fazerem o controle de constitucionalidade, os parlamentares desconhecem completamente o controle de convencionalidade, parâmetro que também deveria ser realizado para a harmonização do ordenamento interno com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, com especial deferência quanto aos temas que se relacionam aos direitos humanos, para demonstração do problema, utilizam-se como exemplos de produção legislativa incompatível com a proteção dos direitos humanos a Proposta de Emenda à Constituição, a PEC 171/93 e também o projeto do novo Estatuto da Família. A pesquisa, de natureza qualitativa, descritiva e exploratória, utiliza revisão bibliográfica, documental, legislativa e conclui que o controle de convencionalidade realizado pelas autoridades legislativas pode melhorar a qualidade da produção legislativa e evitar retrocessos em direitos.

1 Introdução

Em ambas as casas parlamentares, Senado e Câmara dos Deputados, há as comissões permanentes1 de Constituição e Justiça e de Cidadania, tendo como uma de suas mais importantes tarefas o controle de constitucionalidade prévio nos projetos de lei do Congresso Nacional. Tal controle é feito no afã de se evitar que seja pautado para deliberação um projeto que seja contrário à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), barrando a entrada no mundo jurídico de uma lei inconstitucional, inadvertidamente aprovada pelo Congresso.

Há cerca de um ano, em evento realizado conjuntamente entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), o vice-presidente da Corte

1 “As funções das comissões parlamentares são diversas e incluem examinar determinada questão, discuti-la,

chamar atenção sobre ela, instruir os trabalhos parlamentares, eventualmente decidir sobre a questão, representar o parlamento etc.” (LEITE, George Salomão; STRECK, Lênio; NERY JÚNIOR, Nelson , 2017, p.770).

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Interamericana de Direitos Humanos, Eduardo Ferrer, alertou que o controle de convencionalidade de tratados internacionais ratificados pelo Brasil deve ser exercido por todos os poderes do Estado. Sinaliza-se, assim, que o controle de convencionalidade precisa ter seu reconhecimento e utilização ampliados também fora do âmbito judiciário. O incentivo à cultura do controle de convencionalidade promoverá a aplicação interna das convenções internacionais ratificadas, tornando a proteção dos direitos humanos mais efetiva.(ZAMPIER, 2016)

Ferrer recomendou que as autoridades estatais se familiarizem com a doutrina (2015)2 do controle de convencionalidade, que é utilizada tanto em sentenças contenciosas quanto em análises consultivas, doutrina esta que já vem sendo aplicada pela Corte há dez anos. De forma semelhante ao que se conhece do controle de constitucionalidade, em que se verifica a compatibilidade da produção normativa com a referência hierarquicamente superior, a Constituição, no controle de convencionalidade previne-se que as normas internas se incompatibilizem com o Pacto de São José da Costa Rica.(ZAMPIER, 2016). Em face disso, pretende-se explicar um pouco do funcionamento do sistema internacional de proteção dos direitos humanos e do controle de convencionalidade, demonstrando brevemente a falta de qualificação do parlamento e as consequências negativas para os direitos humanos dos brasileiros.

2 Os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos

Após a Segunda Grande Guerra Mundial, os países envolvidos criaram um novo organismo internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU), para promover a paz, proteger os direitos fundamentais do homem e, com o intuito de que se possa num esforço entre todas as nações, impedir que atrocidades semelhantes às cometidas pelo regime nazista possam acontecer novamente. A Assembleia das Nações Unidas, um dos principais órgãos da ONU, em 1948 aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirmando a importância de resgatar a dignidade humana. (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA e CASELLA 2016. p. 483-486).

Junto ao sistema internacional foram criados também os sistemas regionais de proteção, internacionalizando os direitos humanos no plano regional, conforme Piovesan (1997, p.217), na Europa, América e África. Os sistemas de proteção regionais estariam mais próximos às necessidades reais dos Estados que, por vizinhança territorial ou por aproximações culturais, podem dividir problemas em comum, fazendo com que a

2 “Ferrer divulgou a importância de os Estados sob jurisdição do órgão consultarem os Cadernos de

Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Publicados em 2015, os nove volumes dos Cadernos reúnem 37 anos de jurisprudência em 201 casos resolvidos e 21 opiniões consultivas em temas como gênero, migrantes e desaparecimento forçado. A jurisprudência sobre controle de convencionalidade está reunida no sétimo caderno”. (ZAMPIER, 2016).

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internacionalização dos direitos no plano regional possa alcançar maior efetividade na proteção do cidadão contra o arbítrio estatal..

O sistema internacional de proteção dos direitos humanos, global e regionais, atua numa concepção multinível e com diálogos jurisdicionais entre si, diálogo que também se estabelece entre os sistemas internacionais e os sistemas nacionais, em que a denominada aplicação do controle de convencionalidade faz a harmonização entre os diplomas, ampliando a efetivação dos direitos humanos. (PIOVESAN, 2017. P.132-134).Trata-se de mecanismo de compatibilização entre a legislação interna dos estados em face das normas supranacionais pelas quais manifestem adesão.

A seguir se passará à análise do controle de convencionalidade, pouco aplicado e muitas vezes desconhecido, principalmente pelos que elaboram as Leis - Poder Legislativo - que por dever profissional deveria dominá-lo.

2.1 O Controle de Convencionalidade

Segundo Mazzuoli (2009, p.113-139), antes do desenvolvimento de sua primeira obra em 2008, o tema de controle de convencionalidade não era discutido ou sistematizado por outros autores no Brasil, ele foi, portanto, o pioneiro a realizar o desenvolvimento doutrinário dos controles difuso e concentrado de convencionalidade no plano do direito interno no país, na monografia que consubstanciou sua tese de doutoramento.

Todos os tratados internacionais que versam sobre direitos humanos e são ratificados pelo Brasil, têm status de normas constitucionais quer seja pelo art. 5° §2° ou nos termos do art. 5° §3° ambos da CRFB 1988, sendo por isso paradigma de controle da produção normativa brasileira, o que se chamou de controle de convencionalidade das leis, conforme propugna Mazzuoli (2016. p.20).

Para o controle de convencionalidade das leis desenvolvido por Mazzuoli, os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil situam-se hierarquicamente como normas constitucionais do ordenamento jurídico pátrio, servindo como parâmetro para a compatibilização vertical das leis.

O § 2.º do art. 5.º da CF 1988, que diz: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” indica o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil3, além do que, conforme ressalta Mazzuoli (2016, p.28), há abertura constitucional para outros direitos e garantias internacionais dos tratados de direitos humanos ratificados

3

Importante ressaltar que esse entendimento não é o endossado pelo STF como será visto no desfecho a seguir.

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pelo Brasil. A partir deste dispositivo percebe-se que três são as vertentes, no texto constitucional brasileiro, dos direitos e garantias individuais: a) direitos e garantias expressos na Constituição, a exemplo dos elencados nos incisos I ao LXXVIII do seu art. 5.º, bem como outros fora do rol de direitos, mas dentro da Constituição, como a garantia da anterioridade tributária, prevista no art. 150, III, b, do Texto Magno; b) direitos e garantias implícitos, subentendidos nas regras de garantias, bem como os decorrentes do regime e dos princípios pela Constituição adotados, e c) direitos e garantias inscritos nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (MAZZUOLI, 2016. p.29).

No intuito de facilitar as controvérsias quanto à hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos – por fim as celeumas existentes -, a EC 45 de 2004, introduziu no art. 5° da CF 1988: “(...) § 3.º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. (MAZZUOLI, 2016, p.33). Para Mazzuoli (2016, p.35) esta inovação posta pela EC 45 não foi adequada, outrossim, a necessidade era da afirmação do § 2.º do art. 5º como proposição pela doutrina especializada em direito internacional.

Neste sentido reconhece-se um duplo controle de verticalidade, há o controle de constitucionalidade próprio do direito pátrio interno, em que o parâmetro de comparação das leis é com a CF/88, e o controle de convencionalidade, em que o parâmetro são os Tratados Internacionais de direitos humanos ratificados pelo país.

Para a doutrina especializada, os tratados internacionais de direitos humanos têm status constitucional, mesmo que, para o entendimento do STF desde o precedente do RE 466.343/SP os tratados de direitos humanos que não tenham sido aprovados com quórum qualificado (3/5 em 2 turnos pelas casas do Congresso Nacional), conforme alteração muito criticada introduzida pela EC 45/2004, apresentam o status de supralegalidade no ordenamento brasileiro, ou seja são valorados no espaço ficto acima das regras infraconstitucionais mas abaixo do texto constitucional (MAZZUOLI, 2009, p.120-121).

Nessa acepção, atenta-se para os quatro tipos de controle existentes: de legalidade, de supralegalidade, de convencionalidade e de constitucionalidade. O controle difuso de convencionalidade dos tratados de direitos humanos é aquele feito por qualquer juízo, já o controle de convencionalidade concentrado se perfaz em face do STF e é similar ao controle de constitucionalidade concentrado, porém os dispositivos dos tratados são o paradigma para o controle na compatibilização com o ordenamento brasileiro. Para Mazzuoli, todos os tratados de direitos humanos são materialmente constitucionais (§2° do art. 5°) e, quando aprovados por 3/5 em dois turnos pelas casas do Congresso Nacional, são formal e materialmente constitucionais (§3° do art. 5°, introduzido na EC 45/2004). No Brasil esta última possibilidade é a que enseja o controle de convencionalidade concentrado, uma vez que a tese vencedora no STF é de que os tratados de direitos

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humanos não aprovados de acordo com o art. 5.º, § 3.º, da Constituição, seriam supralegais.

Outra diferença entre a posição da Corte brasileira e Mazzuoli é que, para o STF os tratados que não versem sobre direitos humanos possuem valor legal e, para o doutrinador internacionalista estes são supralegais com base no art. 27 da Convenção de Viena, ratificada no Brasil, sobre o Direito dos Tratados de 1969.

Constitucional ou supralegal, o fato é que a gradação hierárquica reconhecida aos tratados lhes confere uma posição superior à da legislação ordinária, daí as possíveis analogias entre os controles judiciais de constitucionalidade e convencionalidade. A mesma premissa justificaria controle análogo na esfera política, realizado preventivamente no âmbito do poder legislativo, pela atuação das Comissões de Constituição e Justiça, e no poder executivo nas situações em que o Presidente da República apõe o veto jurídico sobre os projetos legislativos. Isso evitaria o constrangimento da manifesta ignorância em relação ao controle de convencionalidade pelos parlamentares, como aquela evidente no caso da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n. 171/93, cujo objetivo é a alteração da redação dada ao artigo 228 da CF 1988 para diminuir a faixa etária da imputabilidade penal de dezoito para dezesseis anos.

2.2 Sobre a PEC n. 171/93, o Projeto de Estatuto da Família e a filtragem da convencionalidade

A proposta de emenda à Constituição em discussão, de iniciativa do Deputado Benedito Domingues do Partido Progressista, aprovada em primeiro turno em julho de 20154 e, no segundo turno de votação na Câmara dos Deputados em agosto de 2015, pende de deliberação do Senado Federal.5

A PEC6 visa atribuir responsabilidade criminal ao jovem maior de dezesseis anos, alterando portanto, o art. 228 da CF 1988: “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”7

.

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Em manobra ardilosa, típica do presidente da Casa, o ex-deputado cassado Eduardo Cunha, após a proposta original ter sido rejeitada na Câmara no primeiro turno, em uma artimanha regimental, menos de 24 horas depois o ex-deputado do PMDB-RJ retomou a votação na noite do mesmo dia, colocando em votação texto quase idêntico mas alterando para que a redução da maioridade penal valesse para casos de crimes hediondos e dolosos contra a vida, sendo desta vez aprovado.(BENITES, 2015).

5

A proposta inicial do deputado referia-se à redução da imputabilidade penal para todos os crimes, ao todo tramitavam na Câmara cerca de 39 PEC’s propondo a redução, foram todos apensadas à PEC de sugestivo número, n. 171/ 93.(LOURENÇO, 2015).

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Cf a justificativa integral da proposta no endereço eletrônico: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=57F479405DED54BF4E007FDED 9D39599.proposicoesWebExterno2?codteor=1014859&filename=Dossie+-PEC+171/1993, acessado em 17.10.2017

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O deputado alega que aos 16 anos o jovem já tem maturidade para votar e aos 14 anos já pode trabalhar, assistido por um maior responsável no momento de firmar contrato. Diz também que os menores de 18 anos são usados pelos criminosos imputáveis para a prática de ilícitos, pois sabido que não sofrerão as mesmas penas, e que a PEC é direcionada para os jovens que já estão delinquindo, que notoriamente seriam muitos.

Pendendo de votação no Senado, se for aprovada por maioria qualificada de 3/5 em dois turnos de votação, virará emenda à Constituição, que não se submete a veto presidencial.

O Brasil é signatário da Convenção Americana dos Direitos Humanos promulgada pelo Decreto 678/19928, reconhecendo a competência contenciosa da Corte em 1998, e também subscreveu a Convenção sobre os Direitos das Crianças das Nações Unidas em 1990, através do decreto n. 99.7109. Por força do § 4º do art. 5º da CF10, o Brasil submete-se ao Tribunal Penal Internacional (TPI). O TPI, estabelecido pelo Estatuto de Roma, dispõe entre seus direitos e garantias que somente podem ser acusadas e serem submetidas à jurisdição as pessoas maiores de 18 anos ou que, à data da alegada prática do crime, já tenham completado 18 anos.(BRASIL, PRAZERES, 2015).

Rosa (2016, p.77) afirma que o controle de convencionalidade é pouquíssimo utilizado no país e não só os juízes deveriam realizar esse gerenciamento quanto deveria 7

Nos debates na CCJ da Câmara grande celeuma se instalou sobre se a idade da imputabilidade penal seria ou não cláusula pétrea, por estar localizada fora do catálogo do art. 5°, no art. 228 do texto constitucional, no entanto numa interpretação sistemática e em cláusula de abertura no próprio catálogo os direitos fundamentais podem estar dispostos por toda a constituição e não apenas no art. 5°. O fato do próprio constituinte reservar dispositivos especiais na CF para tratar das questões relacionadas à criança e ao adolescente, já denota a maior relevância da proteção deste grupo.

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Cf a legislação no endereço http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm, acessado em 18.10.2017.

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Cf o decreto na íntegra e o anexo da convenção no endereço http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm, acessado em 17.10.2017

10

O Pacto de São José da Costa Rica baseia-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que compreende o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria e sob condições que lhe permitam gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos. O documento é composto por 81 artigos, incluindo as disposições transitórias, que estabelecem os direitos fundamentais da pessoa humana, como o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à integridade pessoal e moral, à educação, entre outros. A convenção proíbe a escravidão e a servidão humana, trata das garantias judiciais, da liberdade de consciência e religião, de pensamento e expressão, bem como da liberdade de associação e da proteção a família. A partir da promulgação da Emenda Constitucional 45/2004 (Reforma do Judiciário), os tratados relativos aos direitos humanos passaram a vigorar de imediato e a ser equiparados às normas constitucionais, devendo ser aprovados em dois turnos, por pelo menos três quintos dos votos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. O primeiro deles a ser recebido como norma constitucional a partir da EC 45/2004 foi a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, voltada para a inclusão social dessas pessoas e a adaptabilidade dos espaços. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=116380>, acesso em 17.10.2017.

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ser uma “cultura espraiada para a Defensoria, para o Ministério Público, para quem trabalha, para o agente penitenciário, enfim, para todos que estão no “front” da execução penal”.

A proteção das crianças e adolescentes, sem adentrarmos no mérito da sua característica interna de cláusula pétrea já justificada em recentes trabalhos doutrinários11, o que por si só vedaria esse retrocesso, trata-se de uma conquista posta na Constituição Federal, e prevista nos tratados internacionais dos quais o país é signatário.

Ademais, cumpre lembrar que em caso de conflito entre normas aplica-se o princípio

pro homine. TORELLY12 nessa perspectiva, leciona:

De um lado, as constituições latino americanas gradualmente estariam se abrindo ao direito internacional dos direitos humanos. De outro, o tribunal internacional viria aplicando o princípio pro homine para, interpretativamente, ampliar o catálogo de direitos e garantias inscritos na Convenção Americana de Direitos Humanos. Da dialética entre esses dois movimentos, surgiria um conjunto de padrões protetivos mínimos comum, fortalecendo os direitos humanos na região. (2017, p. 796)

Ferreira (2014, p.108), igualmente relatando a importância do princípio aduz “todo modo, neste chão dos direitos humanos, vige, como regra de maior valor hermenêutico, a preponderância da norma mais protetiva ao homem, do princípio pro homine da pessoa humana ou pro persona [...]. O dispositivo se repete em outros atos convencionais”.

A redução da maioridade penal além de carecer de provas da sua efetividade, acaba por violar os tratados do qual o país é signatário uma vez que torna estéril qualquer chance de reeducação, ressocialização, proteção da criança e do adolescente, enfim, a adoção da PEC 171/93 é uma total contradição com todos os compromissos constitucionais e convencionais assumidos pelo país. Isso sem falar, no caso do Brasil, na própria injustiça moral no conteúdo da medida,

presente na situação em que o Estado, tendo falhado na promoção das políticas públicas de inclusão social e oferta de perspectivas para o desenvolvimento de um grupo em situação de vulnerabilidade social (o escopo da medida é escancaradamente o encarceramento da população adolescente pobre e negra), se volta contra sua própria vítima para privá-la da liberdade que ela já não teve condições mínimas de conquistar e exercer – um tipo perverso de bis in idem (ÁVILA, 2017, p. 94).

11

A esse propósito, conferir AVILA, Ana Paula Oliveira. Brutalidade da Maioria e Democracia Constitucional: Reflexões sobre o Estatuto da Família e a PEC da Maioridade Penal. In Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 22, n. 2, p. 73-112, mai./ago. 2017.

12 TORELLY, no mesmo dossiê, p. 800, cita o trabalho realizado pelos membros do grupo de pesquisa ‘Direito

da Antidiscriminação, Igualdade e Diferença’, Alice Resadori, Gilberto Schafer, Paulo Leivas e Roger Raupp Rios, dirigem seus esforços ao mapeamento e análise dos casos relacionados com a discriminação de pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersex (LGBTTI) na Comissão e na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

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Verifica-se que além da celeuma quanto à constitucionalidade da PEC, ela não passaria incólume por uma filtragem na análise do controle de convencionalidade, restando incompatível com a harmonização de todos os princípios que regem a proteção dos direitos humanos tanto no plano interno, no que restaria inconstitucional, mas também no âmbito internacional onde seria incompatível com as convenções e tratados ratificados pelo Brasil.

Outro debate legislativo que deveria ser realizado à luz dos Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos é o projeto de Estatuto da Família, cujo art. 2º contempla como entidade familiar apenas as uniões formadas entre homem e mulher. Esta redação opera a exclusão prima facie das estruturas familiares monoparentais e do direito dos casais em união homoafetiva de constituírem família, retrocedendo em relação ao precedente firmado na ADPF 132, julgada pelo STF. Neste tema, ao lado das questões constitucionais implicadas pelo direito à igualdade, o controle de convencionalidade também teria um relevante papel a cumprir, à medida que o projeto segue na contramão dos acordos internacionais a respeito da proteção dos direitos homossexuais. Com efeito,

a Recomendação Geral n. 20 do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais observa que os direitos presentes no Pacto de 1966 não podem ser negados em razão da orientação sexual do indivíduo. Mais recentemente, em 2011, foi aprovada uma resolução do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas afirmando expressamente que os direitos LGBTI são direitos humanos, vindo a ser reiterada em 2014. O Brasil foi um dos Estados proponentes da resolução, expressando aí um aceite tácito (AVILA, 2017, p. 93)

Considerando ainda o necessário diálogo das fontes em matéria de direitos humanos, cabe ainda considerar a decisão no Caso Toonen vs Austrália (Comitê de Direitos Humanos, 1994), segundo o qual os Estados estão obrigados a protegerem os indivíduos contra a discriminação baseada em orientação sexual (PIOVESAN E SILVA, 2015, p. 2624). 3 Considerações Finais:

Vimos que as comissões pelas quais passam os projetos de lei e de emendas constitucionais redigidas pelos parlamentares do Congresso Nacional, em especial a Comissão permanente de Constituição e Justiça e Cidadania, exercem um controle prévio para compatibilização das leis aos princípios constitucionais vigentes.

Uma vez registrada a importância dos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, principalmente os que correspondem à temática dos direitos humanos, descreveu-se a maneira como os tratados são incorporados ao ordenamento doméstico, alertando para as cláusulas constitucionais abertas e para o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre a hierarquia dos tratados internacionais. Neste ponto, há consenso quanto a duas premissas: os tratados sobre direitos humanos têm hierarquia de norma constitucional quando aprovados nos termos do art. 5o, §3o; os tratados têm hierarquia supralegal quando incorporados ao direito interno pelas vias ordinárias. Em

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ambos os casos se confere aos tratados uma precedência em face do direito ordinário, justificando controles que incidam antes, durante (político) e depois (judicial) das deliberações que aprovem leis ordinárias sobre temas associados aos direitos humanos.

Em seguida, discorreu-se sobre o sistema de proteção aos direitos humanos que combina o sistema multinível internacional global e regional, com o nacional, e os diálogos a serem estabelecidos entre eles com intuito de melhorar e ampliar a efetividade, apontando caminhos para que essas fontes diversas iluminem os trabalhos legislativos na fase política de formação das leis, assim como na fase de aplicação das mesmas no âmbito judicial.

Por fim, com os exemplos da PEC 171, sobre a redução da maioridade para imputabilidade penal, e do projeto de Estatuto da Família, demonstrou-se que os parlamentares brasileiros somente visualizam um nível de análise de sua produção legislativa, que é a compatibilização com a hierarquia constitucional, sequer cogitam o respeito aos tratados e convenções internacionais de direitos humanos, desconhecendo regiamente a doutrina do controle de convencionalidade.

A crise de representação que passa o Estado brasileiro associada à falta de qualidade e o fisiologismo dos nossos parlamentares, deve estimular a academia a identificar meios e mecanismos que possam servir de ferramentas de controle e limitação a processos legislativos que nos assombram diuturnamente pela capacidade infinita do retrocesso. Tudo isso para que o Brasil, enquanto nação, possa honrar os compromissos já assumidos perante a comunidade internacional e cumprir sua obrigação mínima, que é proteger os direitos humanos dos seus cidadãos.

Referências bibliográficas

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Referências

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