• Nenhum resultado encontrado

TÍTULO: AS NOVAS DIMENSÕES DO DIREITO À VIDA PRIVADA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "TÍTULO: AS NOVAS DIMENSÕES DO DIREITO À VIDA PRIVADA"

Copied!
14
0
0

Texto

(1)

1 FREDERICO PUPO CARRIJO DE ANDRADE

TÍTULO: AS NOVAS DIMENSÕES DO DIREITO À VIDA PRIVADA RESUMO

Palavras-Chave: Direito da personalidade. Vida privada. Era digital. Privacy. Riservatezza. Identidade pessoal. Controle do fluxo de informações.

O direito à vida privada é um assunto correntemente abordado no campo das discussões do direito da personalidade. Visto sob a ótica da integridade moral, é possível estudá-lo levando-se em conta as facetas da intimidade, da privacidade e do segredo, tendo-se como núcleo valorativo a noção da necessidade de uma esfera de reserva pessoal inerente a todo homem.

Entretanto, em um panorama de dissipação das fronteiras do espaço e do tempo pelo desenvolvimento acelerado dos meios digitais, pode-se notar a ocorrência de um fenômeno transformador do Direito, denominado por parte da doutrina italiana como a criação de “novas dimensões do direito à vida privada”.

O presente trabalho foca-se, portanto, na comparação das noções tradicionais e contemporâneas acerca do assunto mencionado, fazendo-se valer de instrumentos de Direito Comparado. Ressalta-se que tal estudo compõe um dos capítulos da pesquisa de Iniciação Científica intitulada “Integridade física e integridade moral: estudo sobre a aplicabilidade dos direitos da personalidade frente a novos desafios do Direito.”

ABSTRACT

TITLE: THE NEW DIMENSIONS OF RIGHT TO PRIVACY

Key Words: Personality right. Privacy. Digital era. Riservatezza. Personal identity. Information’s control.

The right to privacy is a currently studied subject on the discussion’s field of personality right. By the idea of moral integrity, this kind of right can be studied together with the discussions about intimacy, privacy and secret, taking the concept of ‘a personal reserve sphere’ as a basic human need.

(2)

2

frontiers – caused by the development of digital instruments – it’s possible to notice a phenomenon able to transform the Law, called by part of the Italian doctrine as “new dimensions of right to privacy”.

This study focus on comparing the traditional and contemporaneous notions about the subject treated. It’s important to mention that it composes one of the chapters of a Scientific Initiation research named “Physical and moral integrity: study about the applicability of personality rights to new challenges of Law.”

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A afirmativa de que o homem é um ser social já está mais do que evidentemente comprovada, pela própria história da existência humana. O homem, desde os primórdios, busca a vida em sociedade, aliando seus mais variados interesses aos interesses de outros semelhantes. Por isso, não raro se escutam alguns silogismos, como

o famoso ubi homo, ibi societas de G. DEL VECCHIO1.

Em uma breve análise antropológica, nota-se que a origem dessa sociabilidade humana vem da sua própria concepção, uma vez que o homem, para que exista, necessita, inexoravelmente, de uma relação social anterior a ele, envolvendo um ser do sexo masculino e outro do sexo feminino.

Mais do que isso, “ a antropologia salienta o fato de que o eu procede do tu, não apenas no sentido genético de que a pessoa procede de seus progenitores, mas no

sentido de que ela deriva do conhecimento do você – isto é, do outro.”2

A convivência social é, então, um elemento essencial para que o homem se torne aquilo que ele é. Percebe-se, então, que este conhece a si mesmo e, aos poucos, aprende as formas com que pode viver através do intercâmbio de informações, da intersubjetividade.

Entretanto, apesar de sua constante necessidade em viver socialmente, não há como negar que existe uma esfera de reserva da pessoa, em que ela possa pensar, agir livremente, alheia a toda a convivência social.

A doutrina tradicional do direito de personalidade aponta como elementos

1 Lezioni di filosofia del diritto, Milano, Giuffrè, 1946, p. 233.

2 F. R. ALONSO, Pessoa, intimidade e o direito à privacidade in I. G. S. MARTINS – A. J. PEREIRA

(3)

3 daquela a vida privada, a intimidade e o segredo.

Contudo, com a interconexão crescente entre direito e tecnologia, cada vez mais é evidente a necessidade de uma nova abordagem desse tema, trazendo-se à tona aquilo que a doutrina italiana define como novas dimensões do direito à vida privada.

2. DIREITO À VIDA PRIVADA, À INTIMIDADE E AO SEGREDO: TEORIAS E DIFERENCIAÇÕES

Para começar este tópico, frente a vastidão de teorias, tanto no direito brasileiro, quanto no direito comparado, que tratam este assunto, recorre-se a uma sistematização

realizada por J. A. L. SAMPAIO3. Este autor constata que, de modo geral, existem duas

correntes de doutrinadores que trabalham a vida privada, a intimidade e o segredo: a dos pluralistas e a dos unitaristas.

Na primeira delas encontram-se aqueles pensadores que propõem, de modo geral, a não existência de termos precisos, ou seja, que intimidade e vida privada sejam valores morais. Dessa maneira, estes não conceituam, mas enumeram casos em que tais valores podem ser feridos, como intromissões na vida pessoal, revelação de fatos privados, meios publicitários que expõem a pessoa, dentre outros.

São, em sua grande maioria, doutrinadores norte-americanos e, por serem relativamente imprecisos (exatamente por não conceituarem ou diferenciarem tais termos), não serão muito estudados neste trabalho, com ressalva da teoria do right to privacy.

Em contrapartida, a segunda dessas correntes engloba aqueles pensadores que acreditam que haja uma base conceitual única, que abranja a vida privada e a

intimidade, sendo, todavia, duas expressões que se diferenciam por sua abrangência. 4

Assim, intimidade, vida privada e segredo podem ter os mais variados significados, de acordo com cada doutrinador, bem como: i) o estar só, a tranquilidade, a paz de espírito; ii) o conjunto de informações pessoais do homem, que só podm ser conhecidos e revelados como a autorização do sujeito; iii) o espaço pessoal próprio aos pensamentos e divagações da pessoa; iv) autonomia, liberdade de decisões e de

3 Direito à intimidade e à vida privada – uma visão jurídica da sexualidade, da família, da comunicação

e informações pessoais, da vida e da morte, Belo Horizonte, Del Rey, p. 225-245.

(4)

4 determinação do modo de viver.

Entretanto, ao analisar todos esses possíveis sentidos, surge uma grande dúvida: será que os conceitos que encabeçam este tópico são iguais? Quais são as mudanças em suas concepções e qual a importância atual destes, baseado nas diferentes teorias dos direitos da personalidade? Em busca das respostas a tais questionamentos, alguns autores serão analisados.

O primeiro a ser citado é A. DE CUPIS5. Seu pensamento, no ramo estudado

neste trabalho, é considerado por muitos sui generis. Isso se dá pois foi um dos pioneiros a defender a unidade de um conceito que abrangesse a tutela da reserva humana como um direito pleno.

Terminologicamente, conceitua essa esfera como riservatezza6, que pode ser

definida, em linhas gerais, como uma modo de ser da pessoa, que, por si só, deve

excluir do conhecimento alheio as informações referentes ao indivíduo que a exerce.7

Percebe-se também que ela abrange toda uma esfera de informações e dados próprios do indivíduo, que, conjuntamente, constituem sua integridade moral.

Assim, “a rizervatezza (o riserbo) personale consiste em um modo de ser negativo da pessoa em relação aos outros sujeitos, mas precisamente em relação ao

conhecimento destes”8. Em outras palavras, refere-se direito de isolamento moral, da

não-permissão de que outros sujeitos atentem-se aprofundadamente aos aspectos individuais da própria pessoa.

Apesar dos louváveis avanços que tal teoria propôs, atualmente, em alguns aspectos, ela pode ser considerada ultrapassada. Será que, com os mais avançadas tecnologias, ao se realizar uma imagem, de um momento privado de uma pessoa, usando-a para suprir uma certa curiosidade, também não está se ferindo uma reserva pessoal, independentemente da divulgação pública dessa imagem?

A necessidade dessa própria reserva individual evoluiu ao passar do tempo, tornando a sua proteção um grande desafio ao Direito coevo. Por isso, para que este possa lidar com tais desafios, necessita de conceitos mais específicos. Nesse sentido, a

5 I diritti della personalità, Milano, Giuffrè, 1959.

6 Em tradução livre, pode ser considerada como “reserva”. Todavia, como na obra de De Cupis tal palavra

assume significado especial, único, prefere-se neste trabalho não traduzir o termo, utilizando-se do vocábulo em italiano quando a ele for se referir.

7 I diritti, cit., p. 256-257. Do original: “modo di essere della persona il quale consiste nella esclusione

dalla altrui conoscenza di quanto ha riferimento alla persona medesima.”

8 I diritti, cit., p. 258. Do original: “la riservatezza (o reserbo) personale consiste in un modo di essere

(5)

5

riservatezza, apesar de sua importância histórico-científica, talvez seja insuficiente. Em conclusão ao seu pensamento deve-se notar que sendo ele, além dos limites legais e voluntários, o diritto alla riservatezza existe plenamente, abrangendo não só aquilo que deve ser inacessível ao conhecimento dos outros, mas que não deve ser

acessível nem indiscretamente divulgado. 9

Outra teoria que merece bastante destaque no panorama doutrinário é a das

esferas da personalidade, ou Sphärentheorie10. Originária do direito alemão, ela

acompanha o ressurgimento, neste país, a partir da Lei Fundamental de Bohn, da teoria do direito geral da personalidade.

Por esferas, entende-se como as formas que o ser humano possui para expressar sua personalidade, sendo desde as formas de expressão ao mundo exterior, até as formas mais internas, que não são publicamente reveladas.

Assim, a interpretação dessa teoria leva a crer que a sociabilidade da pessoa deve servir como limitação à sua liberdade individual, no sentido de que a proteção de sua vida privada é dada na medida em que ocorre a exposição do indivíduo ao ambiente social. 11

Com isso, quer-se dizer que as expressões ou esferas mais reclusas do ser humano clamam por maior proteção da ordem jurídica, uma vez que são aquelas que, exatamente por se encontrarem mais internamente, não devem, pela própria vontade do sujeito, serem sequer conhecidas por outrem.

Em linhas gerais, as três esferas da personalidade mais recorrentes na doutrina

germânica são12: i) a esfera mais interna, sendo a da intimidade ou, para alguns, do

segredo, em que se encontra o inatingível, o núcleo mais sensível ou o core da vida privada, em que se encontra aquilo com que a pessoa nem mesmo compartilha com seus amigos o familiares; ii) a esfera da vida privada, a qual é formada por pequenos e delimitados grupos sociais, que são parte da vida da pessoa, como família, relacionamentos próximos, amigos, parentes; iii) as esferas sociais e públicas, que englobam o que está fora da esfera privada, ou seja, é a atuação do homem na sociedade, seja cotidianamente, ao realizar compras ou até ao atuar politicamente.

Apesar de muitos criticarem tal teoria, acusando-aa de artificialismo, ela é de

9 Cf. A. DE CUPIS, I diritti, cit., p. 311.

10 Cf. J. A. L. SAMPAIO, Direito à intimidade, cit., p. 254. 11Cf. J. A. L. SAMPAIO, Direito à intimidade, cit., p. 254. 12Cf. J. A. L. SAMPAIO, Direito à intimidade, cit., p. 256-258.

(6)

6

grande valia para que se crie, pelo menos, a consciência de que o homem se não possuir as chamadas esferas, possui, inexoravelmente, situações em que atua de modos diferentes em relação aos outros indivíduos. Ou seja, como já dito ao início deste capítulo, diferente deve ser a análise do Direito ao considerar as informações que o homem possui e revela quando está em público, daquelas informações que ele guarda consigo em um âmbito restrito ou secreto.

Assim, fica evidente que a proteção a ser conferida pelo Direito deve ser mais intensa de acordo com o maior aprofundamento das esferas da vida privada, que trazem consigo, nesse sentido, um peso cada vez maior dos princípios vinculados ao direito à

liberdade e à dignidade humana. 13

3. DIREITO, TECNOLOGIA E MUDANÇAS SOCIAIS

Em que pese a análise da vida privada sob o paradigma do século passado, a análise jurídica atual não pode deixar de notar as grandes as revoluções observadas pela história humana nos últimos três séculos, desde a primeira revolução industrial. A

tecnologia14 descoberta desde as máquinas a vapor, até os motores de combustão da

segunda revolução industrial e os novos modos de produção e paradigmas da terceira revolução, proporcionou ao homem uma explosão na confecção de bens de consumo e uma posição irretratável de crescente realização do conhecimento.

No campo das tecnologias de comunicação, desde o advento da imprensa, até os dias atuais e a revolução informativa proporcionada pela internet, o modo como o homem se comunica e a rapidez cada vez mais presente neste demonstra a redução inexorável das barreiras físicas, em prol de uma comunidade cada vez mais conectada.

Dessa constatação, diz-se freqüentemente que, no plano coevo, a sociedade vive em um só mundo, em que economia, política e tecnologia se contrastam e transformam

a realidade de maneira exponencialmente rápida.15

Tendo isso em vista, há de se notar que o direito sempre teve relação íntima com

13 Cf. J. A. L. SAMPAIO, Direito à intimidade, cit., p. 259. 14

Em um desmembramento da palavra, deve-se ficar claro que esta significa o estudo da técnica, ou seja, o estudo de modos de se realizar determinadas ações, que muitas vezes está na vanguarda das grandes descobertas humanas.

15 Cf J. M. ROBERTS Livro de ouro da história do mundo, 12 ed., traduzido por Laura Alves e Aurélio

(7)

7

o surgimento de novas tecnologias. G. PASCUZZI16, inclusive, afirma que o Direito é

uma tecnologia, na medida em que é linguagem, e está é uma tecnologia, das mais primárias utilizadas pela humanidade.

Como exemplo, há de se notar que a linguagem, apesar de sua primariedade, ao passar do tempo e do seu próprio aperfeiçoamento, foi se tornando um complexo de signos e significados, mutáveis e contextualizados de acordo com o período histórico em que se analisa.

Ora, se o Direito é tecnologia, ao mesmo tempo ele se serve desta para a

consecução de seus fins.17 Desse modo, fica evidente que a consecução de novas

tecnologias pode requerer a criação de novas regras para que estas duas unidades se acompanhem ao longo do tempo. A grande pergunta que fica é, exatamente, em que modo tais mudanças tecno-sociais poderão, licitamente, modificar o fenômeno jurídico.18

O atual contexto social é definido, por alguns, como sociedade de informação19.

Esta é caracterizada pela enorme difusão de modelos de produção de conhecimento, em espaços de tempo extremamente reduzidos. Nesta, é freqüente que a informação tenha papel central, nos mais variados aspectos, em que se destaca, por exemplo, o

econômico.20

Completando essa visão, há de se notar que tal forma de definição social tange à centralidade que assumiram na realidade contemporânea tanto o sistema de mass media, quanto as novas tecnologias de comunicação, superando-se, inclusive, as barreiras

geográficas nacionais. Logo, a informação circula em um contexto global.21

Isso faz com que o indivíduo seja deixado a segundo plano, uma vez que nesse panorama massificado, sua expressão é um número, uma estatística informacional como tantas outras.

Decorrem dessa visão os problemas da era digital referentes ao direito da personalidade: nesse contexto citado, o homem deixa de ser representado por sua

16 Il diritto dell’era digitale: tecnologie informatiche e regole privatistiche, Bologna, Mulino, 2006, p.10. 17

Cf. G. PASCUZZI, Il diritto, cit., p. 11.

18 Cf. G. PASCUZZI, Il diritto, cit., p. 14. 19 Cf. G. PASCUZZI, Il diritto, cit., p. 22.

20 Há de se notar, como exemplo, que cada vez mais o mercado de trabalho exige profissionais

informados, no sentido de atualizados com o contexto mundial e com os reflexos que as informações que chegam de todas as fontes possíveis podem trazer às suas áreas de atuação. Nesse sentido, a informação tem valor econômico.

21Cf. S. M. MELONI, Tratamento dei dati e tutela della persona in RICCIUTO, Vincenzo. Nuovi temi di

(8)

8

individualidade, já que as informações dele emanadas estão armazenadas em bancos de dados, manipuláveis por seus detentores.

Daqui se extrai a análise de que a tutela dos indivíduos encontra limites frágeis e restritos, uma vez que a vida moderna - em razão das técnicas sofisticadas de coleta de dados e do poder dos meios de comunicação – realizou um salto quantitativo, mas

também qualitativo no modo de controle das informações por aqueles que as detém.22

Uma visão bastante interessante acerca desse tema tem S. RODOTÀ23. Mais do

que uma sociedade de informação, o mencionado autor refere-se à atual conjuntura como a da sociedade de classificação.

Para explicar tal definição, o autor diz que as tecnologias de comunicação e de informação, pelo âmbito de abrangência e pela possibilidade de circulação de dados que provocam, são vistas em constante conflito com a necessidade de construção livre de uma esfera privada.

Isso porque o homem desse novo mundo é o chamado “homem de vidro”24,

transparente, uma vez que suas informações, ao se encontrarem presentes no mundo digital, podem ser facilmente circuladas, de modo que se consiga saber, em apenas um clique, várias características de determinado indivíduo.

Neste mundo de consumo e de troca de dados pelos meios digitais, em que se

destaca notadamente a internet, o usuário de tal tecnologia deixa “vestígios”25, que, ao

mesmo tempo, são elementos que dizem algo a seu respeito. Isto serve de informação aos mais variados setores, em que se destaca principalmente os setores que realizam

relações de consumo pela internet. 26

Destaca-se, como exemplo, o conceito de transactional data ou telecommunications related personal information (TRPI), que por definição, é a aquisição de informações – advindas de uma relação contratual digital - pelo provedor, em relação ao usuário que transaciona. Referem-se, estas, à utilização do serviço,

escolhas, gostos, modalidades de pagamento escolhidas.27

Tais informações, que têm claramente conteúdo econômico, podem servir para

22 Cf. G. B. FERRI, Persona e formalismo giuridico: saggi di diritto civile. Rimini: Magioli, 1985, p.

259.

23 Tecnopolitica: la democrazia e Le nuove tecnologie della comunicazione, Roma-Bari, Laterza, 2004,

p. 134-145.

24 Tecnopolitica, cit., p. 136.

25 Cf. S. M. MELONI, Tratamento dei dati, cit., p. 166. 26 Cf. S. RODOTÀ, Tecnopolitica, cit., p. 137. 27 Cf. S. RODOTÀ, Tecnopolitica, cit., p. 135.

(9)

9

definir as preferências de determinada pessoa, servindo como base para que de uma sociedade de vigilância, se passe a uma sociedade de classificação, já que interessam as

informações relativas aos grupos de consumo e suas relativas preferências.28

É evidente que independentemente do modo com que se veja a questão atual do modo como a sociedade se coloca e das possíveis imissões a serem realizadas pelas mais variadas tecnologias em desfavor da personalidade (e da individualidade que esta acarreta), há de se notar que o Direito deve dialogar com as mudanças sociais observáveis e ora descritas.

O grande papel da tutela jurídica, como aponta G. MARINI29, em relação ao

desafio da tutela frente à massificação trazida pela era digital é de, justamente,

impedir-se30 que a vida humana seja colocada como obra do mercado, da tecnologia e da ciência.

Há de se notar, conforme esse mesmo autor31, que não basta a disposição de

princípios e valores, mas deve-se buscar a aplicabilidade deles com o uso da técnica e da hermenêutica, de modo a atuarem com eficácia social.

4. AS NOVAS DIMENSÕES DO DIREITO À VIDA PRIVADA

Em conseqüência do que foi dito no parágrafo anterior, há de se notar a opinião

de S. RODOTÀ32, que entende ser a era digital uma ocasionadora da perda do controle

das informações individuais pelos próprios sujeitos dessas, uma vez que a informação é cada vez mais difusa e incontrolada nesses meios de rapidez comunicacional, como já demonstrado.

Dessa maneira, há de se perceber que a era digital – e a internet, mais especificamente – trouxeram consigo uma necessidade de mudança no conceito de vida

28 Em outras palavras, a interpretação do termo proposto pelo autor mencionado pode se referir à idéia de

que a informação não circula de graça, mas sim por um finalidade. Esta é, na grande maioria dos casos, econômica, para que se classifique a atuação de indivíduos em grandes grupos de consumo. Por isso, sociedade de classificação, em que não se importa a individualidade trazida pela personalidade, mas somente as características de macro-grupos interpessoais.

29 Cf. G. MARINI, La giuridificazione della persona: ideologie e tecniche nei diritti della personalità, in

G. ALPA – V. ROPPO, Il diritto privato nella società moderna: seminário in onore di Stefano Rodotà. Napoli, Jovene, 2005, p. 382.

30

Com base em toda a questão valorativa já tratada neste trabalho, em que se destaca o valor da dignidade da pessoa humana e sua importância histórica, impossível de ser ignorada pelas novas mudanças advindas das revoluções informacionais.

31 La giuridificazione, cit., p. 383. 32 Tecnopolitica, cit., p. 148.

(10)

10

privada33, uma vez que a tutela do Direito, nesse contexto de fluidez informacional,

deve ser mais específica, indo muito além dos conceitos tradicionais desse ramo da integridade moral.

Para que se entendam essas novas dimensões do direito à vida privada, antes será feita uma análise da identidade e da vida no display, para que se compare a vida no mundo real e no mundo real, vendo-se de que maneira isso influi em uma diferente aplicação do conceito mencionado.

Ao se analisar a identidade pessoal na internet, há de se perceber que a oposição

aparente retratada entre mundos real e virtual pode ser mais teórica do que prática34.

Isso se dá pois o meio virtual pode ser apresentado de forma deveras real, pode ser que se os meios digitais sejam meios em que se expresse e se deva desenvolver livremente a personalidade.

Se assim o é, este “eu digital”, dividido, que pode ser um, muitos ou nenhum ao mesmo tempo (pelo uso de avatares ou outras identidades digitais), torna-se uma

interação contínua entre homem e esta nova tecnologia. Por isso, pode-se entender35

que a virtualidade já deve ser considerada um aspecto da realidade, uma vez que essa nova situação inexoravelmente permeia progressivamente toda a organização social. Interpretando-se esse entendimento, vê-se, como decorrência primordial, que aos meios digitais cabem a aplicação dos mesmos valores, princípios e normas jurídicas dos meios reais. A diferença deve ser qualitativa, ou seja, na adequação dessas normas às necessidades advindas daqueles meios.

Assim, vê-se a internet como um novo meio de interação social, em que se pode criar uma identidade que represente tanto a um determinado sujeito que esta passe a valer como uma expressão de sua personalidade, já que com esta podem se formar ligações sociais intensas, tais quais as verificadas nas redes de relacionamentos virtuais.

Dessa forma, relacionando-se à identidade digital desse novo contexto, a vida privada já pode ser vista de uma primeira forma distinta: não só como o impedimento no conhecimento ou na difusão de informações de um interessado, mas também na

33 Sobre essa necessidade de mudança e atualização no conceito de vida privada, destacam-se nomes da

doutrina internacional que tem visões semelhantes, bem como S. RODOTÀ, Tecnopolitica, cit., p.150-152; G. PASCUZZI, Il diritto, cit., p. 43; S. M. MELONI, Tradamento dei dati, cit., p. 166; G. B. FERRI, Persona, cit., p. 292; A. MARWICK – D. M. DIAZ – J. PALFREY, Youth, privacy and reputation, Cambridge, Harvard, 2010, disponível em < http://ssrn.com/abstract=1588163>, acesso em 30 abr. 2010, p. 7.

34 Cf. S. RODOTÀ, Tecnopolitica, cit., p. 142. 35 Cf. S. RODOTÀ, Tecnopolitica, cit., p. 145.

(11)

11

necessidade do anonimato, na possibilidade de que cada um assuma a identidade que

bem entender, com dados que podem ser diversos aos dados do sujeito físico.36

Requere-se, então, a tutela de uma nova identidade, de uma intimidade construída, como condição necessária ao desenvolvimento de uma plena liberdade existencial.

Da ligação dessa idéia de identidade virtual como manifestação do livre desenvolvimento da personalidade e da noção de que a informação que circula na internet pode ter conteúdo econômico, podendo ser subsídio à existência da sociedade

de classificação já mencionada, S. RODOTÀ37, então, traça as características que

informam as novas dimensões do que ele chama de privacy, mas que aqui serão traduzidas como vida privada, a saber:

i) a constatação de que há um mundo de codivisão de informações entre uma pluralidade de sujeitos; ii) a necessidade, decorrente do item anterior, de que se controle não só as informações que saem do indivíduo, mas também as que entram nele, como o direito de não saber, a fim de se proibir a existência de marketing viral e de spam; iii) a noção do valor da informação e de sua transformação em mercadoria; iv) a necessidade de construção de uma esfera privada livre de imissões, em que o indivíduo posicione-se como quiser frente a ordem pública.

Inspirado nesse pensamento, G. PASCUZZI 38 realiza um esforço histórico com

a finalidade de relembrar as noções já dadas ao direito à vida privada.

Dessa forma, o autor afirma que a afirmação do chamado diritto alla riservatezza no ordenamento jurídico italiano coincidiu com o surgimento das novas tecnologias de informação. Referentes a estas, o autor traça um perfil de quatro períodos

de desenvolvimento, a saber39:

i) anos 70, em que elevados eram os custos e só os órgãos governamentais tinham acesso às máquinas; ii) anos 80, em que os computadores passam a custar menos e são, então, acessíveis a bancos e grandes empresas; iii) primeira metade dos anos 90, em que surge a primeira lei italiana sobre dados pessoais e os computadores começam a serem difundidos nos lares; iv) último decênio, em que a utilização em massa da internet, como composto fundamental do cotidiano faz com que surjam novos

36 Cf. S. RODOTÀ, Tecnopolitica, cit., p. 139. 37 Tecnopolitica, cit., p. 151.

38 Il diritto, cit., p. 39-43. 39 Cf. Il diritto, cit., p. 43-44.

(12)

12

problemas, notadamente referentes a uma dificuldade de tutela efetiva em um contexto de indefinição territorial.

Tendo em vista esses perfis de desenvolvimento, pela crescente presença das tecnologias de informação no cotidiano das pessoas, e, principalmente pela importância dada ao último decênio, em que a influência da era digital cresceu exponencialmente

sobre o cotidiano interpessoal, afirma-se que há uma mudança de paradigma40: não se

pode mais encarar o direito à vida privada como tendo em seu núcleo apenas o chamado “direito de estar só”, ou do direito de se reservar a esferas exclusivas; hoje, há de se falar também como base daquele o direito ao controle sobre as informações referentes ao indivíduo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conclusão, há de se perceber que em uma análise mais pragmática, o conceito de vida privada deve ser mudado, pois a idéia de “ser deixado só” perde o sentido em um contexto de enorme troca de informações. Logo, vida privada deve ser um conceito funcional, tangendo à possibilidade do sujeito de conhecer, controlar e

interromper o fluxo de informações que a ele se referem41, além dos outras proteções já

trazidas pelo conceito clássico ora mencionado.

Assim, indispensável é a menção à relação entre identidade pessoal e vida privada. O direito à vida privada mostra-se atualmente como o modo sobre o qual o

sujeito pode ter controle sobre a construção de sua identidade pessoal42.

Em outras palavras, diz-se que hoje observa-se a terceira geração do mencionado direito: a primeira foi fundada na visão proprietária, de se afastar o dominus de qualquer imissão no exercício de suas atividades no interior de suas propriedade; a segunda, referiu-se a idéia de proteção do pleno desenvolvimento da pessoa e da identidade e a terceira tange à necessidade de que se confira poderes ao sujeito para que este possa se

40 Cf. G. PASCUZZI, Il diritto, cit., p. 43.

41 Cf. G. PASCUZZI, Il diritto, cit., p. 47 e S. M. MELONI, Tratamento dei dati, cit., p. 165. 42Cf. G. B. FERRI, Persona, cit., p. 384.

(13)

13

autodeterminar, de forma a poder controlar a modalidade de construção da própria

identidade pessoal.43

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALONSO, Felix Ruiz, Pessoa, intimidade e o direito à privacidade in I. G. S. MARTINS – A. J. PEREIRA JÚNIOR, Direito à privacidade, São Paulo, Idéias e letras, 2005.

DE CUPIS, Adriano, I diritti della personalità, Milano, Giuffrè, 1959.

DEL VECCHIO, Giorgio, Lezioni di filosofia del diritto, Milano, Giuffrè, 1946.

FERRI, Giovanni B., Persona e formalismo giuridico: saggi di diritto civile. Rimini: Magioli, 1985.

MARINI, Giovanni, La giuridificazione della persona: ideologie e tecniche nei diritti della personalità, in G. ALPA – V. ROPPO, Il diritto privato nella società moderna: seminário in onore di Stefano Rodotà. Napoli, Jovene, 2005.

MARWICK, Alice – DIAZ, Diego Murgia – PALFREY, John, Youth, privacy and reputation, Cambridge, Harvard, 2010, disponível em < http://ssrn.com/abstract=1588163>, acesso em 30 abr. 2010.

MELONI, Stefania M. Tratamento dei dati e tutela della persona in RICCIUTO, Vincenzo. Nuovi temi di diritto privato: casi e materiali, Napoli, Scientifiche italiane, 1999.

PASCUZZI, Giovanni, Il diritto dell’era digitale: tecnologie informatiche e regole privatistiche, Bologna, Mulino, 2006.

ROBERTS, J. M., Livro de ouro da história do mundo, 12 ed., traduzido por Laura Alves e Aurélio Rebello, Rio de Janeiro, Ediouro, 2003.

RODOTÀ, Stefano, Tecnopolitica: la democrazia e Le nuove tecnologie della comunicazione, Roma-Bari, Laterza, 2004.

43 Cf. Persona, cit., p. 385.

(14)

14

SAMPAIO, José Adércio Leite, Direito à intimidade e à vida privada – uma visão jurídica da sexualidade, da família, da comunicação e informações pessoais, da vida e da morte, Belo Horizonte, Del Rey, 1998.

Referências

Documentos relacionados

Avaliou-se o comportamento do trigo em sistema de plantio direto em sucessão com soja ou milho e trigo, sobre a eficiência de aproveitamento de quatro fontes

Não foi observada diferença signi- ficativa entre as diversas quantidades de pólen utilizadas na polinização para a maioria dos parâmetros de qualidade das sementes (P100,

Assim, especifi cações e equipamentos irão diferir em relação às informações listadas no livro para os iates da Princess destinados à América do Norte (p. ex., condicionamento

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

Como parte de uma composição musi- cal integral, o recorte pode ser feito de modo a ser reconheci- do como parte da composição (por exemplo, quando a trilha apresenta um intérprete

Finally,  we  can  conclude  several  findings  from  our  research.  First,  productivity  is  the  most  important  determinant  for  internationalization  that 

Em outro aspecto, a intoxicação exógena por psicofármacos foi abordada como o método mais utilizado nas tentativas de suicídio, sendo responsável por 33,3% do total de

One of the main strengths in this library is that the system designer has a great flexibility to specify the controller architecture that best fits the design goals, ranging from