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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ PAULA LILIANA FUCILINI

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

PAULA LILIANA FUCILINI

O PSICÓLOGO NA COMUNIDADE INDÍGENA:

REFLEXÕES SOBRE A INTERVENÇÃO DA PSICOLOGIA NA ÁREA INDÍGENA

Ijuí 2018

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PAULA LILIANA FUCILINI

O PSICÓLOGO NA COMUNIDADE INDÍGENA:

REFLEXÕES SOBRE A INTERVENÇÃO DA PSICOLOGIA NA AREA INDÍGENA

Trabalho de Conclusão de Curso de Psicologia apresentado ao Curso de Psicologia do Departamento de Humanidades e Educação da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Doutora Solange Castro Schorn

Ijuí 2019

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PAULA LILIANA FUCILINI

O PSICÓLOGO NA COMUNIDADE INDÍGENA:

REFLEXÕES SOBRE A INTERVENÇÃO DA PSICOLOGIA NA ÁREA INDÍGENA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de graduação em Psicologia do Departamento de Humanidades e Educação da Universidade Regional

do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia

Banca Examinadora

______________________________________________ Profª. Doutora Solange Castro Schorn

(Orientadora)

______________________________________________ Profª Mestre Daiane Raquel Steiernagel

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DEDICATÓRIA

À Comunidade Indígena do Inhacorá, do município de São Valério do Sul/RS.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Marcia Terezinha Fucilini e Oldimar Fucilini que sempre me incentivaram e apoiaram, não me deixando desistir quando tudo parecia impossível. Obrigada por cuidarem e amarem minha filha quando precisei! Vocês são meu porto seguro.

À minha irmã Anatália Fucilini por escutar-me e apoiar nas horas de angústia afirmando sempre que tudo daria certo.

Ao meu esposo Emerson Paes da Rosa por sempre estar ao meu lado suportando-se nos momentos de crise.

Aos meus sogros Roselaine Paes da Rosa e Flavio Pinheiro da Rosa, que por diversas vezes cuidaram da minha filha para que fosse possível realizar os trabalhos da faculdade.

À professora Tânia Costa por sugerir-me o local do último estágio em Psicologia e Processos Sociais em uma área indígena. Obrigada por intermediar-me junto à equipe da liderança da área indígena do Inhacorá, no município de São Valério do Sul/RS.

Ao prefeito do município de Santo Augusto/RS, Naldo Wiegert, por ter colaborado com a possibilidade de realizar esse estágio.

Ao professor Vanderlei Gnoatto que me referenciou ao Cacique da terra indígena de Inhacorá e por ajudar-me nas horas de apertos e nas questões referentes à cultura indígena quando mais precisei.

Ao Cacique Adilson Ponciano, obrigada pela oportunidade e a liberdade de trabalhar com a comunidade indígena. Foi graças a essas pessoas que surgiu a curiosidade e o desejo de pesquisar sobre a profissão do Psicólogo nas comunidades indígenas, trabalho esse extremamente desafiador.

Aos Gestores e Servidores Público Municipais da Prefeitura Municipal de São Valério do Sul/RS pelo acolhimento, especialmente a equipe do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). Também agradeço a atual equipe pelas trocas de experiências que tivemos ao longo do segundo semestre.

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À Psicóloga Marceli de Paula Moresco por acolher-me nos momentos de angústia, que não foram poucos.

E por fim, agradeço à pessoa mais sábia, que por diversas vezes me tranquilizou, esclarecendo dúvidas, apontando questões que apenas eu poderia responder, ou seja, à minha orientadora Doutora Solange Schorn, obrigada por exatamente tudo, pela dedicação, sugestões, carinho e amor transmitidos, o que certamente fez a diferença durante essa longa caminhada.

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O Brasil colonial não era igual a Portugal. A raiz do meu país era multirracial. Tinha índio, branco, amarelo, preto. Nascemos da mistura, então por que o preconceito?

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LISTA DE ABREVIATURAS

CASA - Casa de Atenção à Saúde Indígena CIMI - Conselho Indígena Missionário CNP - Conselho Nacional de Psicologia

CRAS - Centro de Referência da Assistência Social CRP/SP - Conselho regional de Psicologia/São Paulo DESEI - Distritos Sanitários Especiais Indígena

FUNAI - Fundação Nacional do Índio FUNASA - Fundação Nacional de Saúde

GETRANS - Grupo de estudo Transdisciplinar Psicologia e Povos Indígenas GT - Grupo de Trabalho

MEC - Ministério da Educação e Cultura OIT - Organização Internacional do Trabalho

PPSUS - Programa de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde SPI - Serviço de Proteção do Índio

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RESUMO

Este estudo apresenta a importância da intervenção psicossocial e o encontro da Psicologia com povos indígenas no que diz respeito ao estudo e ações que remetem à importância da atuação do psicólogo nessa área. A partir desse pressuposto propôs-se produzir um estudo sobre o trabalho do psicólogo com essa população demonstrando a relevância da prática do psicólogo na área indígena, considerando que o papel do psicólogo é fundamental em face da saúde integral do indígena, bem como sua cultura. Mas, apesar da escassa bibliografia sobre essa temática, é possível afirmar são realizados estudos que permitem a compreensão de qual deve ser o papel da intervenção do psicólogo em uma área indígena. No entanto, considera-se que toda e qualquer intervenção deve ser sustentada em uma proposta interdisciplinar e multidisciplinar, que considere todos os aspectos que constituem a identidade desse povo. Objetivando conhecer e compreender o processo histórico pelo qual o mesmo passou e assim o constituiu, considerando suas tragédias coletivas, a cultura, as crenças e o seu processo de exclusão e inclusão na sociedade contemporânea.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...11

1 MOVIMENTO DAS CONQUISTAS LEGAIS DO POVO INDÍGENA...14

1.1 Aproximação da Psicologia Brasileira com os indígenas...16

1.2 As condições sociais dos povos indígenas...19

1.3 A organização dos serviços ofertados a comunidade indígena...22

2 OS DESAFIOS DA PSICOLOGIA COMO CULTURA INDÍGENA...26

2.1 A sabedoria cultural sobre arte, ciência e religião...27

3 A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO EM REDE COM POVOS INDÍGENAS...37

CONSIDERAÇÕES FINAIS...41

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho é resultado de uma pesquisa realizada no decorrer da formação em Psicologia. Trata-se de um estudo sobre a cultura e os direitos adquiridos pelos povos indígenas ao longo da história e a demanda da Psicologia em trabalhar com esses povos.

O interesse pelo tema surgiu a partir da experiência de estágio com ênfase em Psicologia e Processos Sociais, realizado no ano de 2018 com um grupo de mulheres indígenas no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), no município de São Valério do Sul/RS. O CRAS Vida Melhor tem como objetivo principal trabalhar o fortalecimento de vínculo de forma preventiva. E, a partir das observações foi elaborado um projeto de intervenção, cujo objetivo foi trabalhar com os processos culturais e artesanais em relação a cultura da população indígena no contexto atual da sociedade, visando resgatar a história da tribo Kaingang de Inhacorá através do artesanato feminino. A proposta de intervenção foi através do trabalho em grupo com participação das mulheres indígenas participantes das atividades do CRAS. Um trabalho extremamente desafiador, considerando a escassez de referencial teórico definido e específico sobre o assunto, especialmente, no campo da Psicologia. Considerando, então, tal desafio, surgiu o interesse em aprofundar o conhecimento referente a esse campo de atuação.

A aproximação da Psicologia com essa temática é algo recente, assim como a proposta de estudo no Curso de Psicologia da UNIJUÍ, uma vez que este, ainda, não realizou pesquisa ou estágio nessa área. Por isso, este estudo, constitui um grande desafio e tem como objetivos investigar a cultura e os direitos adquiridos pelos povos indígenas ao longo de sua história, a demanda da psicologia nas áreas indígenas, bem como, a atuação do psicólogo com essa população. Apresenta-se, então, neste trabalho, o encontro da psicologia com povos indígenas no que diz respeito ao estudo e ações que remetem à importância da atuação do psicólogo nessa área.

Recentemente, vem surgindo trabalhos sobre esse assunto, com a finalidade de orientar a prática de psicólogos que atuam nas populações indígenas. O

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seminário Subjetividade e Povos Indígenas, realizado pelo Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região – CRP/SP, na cidade de Luziânia, no Distrito Federal, em novembro de 2004, foi considerado um marco da aproximação da Psicologia brasileira com os povos indígenas do país. De acordo com o CRP/SP, após esse evento, outros trabalhos foram desenvolvidos originando, em 2010, o livro Psicologia

e Povos Indígenas, organizado e editado por aquele Conselho. Ambos os trabalhos

representam as primeiras produções da Psicologia no Brasil, de sistematização de demandas e propostas de atuação do psicólogo com a população indígena (FERRAZ; DOMINGUES, 2016).

Nessas produções evidencia-se que a finalidade do trabalho do psicólogo nesse campo visa quebrar a resistência dos povos indígenas em relação ao seu passado e recuperar sua memória histórica. De modo geral, o trabalho, a cultura e tradição dos indígenas são conhecidos superficialmente, considerando que o conhecimento a respeito desse povo remete ao aprendido nas aulas de história na educação básica. É, na convivência social e imersão cultural, conhecendo hábitos e costumes, que se pode perceber que há algo muito além daquelas aulas ou do que constam nos livros de história. São histórias contadas e apresentadas pela tradição oral, costumes e mitos, a cultura e a tradição de cada povo indígena.

Do ponto de vista metodológico, foram consultados artigos publicados entre 2010 e 2017 nos Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC) e na Scientific

Eletronic Library Online (SciELO). Os descritores utilizados na busca desses artigos

foram: psicologia indígena, saúde Indígena, cultura, cultura indígena. Foram encontrados quatro artigos e dois livros apresentando uma aproximação da psicologia com a temática indígena. O livro, Psicologia e Povos Indígenas, elaborado por um grupo de psicólogos do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, foi tomado como principal referência para a construção deste trabalho.

Com base nessas produções, este estudo tem por finalidade apresentar o modo de vida dos indígenas, a partir do grupo que compõe a área referida no campo de estágio, produzindo um estudo sobre a importância do psicólogo nesse contexto. Esta pesquisa, com base na perspectiva Histórico-Cultural e aportes de Lev S. Vygotsky, constitui um estudo bibliográfico, de abordagem qualitativa, pela interpretação de referenciais bibliográficos a respeito do tema e que permite mostrar

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com clareza a problemática do trabalho com um grupo social, neste caso, com os povos indígenas e, também, um estudo etnográfico, considerando descrever a cultura de um povo e manifestações de suas atividades. Quanto ao tipo, afirma-se seu caráter descritivo, pois exige uma série de informações para esclarecer as características da cultura indígena, e exploratório, cujo objetivo é proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito (TRIVIÑOS, 1987; GIL, 2007).

A pesquisa foi estruturada em três capítulos. O primeiro apresenta os movimentos legais das conquistas indígenas no decorrer dos anos. A colonização e exclusão social do índio. A criação de artigos normativos, realizada pelo poder imperial em 1757. Também sobre o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a promulgação da Constituição Federal em 1988 na qual o Estado ultrapassa a duplicidade indenitária, reconhecendo a autonomia dos povos indígenas como pessoas diferenciadas e detentoras de saberes próprios. O protagonismo nas lutas sociais por direito de terras, educação e saúde, acesso às novas tecnologias no seu cotidiano de trabalho e convívio social e a aproximação da Psicologia com os povos indígenas. A forma e a importância dos serviços ofertados para o povo indígena e as condições sociais dessas comunidades. No segundo capítulo apresenta os desafios da psicologia ao trabalhar com povos indígenas, bem como a sabedoria cultural sobre a arte, ciência e religião mencionada pelo psicólogo, mestre em Ciência da religião Luiz Eduardo Valiego Berni que traz a mediação da psicologia em sua aproximação com povos indígena. O terceiro, por sua vez, apresenta a importância do trabalho em rede que inclui diversos profissionais que contribuem para atendimentos da forma mais adequada. As considerações finais oferecem uma compreensão da autora quanto ao estudo desenvolvido.

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1 MOVIMENTO DAS CONQUISTAS LEGAIS DO POVO ÍNDÍGENA

Na história do Brasil, a conquista deste país está tomada por situações de inclusão e exclusão, aquisições e infortúnios, principalmente com a chegada dos Portugueses tomando posse dessas terras povoadas pelos índios. De acordo com Garcia e Almeida (2010), até pouco tempo os índios eram sujeitos, praticamente, ausentes nos escritos dos historiadores, dando a entender que seu destino era desaparecer à medida que a sociedade branca se expandia.

Tiveron e Bairrão (2015) apud Clastres (2010) escrevem criticamente sobre a colonização e exclusão social do índio, afirmando que, desde o descobrimento das Américas, o sistema funciona como uma máquina de destruição desses sujeitos considerados vítimas de etnocídio pela civilização ocidental, entendendo este etnocídio não somente como destruição da cultura indígena, mas como algo que remete à total aniquilação do espírito que mantém sua tradição. Assim, explica,

Se o termo genocídio remete a ideia de “raça” e à vontade de extermínio de uma minoria racial, o termo etnocídio aponta não para a destruição física dos homens (caso em que se permaneceria na situação genocida), mas para a destruição de sua cultura. O etnocídio, portanto, é a destruição sistemática dos modos de vida e pensamentos dos povos diferentes daqueles que empreendem essa destruição. Em suma, o genocídio suicida, assassina os povos em seu corpo, o etnocídio os mata em seu espírito (TIVERON; BARRÃO, 2015 apud CLASTRES, 2010, p. 78).

Com essa afirmação, os autores apontam questões acerca da constituição política da sociedade, que discrimina as diferenças, refletindo no desinteresse e exclusão desse povo.

Um marco importante na história do povo indígena, escreve Gonçalves (2015), foi a criação de artigos normativos, realizada pelo poder imperial em 1757, conhecido como Diretório dos Índios. Idealizado pelo ministro Marquês de Pombal, esse conjunto de artigos concretizou a separação do Estado com a Igreja, resultando na expulsão dos jesuítas responsáveis pela catequização indígena. Desde então, os índios passaram à orfandade sob tutela do governo e as aldeias sob o comando de juízes encarregados de disciplinar a vida na aldeia.

Durante o século XIX o Regime Tutelar foi adotado pelo Estado. Após 1870, o governo brasileiro adotou medidas para garantir a defesa e a ocupação da

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Amazônia com o objetivo de expandir o comércio em áreas, ainda, não desenvolvidas, sendo necessária uma nova invasão em áreas ocupadas pelas tribos indígenas, dando continuidade à legislação que entendia o índio como órfão e de responsabilidade do Estado. Sendo assim, em 1910, foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Um Serviço que, segundo Gonçalves (2006), nasceu laico, antirreligioso, evolucionista e nacionalista, entendendo que a função do estado brasileiro seria dar condições materiais e morais para que o índio pudesse progredir livremente e ultrapassar o estado animista em que vivia, tornando-se plenamente um cidadão brasileiro. Desse modo, o índio estava fadado ao “desaparecimento como povo específico para se tornar brasileiro“ (Ibid. p. 424).

Segundo o autor, o SPI era o órgão responsável pela intermediação Índio-Estado Sociedade brasileira e, nessa intermediação, o índio deveria se enquadrar à disciplina imposta pelo Estado. A principal ação desse serviço era promover a passividade das ocupações indígenas. O SPI tentava chegar em áreas mais retiradas levando atrações para os povos que viviam nessas áreas, oferecendo médicos sanitaristas e educação formal com objetivo de transformá-los em trabalhadores nacionais. Devido às ações do SPI, o trabalho dos antropólogos passou a ser mais visado considerando a importância do delineamento das políticas indígenas, principalmente, no que dizia respeito à demarcação de terra.

Em 1987 foi criada a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para dar continuidade à política de tutela e integração na sociedade nacional, sendo organizada para acelerar o processo de tomada de exploração das terras tradicionais indígenas. A FUNAI, junto com a criação do estatuto do índio em 1973, que dispõe sobre terra, educação, saúde e outros direitos indígenas, essas conquistas foram os marcos mais importantes na ditadura.

Outra conquista fundamental na política indígena brasileira, ocorreu com promulgação da Constituição Federal em 1988 na qual o Estado ultrapassa a duplicidade indenitária, reconhecendo a autonomia dos povos indígenas como pessoas diferenciadas e detentoras de saberes próprios. Assim, a Constituição representa para esse povo a superação teórico-jurídica da tutela a partir da capacidade e do reconhecimento civil do Indígena. Isso gerou uma consequência

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positiva, o reconhecimento e a valorização do modo de vida e a mudança do sentido dado à identidade de Índio/Indígena (GONÇALVES, 2015).

De acordo com Gonçalves (2015), com o surgimento do movimento indígena nos anos 70, os avanços da Constituição de 1988 e da Organização do Trabalho (OIT), lei n. 169 de 2003, houve um relevante processo na autoestima e no orgulho de ser Índio. O que antes era motivo de vergonha e medo começa a se inverter e, a partir desses eventos, os indígenas decidiram manter, resgatar e promover o nome dado aos índios.

Outro evento importante foi o protagonismo nas lutas sociais por direito de terras, educação e saúde, acesso às novas tecnologias no seu cotidiano de trabalho e convívio social. Com isso, foram surgindo demandas exigindo intervenções profissionais em diferentes campos de atuação. Intervenções voltadas para essa população e na expansão do sistema capitalista que está na raiz da desigualdade social atual do país (GONÇALVES, 2015).

No que diz respeito à intervenção da Psicologia, Teixeira (2015) apresenta uma descrição histórica sobre o assunto, situando a importância do trabalho psicológico e intervenções em áreas indígenas. Demonstra, ainda, considerando os desafios sociais contemporâneos na profissão dos psicólogos, que o Sistema Conselhos de Psicologia tem promovido e apoiado discussões de novos estudos, segundo a necessidade que se apresenta na sociedade.

1.1 Aproximação da Psicologia Brasileira com os indígenas

Os movimentos indígenas, de acordo Teixeira (2015), fortaleceram-se nas últimas décadas, sendo pontuados nos ideais de autodeterminação, na valorização da própria cultura e na expectativa de um diálogo com base na ética e no respeito à diversidade. Considerando que as questões enfrentadas pelos povos indígenas brasileiros apresentam marcas pela atuação do homem não-índio, o principal desafio da população indígena, afirma a autora, está em conseguir manter contato com a sociedade nacional sem perder a integridade cultural e étnica. E esse desafio deve ser tratado com premissa na atenção com as necessidades indígenas.

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Teixeira (2010) esclarece que o ponto de partida do CRP/SP para a compreensão desses estudos foi o Seminário Nacional Subjetividade e Povos Indígenas (2004), em parceria com o Conselho Federal de Psicologia (CRP) e Conselho Indígena Missionário, em Brasília. O evento contou com representantes indígenas de várias etnias, além de psicólogos representando todos os Conselhos Regionais, atendendo as diretrizes do IV Congresso Nacional de Psicologia (CNP) que recomendava que a Psicologia deveria se aproximar das questões indígenas no país. As direções das ações realizadas pelo CRP/SP visam propor diálogos entre os psicólogos, lideranças indígenas e responsáveis pelas áreas afins, antropólogos, assistentes sociais, educadores e historiadores. De acordo coma a autora, isso reflete um modo de trabalhar que entendem ser o melhor, pois garante uma interlocução com a sociedade, com os psicólogos e demais profissionais, com entidades parceiras e outras ligadas à temática.

Como papel do Conselho, Teixeira (2010) considera importante, também, criar referências para a atuação dos psicólogos, não no sentido de dizer como devem atuar, mas acompanhando e fomentando essa discussão, tão importante nos dias de hoje, que oferece princípios para uma atuação profissional com qualidade, conforme o contexto social e a problemática que se apresentam como desafio para a categoria. Observa-se, então, que o Conselho de Psicologia tem realizado uma série de ações, desde a criação do GT Psicologia e Povos Indígenas. O ponto de partida desses estudos, foram as demandas observadas pelos índios e psicólogos nos trabalhos produzidos que discutiam o fortalecimento da identidade indígena, a saúde mental, o alto índice de suicídio e o uso de álcool e drogas entre os índios.

Cabe mencionar que a produção escrita sobre povos indígenas é realizada por profissionais da antropologia. Há pouco tempo é que outros campos do conhecimento passaram a se ocupar desse trabalho, com médicos e outros profissionais da saúde, desenvolvendo estudos com essa população. Algumas pesquisas realizadas se inseriram no campo da Psicologia Social e estão voltadas para o estudo sobre educação e saúde tendo como referências questões filosóficas, antropológicas e psicanalíticas.

Os estudos de Brostolin e Cruz (2010) contextualizam historicamente a educação no povoado de Terena da Aldeia Buriti, situada no Município de Dois

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Irmãos do Buriti/MS e retomam a história da trajetória do povoado, da educação escolar nessa tribo, demonstrando como os índios dessa localidade sofreram e sofrem com a exclusão social desde a colonização no Brasil. Em seu percurso, as autoras enfatizam a educação escolar indígena e a escola Terena da aldeia Buriti. Apresentam, então, resultados parciais de um estudo desenvolvido na aldeia a partir de um olhar psicopedagógico em que procuraram investigar o sentindo de aprender para esse povo centrado na ética indígena1, buscando entender o processo de

escolarização, auxiliando na construção de uma educação que contemple a cultura dessa tribo.

Júnior (2010), ao propor uma ampliação da compreensão da educação inclusiva, no que se refere à inserção de alunos com deficiência na rede regular de ensino, expande seus estudos inserindo a educação indígena como ponto central de sua pesquisa. Segundo o autor, o que o inspirou a investir no estudo sobre essa nova possibilidade de educação foi uma conversa realizada com a professora Marilene Ribeiro dos Santos, Secretária da Educação Especial do Ministério da Educação e Cultura (MEC), que afirmava ser meta da Secretaria “incluir todos os alunos, ou seja, garantir um ensino de qualidade para absolutamente todos: deficientes, pobres, negros, marginais, afirmando que “ninguém deve ser excluído” (JUNIOR, 2010, p. 40). Menciona, ainda, em suas pesquisas, que a educação é a base para o resgate da cultura indígena, bem como sua dignidade e coloca a psicologia como compromisso social que deve ter como objetivo analisar os problemas subjacentes a essa população que, no seu entender, está perdida e excluída socialmente. A finalidade do seu estudo está em verificar a aplicabilidade e, principalmente, a necessidade da contribuição da Psicologia na educação das comunidades indígenas.

Sobre a questão da saúde indígena, esse assunto adquiriu relevância na saúde pública brasileira com a implantação da Lei nº 9.836, de 23 de setembro de 1999, que dispõe sobre o acesso integral à saúde dos povos indígenas, em acordo com o Sistema Único de Saúde (SUS), sendo um atendimento diferenciado cuja a finalidade é respeitar a diversidade de cada povo. A pesquisa de Santos (2011)

1 Segundo Brostolin e Cruz (2010) valores éticos estão relacionados às pessoas e ao meio em que vivem, a natureza, a vida vegetal e animal e nessa convivência pratica-se o respeito, que ensina diversas estratégias de apropriação do entorno do ambiente.

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anuncia que o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena é organizado em forma de Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) articulado ao SUS, pautado nas doenças próprias dos indígenas. Cada DSEI tem uma estrutura dentro de cada área indígena e funciona de forma integrada e hierárquica. Nas tribos os índios são acolhidos pela equipe de saúde, porém dependendo da complexidade, média ou alta, os índios podem contar com o apoio dos serviços prestados pelas Casas de Atenção à Saúde do Índio (CASAI). Esse sistema foi instituído para abrigar pacientes indígenas atendidos pelo SUS e, durante sua estadia, o índio recebe acompanhamento de enfermeiros, psicólogos, nutricionistas entre outros profissionais.

Foi considerando o fato das condições de saúde dos povos indígenas não serem muito conhecidas e pouco abordadas que Halbwachs (1925) propôs a realização desse estudo, visando contribuir com o Programa de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (PPSUS), com objetivo de subsidiar os órgãos responsáveis pela redefinição de prioridades nas políticas públicas dirigidas à população indígena. Segundo Melatti (2007), em seu livro Índios Pré-histórico, quando os europeus chegaram ao Brasil no século XV não encontraram o território vazio. Há milhares de anos estava inteiramente ocupado por uma população que se encontrava distribuída por inúmeras sociedades, organizadas de diferentes maneiras. Estava instalada e adaptada nos ambientes mais variados como florestas e savanas tropicais, florestas e campos temperados, planícies e montanhas. Orientavam sua existência como as mais diferentes maneiras de conhecer o homem e o universo. De acordo com Halbwachs (1925), os povos indígenas têm um passado trágico de perdas tornando-se, por muito tempo, uma cultura impronunciável. Os atos violentos deixaram feridas que se mantêm em silêncio para esse povo, assim, é pertinente que a psicologia seja atenta às questões raciais e étnicas na sociedade atual levando em conta as variações das culturas indígenas. Essas feridas são visíveis por meio das memórias passadas que se transmite pela oralidade, quando os índios comparam o passado com o presente, lembrando que esse contraste do tempo é parte do contexto social que se apresenta (MELATTI, 2007).

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1.2 As condições sociais dos povos indígenas

Os indígenas estão nesse continente há muito tempo, pelo menos 12 mil anos. Nos últimos 500 anos sofreram um processo brutal de redução da sua população. No ano de 1500 eram entre cinco e seis milhões de pessoas pertencentes a mais de mil povos que habitavam essa região, hoje chamada Brasil. Da fase colonial até a ditadura militar, esses milhões foram reduzidos a zero. Segundo o autor, no período da ditadura houve um plano para zerar de vez essa população. Um plano que não aconteceu devido a mobilização dos indígenas e seus aliados nas universidades, igrejas e entidades da sociedade civil (MALDOS, 2010).

Com toda a violência da chegada dos portugueses ao Brasil, devido ao roubo das terras habitadas, os povos indígenas passaram por um trauma social que apresentam sintomas nos dias atuais. Os europeus tiraram desse povo não só a terra, mas uma história, uma cultura com costumes e crenças. Por esses motivos, muitas são as marcas psicossociais encontradas nas sociedades indígenas, que comprometem a saúde biológica e mental desses indivíduos (MALDOS, 2010).

Arruda (2010), antropólogo brasileiro, no livro Psicologia e Povos Indígenas, escreve sobre o campo de atendimento à saúde indígena, mencionando a grande diversidade de povos indígenas no Brasil, atualmente, cerca de 220 povos, mais ou menos 180 línguas. De acordo o autor, há vários grupos autônomos que não foram, ainda, envolvidos no cenário nacional. São povos de tradição sociocultural muito diversa, mas igualados dentro do contexto por um único nome: Índio.

O autor assinala que o contexto onde se desenvolve o campo de saúde indígena é marcado por quase um esquema de colonização. Todos os povos envolvidos no histórico nacional estão de diversas maneiras, num campo de conflito, seja por não terem seus direitos reconhecidos, a terra ou o direito de viverem sua própria civilização. Mesmo tendo seu território demarcado, esse espaço está invadido pelo não-índio através dos interesses econômicos e políticos nacionais havendo, nesse sentido, uma intromissão da sociedade na cultura desse povo. Portanto, esse campo social das relações da sociedade nacional, é um campo de disputa de poder, havendo conflitos entre as sociedades indígenas e não-indígenas,

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assim, equipes de profissionais que entram nesse meio participam dessa relação de poder.

Com esse envolvimento sobre os territórios indígenas, causa para eles um grande choque epidemiológico gerando uma desestruturação da forma de vida dessas comunidades, fazendo com que os indígenas necessitem se reorganizar, entrando em um ciclo mais sedentário e dependente do atendimento do Estado para suprir uma série de necessidades. Arruda (2010) também menciona que a sociedade não-índio convive com micro-organismos nocivos e não nocivos, dos quais as sociedades indígenas não tinham proximidades, havendo, então, um novo quadro de saúde para eles. Há, também, outras perdas, mudanças drásticas da dieta alimentar, enormes dificuldades para reproduzir o modo de vida em um território menor e outras condições impactantes.

Cabe lembrar que esses povos têm um rico conhecimento sobre os poderes medicinais da natureza. As figuras importantes como os pajés, xamãs ou Kuyã2, são

considerados como líderes espirituais, intermediários entre homens e espíritos, responsáveis pelo poder da cura, utilizando em seus rituais ervas, plantas, raízes que encontram na natureza, sempre adequado a cada tipo de enfermidade. Cada tribo segue sua cultura havendo uma diversidade cultural entre elas assim como, também, na cultura não-índio.

Arruda (2010) escreve que a evolução biológica que está entrelaçada e sofrendo influências do aparato cultural ao longo desses milhões de anos, redundará em um ser biológico, os humanos, com esse corpo com intensas capacidades, mas capacidades que não têm um direcionamento preciso no campo instintivo. Ocorreu como uma retratação dos instintos. Não que eles deixassem de existir, mas houve uma retratação, uma indeterminação de sua atuação, de maneira que não sabe o que fazer de modo muito definido frente a situações da vida.

Vygotsky (1991) enfatiza a importância da cultura no desenvolvimento do sujeito, afirmando que os seres humanos nascem incluídos em uma cultura sendo a principal influência no desenvolvimento. Seus estudos foram dirigidos no sentido de

2 Kuyã nome dado ao pajé na tribo indígena Kaigang, localizada no interior do Estado do Rio Grande do Sul. Local aonde foi realizado o estágio de ênfase social.

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compreender o psiquismo humano como resultado das relações sociais em uma realidade proveniente das condições histórico-sociais e culturais. Para seu campo teórico o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores, que correspondem a atenção voluntária, a memória lógica, a abstração, a generalização, a tomada de consciência, fundamentam-se nas relações sociais entre o indivíduo e o meio, na organização sociocultural e em um processo histórico mediado pela relação do homem com a meio em que está inserido.

As condições sociais promovem a criação de sistemas simbólicos nos quais a linguagem tem papel preponderante. De acordo com Leontiev (2004), cada geração inicia a vida num universo de fenômenos e objetos produzidos pelas gerações precedentes, apropriando-se das riquezas desse universo participando no trabalho, na produção e nas várias formas de atividade social, desenvolvendo, desse modo, as aptidões especificamente humanas enraizadas nesse mundo.

1.3 A organização dos serviços ofertados a comunidades indígenas

Para Arruda (2010), os seres humanos nascem puros, sem saber de exatamente nada. Seus saberes e comportamentos são aprendidos por informações transmitidas pela convivência na interação com o outro, havendo, nesse sentido, uma diversidade cultural nas sociedades considerando que as pessoas se formam dentro de um ambiente específico aprendendo a dar respostas mais precisas a cada situação vivida. Afirma que a cultura não é só racional, ela envolve, também, os sentimentos e, assim, aprende-se o certo e o errado, o bom e o ruim. Toda aprendizagem está associada a um certo tipo de sentimento, valores, moral enraizados no ser de cada um, assim como as características biológicas.

É possível entender, então, que cada pessoa ou grupo de pessoas, apresenta um tipo de cultura que se comunica entre si. Arruda (2010) afirma que partilhamos de uma enormidade de fluxos culturais, ainda mais no mundo de hoje, mas que há uma especificidade na incorporação destes elementos simbólicos que formam a pessoa. Então, quando se fala que há uma diversidade de cultura, que as culturas são diferentes, significa que as pessoas são iguais em certo sentido porque são da

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mesma espécie, portanto, partilhamos de muitas coisas em comum. Mas há a incorporação de uma racionalidade muito particular para cada grupo humano. É uma incorporação enraizada na pessoa, não adianta querer mudar só intelectualmente, é algo muito mais profundo.

Quando se depara com uma cultura diferente diante de um atendimento com equipes, como é o caso da cultura indígena o melhor caminho é a conversa, o diálogo, pois será de grande resistência por parte dessas pessoas o atendimento adequado. Apresenta-se nessas e em tantas outras situações um campo epidemiológico muito perigoso que poderá levar a pessoa a morte. As vacinas têm que ser aplicadas, um antibiótico possivelmente tem que ser dado. Enfim, todo conhecimento da medicina do não-índio não é bobagem, assim como não é bobagem a medicina do próprio índio (ARRUDA, 2010).

Pastore (2010) alega que os profissionais que atuam como gestores públicos têm como referência as diretrizes estabelecidas pelas políticas públicas destinadas a populações específicas. Para falar sobre a experiência de gestão na área da saúde indígena, é importante contextualizá-la com as políticas de Saúde do país relacionadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) e Saúde Mental.

O Sistema de Atenção à Saúde indígena está agregado ao SUS e foi estabelecido por meio da lei nº 9.836, de 23 de setembro de 1999, e da portaria do Ministério da saúde nº 254, de 31 de janeiro de 2002, que dispõem sobre a Política Nacional à Saúde dos Povos Indígenas e destacam as principais diretrizes: a) organização dos serviços de atenção aos povos indígenas na forma de Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) e Polos Base, no nível local, onde a atenção primária e os serviços de referências se situam; b) articulações dos sistemas tradicionais indígenas de Saúde; c) promoção de ações específicas em situações específicas; d) promoção da ética na pesquisa e nas ações de atenção à saúde envolvendo comunidades indígenas; e) promoções de ambientes saudáveis e proteção da saúde indígena e f) controle social. A Atenção à Saúde Indígena caracteriza-se como integral, diferenciada e integrada.

A Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), instituição pertencente ao Ministério da Saúde, foi criada em 1990, por meio da lei nº 8.101, de 6 de dezembro

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de 1990. Tem como missão: “A promoção à saúde, mediante de ações integradas de educação e de prevenção e controle de doenças e outros agravos, bem como o atendimento integral à saúde dos povos indígenas, visando a melhoria da qualidade de vida da população” (PASTORE, 2010, p. 251).

Segundo Pastore (2010), o principal aspecto e que merece a maior atenção em relação a saúde indígena é a atenção diferenciada. Muitas vezes vista como privilégio, questionamentos sobre esse posicionamento se tornam necessários para que se consiga observar a realidade atual desses povos. Essa atenção está ligada a fatores epidemiológicos, devido à vulnerabilidade orgânica e social, especificidades culturais, bem como ao déficit histórico de acesso a saúde. Considerando que em um país com dimensão continental como o Brasil, com diferenças culturais, socioeconômicas e política, a violação de direitos pode ser mais frequente do que se pode esperar e aqueles que, de alguma forma, têm direitos preservados podem ser vistos pela sociedade como privilegiados.

As comunidades indígenas têm um sistema próprio de saúde, a cultura medicinal indígena, com peculiaridades culturais e com pessoas responsáveis pelos cuidados como as parteiras, os pajés e conhecedores de ervas curativas. Portanto, ao pensar em saúde indígena, Pastore (2010) recomenda que é indispensável a construção de projetos que envolvam as comunidades indígenas visando o fortalecimento das propriedades da cultura, bem como a integração com o sistema de saúde da sociedade envolvente.

Garfunkel (2010), no livro Psicologia e povos indígenas, apresenta o programa Tamoromu3 da Casai/SP, que tem como objetivos potencializar a estrutura

de acolhimento na instituição, auxiliar no tratamento e recuperação do bem-estar dos pacientes, valorizar a cultura e o conhecimento de cada paciente e acompanhante indígena, partindo da ideia de que quem chega tem um conhecimento pleno, uma cultura, uma forma de lidar com esse mundo. Assim, o programa oportuniza falar sobre esses aspectos nas oficinas, procurando não cristalizar papéis e lugares.

3 Nome que, de acordo com Elisabeth Passero Pastore (2010), faz referência à uma história wapixana sobre uma árvore que produzia tudo, mandioca, banana, abóbora e o que era preciso para alimentar a comunidade.

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Esse autor explica que, as oficinas, são lugar onde se estimula a socialização entre os indivíduos, a convivência e o intercâmbio, com o objetivo de instigar e compartilhar experiências, troca de produção e a criação de materiais, intensificando uma postura ativa no processo de espera no tratamento. Outro objetivo importante consiste em mobilizar novas práticas e formas de organização do cotidiano. Tem como estratégia de ação atividades realizadas em dez oficinas diferentes propiciando, em cada uma, um tipo de trabalho. Essas oficinas constituem um lugar de encontro intenso, uma vez que indígenas convivem no dia a dia sem saber uns dos outros, de onde são, o porque estão ali. O que se busca com tudo isso é consolidar um grupo de escuta e diálogo, tanto para indígenas quanto para funcionários, e cuidar das questões objetivas, emocionais vividas por ambos, nessa experiência de estranhamento que é a doença em si, a cidade, o tratamento médico ocidental e a medicina.

Garfunkel (2010) demonstra que as oficinas são, espaços por dignidade de população comum, o que denomina fazer coletivo. As pessoas podem trocar de papéis e experimentar algo diferente do que é vivido na cidade onde o médico representa o topo da hierarquia no tratamento. A oficina desmonta esse olhar, onde quem ensina, também, aprende. Vale lembrar que esse projeto, trata as categorias das atividades, as oficinas de criação são cerâmica, artesanato e reciclagem. Cada profissional é responsável por duas ou três oficinas e, quando possível, trabalha-se em duplas. Trata-se de oficinas lúdicas corporais; oficinas de passeio; de jogos e brincadeiras. Nesse programa, também, realizam atendimentos psicológicos e acompanhamentos interdisciplinares de casos. Fazem reuniões semanais com as equipes de enfermagem, de limpeza, motoristas, pessoal da cozinha e da manutenção. Há, ainda, reuniões com equipes parceiras, instituições parceiras, como o ambulatório do índio e a Fundação Nacional da Saúde (FUNASA), coordenando reuniões ampliadas de discussões de caso.

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2 OS DESAFIOS DA PSICOLOGIA COM A CULTURA INDÍGENA

Do ponto de vista da Psicologia Social, o profissional de psicologia deve, basicamente, desvestir-se da sua própria subjetividade, dando espaço para a escuta da subjetividade do outro, respeitando a cultura e abrindo espaço para que as culturas se entrelacem, havendo, com isso, um movimento positivo para ambos os lados, com ética e sabedoria. O psicólogo trabalha com a possibilidade de criar, recriar e recortar a própria história, para que esta seja direcionada para lugares desejados e respeitados.

Berni (2010) em contato com o povo indígena há pelo menos 20 anos, iniciando seus estudos sobre a musicalidade dos povos indígenas, principalmente na região amazônica do Brasil. Anuncia que com o passar do tempo, seus estudos foram expandidos para a compreensão da cultura dos povos indígenas e, em decorrência disso, foi percebendo a complexidade e diversidade desses povos em suas especificidades. No seu processo formativo, e inclinado para pesquisas em torno da ciência e religião, investigou as implicações entre canto, dança e oração como único elemento que, de acordo com seus estudos, é irredutível e comum a muitas etnias. Com esse trabalho chegou ao CRP/SP. Com o desenvolvimento de suas reflexões e a criação do Grupo de Trabalho Psicologia e Povos Indígenas (GT), e, também, nomeado à coordenação do Grupo de Estudos Transdisciplinares Psicologia e Povos Nativos (GETRANS), Berni (2010) apresenta uma proposição epistemológica em sete pontos, que segundo seus escritos correspondem a:

1) Reflexão sobre o pluralismo epistemológico, enfatizando sua glória pela caracterização do Bom, do Belo e da Verdade; 2) Panorama da Psicologia Científica, a desta e as grandes correntes do pensamento psicológico; 3) Reflexão de caráter disciplinar ao transdisciplinar; 4) Os pilares da abordagem transdisciplinar

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enfatizando seus eixos ontológico, lógico e complexo; 5) Comparação entre Transdisciplinaridade e Transculturalidade, compreendida como elemento complementar para apoiar o transdisciplinar; 6) Releitura de elementos perspectivismo à luz dos conceitos transdisciplinares, para analisar roteiros etnopsicologicos para mapeamentos transculturais; 7) Aproximação entonospsicológica da cultura guarani, apresentada a partir de seus parâmetros históricos e sociocultural (BERNI, 2010).

Em seus estudos, Berni (2010) menciona que a Psicologia Científica ensinada nos cursos de graduação é transmitida por um viés que pode dificultar um diálogo inter e transcultural fundamental para o contato com a subjetividade dos povos indígenas, afirmando que a Psicologia foi considerada como “criação da mentalidade ocidental que tomou a liberdade de excluir de sua história não só a concepção animista dos povos ditos primitivos, mas também as grandes tradições orientais” (Ibid. p. 18). Acrescenta, ainda, uma crítica aos autores Schultz e Schultz (1981) em

História da Psicologia Moderna, afirmando que os autores não tiveram uma

preocupação dessa a natureza, fato talvez desnecessário, considerando que o título do livro sugere uma história do projeto cientifico da modernidade. Berni (2010) faz critica também outros autores como por exemplo, Davidoff (2000) e Japiassu (1982) e enfatiza que: “Levantam a problemática não apenas no campo da psicologia, mas também no que se diz respeito a ciências humanas no geral, visto que não há apenas um único olhar de campo nesses estudos que, não raro, são conflitantes entre si”, (BERNI, 2010, p. 280).

Para Berni (2010) essa perspectiva, também é apresenta pela questão da multiplicidade desordenada e contrária que existe no campo da Psicologia, dada às diversas posturas metodológicas e teóricas assim existente. Embora os conhecimentos psicológicos encontrem uma grande dispersão por distintos campos da ação humana, as teorias da personalidade talvez possam assumir um lugar excepcional, sobretudo porque a partir delas pode-se compreender a visão de homem e de mundo. Visões estas que tornam subentendidas as posturas dos psicólogos que atuam em diferentes áreas (BERNI 2010).

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2.1 A sabedoria cultural, sobre arte, ciência e religião

Para compreender a psicologia na questão dos povos indígenas, Berni (2010) discute, então, a oposição entre ciência e religião. Considerando a dimensão teológica como fundamental para os povos indígenas, afirma ser importante olhar para a história dessa oposição possibilitando entender como isso ocorreu e as implicações para as sociedades envolvidas. Registra, ainda que até por volta de 1600, a realidade era entendida a partir de uma visão denominada de Grande Cadeia do Ser. Uma estrutura multidimensional, onde os níveis de realidade inferiores numa grande hierarquia podiam ser compreendidos em seus diferentes matizes, dependendo da cultura, escola, religião ou tradição que a abordasse, sendo possível distinguir pelo menos cinco níveis de realidade ou dimensões: 1) O do sagrado elemento não-dual; 2) Nível espiritual; 3) Nível Mental que continha o; 4) Nível Emocional que continha o; 5) Nível Físico.

Com a estrutura dessa natureza nortearam o entendimento de diferentes culturas no Oriente, assim se pensa que ocorra com os povos indígenas do Brasil. Trata-se de uma forma de chegar a realidade na qual vigora um pluralismo epistemológico, significando que as diferentes escolas que estudavam a Grande Cadeia do Ser produziam conhecimentos que eram e ainda são considerados relevantes (BERNI, 2010).

De acordo com Berni (2010), a sondagem dessa grande cadeia se dava baseada na experiência. Por meio dos conhecimentos produzidos, foram e são sistematizados em forma de sabedoria cultural separada pelo que conhecemos como Arte, Ciência e Religião. A partir de outros autores, Berni (2010) sugere que a Modernidade clareou a relação existente entre esses campos, esclarecendo a diferença do que chamou de “Três Grandes”: O Bom, a Verdade e o Belo. O Bom ficou a cargo da Religião, as tradições; o Belo através das Artes; e a Verdade através da Ciência. Essa análise permitiu avanços na pesquisa da realidade, ou da Grande Cadeia do Ser, conseguindo-se evitar um aspecto altamente prejudicial que prevalecia até então, a invasão de uma esfera pela outra. Essa situação foi muito comum avaliando que a religião assumiu o domínio das demais áreas por um longo tempo.

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Com esse contexto, Berni (2010) lembra a história de Galileu, um católico devoto que tinha como objetivo principal em seu trabalho levar Ciência e religião a uma situação de sensatez e, por essa tentativa, quase foi à fogueira da Inquisição. Segundo o autor, esse foi um fato importante, considerado o marco da separação entre religião e ciência, pois, foi a partir desse momento, na cultura ocidental, que as palavras teologia e religião passaram a ser sinônimo de atraso. Contudo, a ciência passou a promover uma dissolução reducionista dessa sondagem, ou seja, o pluralismo epistemológico foi sendo substituído por apenas um tipo de realidade lógica, assim, gradativamente, a ciência começou a reduzir a sondagem da realidade apenas no nível físico da Grande Cadeia e a partir disso surgiu o cientificismo, que dominou as demais esferas que antes pertenciam à religião. Segue dizendo que a religião ocidental, que era o cristianismo (católico ou não), reagiu à perda do poder e estabeleceu uma estratégia com o Estado que ansiava essa separação. Essa aliança se apresentou no campo político-econômico, assim, o Estado passou a proporcionar recursos materiais e tecnológicos para que Igreja e Estado, aumentassem o poder. Isso ocorreu através das grandes navegações, que, como consequência, alcançaram a conquista das Américas e, assim, os religiosos conseguiam dominar os povos encontrados. Dessa forma, a Igreja conseguiu manter o poder e o Estado ampliou suas riquezas. Segundo o autor, essa aliança hegemônica foi devastadora para as culturas do novo mundo.

Berni (2010) faz apontamentos radicais dessa aliança com as teorias elaboradas por Freud, Marx, entre outros, que negaram a existência do Sagrado ou Espirito, afirmando por meio de novas reflexões que as questões sob sagrado e espirito eram ilusórias. Ao estudar essa história Berni (2010) apresenta que, ao longo dos séculos, quando a ciência materialista conseguiu provar que os processos anímicos ou espirituais encontravam ressonância ao nível cerebral, a teoria da Grande Cadeia do Ser foi abandonada e, assim, tanto o Belo quanto o Bom foram, também, abandonados e transformados na Verdade, pois só a ciência materialista era capaz de explicar a realidade.

O autor sugere que a partir da modernidade o cientificismo enfatizou a ampliação disciplinar, trazendo para a sociedade muitos benefícios e, ao mesmo tempo, muitos problemas. Com a separação dos conhecimentos, sobretudo com a

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eliminação do Bem e do Belo do debate sobre a realidade, levou à criação de uma série de divergências. Apresenta, então, três grandes tentativas de reaproximação entre ciência e religião, visando a reintegração corpo-mente-alma. Foram eles: o Romantismo, o Idealismo, o Pós-modernismo. Os românticos tentaram reconciliar a Ciência e Religião. Esses caíram no que o autor dominou de “falácia/pré/trans”, quando o pré racional foi confundido com o transracional, simplesmente porque os dois não eram racionais. Os românticos dedicaram-se à liberdade dos sentimentos que estavam aprisionados pela razão. Contudo, isso levou à valorização indiscriminadamente de tudo que não fosse racional, inclusive práticas regressivas, egocêntricas e narcisistas. O romantismo foi, de fato, vítima da própria dissociação (BERNI, 2010).

Os idealistas buscaram transcender o romantismo que buscava a integração “do paraíso perdido” no passado, no “tempo antes do tempo” e a ela incorporaram a ideia de desenvolvimento, assim se encaminhou para o pós-racional. Apesar desse avanço, as proposições idealistas também não tiveram sucesso, pois eram apenas hipóteses que precisava de prática, não havia elemento meditativo que as pudesse levar a tal prática, o que fez com que as proposições fossem classificadas como pensamento sem evidência real, por tanto, não foi aceita pela ciência (WILBER, 2000 apud BERNI, 2010).

Os pós modernistas procuraram atacar o cientificismo, negando-lhe a objetividade pretendida, afirmando que a Verdade não existia, somente as interpretações. Esta forma de atacar a Verdade fez com que ligação fosse reduzido a dimensão do Belo e do Bom que haviam sido negadas anteriormente. Portanto, ao tentarem negar a objetividade da ciência, esta foi diminuída a subjetividade. Isso gerou uma tentativa de curar as teorias incoerentes que acabavam por negar a si próprias (BERNI, 2010).

Berni (2010) diz que apesar dessas importantes questões, quando os pós modernistas chegaram ao extremo de negar toda e qualquer subjetividade à ciência, só conseguiram formar teorias errôneas, pois acabaram por reduzir tudo a uma perspectiva linguística e, desta forma, as próprias formulações caíram frente aos argumentos lógicos mais básicos, pois, se tudo era uma interpretação, os próprios pós-modernistas estavam fazendo isso. Assim, o autor demonstra como intenção

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que, ao longo dos séculos da Modernidade, muitas foram as tentativas de retornar o diálogo entre as esferas que exploravam a Grande Cadeia do Ser reconciliado saberes. Essa situação levou a existência de cinco posturas básicas, que refletem nos dias atuais. Pela busca do diálogo, são elas: 1) A ciência nega qualquer legitimidade à religião e à tradição; 2) A religião ou tradição nega qualquer força à ciência; 3) A ciência é apenas uma das diversas modalidades válidas do conhecimento; 4) Dentro da Ciência pode se encontrar argumentos aceitáveis para a explicação do espirito e do sagrado; 5) A ciência ou a verdade, não existe, o que existe são apenas interpretações.

Em seus escritos Berni (2010) menciona que no século XIX, enquanto a psicologia se constituía como ciência na Europa, em meio aos posicionamentos assumidos pela Ciência e Religião, nas Américas os povos indígenas eram massacrados. Do século XVII a meios do século XX a cultura ocidental esteve obcecada somente com a questão do conhecimento, e com objetivo principal, “produção e validação” das crenças. Com a quebra das tradições que deixaram de existir frente ao cientificismo, surgiu, nessa época, o alimento ideal para a “privatização da individualidade” especializada nas categorias analíticas que passaram a ser objeto da Psicologia Moderna. A competição da consciência reflexiva exigia uma nova organização das crenças. E foi assim que a solução às experiências subjetivas individualizadas e de caráter privativo passou a ter como principal objetivo reelaborar as crenças e regras de ação, valores e critérios de decisões seguros e confiáveis” (FIGUEIREDO, 1996 apud BERNI, 2010).

Em sua pesquisa Berni (2010) escreve que a necessidade da Psicologia cientifica é fazer um reflexo da ideologia que a antecedeu. A perspectiva padrão para explicar refere que

A “ciência normal” apresenta com muita clareza esse posicionamento.

“Alguns exemplos aceitos na prática científica real – exemplos que incluem,

ao mesmo tempo, lei, teoria, aplicação e instrumentação – proporcionam

modelos dos quais brotam as tradições coerentes e especificas de pesquisa cientifica” (KUHN, 1998, apud BERNI 2010, p. 30).

Nesse ponto das reflexões, Berni (2010) pensa que seja fundamental retomar algumas questões como: o que é psicologia? Estudo da alma? Não seria a alma o objeto de estudo da religião? Então, é melhor dizer que o objeto de estudo da

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Psicologia é o homem? Mas esse não é o objeto de estudo de todas as Ciências Humana? O comportamento? A antropologia ou a Sociologia também não estudam? Enfim, talvez fosse mais apropriado dizer que a Psicologia estuda a consciência ou a inconsciência. Essa é a grande questão que acompanha a Psicologia Científica desde sua formulação, portanto: “É preciso reconhecer que a psicologia não tem uma delimitação única de campo, uma compreensão partilhada do que é fundamentalmente seu objeto, nem muito menos, há consenso sobre como gerar ou validar conhecimentos (FIGUEIREDO, 1996 apud BERNI 2010).

É possível reconhecer grandes linhas de pensamentos, diz Berni (2010) e enfatiza que identificou como Primeira Força o Behaviorismo, segundo a psicanálise, terceira a Psicologia Humanista e quarta a Psicologia Transpessoal. O autor confirma que a teoria Behaviorista está ligada à constituição da objetividade da Psicologia a partir da qual se fundamentou como ciência. O foco está no esquema estímulo-resposta, no qual os fatores externos (ambientais) assumem papel importante na determinação dos comportamentos. Freud (1856 -1939) é sem sombra de dúvida o representante mais importante da psicanálise, pois Freud destaca, ao contrário do behaviorismo, a dominação dos fatores internos (inconsciente) na determinação dos comportamentos, onde as pulsões de vida e de morte (sexualidade e agressividade), que estão recalcados, assumem uma função de carro-chefe na determinação dos comportamentos. A Psicologia humanista, não nega os fatores internos e externos apresentadas pelas psicologias comportamentais e psicanálise, mas acrescentou a estas teorias os elementos puramente humanos na determinação dos comportamentos, como a capacidade de escolha, a liberdade e uma tendência inata a realização humana. A Psicologia Transpessoal, é apenas um trampolim para uma força mais elevada, transpessoal, centrada mais nos cosmos do que na necessidade e interesses humanos, indo além do humanismo, da identidade, da individuação e quejandos (MASLOW, 1968 apud BERNI 2010).

A psicologia como ciência e profissão, diz Berni (2010), tem diferentes áreas de pesquisa, como por exemplo, a psicologia social, psicologia organizacional, psicologia clínica, psicologia escolar, psicologia do desenvolvimento humano, psicologia hospitalar, psicologia jurídico, psicologia do esporte. O autor diz que é

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necessário entender que essas subáreas são fruto da especialização disciplinar do conhecimento própria da modernidade. Afirma também que uma disciplina se configura a partir de um problema que precisa ser explicado. Aponta exemplos como, o campo psicojurídico que se configurou inicialmente pela necessidade do direito da compreensão psicológica para entender os comportamentos de sujeitos que não condizem com o bem social coletivo, ou seja, situações desviantes ou conflitantes das normas sociais.

Nessas configurações o autor salienta que duas subáreas da psicologia foram fundamentais: a psicologia clínica e a psicologia social. Na psicologia clínica se encontram diferentes formas de compreensão do fenômeno humano. Aqui o autor apresenta a perspectiva maslowiana de compreensão epistemológica, sugerindo que é possível ter uma clínica psicanalítica, uma psicologia clínica comportamental, psicologia clínica humanista ou uma psicologia clínica transpessoal. Embora Berni (2010) reconheça que as contribuições da clínica tenham sido relevantes para a configuração do campo psicojurídico, foram as delimitações aos estudos do campo de existência ao conhecimento, a valores morais, que possibilitaram que a psicologia jurídica se configurasse como disciplina.

O referido autor ainda menciona que se por um lado vivemos um momento de grande abundância disciplinar, por outro estamos em tempos de compreensão multi, inter e transdisciplinar. Segundo o autor, a multidisciplinaridade é entendida como uma troca de saberes e experiência que se faz entre profissionais de disciplinas diferentes para a compreensão de uma mesma problemática. Um exemplo que se apresenta é a cultura, saúde mental do povo indígena que pode ser olhada pelo psicólogo, pelo assistente social, pelo médico, antropólogos. Cada um desses profissional procura abastecer e elaborar explicações para a solução dos problemas em comum. “Essa interdisciplinaridade envolve a troca de metodologias entre as disciplinas” (NISCOLESCU, 2005 apud BERNI, 2010, p. 289).

Dentro das correntes pós-modernas, e ainda diz que começa a surgir movimentos que apresentam forças epistemológicas que passam a ganhar espaço na comunidade científica. Um desses movimentos é a transdiciplinaridade que origina apontamentos elaborados nos estudos de Piaget na década de 1970, passando também a ser desenvolvida no mesmo período por Edgar Morin. Esses

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pensadores atribuíram a transdiciplinaridade um sentido de liberdade e trocas de pensamento entre as disciplinas. Mas, afirma ainda que a transdiciplinaridade pode ser apresentada em um contexto maior, para além das disciplinas. De tal modo define-a como uma abordagem científica, considerando que existem conhecimentos importantes dentro de cada disciplina (interdisciplinar) e que existem verdades para além das disciplinas (transdisciplinar). Sendo assim, o objetivo da transdiciplinaridade “é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é unidade do conhecimento” (NISCOLESCU, 2005 apud BERNI 2010, p. 289).

Para Berni (2010) a transdiciplinaridade não é contra à especialização disciplinar da ciência. Ela só se justifica a partir do disciplinar. Enquanto a modernidade focou na busca da verdade pelas leis matemáticas com o objetivo de descobrir o funcionamento do universo, a transdiciplinaridade não teve e não tem o mesmo objetivo, seu trabalho está voltado para a busca da unidade do conhecimento. A transdiciplinaridade apresenta três eixos principais que se pauta a pesquisa:

1. O eixo Ontológico que apresenta diferentes níveis de percepção da realidade; 2. O eixo Lógico do terceiro incluído; 3. O eixo Complexo que é a estrutura completa dos níveis de realidade e de percepção, cada nível é o que é porque todos os demais níveis existem à o mesmo tempo (NICOLESCU, 2005 apud BERNI 2010, p. 292).

Segundo Berni (2010) esse conceito de nível de realidade é o ponto central da transdiciplinaridade e diz que esses três eixos estão ligados. Ao introduzir essa noção de nível de realidade no campo da ciência o autor afirma que a transdiciplinaridade introduz a noção de nível de realidade no campo da ciência e se harmoniza com o conceito pré-moderno da Grande Cadeia, considerando que esse conjunto lógico poderia assim se construir em um novo paradigma para a ciência, o que o autor chama de “paradigma da complexidade”.

Um novo princípio de realidade emerge da coexistência da pluralidade complexa e da unidade aberta: nenhum nível de realidade se constitui um lugar privilegiado do qual pode-se compreender todos os outros. Os níveis são o que são porque todos os níveis existem ao mesmo tempo. Esse princípio de realidade da origem a uma nova perspectiva para a religião, politica, arte, educação e para a vida social (NICOLESCU, 2005 apud BERNI, 2010, p. 292).

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O que Berni (2010) está se referindo é que os níveis de realidade são objetos de estudo do conceito de transdiciplinaridade a partir dos níveis de percepção a eles associados, identificados como o sujeito transdisciplinar contemplando uma unificação entre sujeitos e objetos. Assim, o nível de realidade possui uma consistência de lógica única, mesmo se afirmando que os níveis são incompletos, isso significa limitações, e essas limitações poderão ser encontradas na lógica que se explica, assim o problema só será resolvido diante de outra lógica de outro nível de realidade, e é assim que muitas vezes os níveis se revelam a seus observadores.

Para Berni (2010) é fundamental uma complementação para a aproximação da psicologia com povos indígenas, mediante ao exercício transcultural, e alega que a cultura não é disciplina. O objeto disciplinar corresponde apenas a uma pequena parte da realidade, pois, a disciplina em si não tem uma dimensão ontológica, mas sim lógica. Assim, uma disciplina observa o fragmento de um nível de realidade correspondendo, portanto, apenas a um nível de percepção. A cultura é o contrário da disciplina, pois procura explicar a totalidade da realidade, portanto lança um olhar ao real para tentar explicar a realidade e é por isso que segundo o autor os choques de culturas são violentos.

Tendo em vista a necessidade da psicologia em atender povos indígenas, essas abordagens de transdiciplinaridade e interdisciplinares se mostram úteis para a criação de uma ponte para o diálogo com esses povos com culturas diferentes. Berni (2010) acredita que qualquer uma dessas abordagens possa aproximar o diálogo das culturas indígenas desde que isso aconteça com mediações epistemológicas do tipo transdisciplinar/transcultural como a que foi apresentada. Porém, o autor acredita também que do ponto de vista disciplinar a psicologia transpessoal, pois em todo o mundo, indígenas de difere etnias são convidados a compartilhar suas culturas e seja através da psicologia transpessoal e há um entendimento muito harmonioso entre eles, “enquanto as culturas ocidentais acreditam que a terra pertence ao povo, as culturas indígenas são sabedoras que o povo é que pertence a terra” (ARRIEN, 1992 apud BERNI, 2010, p. 299).

Portanto a visão indígena é que os cosmos o universo é o centro de tudo e esse fato tem grandes implicações do ponto de vista epistêmico, pois promove a união do sujeito com o objeto, elementos que se encontram separados no

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cientificismo ocidental, mas unido no ponto de vista transdisciplinar. Assim aponta Berni (2010) que para os povos indígenas os animais e demais seres são sujeitos por que para eles esses seres também são humanos, o que leva o autor a acreditar que há uma outra perspectiva importante, a de que só há uma cultura, a humana, mas o que se varia é a natureza. O que poderia dizer sobre isso é que nos termos da transdiciplinaridade, é que a cultura corresponde ao real e isso deriva dos múltiplos níveis de realidade a natureza. Portanto, o nosso nível de realidade não vê a onça pintada como ser humano e nem esse animal a nós, apenas se trata em saber como o mundo se manifesta por meio da onça e não de como a onça vê o mundo.

Berni (2010) garante que a comunicação entre os mundos só é possível porque há união com o objeto, visto ser a alma sempre humana. Essa harmonia transdisciplinar/transcultural é de grande importância, porque no mundo indígena o início da identidade é completamente negado, pois para os indígenas um corpo pode conter mais de uma alma. É esse tipo de questão que precisa se levar em conta na aproximação com os povos indígenas. A psicologia transdisciplinar mostra que há mais espaços disponíveis para os elementos transdisciplinares e transculturais que podem favorecer o diálogo entre povos indígenas. Com isso, o autor sugere que o enfoque inicial das escolas transpessoais é o crescimento transpessoal de cada pessoa, pois se trata de um modelo de psique humana que reconhece todas as diferenças e dimensões espirituais. É uma proposta para se entender cada fenômeno e realidade por completo, que estuda o meio ambiente e as relações entre os seres humanos, podendo se entender como interdisciplinar já que se dialoga também com outras disciplinas para estudar a consciência humana. Essa é segundo Berni (2010) a perspectiva epistemológica da disciplina transpessoal, uma vez que isso aproxima a compreensão de modelos adotados pelos povos indígenas.

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