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A IDEOLOGIA DA RACIONALIDADE TECNOLÓGICA INTERFERINDO NAS DIVERSAS DIMENSÕES DA VIDA DO INDIVÍDUO

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A IDEOLOGIA DA RACIONALIDADE TECNOLÓGICA INTERFERINDO NAS DIVERSAS DIMENSÕES DA VIDA DO INDIVÍDUO

Autor: Janaina Pulcheria Pinheiro Morais – acadêmica do curso de psicologia da

UFMS (janoca.morais@hotmail.com)

RESUMO:

Este trabalho foi idealizado com a finalidade de pensar sobre o conceito de ideologia da racionalidade tecnológica e sua influência nas diversas esferas da vida do indivíduo – a família, a escola, o trabalho e o lazer -, isto foi possibilitado por meio de um estudo bibliográfico/documental que se deu a partir de agosto/2006 até julho/2007. Os pressupostos teóricos que embasam este estudo estão contidos nas obras de autores da Teoria Crítica, notadamente Adorno e Horkheimer, de Freud e, principalmente, do Prof (o) Dr (o) José Leon Crochík. Além desse estudo teórico, ao trabalho pode-se somar o conhecimento obtido com a participação efetiva em todas as etapas da pesquisa empírica “O preconceito e as atitudes em relação à educação inclusiva tendo a exclusão social como base” – CNPq/FUNDECT, ao qual o projeto está vinculado. O conceito de ideologia da racionalidade tecnológica nasceu com os teóricos da teoria crítica da sociedade e vem sendo objeto de estudo em diversos trabalhos. Desta forma, como já afirmava Marx, a tecnologia exerce um poder desmesurado sobre as diversas dimensões da vida do indivíduo na sociedade atual, contudo se ele soube analisar as conseqüências da tecnologia sobre a economia e a sociedade com grande propriedade, não lhe eram evidentes muitas conseqüências da aplicação sem limites da mesma. Nesse sentido, os processos desenvolvidos na indústria moderna expandiram-se às áreas privadas e sociais da vida, de tal modo que a tecnologia passou a instituir formas de controle social, enfraquecendo, assim, a razão quando visa torná-la a “imagem e semelhança” da racionalidade tecnológica. É importante ressaltar que a intensa presença do computador no ensino, mesmo que com finalidades pedagógicas e didáticas, contribui para o progressivo processo de racionalização excessiva do pensar, sentir e aprender. Isso vislumbra a advertência de que, com esse processo, o positivismo e a ideologia da racionalidade tecnológica propiciam a racionalização da vida social, isso porque a função básica da escola passa a ser de adaptar

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os alunos a uma realidade que é entendida e reproduzida com base em uma concepção científica e tecnológica. Esta questão se faz importante porque no entendimento da relação entre sociedade e indivíduo, a teoria crítica diferencia-se tanto da teoria freudiana - que prioriza o sujeito - no estudo dos fenômenos sociais, como da teoria hegeliana – no qual o todo é verdadeiro -, isto porque para Adorno e Horkheimer, o particular indica o todo, mas não se anula nele, já que o todo para eles não representa a verdade. Em sua reflexão, os autores dessa teoria, afirmam que a síntese, contemplada por Marx, não é possível em nossa sociedade, pois nesta não existe liberdade, nesse sentido, também é correto afirmar que os frankfurtianos não objetivam uma síntese entre as categorias do marxismo e da psicanálise, exatamente pelo fato da totalidade ser totalitária. Sendo assim, a suposição de uma síntese harmônica entre a psicanálise e o marxismo, encobre o fato de que a própria realidade não permite a mesma, justamente porque essa concepção abarca o entendimento de que a sociedade é liberta de antagonismos e contradições que, contudo, são essenciais à sua estrutura, pois esta se encontra cindida e fragmentada em sua origem. A partir dos pressuposto da teoria freudiana, Adorno, Horkheimer e Marcuse problematizam a concepção da síntese harmoniosa e acabada entre indivíduo e sociedade, entre a história e a consciência, entre a cultura e a natureza, o que não justifica a afirmação de que a teoria crítica não se preocupa em aliar-se aos processos de emancipação dos indivíduos no que se refere a esses impasses, já que na dialética frankfurtiana, a natureza não é só determinada pela história humana, mas também é determinante desta, embora ambas não se confundam nesse processo. Não existe dúvida de que o progresso da civilização ocidental é resultante do desenvolvimento da tecnologia, embora esse controle não seja ilimitado. Nesta perspectiva, o controle da natureza garante a uma parcela de indivíduos conforto material e longevidade, e o controle do comportamento do homem possibilita a materialização de uma sociedade “ordeira” e “progressista”, tal como assinalava Comte na teoria positivista. Contudo, se a tecnologia permitiu ao indivíduo a subjugação parcial da natureza, não resolveu os conflitos entre esta e a sociedade e nem entre os indivíduos entre si. Por sua vez, nesses conflitos - que também se apresentam no mundo do trabalho – os indivíduos são privados de consciência devido à ideologia que permeia as relações sociais na sociedade capitalista contemporânea. Com isso, para que a realidade possa ser desvelada tornam-se necessárias a crítica à realidade aparente e a crítica ao discurso ilusório, caso

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contrário, o movimento da realidade não é possível, e a contradição é impedida. Obviamente, esta crítica não é tão simples, isto porque o conteúdo da ideologia e a sua relação com a realidade variam historicamente, o que dificulta o entendimento processual da construção e reprodução da ideologia entre os indivíduos. Portanto, o estudo da tecnologia como ideologia torna-se importante quando fornece subsídios para a formação desses sujeitos e conseqüentemente, para a reflexão necessária à construção de uma concepção crítica sobre as determinantes sociais deste indivíduo, permitindo que este se livre da dominação a qual está subjugado. É fato que tal dominação reflete-se na subjetividade do indivíduo, pois conforme a concepção ideológica do trabalho, a subjetividade deve ser eliminada progressivamente do mundo e das relações sociais, pois estas devem ser alienadas e alienadoras. A objetivação das relações ganha espaço com o crescimento da influência da ciência e da ótica do capital na vida cotidiana do indivíduo. Deste modo, a ciência positiva corrobora adequadamente com a introdução da forma instrumental de pensar, garantindo com isso a aura de neutralidade, para por fim, camuflar a contradição inerente à vida humana. Conclui-se então, que o desenvolvimento da técnica gera considerável progresso na civilização – ressaltando que este progresso não alcança a todos – mas traz conseqüências perniciosas acerca da subjugação de um pensar particular por um pensar universal, que não tem relação com a experiência individual, ou seja, uma consciência alienada de si e do mundo e que visa à manutenção do status quo. Partindo desse pressuposto, essa relação entre ideologia da racionalidade tecnológica e as muitas dimensões da vida do indivíduo sinaliza para o constante abandono dos valores humanos em favor de formas fascistas de comportamento, que por sua vez são permeados por preconceitos e estereótipos enraizados no sentir e no pensar individual. Portanto, a ideologia da racionalidade tecnológica guarda relação com o preconceito e com o estereotipo, contudo, será que por meio do estudo da influência desta nas diversas dimensões da vida humana têm-se condições de reverter seu lado regressivo e desumano? As questões levantadas ao longo deste trabalho pretendem embasar uma reflexão sobre as dificuldades impostas à capacidade de pensar dos sujeitos, e visa propiciar a construção de uma sociedade que foque os valores humanos como norteadores de suas relações sociais.

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1. IDEOLOGIA DA RACIONALIDADE TECNOLÓGICA

Este artigo baseia-se em uma pesquisa essencialmente bibliográfica, que tem como finalidade o aprofundamento acerca da ideologia da racionalidade tecnológica e sua implicações na sociedade e na cultura, assim como, nos diversas âmbitos da vida cotidiana do indivíduo. Constitui-se em dois momentos: o primeiro visa esclarecer o conceito de ideologia da racionalidade tecnológica, as condições sociais em que se desenvolve e quais as conseqüências para o individuo e para a sociedade atual; e o segundo objetiva esmiuçar as influências ideológicas sobre as esferas da vida diária do individuo – família, lazer, escola e trabalho.

1.1. CONCEITO E INFLUÊNCIAS

A ciência moderna conferiu ao homem a capacidade de dominar a natureza, contudo, a visão de conhecimento nos termos postos pela modernidade terminou por atribuir-lhe um poder demasiado. A realidade externa é vista como simples instrumento para que os fins, previamente estabelecidos, sejam alcançados: o domínio sobre a natureza, sobre a cultura e sobre a sociedade. A transformação da totalidade social injusta é relegada a um segundo plano e a cultura, ao se aliar à ideologia, propicia o ajustamento do indivíduo à sociedade. Como afirma Crochík (2005, p. 311): “A cultura e a sua representante - a ideologia - fortaleceriam a integração social do indivíduo, mas diminuiriam a crítica às mesmas”. A autoconservação encontra-se subjacente nas atitudes dos indivíduos que são nutridos pela ideologia que prima pelo individualismo - a liberal - e pela ideologia da racionalidade tecnológica. Segundo Pedrossian (2005), o conceito de ideologia da racionalidade tecnológica nasceu com os teóricos da Teoria Crítica da Sociedade e vem ganhando aprofundamento em diversos trabalhos desenvolvidos por Crochík:

A ideologia da racionalidade tecnológica [...] é mais do que um conjunto de idéias, crenças e valores, e se configura como uma tendência a analisar todos os fenômenos através da razão instrumental, não se atendo às suas especificidades; o predomínio é a lógica do sujeito e não do objeto, o que significa que a realidade não é entendida em seus próprios termos, mas nos do sujeito. Na sua pretensa neutralidade não se dá conta da natureza não conquistada que a acompanha: a necessidade da dominação. (CROCHÍK, 1999, p. IV.)

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A lógica do sujeito passa a prevalecer, de modo que o esclarecimento em relação à realidade administrada fica impedido. A tecnologia aqui é entendida como um trabalho acumulado que propicia a riqueza social e o controle da natureza, com conseqüente aumento das contradições existentes e agravamento da alienação do trabalhador frente ao processo de produção e exerce um poder desmesurado sobre as diversas dimensões da vida do indivíduo na sociedade atual. Para Marx não ficou evidente as inúmeras conseqüências que a tecnologia causaria sobre a sociedade, ele apenas avistou os aspectos econômicos, latentes na época em que elaborou seus escritos.

A “mercadologização” do indivíduo reflete a indiferenciação do particular (indivíduo) na totalidade (sociedade). No capitalismo dos monopólios, o particular é incorporado às tendências sociais, e essa forma social susta o processo de individuação. Nesse sentido, a subjetividade é subjugada à totalidade totalitária, que procura reduzir os seres humanos a modelos, a mercadorias, a técnica, a produção e ao consumo. Verifica-se uma conversão dos vários sentidos humanos ao sentido do “ter”. No momento em que o indivíduo abre mão da faculdade de pensar, não consegue suplantar a adaptação e reproduz a sociedade atual que não o torna feliz.

Não se pode perder de vista que a constituição do indivíduo é dada pela relação dialética entre as questões individuais e as questões sociais. Contudo, do mesmo modo que a tecnologia fornece benefícios fundamentais à sociedade, não possibilita o acesso de todos os indivíduos as suas benesses, bem como pode proporcionar conseqüências nocivas ao todo social. A desigualdade social é agravada com a valorização de conteúdos heteronômicos no capitalismo monopolista e as questões de cunho social são abandonadas. Nas palavras de Crochík (2005, p. 310): “E isso tem ocorrido em detrimento da possibilidade de uma sociedade justa, igualitária e que promova a liberdade, e com o auxílio de um tipo distinto de ideologia do existente no capitalismo concorrencial: a ideologia da racionalidade tecnológica”. A influência da racionalidade tecnológica sobre as relações sociais resulta da falta de valores humanos na sociedade atual. Um dos questionamentos que deveria ser constante é a legitimidade do avanço tecnológico no momento em que suscita a busca incessante pelo que é novo, associando esta característica ao progresso científico e tecnológico. Observa-se que o indivíduo está sendo cada vez mais controlado pela sua própria criação, pois, invariavelmente, as “novidades” são colocadas à

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sua disposição para a satisfação de desejos imediatos. Assim, a dominação do homem sobre a natureza externa adquire, também, um caráter de repressão sobre sua natureza interna.

O indivíduo passa a desenvolver mecanismos para defender-se do medo diante do destino, no entanto, isso não lhe propicia liberdade, ao contrário, se sente cerceado por todos os lados, afetando o seu dia-a-dia. O dito processo civilizatório é, em si, anticivilizatório, quando não apenas anula a singularidade dos indivíduos, mas também propicia uma realidade pragmática, administrada e enclausuradora.

O que é focado na relação de dominação mecânica homem-natureza refere-se às diversas formas de controle que conduzem a uma maior produtividade com vistas a gerar um maior desempenho e lucro na organização social. Com isso, o indivíduo fica suscetível ao processo de instrumentalização das relações sociais, da mesma forma que tal processo lhe suga compulsivamente o tempo de lazer, que, atualmente, se denomina tempo livre.

Nesse momento vale inquirir: o que leva o indivíduo a se submeter a tais condições? No que diz respeito às influências da ideologia sobre o indivíduo não se pode desconsiderar que existem necessidades que permeiam as escolhas individuais, e mesmo as configurações psíquicas são construídas mediante as relações sociais e culturais estabelecidas ao longo da história de vida dos sujeitos. No momento em que a ideologia da racionalidade tecnológica alimenta a dominação social, contribui com o atrofiamento da imaginação e da fantasia. Pelo fato de o indivíduo estar submetido aos fins do mercado, cada vez mais, torna-se incapaz de “‘ouvir o imediato com os próprios ouvidos’ e de ‘tocar o intocável com as próprias mãos’”. (SILVA, 2005, p. 4). Ao ser orientado pelos ideários do mercado financeiro e da indústria cultural, o indivíduo perde o sentido de humanidade e passa a ser movido por desejos ilimitados que suscitam a ilusão de que serão satisfeitos.

Na relação do indivíduo com a ciência, o caráter de previsibilidade desta última busca antecipar e controlar os fenômenos, não permitindo dúvidas. Nesse ponto, cabe ao indivíduo, para sobreviver, adaptar-se às normas, e, desse modo, passa a ser alimentado pelo culto aos fatos, colocando em segundo plano sua capacidade de pensar e de experienciar. Nota-se, na racionalidade instrumental, a necessidade de adaptar os fins e os meios na consecução do progresso tecnológico, isto é, depara-se cruelmente com a afirmativa de que os fins justificam os meios. Devido a naturalização das relações sociais,

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as ações políticas, culturais e educacionais produzidas na sociedade contemporânea estão submetidas à racionalidade instrumental e, quase sempre, o indivíduo é o responsável pelos seus fracassos. E, nesse sentido, a razão instrumental excede a razão esclarecedora. O indivíduo, sob tal lógica, auxilia a manutenção da totalidade social opressora. Ele - com a consciência fragilizada - submete-se à subjugação da coletividade. Passa a ser concebido como descartável, tornando-se apenas produtivo ou não em um mercado de trabalho competitivo e excludente.

Entretanto, a concepção de teoria crítica da sociedade entremostra que, por meio da relação entre teoria e práxis, a formação do indivíduo pode estar voltada para a emancipação do mesmo, de forma a lhe permitir uma “... reflexão sobre os mecanismos que submetem os homens à dominação, e que atrelam as descobertas científicas à constituição de uma racionalidade predominantemente instrumental” (SILVA, 2005, p. 6). Para que tais orientações sejam alcançadas faz-se necessário que a educação não se volte para as leis de produção e de consumo, mas que vislumbre fundamentalmente a experiência cultural e as relações sociais, enfatizando a formação do indivíduo enquanto ser humano, em vez do fomento de atitudes preconceituosas.

1.2. A INFLUÊNCIA DA IDEOLOGIA DA RACIONALIDADE TECNOLÓGICA NAS DIVERSAS ESFERAS DA VIDA DO INDIVÍDUO

Não se pode desconsiderar que a ideologia da racionalidade tecnológica interfere no dia-a-dia do indivíduo, que faz parte de uma família, de uma sociedade e de uma cultura. Por mais que historicamente a família se tenha constituído por relações naturais e espontâneas, atingindo a monogamia e, com isso, criando uma esfera privada, para Horkheimer e Adorno (1973, p. 133): “... a família não só depende da realidade social, em suas sucessivas concretizações históricas, mas também está socialmente mediatizada, mesmo em sua estrutura mais íntima”.

A presença da ideologia no locus familiar materializa-se na valorização da aparência em vez da essência. Os conflitos, a convivência e os laços afetivos são naturalizados, mascarados e engessados por meio de relações imediatas e que perderam a espontaneidade. O núcleo familiar reproduz o sistema social desarmônico. Na medida em

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que as relações familiares se tornam estranhas, não se percebe que a família tem acompanhado a tendência social. Por estar o modelo ideal de família (legitimado pelo todo social) incorporado na subjetividade dos indivíduos, qualquer relacionamento que fuja dos padrões tradicionais estabelecidos de família é considerado inapropriado - as famílias com pais separados são consideradas incapazes de resolver seus conflitos internos porque as figuras parentais não estão unidas, sendo instituída uma nova forma de organização familiar.

Na sociedade atual os indivíduos, em seu lazer, orientam-se pelo processo produtivo e pelas relações de troca. Os valores constituintes da sociedade de produção e de consumo são propagados por meio das canções populares, dos filmes, dos astros de novela, produtos estes colocados à venda pela indústria cultural. Os produtos são constantemente reformulados em sua aparência, mas não se modificam em sua essência, isto porque têm a função de propiciar, por exemplo, que o telespectador se identifique diretamente com os conteúdos transmitidos pela indústria cultural, reproduzindo a realidade social. A imaginação e a espontaneidade dos indivíduos em sua expressão são impedidas por meio da aparelhagem técnica dos bens culturais. O lazer - que passa a ser administrado - visa manter o homem sob a permanente influência da ideologia da racionalidade tecnológica, de forma que o modo de produção e a conseqüente rotina de trabalho passam a interferir na esfera da diversão. Horkheimer e Adorno (1985, p. 128) assinalam, com propriedade:

[...] A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se por de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização atingiu um tal poderio sobre a pessoa em seu lazer e sobre a sua felicidade, ela determina tão profundamente a fabricação das mercadorias destinadas à diversão, que esta pessoa não pode mais perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho.

O tempo livre do indivíduo é colocado a serviço do capitalismo, a diversão sofre um processo de mecanização e mercadologização que reproduz a lógica do sistema: “Ao processo de trabalho na fábrica e no escritório só se pode escapar adaptando-se a ele durante o ócio”. (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 128). É necessário que o consumidor dos bens culturais não reflita sobre a realidade em que vive; que evite pensar sobre uma realidade diferente da usual, pois esta não vem trazendo a propalada liberdade e felicidade. O consumo, ao se colocar em primeiro plano, faz com que o indivíduo tenha

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ilusão de que todos os seus desejos serão satisfeitos por meio da indústria cultural e, seduzidos, não adquire meios de resistir e de se contrapor diante das condições dadas:

Mesmo quando o público se rebela contra a indústria cultural, essa rebelião é o resultado lógico do desamparo para o qual ela própria o educou. Todavia, tornou-se cada vez mais difícil persuadir as pessoas a colaborar [...] Na era da estatística, as massas estão muito escaldadas para se identificar com o milionário na tela, mas muito embrutecidas para se desviar um milímetro sequer da lei do grande número. A ideologia se esconde no cálculo da probabildiade (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 135.)

A indústria cultural oferece aos telespectadores a disposição de esquecerem a respeito do cotidiano para, em seguida, restituir a esse cotidiano uma elaboração de realidade constituída por valores da ideologia da racionalidade tecnológica, que não contém em si a experiência social. Esses conteúdos fomentam a resignação dos indivíduos porque funcionam como uma válvula de escape em relação à realidade brutalizada e desumana.

A ideologia da racionalidade tecnológica também se mostra presente no cotidiano escolar. A instituição escolar, como qualquer instituição, é reprodutora e mantenedora do sistema vigente. A estrutura hierárquica, os objetivos, a linguagem utilizada pelos atores sociais e mesmo o conteúdo voltado para o mercado de trabalho delatam a função da escola na sociedade. Contudo, se a escola tem a atribuição de reproduzir o status quo é por meio dela que os indivíduos terão condições de obter conteúdos e experiências necessárias para refletir sobre os determinantes sociais e, assim, propiciar uma possível transformação do todo social. Os conteúdos trabalhados na escola geralmente são transmitidos por meio do método positivista.

Há, todavia, conhecimentos que vão além dessa linearidade e que necessitam de uma maior reflexão e compreensão, tanto do professor quanto do aluno no ato de ensinar e de aprender: “... quando o saber não envolve diretamente a objetividade dos dados, e trazem a necessidade da interpretação com base nos fatos históricos, na literatura, na psicologia, na sociologia, a precisão ganha outro sentido”. (CROCHÍK, 1999, p. 186). A forma de transmissão do conteúdo é, sem dúvida, considerada mais importante que o próprio conteúdo. Crochík (1999, p. 187) esclarece que:

Ora, quanto mais um professor conhece o conteúdo a ser transmitido, maior deveria ser a precisão do que transmite, mostrando que o que estão em questão não é a fidelidade ao conteúdo, mas a possibilidade de apreendê-lo, e é assim que a didática associada quer ao professor, quer à tecnologia educacional pode ter sido valorizada frente ao saber, o movimento que foi privilegiado é o do

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professor em direção ao aluno e não do aluno em relação ao saber, o que parece mostrar uma passividade dos alunos em relação à aprendizagem. De outro lado, as tecnologias educacionais [...] parecem mais voltadas para a apresentação do conteúdo, para a sua aparência, do que para a sua reflexão.

Observa-se a passividade dos alunos na relação ensino-aprendizagem. O professor na sala de aula é entendido com o detentor da didática, que fará com que o aluno adquira ou não o conhecimento. A tecnologia educacional é valorizada em vez do saber; o acúmulo de conhecimentos dirigidos ao mercado de trabalho e ao aperfeiçoamento técnico está acima da formação do sujeito como ser humano e cidadão: “... se o conteúdo deve ser transmitido de forma objetiva, sendo mais dirigido às capacidades do receptor do que ao próprio conteúdo, a passividade do aluno não foi menos realçada por aqueles que defenderam a obrigatoriedade da freqüência dos alunos à escola” (CROCHÍK, 1999, p. 188).

A sociedade capitalista entende que o trabalho é imprescindível para a realização pessoas dos indivíduos, e a educação seria apenas a ‘escada’ que daria suporte aos sujeitos em ascensão, nesse sentido “... escola não fossem valorizados como um fim em si mesmo, tendo que se facilitar o seu aprendizado através da didática e da tecnologia educacional, para que se possa trabalhar e se realizar pessoalmente” (CROCHÍK, 1999, p. 190). Portanto, a produtividade marca tanto a escola como o trabalho. Essa visão fundamental do trabalho corresponde a uma visão romântica propagada pelo liberalismo, idealizando, nesse sentido, que: “... só depende do trabalho do indivíduo a sua sorte na vida, não percebendo os fatores sociais estruturais que limitam o destino humano”. (CROCHÍK, 1999, p. 190). A escolha profissional faz menção à segmentações entre fatores objetivos e subjetivos, os valores sociais das profissões são dissociados das necessidades individuais dos sujeitos.

E por fim, percebe-se que a ideologia da racionalidade tecnológica não somente está presente em todas as esferas da vida cotidiana do indivíduo, como correlaciona todos esses aspectos nas atitudes mais triviais.

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É fato que a tecnologia propicia o progresso da civilização, o controle da natureza externa oferece conforto e facilidades à parte da população, assim como, o controle do comportamento humano permite a administração e enclausuramento dos indivíduos, isto

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porque vislumbra uma sociedade que se orienta pelos pressupostos positivistas de “ordem” e “progresso”. Contudo, se a tecnologia permitiu ao homem a subjugação da natureza, não resolveu conflitos inerentes as relações estabelecidas entre sociedade, cultura e indivíduo, pois esses mesmos conflitos se apresentam no cotidiano das pessoas por meio da ideologia.

A ideologia da racionalidade tecnológica se mostra presente quando fomenta a justificação e a perpetuação dos ideários engessados da sociedade capitalista objetivando a manutenção do status quo. A reflexão crítica acerca da realidade aparente e das determinantes da constituição dos sujeitos que vivem nesse mundo brutalizado é fundamental para que essa realidade possa ser desvendada. O movimento social, essencialmente dialético, fica impedido pela lógica formal, que predomina na forma de sentir e pensar da humanidade.

A ideologia da racionalidade tecnológica guarda relação com o preconceito e com a educação inclusiva, será que por meio do estudo da influência da ideologia nas diversas dimensões da vida humana - família, escola, trabalho, lazer -, por meio desse estudo levanta-se a hipótese de que é preciso criar condições para que se possa reverter o lado regressivo e desumano da sociedade. A completa eliminação da técnica não garante a superação da dominação social, mas a sua inserção em um projeto que vise uma realidade, que vislumbre a identificação do forte com fraco, pode propiciar um uso consciente de seus efeitos. Mas, de fato, o que realmente torna-se importante hoje é pensar sobre a relação entre ideologia da racionalidade tecnológica e preconceito, e as implicações dessa relação na educação inclusiva com o intuito de evidenciar a dominação e a violência presentes na sociedade atual que fomenta a exclusão social.

3. REFERÊNCIAS

_____________. A ideologia da racionalidade tecnológica e a personalidade narcisista. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - USP, 1999 (Tese de Livre-Docência.)

_____________. Projeto de Pesquisa - Preconceito e atitudes em relação à educação

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____________. Preconceito: relações com a ideologia e com a personalidade. Estudos de psicologia, v. 22, n. 3. Campinas, 2005, p. 309-319.

HORKHEIMER, Max e ADORNO, Theodor W. (org). Temas básicos da sociologia. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix: Universidade de São Paulo, 1973.

____________. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

PEDROSSIAN, Dulce Regina dos Santos. A ideologia da racionalidade tecnológica, o

narcisismo e a melancolia: marcas do sofrimento. São Paulo - SP, 2005 (Tese de

Doutorado em Psicologia Social PUCSP).

SILVA, Divino José da. Racionalidade tecnológica e seus desafios éticos: considerações a partir de Adorno e Horkheimer. In. http://www.fes.br/revistas/agora/files/2005/AG-2005-7.doc. Disponível em 2005. Acesso em: 29.06.2007.

4. CRÉDITOS

Dulce Regina dos Santos Pedrossian – professora doutora em psicologia social pela PUC-SP, docente do curso de psicologia da UFMS – coordenadora do projeto no qual o presente artigo se embasa.

José Leon Crochík – professor doutor e livre docente em psicologia pela USP - orientador do projeto no qual o presente artigo se embasa.

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