• Nenhum resultado encontrado

TRANSCENDÊNCIA E ESPIRITUALIDADE NA POESIA DE ADÉLIA PRADO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "TRANSCENDÊNCIA E ESPIRITUALIDADE NA POESIA DE ADÉLIA PRADO"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

48

TRANSCENDÊNCIA E ESPIRITUALIDADE

NA POESIA DE ADÉLIA PRADO

Débora Ribeiro Borges Dourado1 Debora Cristina Santos e Silva2

RESUMO

Objetiva-se neste artigo demonstrar a transcendência e a espiritualidade como marcas essenciais na poesia de Adélia Prado, observando temáticas existenciais e transcendentes, as quais propõem reflexões sobre o mundo, justificadas pela necessidade de reflexão do homem moderno. O corpus focaliza parte significativa das obras publicadas na Poesia Reunida (2002). Nesses poemas, a escritora, aproxima-se de nossas fontes mais puras de poesia, produzindo poética brasileira, interiorana e religiosa. Pretende dirigir ao enfoque interdisciplinar da literatura, voltada ao aspecto religioso, por suas implicações na cultura humana em geral a partir da exposição poética individual.

Palavras-Chave: Transcendência; Espiritualidade; Poesia lírica; Deus.

Introdução

Perseguindo o itinerário da lírica moderna, não se pode negar que a obra poética de Adélia Prado é “construída” através da transcendência e de sua espiritualidade, oferecendo-nos uma literatura epifânica, sacralizando as palavras e elevando-as ao status de instrumento de revelação, pois a poesia é a transfiguração do sentimento, sendo este universal. Dessa maneira, na poesia adeliana, a expressão sentimental é elevada da particularidade do eu-lírico à universalidade do ser humano. O estudo de um poeta é pretexto adequado para invadir o cerne da própria poesia. É por esse motivo que escolhemos para nossas reflexões a brasileira Adélia Prado, pois a singularidade de sua arte provém sem dúvida da fonte inspiradora: o poeta diante de si mesmo e da poesia, adotando uma postura transcendental e subjetiva através da espiritualidade ao observar o meio que o rodeia. A esse respeito, assinala Leonardo Boff (2001, p.122), “a espiritualidade é umas das fontes primordiais de inspiração, de esperança e de autotranscendência do ser humano”.

Adélia Prado surgiu para a literatura brasileira em 1976, com a obra Bagagem. Desse momento em diante, sua produção tem sido ímpar no meio literário por valorizar o ambiente familiar e religioso, através de sucessivas epifanias e impressões espirituais da alma, da vida e de elementos que estão incorporados ao seu cotidiano, relatando a necessidade do ser humano em estar em pela comunhão com o Divino, sendo estes transcritos por meio de belas construções lingüísticas. Com efeito, um poeta pensa através de poemas, uma vez que “o pensamento e a linguagem são indissolúveis”, como enuncia Julia Kristeva (1969, p.18), sendo assim, a palavra é a concretização do pensamento, e o mundo só tem conhecimento por meio da exposição em expressões lingüísticas.

(2)

49

do ego e integrar unidades cada vez maiores, obtendo a conexão com a totalidade e harmonia com o ambiente) e a espiritualidade (atitude, crença, prática que anime ou dê vida, é a experiência vivida, influenciada por momentos sociais e culturais) como marcas essenciais que acompanham o ser humano, inclusive Adélia Prado, as quais estão relacionadas à alma e a sua maneira de ser. Pois quem em toda sua vida nunca buscou auxílio Divino em momentos difíceis? Com efeito, em várias situações nos lembramos desse Ser e começamos a buscá-lo nos momentos difíceis e louvá-lo, nos alegres. Pretende-se demonstrar, ainda, que a autora é lírica e que enfatiza temáticas existenciais, metafísicas e transcendentes, aproximando-se de nossas fontes mais puras de poesia, produzindo uma poética brasileira, interiorana, religiosa e mística, e isso já se justifica pela necessidade de reflexão do homem moderno. Conforme afirma Frei Betto (2000, p.122), “tudo é permeado por Deus – é assim a obra de Adélia Prado. Uma poética litúrgica que induz o leitor a se indagar como ser no mundo”.

Muitos são os fatores que tornam a lírica adeliana tão inusitada. Dessa maneira, o corpus do artigo focaliza parte significativa das obras publicadas em sua Poesia Reunida (2002), tais como:

Bagagem (1976), O coração disparado (1978), Terra de Santa Cruz (1981) e Oráculos de Maio (1999).

Pretende-se com esse artigo, por meio da observação à temática sobre os textos poéticos de Adélia Prado enriquecer uma literatura mais voltada ao aspecto religioso, através das reflexões aqui apresentadas – e as que virão a seguir. Tudo o mais são tentativas de interpretação do que a palavra poética já diz no silêncio que a leitura invariavelmente provoca.

1. O cotidiano locus da epifania

Desde a primeira obra, Adélia Prado aproxima seu cotidiano de dona de casa, habituada aos afazeres domésticos, do elemento transcendente que, de modo inapelável, convida a escritora a compor seus poemas. É importante ressaltar que o eu-lírico de cada poema se confunde, se identifica, se mistura com o da própria autora, pois em vários poemas encontramos metáforas de situações vivenciadas por Adélia Luzia Prado de Freitas, as crenças, a cultura, e os desejos que emergem como prece e sussurro, transcendendo os limites reais, ‘tocando’ o intocável através de sua poesia. Epifânica, sua poesia é de quem agradece e roga a Deus, como no poema “Mulher ao cair da tarde”:

Ó Deus,

não me castigue se falo minha vida foi tão bonita! Somos humanos,

nossos verbos têm tempos, não são como o Vosso eterno.

(3)

50

O cotidiano na poética adeliana é locus da epifania presente, epifania que não é apenas religiosa. Em Oráculos de Maio, Adélia separou seus poemas em 6 blocos: o primeiro recebeu o nome de “Romaria”. Escolhemos um poema para ser analisado, chamado “Direitos Humanos”, onde se lê:

Sei que Deus mora em mim Como sua melhor casa. Sou sua paisagem, Sua retorta alquímica

E para sua alegria seus olhos. (05) Mas a letra é minha.

(POESIA REUNIDA, 2002, p.465).

Nesse poema Adélia revela que Deus vive nela, (v: 1). Sendo assim, participa de toda sua vida e por ela ser um vaso, um arauto, um oráculo, como o próprio nome da obra demonstra, possui uma missão, sendo esta para concretizar a existência do Divino entre os homens: escrever (v: 5 e 6). Existe uma visão messiânica da poesia e a necessidade de interpretação, uma vez que, por ser um oráculo, a poesia não pode ser explicada e, sim interpretada por cada leitor. Mas a epifania vista na poesia adeliana é também secular, ao fazer uma representação universal dos sentimentos humanos, revelando, no livro

Bagagem, a influência literária da Bíblia, pois, na abertura dos quatro primeiros blocos, há uma epígrafe

bíblica que foi abstraída do livro de Salmos 126, v.6, ressaltando o louvor dos seres humanos a Deus. Passaremos a analise do poema intitulado “Um Salmo”, onde se lê:

Tudo que existe louvará. Quem tocar vai louvar, quem cantar vai louvar,

o que pegar a ponta de sua saia

e fizer uma pirueta, vai louvar. (5) Os meninos, os cachorros,

os gatos desesquivados, os ressuscitados,

o que sob o céu mover e andar

vai seguir e louvar. (10) O abano de um rabo, um miado,

u’ a mão levantada, louvarão. Esperai a deflagração da alegria. A nossa alma deseja,

o nosso corpo anseia (15) o movimento pleno:

Cantar e dançar TE-DEUM.

(4)

51

No poema, encontramos um hino a Deus. Essa adoração é transcrita de forma universalizada, pois “tudo” e “todos” louvarão ao Divino, fato este que é narrado ao longo do poema, pois o pensamento de Adélia Prado, sua atitude é narrada de forma singular conduzindo o leitor a refletir e a louvar a Deus. Dessa maneira sua espiritualidade é traduzida em forma de poesia. A esse respeito, afirma Leonardo Boff (2001, p.13) “os portadores permanentes da espiritualidade são pessoas consideradas comuns, que vivem a retidão da vida, o sentido da solidariedade e cultivam o espaço sagrado, seja em suas religiões e igrejas, seja no modo como pensam, agem e interpretam a vida”. O cotidiano e a esperança do eu-lírico envolve todos ao seu redor em movimentos de adoração. Lembrando que o próprio título do poema (Um salmo) pressupõe um louvor, sendo este repleto de agradecimento, pois qualquer ação humana ou de qualquer ser que se move debaixo do céu, depende de uma força divina que deve ser reconhecida e louvada.

A composição poética da autora é essencialmente transcendente e espiritual, sua poesia exemplifica a necessidade de compartilhar das mesmas idéias, valores e sentimentos do homem com Deus tecida nas relações do cotidiano.

O universo do cotidiano adeliano é a união da graça da simplicidade (cotidiano familiar que é exaltado pelos pequenos gestos e acontecimentos) e a singeleza do amor ao Criador que é mero reflexo do Seu amor pela criatura. A esse respeito, afirma a própria Adélia Prado (2000, p.23) “que a oração verdadeira está ungida de mistérios, portanto de beleza, portanto de poesia”.

No poema “Folhinha” observa-se que o Cristianismo em Adélia não é um mero evento religioso do qual extrai suas epígrafes para suas obras, mas uma vivência cotidiana:

Informativo Popular Coração de Jesus

é o nome de um calendário de parede. ABENÇOAI ESTE LAR está escrito nele. O coração sangra na estampa,

mas o rosto é doce, próprio a enternecer as mulheres da cozinha, feito eu.

(POESIA REUNIDA, 2002, p.171)

A poesia adeliana identifica também Senhor e amor, o eu-lírico sabe-se acolhido pela compaixão divina, e que nunca estará sozinha, mesmo em sua cozinha ao ler um calendário. Seu cotidiano aparece mais uma vez como lugar da epifania, sendo mágico, espiritual e transcendente.

(5)

52

2. Uma poesia “soprada” pelo Espírito Santo

A obra poética adeliana converge num plano transcendental e espiritual, pois toda a força e pureza da poesia advêm de uma experiência espiritual tão rica e acolhedora, que é como se fosse “soprada” pelo espírito Divino, e intensificasse, desta forma, todos os níveis de relacionamento humano. A esse respeito, assinala Croce (1967, p.14), “os antigos gregos consideravam a poesia um sopro sagrado por ser tão admirável e quase milagroso”. Essa afirmação reflete nos poemas de Adélia Prado, pois por meio da transcendência e da espiritualidade, fatos relacionados à vida interiorana na cidade de Divinópolis, na qual a autora nasceu e onde vive até hoje, são transcritos da mais bela forma de orar através da poesia. É importante ressaltar que o próprio nome da cidade subentende religiosidade. Sobre a religiosidade vista em Adélia, o poeta Ferreira Gullar (1984, nº. 925, p.10), comentou em uma resenha:

“Mas, em Adélia, existe outro componente: sua religiosidade, nela, está perfeitamente integrada em sua própria vida, como um modo de ser (...) Não há conflito Deus é, para ela, a explicação não explicada que tudo harmoniza e justifica. Um Deus complacente que não se opõe à necessidade de prazer do corpo animal e cuja bondade tampouco é questionada pela miséria humana”.

Adélia em seus poemas relata o milagre de Deus através da poesia, usando-a milagrosamente como instrumento de liberdade, de salvação. Segundo afirma Octávio Paz (1982, p.55), “ as palavras do poeta são também as palavras de sua comunidade”. E é isso que se percebe em Adélia em relação aos costumes, práticas religiosas e vivências de sua cidade Divinópolis.

Bagagem, a obra de estréia de Adélia Prado, pode ser considerada como um resumo de vida, pois quem leva ‘bagagem’ está em passagem, e não por acaso. A poética nessa obra adota uma forma e uma identidade reconhecíveis ao longo do livro, como é possível observar nestes versos do poema “Grande desejos”:

Não sou matrona, mãe de Gracos, Cornélia sou é mulher do povo, mãe de filhos, Adélia.

(POESIA REUNIDA, 2002, p.12)

Os poemas da autora estruturam-se em descrições minuciosas, rejeitando frases elaboradas, por nascerem de momentos espirituais e transcendentes de sua trajetória, seu mundo é aquele que cabe perfeitamente em suas mãos. No poema “Páscoa”, a autora fornece metáforas de sua própria vida, em busca de um novo desenho, de uma nova expressão:

(6)

53

é um modo de sentir frio que me assalta e uma certa acidez.

O modo de um cachorro enrodilhar-se

quando a casa se apaga e as pessoas se deitam. (05) Divido o dia em três partes:

a primeira pra olhar retratos, a Segunda pra olhar espelhos, a última e maior delas, pra chorar.

Eu, que fui loura e lírica, (10) não estou pictural.

Peço a Deus,

em socorro da minha fraqueza,

abrevie esses dias e me conceda um rosto

de velha mãe cansada, de avó boa, (15) não me importo. Aspiro mesmo

com impaciência e dor. Porque sempre há quem diga no meio da minha alegria:

"põe o agasalho" (20) "tens coragem?"

"por que não vais de óculos?"

Mesmo rosa sequíssima e seu perfume de pó, quero o que desse modo é doce,

o que de mim diga: assim é. (25) Pra eu parar de temer e posar pra um retrato,

ganhar uma poesia em pergaminho.

(POESIA REUNIDA, 2002, p.30)

Sua poesia é marcada por intenso prosaísmo em que o cotidiano é exaltado pelos pequenos gestos e acontecimentos, constituindo a família o centro do universo adeliano. A transcendência e a espiritualidade aparecem como elementos de epifania, pois suas emoções, seus pensamentos são transcritos de maneira admirável, influenciando o leitor a valorizar o que possui, e conduzindo-o a olhar o mundo, encontrando Deus ao seu redor.

Podemos observar que nos versos 7a 10, a autora recorda através do eu-lírico com o uso de

metáforas, suas lembranças, revivendo-as, ao olhar retratos (passado), ao olhar espelhos (presente), o eu-lírico chora por ter saudades do tempo que se passou. Sendo assim, a composição de Adélia é essencialmente transcendente e espiritual, visto que sua poesia exemplifica a necessidade da comunhão do homem com Deus (v: 12), tecida nas relações do cotidiano (v: 04, 05 e14).

Adélia Prado faz uso da linguagem informal com versos livres, transmitindo harmonia, singeleza, relatando fatos de sua vida, conforme comenta Croce (1967, p.98), que a “poesia possui dois fatos, um histórico, tendo como ponto de partida a história do poeta; e o outro característico: harmonia, verdade, simplicidade, sinceridade, sublimidade, delicadeza, serenidade (...) que compõe o conceito para expressão do belo”.

(7)

54

A poesia adeliana é uma composição lírica, pois cantam suas emoções e seus sentimentos mais íntimos em sua forma e melodia em seu ritmo, a qual através da leitura de seus poemas o leitor consegue se identifica com o eu-lírico em algum momento, em algumas situações, pois estas fazem parte de sua vida (travessia), são reais. Segundo Carlos Drumonnd de Andrade (1984, p.2): “Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: está é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, é fogo de Deus em Divinópolis”. Sendo assim, a poesia adeliana faz eco aos textos evangélicos acentuando o amor acima das virtudes, podendo ser observado nesses versos.

3. Poesia adeliana: oráculos divinos para homens comuns

A segunda obra da escritora, O coração disparado, surgiu dois anos depois de sua estréia, nele há quatro blocos precedidos de uma epígrafe bíblica, que foi baseada em I Coríntios 11, v. 23, a qual passou por uma adaptação feita por Adélia Prado por se considerar uma “profetiza” da mensagem poética, onde se lê: “Com efeito, eu mesma recebi do Senhor o que vos transmito”. A esse respeito, a própria autora relata, em entrevistas que “a poesia é a passagem de Deus entre nós (...), que pode inventar uma linguagem, nunca uma emoção” (2000, p.82).

A transcendência e a espiritualidade encontradas na obra da escritora revelam a dependência, a adoração a Deus, convidando o leitor ao resgate das experiências já vivenciadas envolvendo a religião, a infância e a felicidade à vezes esquecidas. A esse respeito Belgion, citado por Wellek e Warren (2001, p.40), afirma que “o artista sempre deseja que sua obra possa persuadir o leitor a aceitar sua concepção ou a sua teoria”.

A palavra poética é capaz de falar sobre tudo sem perder a beleza, escolhendo a melhor expressão lingüística para exprimir a realidade que se deseja apresentar. Adélia Prado, como relatou em uma entrevista (2000, p.31), afirma: “O oráculo é aquela voz que fala pelo invisível, é o invisível falando através daquele instrumento. Mas tem profecia na poesia: você fala muito além do que você está percebendo”. Com efeito, mais uma vez comprova-se a temática, pois a poeta, para ‘criar’ sua obra, fica num estágio de transcendência espiritual, a fim de exercer sua função de oráculo. No poema “O poeta ficou cansado”, o eu - lírico revela:

(8)

55

Já que todos têm voz,

por que só eu devo tomar navios de rota que não escolhi?

Por que não gritas, Tu mesmo, 05 a miraculosa trama dos teares,

já que Tua voz reboa

Nos quatro cantos do mundo? Tudo progrediu na terra

e insistes em caixeiros-viajantes 10 de porta em porta, a cavalo!

Olha aqui, cidadão, repara, minha senhora, neste canivete mágico

corta, saca e fura, 15 é faqueiro completo!

Ó Deus,

me deixa trabalhar na cozinha nem vendedor nem escrivão,

me deixa fazer teu pão. 20 Filha, diz-me o Senhor,

eu só como palavras.

(POESIA REUNIDA, 2002, p. 431)

Neste texto, o eu-lírico expõe seu cansaço de ser oráculo, mediador entre Deus e os homens (v. 1 a 4), contudo, após dialogar com Deus em todo o poema, a rebeldia se torna um momento de desabafo, sendo, portanto, passageira, pois no final confessa que continuará a compor, por ser esta uma missão que não pode abandonar.

Ademais, em meio às temáticas existenciais, metafísicas e transcendentes, Adélia desenvolve aquele que seria certamente seu grande tema, influenciado pela transcendência e espiritualidade: o cotidiano, no qual extrai elementos de inspiradores que a levam a compor. A poesia, assim, não precisa de grandes temas, uma vez que não é aquilo que “se diz”. Assim Adélia comprova que é possível “criar” a partir do meio que a rodeia, utilizando sua espiritualidade. A esse respeito, Solomon (2003, p.44) afirma que “a espiritualidade é uma maneira de experimentar o mundo, de viver, de interagir, com outras pessoas e com o mundo, envolvendo um conjunto de práticas individuais ou coletivas de pensar, olhar, falar, sentir, mover-se e agir”. A poesia, em Adélia, é isso: superação, resgate da transcendência que emerge de um cotidiano simples, banal.

(9)

56

Conclusão

Para o espaço modesto de um artigo, a poesia adeliana, é matéria por demais extensa. Nosso empenho tem sido, então, por meio de uma atitude investigativa e sem preconceitos, “tocar” o intocável texto adeliano para, pelo menos vislumbrar o encantamento e a magia de sua palavra poética, por possuir marcas essenciais: a transcendência e a espiritualidade revelam a simplicidade e a beleza da vida interiorana. Sua poesia constitui um discurso absolutamente inédito em que o prazer da revelação não se limita ao eu-lírico de cada poema, mas é plenamente dividido com os seus leitores, em busca de sentido. Por isso, ocorre em espaço relativamente restrito, como os da casa, da família, propiciando uma identificação do eu-lírico com os leitores.

A literatura adeliana termina por revelar também a humanidade. Dessa forma, as ondas poéticas de Adélia Prado têm a seu encargo uma reflexão mais profunda, conseguindo induzir o leitor a refletir sobre o seu modo de ser no mundo moderno. Na poesia adeliana ocorre a união da teologia (experiência religiosa) e da beleza (a harmonia das palavras, frases, versos que formam o poema, representando o cotidiano familiar ), sendo a precária aparição do indizível sob as espécies de situações mais corriqueiras do cotidiano, daqueles momentos epifânicos em que se reparte ao mesmo tempo a arte de compor e o pão nosso de cada dia. A poeta exerce, assim, sua perspectiva de oráculo, visto que possui a missão de ser a re-ligação entre Deus e os homens através da beleza de sua poesia. Suas descobertas são fundamentadas na idéia de que tudo quanto existe procede de Deus: a criação de Deus seria uma forma primordial e, a partir desse fundamento, Adélia constrói sua poesia.

Por outro lado, os aspectos estilísticos da poesia de Adélia Prado são totalmente influenciados por uma experiência quase “tátil” com a cultura popular, exigindo novas técnicas de pontuação, reduzida ou mesmo abolida. Sua poética privilegia o ritmo, sendo este a respiração do poema, entre outros aspectos formais, que envolve os versos livres, a linguagem próxima à oralidade, a simplicidade formal, além de um vocabulário coloquial e religioso, marcado pelo uso de repetições e paralelismo, formas tão próprias das produções mais populares, conforme enuncia Octávio Paz (1982, p. 45): “a linguagem é poesia e cada palavra esconde certa cara metafórica disposta a explodir tão logo se toca na mola secreta”.

Poderíamos, então, concluir nossas inferências sobre a poesia de Adélia Prado, ressaltando apenas que sua obra poética aproxima de nossas nascentes mais límpidas de poesias, a exemplo de Cora Coralina, produzindo uma poesia feminina, telúrica e religiosa, na qual reúne todos os elementos essenciais de nossa gente, de nosso espírito, de nossa cultura.

(10)

57

The aim of this article is to demonstrate the transcendental and the spiritual functioning as essential marks in Adélia Prado’s poetry, observing the existential and transcendental thematic, which proposes reflections about the world. It is justified by the modern man’s necessity of reflection. The corpus focuses on the significant part of the works published in Poesia Reunida (2002). In these poems, the writes approaches our purest sources of poetry and produces the Brazilian lyric, its religious mood and country life. It intends to be directed to the interdisciplinary view of literature, focusing on religious aspects, through its general impacts on human culture, from the individual poetic expression.

Keywords: Transcendental; Spiritual; lyric poetry; God.

Referências Bibliográficas

ALVES, Rubem. Variações sobre o prazer. Primeira Variação: Teologia. In: Livro sem fim. São Paulo, Loyola, 2002. ______. O que é religião? São Paulo: Brasiliense, 1984.

ANDRADE, Carlos Drummond. De animais, santo e gente. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, outubro de 1975, reproduzida no Suplemento Literário de Minas Gerais, Belo Horizonte, 23.06.84, nº.: 925, p.2.

BÍBLIA SAGRADA. Trad. João Ferreira de Almeida. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2000.

BOFF, Leonardo, 1938. Espiritualidade: Um Caminho de Transformação. Rio de Janeiro: Sextante, 2001. BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix-Edusp, 1997.

COUTINHO, Afrânio. Crítica e Teoria Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, Fortaleza: Edições Universidade do Ceará – PROED,1987.

CROCE, Benedetto. A poesia. Porto Alegre: UFRGS, 1967.

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da Lírica Moderna. São Paulo: Duas Cidades, 1991.

GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons, Ritmos. São Paulo: Editora Ática, 1991. (Série Princípios).

GULLAR, Ferreira. Uma poesia brasileira. Belo Horizonte, Suplemento Literário de Minas Gerais, 23.06.84, nº. 925, p. 10. KRISTEVA, Júlia. Introdução à lingüística. In:____ , História da Linguagem. Trad. M. M. Barahona. Lisboa: Edições 70, 1969.

MIRANDA, Ana. Um rosto marcado pela História das mulheres. In: Cadernos de Literatura Brasileira (Adélia Prado). São Paulo: Bei, 2000, nº.: 9, p.128.

PAZ, Octávio. O arco e a lira. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1982.

PRADO, Adélia. Bagagem (1976), O Coração Disparado (1978), Terra de Santa Cruz (1981), Oráculos de Maio (1999). In: Poesia Reunida. 10. ed. São Paulo: Ed. Arx, 2002.

SALLES, Instituto Moreira. Cadernos de Literatura Brasileira (Adélia Prado). São Paulo: Bei, 2000.

SOLOMON, Robert C. Espiritualidade para céticos: Paixão, verdade cósmica e racionalidade no séc. XXI. Tradução Maria Luiza X. A. Borges.- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

Referências

Documentos relacionados

Visto isto, o presente relatório tem como finalidade apresentar as atividades desenvolvidas durante o período de estágio, assim como a história do Banco, e os

human T lymphotropic virus type I (HTLV-I) tax-specific CD8+ lymphocytes directly in peripheral blood of HTLV-I-associated myelopathy/tropical spastic paraparesis patients

Através da obra de Adélia Prado, a revista Comunicação & Educação pretende proporcionar ao leitor momentos de fruição de singela, sutil e profunda beleza

Melhorar/consolidar o projeto funcional e social da empresa e das competências do seus recursos humanos Objetivo Estratégico D-Meio envolvente da empresa: Desenvolver a relação

Sendo assim, a poesia de Adélia Prado em “O Coração Disparado” aproxima-se da vertente da literatura modernista que problematiza o próprio sujeito, e seu caráter psicológico,

For the nodes that are alive by the end of the query interval (are really alive or died in an instant after the end of the query interval), we should report all of its

Quanto aos objetivos dos estudos incluídos nesta revisão, todos os estudos visavam melhorar o quadro de dor crônica de idosos por meio da técnica de acupressão ponto

Neste capítulo foram apresentados os resultados de demanda e oferta de energia da Matriz Energética de Minas dos setores agroindustrial, transportes, serviços e