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XI Congresso Brasileiro de Sociologia proposta individual para o GT "Teorias Sociológicas Contemporâneas e Pensamento Social" Jean Carlo Faustino

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proposta individual para o GT

"Teorias Sociológicas Contemporâneas e Pensamento Social"

Jean Carlo Faustino

Mestrando em Sociologia / I.F.C.H. / UNICAMP

Título:

“O Idiota” de Dostoiévski

Resumo:

O presente artigo descreve uma proposta interdisciplinar de análise, já em execução, de uma das grandes obras-primas do escritor russo Fédor Mikhailovitch Dostoiévski: o romance “O Idiota” – publicado entre os anos de 1866 a 1868.

Essa proposta, que se justifica (dentre outros motivos) pela inexistência de uma análise semelhante na sociologia brasileira, fundamenta-se em pressupostos metodológicos tanto da sociologia da literatura (Lucien Goldmann) quanto da teoria literária (Mikhail Bakhtin). Com base nessas premissas, o presente trabalho de pesquisa tem-se realizado no contexto do programa de mestrado com o objetivo de realizar uma análise internalista da obra em questão.

(2)

Introdução e Objetivo

O romance e a sociologia estiveram muito próximos em suas origens: ambos foram forjados em meio às transformações do século XIX; ambos ocupavam-se das temáticas humanistas decorrentes dessa época de mudança; e ambos ocuparam-se, também, com o substrato social e as suas repercussões na vida e no imaginário do indivíduo. Mas cada área tinha os seus propósitos específicos e por isso tiveram que, em determinado momento, diferenciarem-se para o estabelecimento das fronteiras científicas e disciplinares1 – fronteiras essas que, hoje, a interdisciplinariedade procura romper em favor de uma compreensão maior da realidade social2.

Mas apesar da separação entre romance e sociologia, os pensadores sociais do século XIX (alguns, hoje, chamados de sociólogos) continuaram a aprender da sociedade do seu tempo através dos romances. Veja-se, por exemplo, a notória passagem em que Engels afirma ter aprendido mais sobre a economia francesa através da leitura dos romances de Balzac do quem em qualquer outro tratado científico3, o que vem a reforçar o argumento, posteriormente colocado por Lukács, sobre o fundamento teórico dessa aproximação entre romance e sociologia.

"Os grandes romancistas têm que investigar profundamente os fundamentos sociais da ação individual, têm que analisá-los através de múltiplas mediações para fazê-los aparecer como qualidades e como paixões vividas por pessoas particulares, eles têm que percorrer vias extremamente complicadas para resgatar, sobre o plano sensível, entre o que aparece como "partículas isoladas", as verdadeiras conexões sócio-econômicas - tudo isto para alcançar o novo sublime romanesco, o sublime que nasce do "materialismo da sociedade burguesa" (Marx)4”

Assim, tendo-se em mente que a compreensão de uma obra literária ajuda a compreender também a própria sociedade na qual (e para a qual) essa obra foi escrita, a nossa proposta de trabalho tomou como objetivo principal o encaminhamento do estudo na direção da sociologia da literatura, através da análise de

1 LEPENIES, Wolf. As Três Culturas. Tradução de Maria Clara Cescato. São Paulo, Edusp, 1996 2 Cf. XXVI Encontro Anual da ANPOCS 2002, Mesa Redonda “O Futuro das Ciências Sociais”

3 "E essa série de romances, afirma Engels, ensinou-lhe mais "até mesmo nos detalhes econômicos (por

exemplo, a redistribuição da propriedade real ou pessoal, depois da Revolução) do que todos os historiadores, economistas e estatísticos profissionais do período juntos.” FRANK, Joseph. Dostoiévski:

As Sementes da Revolta, 1821-1849. Tradução de Vera Pereira. São Paulo. Edusp, 1999. Páginas 150 e 151.

4

LUKÁCS, Georg. Nota Sobre o Romance in Netto, José Paulo (org.). Georg Lukács. São Paulo, Editora Ática, página 179

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uma das grandes obras de Dostoiévski – quem Lucien Goldman entendia como um gênio, particularmente, pelo fato de que suas obras conseguiam sintetizar os problemas gerias de uma época e civilização em mudança5.

Entretanto, para dar prosseguimento à realização do nosso trabalho, tivemos que fazer um “recorte” na vasta obra do escritor russo, ou seja, tivemos que escolher uma obra específica para realizar o nosso projeto de uma sociologia da literatura de Dostoiévski. A obra escolhida foi o romance “O Idiota” – escrito entre os anos de 1866 a 18686. A análise sociológica deste romance passou, então, a ser o nosso objetivo específico de trabalho. A este, porém, somou-se um segundo objetivo específico: o de realizar uma análise internalista porque o que desejo, aqui, é o de ressaltar o aspecto artístico e universal da obra, ou seja, a sua beleza estética interna.

*

5 GOLDMANN, Lucien. Dialética e Cultura. Tradução de Luiz Fernando Carodo, Carlos Nelson Coutinho

e Giseh Vianna Konder. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1979. 2ª Edição. Página 86

6

GROSSMAN, Leonid. Dostoiévski Artista. Tradução de Boris Schnaiderman. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967. Páginas 222 a 238.

(4)

No momento (julho de 2003), esta proposta de pesquisa vem sendo efetivada no programa de mestrado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP, com a perspectiva de ser submetida ao processo de qualificação no mês de agosto de 2003 e de ser concluída no mês de agosto de 2004.

A seguir, depois de apresentar as justificativas de nossa escolha e das considerações sobre a metodologia adotada, serão apresentados também alguns dos resultados preliminares do trabalho em questão.

Justificativa

“O Idiota” era não somente um dos romances preferidos do seu próprio autor como, também, segundo Leonid Grossman, era também um dos mais bem estruturados e acabados dentre as suas grandes obras-primas7. Mas, apesar desses motivos terem contribuído para que esse romance se tornasse o objeto específico de nossa análise, a sua escolha também se pautou por outros dois motivos.

O primeiro desses motivos é a indicação de Carlos Nelson Coutinho, de que esse romance representa o ápice das questões anteriormente colocadas pelo escritor8 significando, portanto, que estaremos lidando com uma obra que representa a maturidade do pensamento de um autor com grande “sensibilidade para o social9”. Já o segundo motivo nasceu como resultado de nossa pesquisa sobre as obras

críticas existentes no Brasil, a qual apontou para uma provável inexistência de um trabalho que tenha se dedicado à análise sociológica e integral de uma das grandes obras de Dostoiévski – em particular do romance “O Idiota”.

As análises existentes no Brasil, mesmo aquelas que não são propriamente sociológicas, ocupam-se ou de amplos panoramas da obra do escritor ou de estudos de pequenos textos. Como exemplos do primeiro desses grupos podemos citar o livro de Hamilton Nogueira10, o artigo de Carpeaux11, a

7 GROSSMAN, Leonid. Dostoiévski Artista. Tradução de Boris Schneiderman. Rio de Janeiro, Civilização

Brasileira, 1967.

8

COUTINHO, Carlos Nelson. Atualidade de Dostoiévski in Literatura e Humanismo: Ensaios de Crítica Marxista. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967.

9 SCHNAIDERMAN, Boris. Dostoiévski - Prosa Poesia: O Senhor Prokhartchin. São Paulo, Perspectiva,

1982. Página 104; SCHANAIDERMAN, Boris. Dostoiévski: a ficção como Pensamento in ArtePensamento. São Paulo, Cia das Letras, 1994. Página Página 246; SCHNAIDERMAN, Boris. Turbilhão e Semente: ensaios sobre Dostoievski e Bakhtin. São Paulo, Duas Cidades, 1983. Página 38.

10 NOGUEIRA, Hamilton. Dostoiévski. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1974, 2ª Edição revista e

aumentada.

11

CARPEAUX, Otto Maria. Ensaios de Interpretação Dostoiévskiana in A Cinza do Purgatório. Rio de Janeiro, Casa do Estudante do Brasil, 1942.

(5)

biografia de Virgínio Santa Rosa12 e, dentre outros, o livro “Turbilhão e Semente”, de Boris Schnaiderman13. Quanto ao segundo grupo, são exemplos as teses de livre docência de Boris Schnaiderman, sobre o livro “O Sr. Prokhartchin14”, e a tese de Paulo Bezerra, sobre o conto “Bobók15”. Porém, no que se refere às análises especificas das grandes obras-primas de Dostoiévski, a produção científica é bastante escassa – senão nula. É, portanto, para o preenchimento desta lacuna que o nosso projeto de mestrado se propôs a dar o seu primeiro passo.

Metodologia

A “sociologia da literatura” pauta-se tradicionalmente por duas perspectivas de

análise: a internalista e a externalista. Um exemplo bastante ilustrativo de uma análise

externalista é aquela empreendida por Pierre Bourdieu quando, em “As Regras da Arte”,

analisou o romance “Educação Sentimental” (de Flaubert) e a formação do campo

literário francês

16

. Quanto à análise internalista, o exemplo possivelmente mais famoso é

o de Lucien Goldman quando, em “Le Dieu Caché”, analisou a obra de Pascal e Racine

17

.

Ambas as perspectivas possuem suas limitações e, consequentemente, suas críticas. Entretanto, a nossa escolha foi pela perspectiva internalista porque a perspectiva externalista inevitavelmente haveria de conduzir o foco de interpretação para a problemática ideológica da obra de Dostoiévski incorrendo, assim, no mesmo problema das análises críticas mencionadas, por Bakhtin em “Problemas da Poética de

Dostoiévski”:

“A agudeza transitória dessa problemática encobria momentos estruturais mais

sólidos e profundos de sua visão artística. Amiúde esquecia-se quase inteiramente

12 SANTA ROSA, Virgínio. Dostoiévski: um cristão torturado. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,

1980.

13

SCHNAIDERMAN, Boris. Turbilhão e Semente: ensaios sobre Dostoievski e Bakhtin. São Paulo, Duas Cidades, 1983.

14 SCHNAIDERMAN, Boris. Dostoiévski - Prosa Poesia: O Senhor Prokhartchin. São Paulo, Perspectiva,

1982.

15

BEZERRA, Paulo Azevedo. Bobók :polêmica e dialogismo. Tese de Livre Docência FFLCH/ USP. São Paulo, 1997

16 BOURDIEU, Pierre. As Regras da Arte: Gênese e Estrutura do Campo Literário. Tradução de Maria

Lucia Machado. São Paulo, Cia das Letras, 1996.

17

GOLDMANN, Lucien. Le Dieu Caché – étude sur la vision trafique dnas les Pensées de Pascal et dans le théâtre de Racine. Paris, Gallimard, 1959.

(6)

que Dostoiévski era acima de tudo um artista (de tipo especial, é bem verdade) e

não um filósofo ou jornalista político

18

.”

Aliás, este livro de Mikhail Bakhtin (“Problemas da Poética de Dostoiévski”) é uma das referências auxiliares obrigatórias de nossa análise porque a sua análise sobre a especificidade da poética dostoiévskiana ajuda não somente a observar o que há de particular como, também, a compreender melhor a própria obra em questão19. Além disso, há também uma afinidade intelectual com o nosso trabalho dado que é neste livro que Bakhtin refere-se à obra de Dostoiévski como sendo um “valioso material para a sociologia”.

18 BAKHTIN, Mikhail. Problemas da Poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo,

Forense Universitária, 1981. Introdução, Grifo do autor

19 A principal tese de Bakhtin no seu livro "Problemas da Poética de Dostoiévski" é a de que este escritor

criou um novo gênero literário: o romance polifônico, o que, por sua vez, determina todos os elementos da estrutura dos seus livros. Diz também Bakhtin que "somente à luz da tarefa central de Dostoiévski por nós

formulada podem tornar-se compreensíveis a profunda organicidade, a coerência e a integridade de sua poética." BAKHTIN, op. cit, página 4.

(7)

Entretanto, se a perspectiva internalista de análise não se norteia pela problemática ideológica do autor, por outro lado é sabido que este aspecto não pode (assim como não deve) ser evitado – particularmente na obra de Dostoiévski onde, segundo Bakhtin, “a verdade sobre o mundo, segundo Dostoiévski, é inseparável da verdade do indivíduo20” ou, segundo Walter Benjamin, onde há uma interdependência entre os destinos de seus personagens e o destino da Rússia21 ou, segundo Lukács, onde é nos destinos pessoais dos seus personagens que revelam-se os grandes problemas da sua época22 ou ainda, segundo Otto Maria Carpeaux, onde a arte de Dostoiévski freqüentemente recebe a intervenção das suas convicções políticas e ideológicas que suprime e modifica o dinamismo natural de seus personagens23.

Portanto, independentemente da perspectiva internalista ou externalista, trabalhar com a obra de Dostoiévski é trabalhar inevitavelmente com o pensamento social do autor. A diferença, porém, reside na ênfase que se quer dar; e a ênfase deste trabalho diz respeito ao “Dostoiévski artista” ou, dito de outra maneira, na análise da beleza da sua obra a partir dela própria – o que acreditamos ser possível a partir das premissas metodológicas (internalistas) de Lucien Goldmann.

A metodologia de Goldman orienta-se pela “integração dos elementos ao

conjunto, das partes ao todo

24

”, o que se baseia no fundamento da coerência interna que

caracteriza as grandes obras de arte e literatura como, a propósito, é o caso do romance “O

Idiota”. Sendo assim, evidenciar a coerência interna de uma obra, fazendo concordar

todas as passagens contrárias, é não somente um instrumento de análise como também o

primeiro passo a ser dado – aliás, já realizado em nosso trabalho de pesquisa.

O método de Goldmann também tem como pressuposto uma segunda integração,

a saber: a da obra na vida do grupo (ou classe social) ao qual o seu autor pertence

25

. Isto

deve-se a um postulado metodológico fundamental: “a influência da visão de mundo

20

BAKHTIN, op. cit., página 64.

21 BENJAMIN, Walter. Dostoevsky’s The Idiot in Selected Writings, volume 1 (1913-1926).The Belknap

Press of Harvard University Press, London/England, 1996.

22 FRANK, Joseph. Pelo Prisma Russo: ensaios sobre literatura e cultura Tradução de Paula Cox Rolim,

Francisco Achcar. São Paulo. Edusp, 1992.

23 CARPEAUX, Otto Maria. Ensaios de Interpretação Dostoiévskiana in A Cinza do Purgatório. Rio de

Janeiro, Casa do Estudante do Brasil, 1942.

24 GOLDMANN, Lucien. Dialética e Cultura. Tradução de Luiz Fernando Carodo, Carlos Nelson Coutinho

e Giseh Vianna Konder. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1979. 2ª Edição, página 13.

(8)

sobre a criação literária” - uma perspectiva segundo a qual o escritor é visto como aquele

que pensa ou sente essa visão de mundo até suas últimas conseqüências.

É verdade que este método - não particularmente o de Goldman, mas toda a escola

marxista da sociologia da literatura - foi severamente criticada por Bourdieu no texto

“Por Uma Ciência das Obras”, no qual afirmou que este tipo de análise marxista

baseavam-se em “pressupostos extremamente ingênuos” de imputação de paternidade

espiritual, que acabam por “supor que um grupo pode agir diretamente como causa

determinante ou causa final (função) sobre a produção da obra”

26

. Para suprir essa

limitação metodológica Bourdieu propôs o uso da teoria do campo, o qual exerceria um

efeito de refração (agindo como um prisma) nas determinações externas invocadas pelos

marxistas. Assim, o campo exerceria uma função de intermediação entre o grupo social a

que o autor pertence e a determinação da sua obra.

Entretanto, deve-se notar que Bourdieu, ao criticar as análises externas da escola

estruturalista, coloca Adorno, Lukács e Goldman em um mesmo bloco

27

deixando de

considerar certas particularidades metodológicas distintas em cada um desses autores.

Por exemplo, Goldman diz que a visão de mundo do grupo ou classe social a que o

pensador pertence resulta da situação concreta desse grupo no decurso da história, e que

sua influência na obra do autor pode ocorrer de diferentes maneiras: por adaptação; como

uma reação de recusa; ou ainda como síntese das idéias de seu meio. Como se vê, além

dessa metodologia possuir certa abertura para o próprio desenvolvimento da teoria de

campo literário de Bourdieu, ela também parece estar bem longe de ser um “pressuposto

extremamente ingênuo”. No entanto, não será preciso, aqui, adentrarmos por demais

nessa discussão visto que a crítica de Bourdieu refere-se apenas às análises externas da

escola estruturalista – enquanto que o objetivo, deste trabalho, é o de realizar uma análise

26

BOURDIEU, Pierre. Por uma Ciência das Obras in Razões Práticas: Sobre a Teoria da Ação. Tradução de Mariza Corrêa. Campinas, Editora Papirus, página 59.

(9)

internalista da obra literária, a qual Bourdieu reconhece, no mesmo texto, que o

estruturalistmo é a direção teórica mais “pujante, intelectual e socialmente”, sendo que

"socialmente, ela assumiu o controla da doxa internalista e conferiu uma aura de

cientificidade à leitura interna como desmonte formal de textos atemporais

28

". E

justamente, fazer um “desmonte formal de textos atemporais” procurando, inclusive,

ressaltar o que torna esses textos “atemporais” é o que norteia este trabalho – conforme já

mencionado em nosso “segundo objetivo específico” na introdução deste artigo.

Retomando, então, a exposição do método de Goldman tem-se que: após as duas integrações já expostas (a “das partes ao todo” e da “obra na vida do grupo”), as quais procuram explicar a “significação objetiva da obra”, tem-se que essa mesma “significação objetiva” deve ser relacionada com outros fatores externos à obra: econômicos, sociais e culturais da época. Esta é, portanto, a suma da metodologia que norteia nosso trabalho.

Com relação à biografia do autor, a metodologia de Goldmann diz que ela não se

constitui num elemento essencial para a explicação da obra sendo útil apenas para

explicar as suas inconseqüências e fraquezas. E, neste aspecto, a escolha desse método

afina este trabalho com a superação da crítica levantada por Joseph Frank, no livro “Pelo

Prisma Russo”: a de que as novas análises das obras de Dostoiévski deveriam superar as

deficiências das interpretações anteriores que se baseavam fundamentalmente nos

conflitos emotivos do autor “em termos de antinomias filosóficas ou dilemas

existenciais.

29

” A isto, a sociologia da literatura certamente tem a sua contribuição a dar.

Resultados Alcançados

Conforme exposto anteriormente, a metodologia de Lucien Goldman possui três

momentos principais: 1) a integração “das partes ao todo”; 2) a integração da “obra na

27 BOURDIEU, Pierre. Por uma Ciência das Obras, op. cit., página 59 28 BOURDIEU, Pierre. Por uma Ciência das Obras, op. cit., página 55 29

FRANK, Joseph. Pelo Prisma Russo: ensaios sobre literatura e cultura Tradução de Paula Cox Rolim, Francisco Achcar. São Paulo. Edusp, 1992, página 106..

(10)

vida do grupo do autor” e; 3) a integração dos fatores externos à obra. O nosso trabalho

encontra-se com a primeira parte já concluída, a qual será submetida ainda em agosto

deste ano ao processo de qualificação.

Nessa primeira parte concluída de nosso trabalho, ou seja, na “integração das

partes ao todo” tivemos inicialmente que analisar a idéia dominante do romance, ou seja,

aquele elemento que estrutura a distribuição de todos os elementos e as relações

dialógicas do romance. Assim, com base na análise realizada por Joseph Frank

30

,

assumimos como pressuposto que a “idéia dominante” do romance “O Idiota” é a de

revelar a imagem de um "homem admiravelmente perfeito" que, em última instância,

refere-se ao próprio Cristo.

Com base, então, nesse pressuposto que responde pelo “todo” estruturador do

romance, demos prosseguimento aquele que mais tarde viria a ser o primeiro capítulo da

nossa tese de mestrado: a “integração das partes ao todo”. No entanto, para realizar essa

integração, tivemos que fazer inúmeras leituras não somente de trechos do romance “O

Idiota” como, também, de trechos dos próprios Evangelhos bíblicos, uma vez que a nossa

análise concluiu que esses trechos dos Evangelhos constituem-se em elementos chaves

para a compreensão do sentido da ação do romance.

Ao longo da análise em questão, conforme havia sido previsto no item relativo à

metodologia, fizemos uso da teoria de Bakhtin como referência auxiliar para a

compreensão da polifonia e do dialogismo presente na obra em questão. Mas, devido às

relações da ação do romance com os trechos dos Evangelhos, tivemos também que fazer

uso de uma referência auxiliar não prevista: a teoria da ação social de Weber

31

. Pois, foi

somente a partir desta que descobrimos como que o comportamento de Michin (o

30

FRANK, Joseph. Dostoiévski: os anos milagrosos (1865 a 1871). Tradução de Geraldo Gerson de Souza. São Paulo, Edusp, 2003.

(11)

protagonista do romance) caracteriza-se por uma orientação segundo os valores, em

oposição ao comportamento tradicional.

Ao opor-se ao comportamento tradicional, Michin está também trazendo uma

alternativa aos valores que regem a sua sociedade e, desta maneira, realiza-se uma

daquelas particularidades observadas por Walter Benjamin, Lukács e Bakhtin, as quais

foram aqui já mencionadas quando tratamos da metodologia adotada: a existência de uma

relação entre os destinos, dos personagens das obras de Dostoiévski, com o destino da sua

própria nação – da sua própria sociedade, da sua própria época. Temas, esses, que serão

ainda retomados nas próximas etapas da análise em desenvolvimento – tanto no que se

refere à integração da “obra na vida do grupo do autor” quanto na integração dos fatores

externos com a obra.

Considerações Finais

Este artigo procurou apresentar sumariamente os objetivos, as justificativas, a

metodologia e os resultados já alcançados deste trabalho de pesquisa – o que é fruto de

um ano e meio de pesquisa dentro do programa de mestrado em sociologia do Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. Restando, ainda, um ano para a conclusão

deste trabalho, o esforço de pesquisa, análise e redação agora se voltará para os outros

dois passos seguintes sugeridos pela metodologia que foi adotada: à integração da obra

na vida do grupo do autor e a integração dos fatores externos à obra.

No que se refere à integração “obra na vida do grupo do autor”, procuraremos

enfatizar a atividade político ideológica de Dostoiévski. Não somente no panorama geral

de sua trajetória como escritor como, em especial, aquele importante período que

31 WEBER, Max. Conceitos Sociológicos Fundamentais in “Economia e Sociedade – Fundamentos da

Sociologia Compreensiva”. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa e revisão técnica de Gabriel Cohn. São Paulo, UnB.

(12)

antecedeu à elaboração do romance “O Idiota”. Neste período, compreendido entre 1860

e 1865, Dostoiévski fundou duas revistas agregando junto de si um conjunto de

pensadores que constituíram-se no seu grupo intelectual mais próximo. Unidos por um

conjunto de idéias que orientavam a sua revista, Dostoiévski realizou diferentes debates

com as outras revistas da época que possuíam idéias muitas vezes radicalmente opostas às

suas, em relação a vários assuntos – inclusive, sobre os destinos da própria Rússia

32

.

Já com relação a “integração dos fatores externos à obra”, a nossa análise pretende

se voltar especialmente para as particularidades daquela estrutura social da Rússia do

século XIX, que obviamente são diferentes da nossa sociedade atual. Assim, para

evitarmos anacronismos, pretendemos utilizar não somente das premissas estabelecidas

pela teoria sociológica de Norbert Elias, presente no apêndice do primeiro volume da sua

obra “O Processo Civilizador”

33

, como, também, de relações com o seu trabalho

empírico publicado no livro “A Sociedade de Corte

34

” – uma vez que a sociedade russa

de São Petersburgo, do contexto do romance “O Idiota”, é uma sociedade em grande parte

estruturada segundo os valores ocidentais da “sociedade de corte”.

Ainda com relação à integração dos fatores externos à obra, outros importantes

aspectos precisarão ser relacionados como, por exemplo, o papel da própria cidade de São

Petersburgo onde – além de se reunir o grupo social de Dostoiévski – passa-se grande

parte da ação do romance “O Idiota”. Sobre esse aspecto, já possuímos algumas

informações levantadas na pesquisa realizada ainda no contexto de monografia de

conclusão do curso de graduação.

32 FRANK, Joseph. Dostoiévski: os efeitos da libertação (1860 a 1865) . Tradução de Geraldo Gerson de

Souza. São Paulo, Edusp, 2002.

33 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador, volume I. radução de Ruy Jungm. Rio de Janeiro, Editora

Zahar, 1990.

(13)

Possivelmente, outros fatores externos – como o econômico e a “questão

feminina” – precisarão ser também integrados mas sobre isso, no momento de nossa

pequisa, ainda temos pouco a dizer.

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