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Análise Crítica do Papel da Obturação

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nálise Crítica do Papel da Obturação

no Tratamento Endodôntico

A Critical View on the Role of Root Canal

Filing in Endodontic Treatment

Ronaldo Araújo Souza*

Souza RA. Análise crítica do papel da obturação no tratamento endodôntico. J Brasileiro de Endodontia 2006; 6(23) 29-39.

O tratamento endodôntico é constituido de algumas etapas e, a despeito se ter buscado dar a mesma importância a todos elas, a obturação sempre mereceu destaque por parte da literatura, chegando mesmo a ser colocada como o fator determinante para o sucesso. O fato de canais bem obturados apresentarem lesões periapicais e alguns mal obturados não o fazerem, não parece ter levado ao desejo de saber se a obturação de fato desempenha o papel que lhe é atribuido. Este artigo tem como objetivo fazer uma análise crítica sobre essa questão, observando os aspectos que compõem este momento da terapia endodôntica. A conclusão a que se pode chegar é que a etapa mais importante do tratamento endodôntico é desempenhada pelo preparo do canal. O papel da obturação é, por meio da ocupação de espaço físico, proteger o sistema de canais radiculares e os tecidos periradiculares.

PALAVRAS-CHAVE: Preparo do canal; Obturação; Reparo.

INTRODUÇÃO

A terapia endodôntica já passou por alguns momentos em termos de classificação das suas etapas. Já se disse que ela se dividia em três fases: instrumentação, desinfecção e obturação. Em um outro momento, construiu-se a imagem clássica da pirâmide, em cuja base estava o acesso, na porção intermediária o preparo e no vértice a obturação. Por sua vez, Souza (2003a) considerou que, na verdade, existem dois momentos distintos no tratamento endodôntico: um em que se prepara o canal, onde se incluem acesso, instrumentação, irrigação e medicação intracanal, e o outro em que se o obtura, constituindo desta forma as duas etapas que com-põem a terapia endodôntica: preparo e obturação.

Ao lado dessa preocupação de se classificar os passos do tratamento endodôntico, sempre esteve uma outra que é a de se atribuir a cada um deles a igualdade em termos de importância, isto é, nenhuma das etapas é mais importante do que a outra.

Entretanto, desde o trabalho de Ingle (1956) a etapa da obturação passou a merecer grande destaque, chegando mesmo a ser considerada como a mais importante da terapia endodôntica

*Professor de Endodontia da Escola Bahiana de Odontologia da Fundação para Desenvolvimento das Ciências (FDC); Coordenador dos Cursos de Especialização e Aperfeiçoamento em Endodontia da EAP da ABO Bahia; Av. Paulo VI, 2038/504, Ed. Villa Marta, Itaigara – 41.810-001, Salvador, BA; E-mail: ronaldoasouza@lognet.com.br

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(De Deus, 1992; Soares, Rocha, 1993; Nguyen, 1994; Leonardo, Leal, 1998; Soares, Goldberg, 2001; Clintom, Himel, 2001). Tendo em vista que alguns auto-res consideram que a reparação apical pode ocorrer mesmo na presença de microorganismos, desde que o canal esteja cor-retamente obturado (Sampaio, 1985), o objetivo principal da Endodontia passou a ser o ve-damento hermético.

Essa concepção está inti-mamente associada à idéia de enclausuramento das bactérias. Para esses autores, mesmo que eventuais microorganismos tenham escapado da ação do preparo do canal, tendo a obturação por um lado e o cemento pelo outro, portanto, enclausurados e afastados de qualquer fonte de nutrição, o seu destino seria a morte, razão pela qual a obturação passou a ser o fator determinante do sucesso. Segundo Leonardo, Leal (1998), os trabalhos mostram que os insucessos estão intimamente relacionados a canais mal obtu-rados, o que justifica a tendência de se dar maior ênfase e mesmo importância superior a esta fase do tratamento endodôntico, pois dela depende o êxito final.

Como decorrência disso, surgiu uma outra razão, de or-dem prática, que se incorporou a essa tendência. Ao longo dos anos, o profissional da Endo-dontia passou a ser conceituado pela imagem radiográfica das suas obturações. Não se sabe, e talvez não haja como sabê-lo, como foram executados todos

os passos do tratamento de canal e por isso a sua imagem final, expressa pela obturação na radiografia periapical, tem sido o único meio para determi-nar a qualidade do tratamento. A obturação se tornou, assim, a estética do endodontista. Em vista disso, não é difícil compre-ender porque esta etapa do tra-tamento endodôntico tem sido motivo de grande ansiedade no momento da sua execução e porque tem gerado o surgi-mento de inúmeras técnicas com essa finalidade.

É interessante observar, porém, que, apesar do grande desejo de se conseguir o veda-mento hermético e da insistên-cia na ênfase que sempre se deu a esse tema, parece não haver na literatura trabalhos que com-provem a sua ocorrência.

Além desse aspecto, tem-se atribuido à obturação outros papéis, como por exemplo, o de exercer ação antimicrobiana e in-dutora de reparo, particularmente pelas características do cimento. Em vista disso, torna-se necessá-ria uma reflexão sobre esse tema, que é o objetivo deste artigo. LIMITE APICAL

DA OBTURAÇÃO

O sistema de canais con-tém no seu interior um tecido conjuntivo, a polpa dental, que possui entre as suas funções, a de proporcionar ao dente proteção contra a invasão de elementos estranhos, como os microorganismos. Isto é possí-vel pelo fato de ser a polpa um tecido conjuntivo e como tal

possuir os mecanismos próprios para desempenhar esse papel, tal qual qualquer outro tecido conjuntivo do organismo, como também pela ocupação física do espaço do canal radicular.

O tratamento endodôntico implica na remoção da polpa, isto é, remove-se a “proteção” do sistema de canais. É eviden-te que, vazio, o canal se torna mais vulnerável à contaminação ou recontaminação. A obtura-ção tem a finalidade de proteger este espaço. Portanto, de uma maneira bem simples, o trata-mento endodôntico consiste em remover o tecido pulpar, vivo ou não, eliminar eventuais invaso-res, o que constitui o preparo do canal, e, por fim, “reocupar” o espaço do canal, etapa consti-tuída pela obturação. Assim, a obturação tem um objetivo bem definido que é o de ocupar o espaço anteriormente ocupado pela polpa, visando com isso manter a proteção do sistema de canais contra as invasões.

Para vedarmos comple-tamente o canal, é lógico que teríamos que obturá-lo com-pletamente, ou seja, em toda a sua extensão, no entanto, vários trabalhos mostram que isso mui-tas vezes significa estar fora do canal, razão pela qual a maio-ria dos autores concorda em estabelecê-la aquém do ápice radiográfico. O quanto aquém tem sido o grande problema. Percebe-se na literatura uma grande diversidade de medidas sugeridas, variando a depender do autor e das condições clínicas da polpa. Isto deve significar

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JBE - Jornal Brasileiro de Endodontia 2006; 6(23): 29-39 31 que, a despeito da importância

do vedamento hermético colo-cada pela literatura, não se sabe qual é o limite apical no qual o canal deve ser obturado.

TRAVAMENTO DO CONE DE GUTA PERCHA

Considerando-se que de nada adiantaria atingir o limite apical estabelecido se o cone não obliterasse completamente a luz do canal, uma outra questão que tem sido colocada como fundamental para se obter êxito, diz respeito ao travamento do cone principal de guta percha. Ao mesmo tempo em que ele se tornou um sinônimo de veda-mento, tornou-se também um procedimento obrigatório.

Assim, um problema re-conhecidamente tridimensional passou a ser encarado de uma maneira extremamente bidimen-sional e, de uma certa forma, tornou-se uma obsessão entre alguns profissionais da Endo-dontia, a ponto de se perderem minutos preciosos no momento da obturação, na tentativa de se atingir esse objetivo. Não é incomum observar-se o clínico optar pelo travamento do cone ligeiramente aquém do compri-mento de trabalho, ao invés de obturar no limite correto, porque neste ele não consegue o “trava-mento perfeito”.

Criou-se assim um compro-misso tão forte com o travamento do cone que ele passou a ser a grande meta alcançada pelo Endodontista no momento da obturação. O primeiro passo e grande objetivo da obturação

é, ou, pelo menos deveria ser, o preenchimento de todo o espaço criado pelo preparo do canal. O travamento do cone pode ajudar nesta tarefa, porém, constitui um equívoco injustificável transfor-má-lo no passo mais importante da obturação.

Deve ser lembrado que, apesar do grande avanço tec-nológico, ainda não se conse-guiu dar precisão de calibre aos instrumentos e materiais. A lima #40 deve possuir em D0 diâ-metro de 0.40mm, porém isso não significa que em todas elas o diâmetro seja exatamente este. Frequentemente, elas apresentam diferenças nessas medidas.

Um outro aspecto a se con-siderar é que a capacidade de desgaste das limas varia em função de cada profissional e também no mesmo profissional, a depender das suas condições, por exemplo, emocionais, que são variáveis a cada momento. Naturalmente, isso se faz refletir em diferentes níveis de amplia-ção proporcionados pelo mesmo instrumento, o que, por sua vez, tem reflexos na escolha e adap-tação do cone principal de guta percha, haja visto que nesse mo-mento se manifesta a imprecisão instrumental/material, desta vez, entre as limas e os cones, relação ainda longe de ser precisa.

Mais recentemente, foi cria-da uma régua calibradora para auxiliar nessa tarefa, o que, para muitos, resolveu o problema. Se isto pode ajudar, não resolve, pela simples razão de que a indústria que faz a lima e o cone é a mesma que faz a régua,

por-tanto, nada faz crer que a preci-são que não existe nos primeiros seja atingida no segundo.

Contudo, o maior obstáculo para a linha de raciocínio do travamento como sinônimo de vedamento parece residir nas dificuldades técnicas decorrentes da complexidade anatômica do sistema de canais. O processo de convergência apical na apicogê-nese não se dá da mesma forma nos dois planos, mesiodistal (M-D) e vestíbulo-palatino/lingual (V-P/L). Isto faz com que muitas vezes o cone trave no primeiro plano e não no segundo (Souza, 2003a). Como é sabido, as difi-culdades de natureza anatômica se acentuam de forma marcante nos canais curvos. Nestes canais,

segundo Weine et al. (1975),

a despeito do instrumento ou da técnica, após o preparo, a porção mais constrita não é o ápice, mas na curva ou próximo dela, o que não permitiria um travamento no local desejado. Ainda que técnicas mais recen-tes tenham amenizado de forma significativa esse problema, elas ainda não constituem a realidade da grande maioria dos profissio-nais, portanto, para estes, ainda pode ser válida a colocação dos referidos autores.

Deve-se finalmente con-siderar que, ainda que alguns profissionais não estejam prepa-rados para entender isso, como qualquer outro ato cirúrgico, o preparo do canal é altamente dependente não só dos predica-dos técnicos de quem o executa, como também da inspiração no momento em que se o executa.

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Certamente, a percepção tátil sofre variações em função desses aspectos, o que se faz refletir em “diferentes” travamentos perfei-tos, fato este que se acentua de um profissional para outro.

Analisando a questão do

travamento do cone, Souza et

al. (2003b) não conseguiram

encontrar diferença significante na qualidade do selamento api-cal entre canais obturados com e sem travamento do cone. MATERIAIS OBTURADORES

A unanimidade em torno da guta percha como material obtu-rador é bem clara na literatura. Todas as técnicas consistentes de obturação têm como ponto básico o seu uso, razão pela qual não será discutida neste texto.

Ao contrário, existem algu-mas situações paradoxais com relação aos cimentos obtura-dores. Uma delas parece ser o fato de que uma das exigências feitas a estes materiais é a de que eles sejam insolúveis aos fluidos orgânicos, pois só assim, a con-dição de vedamento hermético poderia ser alcançada. Todavia, ao mesmo tempo, diante da possibilidade de extravasamentos e da frequência com que eles ocorrem, essa condição impedi-ria a sua eliminação dos tecidos periapicais, razão pela qual a sua solubilidade passa a ser de-sejada. Assim, dois dos requisitos para que o cimento obturador alcance a condição de ideal são antagônicos. Independente dessas questões, porém, todos os cimentos são solúveis (Sleder et al., 1991; Limkangwalmongkol et

al., 1992; Smith, Steiman, 1994;

Yared, Bou Dagher, 1995). Se-gundo Sleder et al. (1991), todos

os cimentos obturadores apresen-tam algum grau de solubilidade nos fluidos teciduais e a interface que se cria em função disso é que deve ser a responsável pela falha do tratamento.

Atribuindo à solubilização do cimento, Souza (2003b) demonstrou o aumento da in-filtração com o decorrer do tempo, ratificando a afirmativa de Yared, Bou Dagher (1995) de que quanto maior o período de observação na pesquisa com corante, maior a infiltração.

Alguns profissionais acre-ditam que esta maior infiltração em função do tempo, não repre-sentaria um problema porque, antes que este surgisse, o sela-mento biológico selaria o canal. Este pensamento é inteiramente equivocado, haja visto que in-tensa infiltração decorrente da solubilização do cimento pode ocorrer já com sessenta dias (Souza, 2003b), enquanto que o selamento biológico pode neces-sitar de anos para ocorrer (Souza, 1998; Souza, 2003a). Aliado a isto está o fato de que poucos profissionais adotam como rotina a remoção da camada residual (smear layer), cuja composição inclui raspas de dentina, frag-mentos de tecido pulpar, tecido necrótico, bactérias e toxinas bacterianas. Em função desta sua constituição, por si só ela já representa uma fonte de infecção e, por outro lado, ao diminuir a permeabilidade dentinária, difi-culta a ação de limpeza e

desin-fecção das soluções irrigadoras e da medicação intracanal no sistema de canais. Por apresentar solubilidade (Pashley, 1992), ela acentua a infiltração apical (Sou-za, 1999; Sou(Sou-za, Silva, 2001), expondo todo este conteúdo aos tecidos periapicais. Não há como pensar em selamento biológico como um fator de resolução da infiltração apical porque, nessas condições, simplesmente não ocorrerá selamento biológico.

Durante muitos anos, os cimentos obturadores à base de óxido de zinco-eugenol foram extensivamente utilizados. Hoje existem outros, porém, os com hidróxido de cálcio passaram a ocupar lugar de destaque. Gra-ças à presença desta substância, a estes cimentos, particularmente, ao Sealapex, têm sido atribuidas propriedades interessantes, como biocompatibilidade, maior ação antimicrobiana e ação indutora de mineralização. Graças a isso, este cimento tem sido amplamen-te indicado.

Há praticamente um con-senso na literatura a respeito das vantagens do Sealapex, principalmente no que se refere aos aspectos biológicos (Holland

et al., 2001), todavia, segundo

Leonardo (1992) e Leonardo

et al., (1994), o cimento CRCS

(também com hidróxido de cál-cio) demonstrou maior biocom-patibilidade do que o Sealapex. Em outro trabalho, pela avalia-çäo da citotoxicidade por meio da alteraçäo morfológica dos macrófagos frente aos cimentos endodônticos, Leonardo (1996) demonstrou que, em ordem

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JBE - Jornal Brasileiro de Endodontia 2006; 6(23): 29-39 33 crescente, os mais citotóxicos

foram Fill Canal, CRCS, Sealer 26, Apexit e Sealapex.

Graças à presença do hidró-xido de cálcio nesses cimentos, também a eles é atribuida uma maior ação antimicrobiana, porém, trabalhos comparando esta ação por parte do Sealer 26, Sealapex e Apexit, todos com hidróxido de cálcio, com a do Fill Canal (à base de óxido de zinco e eugenol) demonstraram a supe-rioridade deste último (Siqueira, Gonçalves, 1996).

Se há controvérsias nos tó-picos relatados, também naquele que representa o objetivo princi-pal da obturação, o selamento, não há ainda uma definição. Neste sentido, a análise

estatísti-ca dos resultados de Holland et

al., (1996) permitiu agrupar os

cimentos obturadores, do melhor para o pior, da seguinte forma: 1) Sealapex, Apexit e Sealer 26; 2) CRCS; 3) Oxido de zinco e eugenol, com diferenças esta-tisticamente significantes entre os 3 grupos. Por outro lado, em avaliação feita em dois mo-mentos, 2 e 32 semanas, Sleder

et al. (1991) não observaram

diferença significante entre o ci-mento Tubliseal (à base de óxido de zinco-eugenol) e o Sealapex. Todavia, há quem considere que, por ser mais solúvel, a infiltração é maior com o Sealapex (Ono, Matsumoto, 1998; Siqueira

et al., 1999).

TÉCNICAS DE OBTURAÇÃO Apesar de muitas já terem sido preconizadas, a técnica da condensação lateral ainda é a

mais utilizada para a obturação dos canais (Cailleteau, Mulla-ney, 1997; Silveira et al., 2001).

Segundo Jurcak et al. (1992),

pesa contra ela, entretanto, a dificuldade em promover uma obturação homogênea, pelo fato de que não há uma perfeita união entre os cones de guta percha e cimento e, por sua vez, entre esse conjunto e a parede do canal. Por esta razão surgiram as técnicas de obturação com guta percha plastificada.

Estas técnicas surgiram prin-cipalmente em nome da obtu-ração tridimensional, tendo em vista que, plastificada, a guta per-cha penetraria em todos os com-ponentes do sistema de canais (Schilder, 1967). Vários foram os trabalhos feitos comparando as diversas técnicas. Em todos foram analisadas questões como tempo de trabalho, facilidade ou dificul-dade de execução, qualidificul-dade do selamento proporcionado, etc. Os resultados encontrados na literatura não permitem chegar a nenhum tipo de conclusão que possa apontar para qualquer uma delas como a melhor. Deve-se ter em mente, no entanto, que, apesar da grande quantidade de técnicas de obturação que existe hoje, não se atingiu ainda o objetivo para o qual todas foram criadas: o vedamento hermético. Em outras palavras, todas permitem infiltração (Dalat, Spangberg, 1994).

DISCUSSÃO

Os passos e objetivos do tratamento endodôntico estão bem definidos. Cabe ao preparo

limpar e modelar e à obturação obturar. Se o objetivo do preparo é limpar e dar uma forma ao canal, as técnicas, o instrumental e as substâncias que serão esco-lhidas, para isso deverão apre-sentar características voltadas a esses aspectos. Da mesma forma e tão óbvio quanto, as técnicas, substâncias e materiais que serão escolhidos para a obturação de-verão ter as suas características voltadas a aquilo que é o objetivo da obturação: preenchimento de espaço físico.

Apesar do vedamento her-mético ter sido colocado como a grande razão para o sucesso em Endodontia, a literatura não tem sido capaz de demonstrar a sua ocorrência. Em contrapartida, à demonstração de que a perco-lação apical é um fato, alguns passaram a considerar o quanto de infiltração seria tolerável para que se pudesse obter êxito em En-dodontia (Krell & Madison, 1985; Barbosaet al., 2003). Não parece

sensato esse tipo de raciocínio. Não há como se pretender ava-liar a relação entre a quantidade “permitida” de infiltração e as chances de sucesso. As possibi-lidades são infinitas.

Não existe relação entre o limite no qual o canal é obturado e o sucesso (Souza, 1998; Souza, 2003a). Não se deve imaginar que obturar a 1 ou 2mm seja o fator determinante para se atingir o sucesso, pois não é a extensão desse espaço que determina isso e sim as condições em que ele se encontra. Se observarmos a literatura, veremos que, na pol-pa viva, as taxas de sucesso são

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elevadas quando os canais são obturados de 0,25 a 3mm (Pai-va, Antoniazzi, 1985; De Deus, 1992; Leonardo, Leal, 1998; Clintom, Himel, 2001). Em Endodontia, além de constituir uma grande extensão, de 0,25 a 3mmm há uma infinidade de medidas, portanto, não pode ser isso que define o sucesso.

Na polpa necrosada, apesar do rigor do limite apical da obtu-ração, sem perceber, os autores relatam a ocorrência de reparo diante das mais diversas medi-das. Da mesma forma, também pregando esse mesmo rigor, al-guns ministradores de cursos não perceberam que projetam casos clínicos demonstrando a ocorrên-cia de reparo com obturações, apresentando diferentes distân-cias do ápice. Os endodontistas saem desses cursos concordando literalmente com a necessidade de obtenção de medidas precisas para as suas obturações, quando eles próprios possuem inúmeros casos nos seus consultórios em que as obturações não apresen-tam as mesmas distâncias do ápice e, mesmo assim, obtiveram êxito. Estabeleceu-se esta con-cepção da obturação há cerca de cinquenta anos, todos somos orientados a enxergar dessa ma-neira e isto tem feito com que não se perceba aquilo que parece óbvio. Considerando-se que as diferentes metodologias aplica-das na avaliação da qualidade da obturação demonstram ao longo do tempo que não existe vedamento hermético, talvez seja a hora de se buscar outras linhas de raciocínio que possam

expli-car melhor o sucesso e o fracasso em Endodontia.

Excetuando-se o tratamento endodôntico por finalidade pro-tética, são as alterações pulpares e/ou periradiculares que justifi-cam a terapia endodôntica. É a presença da dor causada pela pulpite sintomática, da fístula, do exsudato persistente, da lesão periapical, enfim, da doença pul-par, que faz com que o paciente necessite dessa terapia.

Sendo assim, é necessário que se entenda que o endo-dontista “entra” no canal para remover a causa da patologia e não para obturá-lo. Em nenhuma outra área da Medicina há qual-quer outra preocupação que não seja com a remoção da causa da doença.

Apesar da insistência em se colocar a obturação como o fator mais importante para se alcançar o sucesso, é o preparo do canal que desempenha este papel, pois é ele que promove a remoção da causa do problema existente, é ele que elimina a doença pulpar. Isto parece ter sido demonstrado por Souza (1998). Trabalhando em canais com necrose pulpar e lesão pe-riapical, este autor realizou todos os procedimentos de preparo do canal (instrumentação, irrigação, limpeza de forame, medicação intracanal), porém, intencio-nalmente, obturou aquém dos limites clássicos preconizados e o reparo se deu em todos eles. O mesmo procedimento, mas desta vez deixando os canais vazios, sem obturação, também levou ao reparo (Souza, 2003a).

O autor deixa bem claro, contu-do, que o desejo não é propor mudanças nos limites apicais da obturação e muito menos deixar o canal vazio. Não faz sentido deixar um canal vazio. Quem prepara bem torna mais fácil a obturação. A intenção é demons-trar a importância do preparo do canal, não somente no sentido da modelagem, mas, sobretudo, da limpeza. A obturação tem as-sim resguardado o seu princípio filosófico que é o de ocupação do espaço físico do canal.

Existem algumas formas de se mostrar a falta de relação en-tre a necessidade de vedamento apical hermético e o sucesso em Endodontia e uma delas é o tra-tamento de dentes com rizogêne-se incompleta. Na apicificação, o fechamento apical, comprova-ção do êxito da terapia, ocorre antes de se fazer a obturação do canal (Souza, 2003a). É bom lembrar que durante toda a tera-pia, até que ocorra o selamento biológico, os fluidos teciduais periapicais penetram continu-amente no canal e em grande quantidade pela ampla abertura do ápice, o que, pela literatura, não permitiria o reparo, pois, es-ses fluidos, entrando em processo de estagnação e degradação, produziriam substâncias tóxicas para os tecidos periradiculares.

Uma outra forma de mostrar isso é por meio dos canais late-rais. Sabe-se que esses canais, quando presentes em situações de necrose pulpar, levam ao surgimento e manutenção de lesões laterais, que desaparecem algum tempo depois da sua

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JBE - Jornal Brasileiro de Endodontia 2006; 6(23): 29-39 35 turação. Até pouco tempo, esta

obturação se dava às custas do cimento, porém, hoje ela ocorre também pela guta percha plasti-ficada. Sendo um ou outro, não se pode esperar pela ocorrência de vedamento hermético; o cimento solubiliza e a guta per-cha aquecida contrai ao voltar à temperatura normal. Muitos endodontistas tiveram grande alegria diante da constatação radiográfica da obturação de ca-nais laterais. Talvez não tenham percebido e correlacionado que, tempos depois, aquele cimento preenchendo todo o canal late-ral e que tanto prazer visual lhes proporcionara praticamente de-sapareceu, como reflexo da sua solubilização. Mesmo assim, o reparo ocorreu.

Em condições normais, a re-gião periapical não possui micro-organismos, contudo, a cavidade bucal é povoada por milhões deles. É interessante notar que, apesar disso, as preocupações sempre se voltaram ao veda-mento hermético apical e não coronário. De acordo com Nair (1999*), se, de fato, a anacorese é um fenômeno com o qual se deve contar em Endodontia, não está comprovada a sua ocorrência, portanto, talvez não se deva incluí-la entre as causas das alterações periapicais, ou, se tanto, a sua participação seria ínfima nesse processo. Por outro lado, sabe-se que é da cavidade bucal que chegam ao sistema de canais os microorganismos que o infectam, por meio das altera-ções periodontais e, sobretudo,

das alterações pulpares promo-vidas pela cárie. A compreensão desse aspecto, certamente, tem contribuido de maneira decisiva para as colocações mais recentes de alguns autores no sentido de que talvez o selamento coronário seja mais importante do que o apical (Ray, Trope, 1995; Walton, Johnson, 1997).

O trabalho de Souza (1998) já mostrava isso. No tratamento de canais com lesão periapical, onde o preparo foi feito em toda a extensão do canal, mas a ob-turação intencionalmente aquém (até 6mm aquém), houve reparo em todos eles. Entre esses casos, um já estava sendo acompanha-do há onze anos, portanto, tinha sido tratado, com esse objetivo, no final da década de 1980. Entre outras coisas, esse autor desejava mostrar que, não sendo a infiltração apical a causa das lesões periapicais, haja visto que ela acontecia nos casos obtura-dos aquém e mesmo assim havia reparo, certamente a preocupa-ção deveria se voltar para a in-filtração coronária, afinal, como dito acima, principalmente por meio da cárie, os microorganis-mos chegam à cavidade pulpar via coronária. Souza (2003a) confirma que não há mais por-que ter nenhuma dúvida de por-que o selamento coronário é mais importante do que o apical.

Os objetivos do tratamento endodôntico, portanto, estão bem definidos: o preparo limpa e a obturação sela. Isto não quer dizer, entretanto, que não será bem-vinda qualquer outra

ca-*P. N. Ramachandran Nair, comunicação pessoal, Congresso Internacional de Endodontia, Goiânia, Goiás, 1999.

racterística adicional, como por exemplo, materiais obturadores que, além de selar, contribuam com o processo de reparo.

Estima-se que se enqua-dram nessa categoria os cimen-tos endodônticos com hidróxido de cálcio. Ao elevarem o pH do ambiente, estes cimentos pode-riam ativar mecanismos como a fosfatase alcalina, uma enzima intimamente associada ao pro-cesso de mineralização, e assim induzir ao reparo. O potencial de indução de mineralização do Sealapex, um cimento com hidróxido de cálcio, sem dúvida, constitui-se em uma característica bastante interessante, pois, ao in-duzir mais fácil e rapidamente ao selamento biológico, o processo de reparo se dá de forma mais previsível (Holland et al., 1998).

Considerando-se, entretanto, que um dos requisitos exigidos dos materiais obturadores é a sua insolubilidade, característi-ca esta que os torna seladores mais eficientes, a solubilidade do cimento, necessária para a dissociação iônica do hidróxido de cálcio, deve alterar essa ca-pacidade, o que permitiria uma maior infiltração de fluidos teci-duais para o interior dos canais. Surge então uma questão que constitui um aspecto importante nessa discussão: até que ponto é válido o uso de um cimento com essa característica se, para isto, ele precisa ser solúvel? Partindo da premissa de que o objetivo maior da obturação é promo-ver um selamento impermeável, talvez não se deva preconizar

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um cimento que, sob qualquer outro pretexto, não responda a essa condição. Ao se admitir o vedamento hermético como a razão do sucesso, talvez não se deva indicar um cimento com essa característica. Entre outras que existem na Endodontia, esta parece ser uma contradição à qual se fecharam os olhos e que merece maior atenção.

O vedamento apical her-mético, desejo de todo endo-dontista, não existe (Souza, 2003a). A percolação apical é

um fato (Limkangwalmongko et

al., 1992; Dalat, Spangberg,

1994; Smith, Steiman, 1994; Souza, 1999; Oliver, Abbott, 2001; Souza, Silva, 2001;

Souza, 2003a; Souza et al.,

2003b). Sendo assim, todos os tratamentos endodônticos esta-riam fadados ao insucesso, pois, havendo infiltração apical de líquidos teciduais, eles entrariam em um processo de estagnação, decomposição e produziriam substâncias tóxicas para os te-cidos periapicais (Ingle, 1956; Nguyen, 1994; Ingle, Bakland, 1994; Leonardo, Leal, 1998; Soares, Goldberg, 2001). To-davia, o percentual de sucesso no tratamento de canais com polpa viva é elevado. Sabe-se que nesses casos os microor-ganismos não estão presentes, porém, mesmo no tratamento de canais com polpa necrosada bem conduzido, ainda que com lesão periapical, o índice de su-cesso é elevado. Em ambas as situações há infiltração apical.

Após o preparo do canal, pressupõe-se que ele esteja em

condições de ser obturado. Isto deveria significar que ele está limpo, livre de resíduos e/ou sujeira, inclusive, microorganis-mos. Segundo Souza (1998), nessas condições, não se pode responsabilizar a infiltração de fluidos teciduais pelo insucesso.

Por um lado temos a ques-tão da infiltração apical que, em tese, deve ser maior com o Sea-lapex, por ser mais solúvel (Ono, Matsumoto, 1998; Siqueira et al.,

1999), do que com um cimento à base de óxido de zinco e eugenol e por outro, temos a sua maior biocompatibilidade associada ao seu potencial osteogênico. Como não acreditamos ser a infiltração apical de fluidos teciduais respon-sável pelo fracasso em Endodontia e achamos que é muito bem-vindo um material que, além de ser mais biocompatível, apresenta potencial de indução de minerali-zação, na escolha de um cimento obturador a nossa recomendação seria o Sealapex.

No entanto, deve ser res-salvado que ao lado das carac-terísticas acima consideradas, um detalhe também deve ser observado. Alguns clínicos têm relatado dificuldades em controlar o tempo de presa desse cimento, o que lhes tem trazido problemas no momento da obturação. Um cimento que pode endurecer antes da conclusão da obturação, cer-tamente oferece grandes chances de interferir de forma decisiva na qualidade dessa obturação.

Um outro aspecto que deve ser considerado refere-se à biocompatibilidade. Talvez deva ser dito que nenhum cimento

é biocompatível, tenha ele ou não hidróxido de cálcio na sua composição. Os cimentos que possuem esta substância podem apresentar uma maior biocom-patibilidade, porém, isso não os torna biocompatíveis. Como tudo mais parece ser, o conceito de biocompatibilidade também é relativo. O clínico precisa en-tender que, em contato com os tecidos periradiculares, todos os cimentos são irritantes, inclusive o Sealapex (Leonardo, 1992;

Le-onardo et al., 1994; Leonardo,

1996). Em qualquer situação, o extravasamento de material obturador não é um procedi-mento biologicamente aceitável. Quando isto ocorre, poderemos ter agressões em níveis diferentes, mas elas existirão com qualquer que seja o cimento extravasado.

Segundo Serper et al. (1998),

todos os cimentos testados, en-tre os quais Sealapex e CRCS, são neurotóxicos. Talvez seja necessário definir melhor para o clínico o que é biocompatível. Os cimentos obturadores não são biocompatíveis e sim uns mais biocompatíveis do que outros.

Estrela et al. (1996) não

en-contraram diferença significativa na dor pós-operatória de casos obturados com Sealapex e Fill Canal (cimento à base de óxido de zinco e eugenol) tratados em uma e duas sessões. Por sua vez, Holland et al. (1998), em estudo

em cães, demonstraram que as condições favoráveis ao reparo não foram alteradas pela obtu-ração feita com cimento à base de óxido de zinco e eugenol, relatando inclusive considerável

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com esse material. Sendo assim, cabe ao clínico ter discernimento para, em função da sua maneira de entender o papel da obtu-ração, escolher o cimento mais adequado.

Finalmente, um outro requi-sito que se tem exigido do ma-terial obturador é que ele exerça ação antimicrobiana. A rigor, esta já seria exercida, segundo alguns autores, pelo enclausuramento e morte dos microorganismos (De Deus, 1992; Leonardo, Leal, 1998; Lopes, Siqueira, 1999), visão sobre a qual temos ponto de vista diferente.

Os testes de avaliação da qualidade da obturação exis-tentes na literatura demonstram que canais obturados permitem a penetração dos diversos mate-riais utilizados (corantes, saliva, bactérias, toxinas, etc). Mesmo espaços que possam parecer mínimos para penetração bac-teriana podem permitir, pelo ta-manho da molécula, a chegada de nutrientes que poderão induzir a multiplicação das que não foram eliminadas pelo preparo do canal. Alie-se a isso o fato de que substâncias antigênicas libe-radas pelas bactérias, pelo seu pequeno peso molecular podem facilmente penetrar nos tecidos (HaikeL et al., 2000). Ainda, as

lesões periapicais promovem reabsorções cementárias que, muitas vezes, expõem os túbulos dentinários, o que favorece esse processo. Ao selar o canal, a ob-turação não evita a infiltração de fluidos, como é o desejo expresso na literatura, mas, isso sim, cria

dificuldades para a sobrevivência e/ou invasão microbiana. Assim, ao dificultar a chegada de novos nutrientes e/ou microorganismos, favorece o processo de reparo. Desta maneira, ela exerce o seu papel biológico.

A ação antimicrobiana a que se reportam alguns autores, porém, não se refere a esta ação física, mas sim, à química, pro-porcionada pelos materiais ob-turadores. Neste sentido, apesar de alguns autores demonstrarem maior potencial por parte dos ci-mentos à base de óxido de zinco-eugenol (Siqueira, Gonçalves, 1996; Mickel, Wright, 1999), os cimentos com hidróxido de cálcio têm merecido especial atenção, em função do elevado pH que eles podem gerar. A ação antimicrobiana dos materiais obturadores, evidentemente, é muito bem-vinda, todavia, temos também um outro ponto de vista a esse respeito.

Em qualquer área da Me-dicina, a eliminação da causa gera a suspensão dos efeitos. Não há como ser diferente em Endodontia: a eliminação da in-fecção do sistema de canais leva ao desaparecimento da lesão periapical. A primeira é função do endodontista, a segunda do organismo. Não há qualquer sombra de dúvida de que as substâncias e materiais utiliza-dos pelo endodontista podem contribuir favoravelmente para que o organismo desempenhe melhor ainda o seu papel. Não se pode negar o valor de um ma-terial obturador que possua essa característica, todavia, há de se

considerar outros aspectos. Primeiramente, a questão da solubilidade do cimento, neces-sária para permitir a dissociação do hidróxido de cálcio, já discu-tida anteriormente. Diante do objetivo da obturação, também aqui pode-se questionar sobre as vantagens que isto, de fato, representa.

Em segundo lugar, o fato de o pH promovido por esses cimentos se situar na faixa de 10 ou abaixo dela, insuficiente para a eliminação de algumas bactérias como, por exemplo, o Enterococcus faecallis, fato

este comprovado por Estrela et

al. (1995), ao demonstrarem

que, apesar do Sealapex e Ape-xit apresentarem elevado pH, estes cimentos e o Sealer 26, todos com hidróxido de cálcio, expressaram ausência de ação antimicrobiana contra os micro-organismos testados (E. coli, P. aeruginosa e S. faecalis).

O preparo do canal é consti-tuído de acesso, instrumentação, irrigação e medicação intracanal (Souza, 2003a). As técnicas atu-ais de instrumentação permitem atingir um preparo de canal da mais alta qualidade. Ao lado da modelagem pode-se conseguir um processo de limpeza bem mais efetivo, processo este que conta com o auxílio fundamen-tal das soluções irrigadoras. Neste item, soluções irrigadoras, parece ser cada vez maior a compreensão da necessidade de soluções com maior ativida-de antimicrobiana e solvente ativida-de matéria orgânica, razões pelas quais o hipoclorito de sódio tem

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sido o mais utilizado. Além disso, a incorporação cada vez maior do EDTA à terapia endodôntica, pela sua comprovada capacidade de melhorar consideravelmente o processo de limpeza. A medicação intracanal, por meio do hidróxido de cálcio, complementa de forma decisiva esse controle da infecção do sistema de canais.

Após estes três momentos que se somam no combate siste-mático e efetivo aos microorga-nismos, o canal deve estar pronto para ser obturado. Pronto para ser obturado significa modelado e limpo, livre de resíduos e/ou sujeira, inclusive, microorganis-mos. Cabe à obturação preservar esse ambiente da melhor maneira possível. Se, nesse momento, após

passar por uma boa instrumenta-ção, irrigação efetiva e medicação intracanal apropriada, conforme descrito anteriormente, microor-ganismos ainda tiverem resistido, não conseguimos enxergar como os materiais obturadores podem eliminá-los. Mesmo que apresen-tem alguma característica neste sentido, é muito pouco provável que seja superior ao que se con-segue com o preparo do canal. Como não concordamos com a idéia do enclausuramento das bactérias pela obturação nos ter-mos em que ele é proposto, não esperamos dela esse papel.

Parece-nos, portanto, uma inversão de papéis atribuir à ob-turação uma função que não é dela, como por exemplo, matar CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo que foi exposto, apesar do que tem relatado a literatura, a conclusão a que se pode chegar é que o fator determinante do sucesso do tratamento endodôntico é o preparo do canal. O papel da obturação é, por meio da ocupação de espaço físico, auxiliar este processo protegendo o sistema de canais radiculares e os tecidos periradiculares.

Souza RA. A critical view on the role of root canal fi lling in endodontic treatment. J Brasileiro de Endodontia 2006; 6(23) 29-39.

Endodontic treatment is constituted of some phases and, despite it has been said that root canal fi lling is as important as any other one, it has been given special enphasis to root canal fi lling in literature. Some authors say it is the most important phase of root canal treatment and the major reason for success. The fact of well obturated canals has failed and the bad ones has succeded did not changed this feeling and has not led to a reconsideration of the real role of obturation. The aim of this article is to do a critical analysis over this theme, considering all the aspects that compounds this moment of root canal therapy. It can be concluded that root canal preparation is the most important phase of endodontic treatment. The role of root canal obturation, through fi lling of physical space, is to protect the root canal sistem and periradicular tissues.

KEYWORDS: Root canal preparation; Root canal fi lling; Repair.

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Poderíamos então dizer que, por meio desta conjunção das ações mecânica e química, o preparo exerce um papel mais voltado ao aspecto biológico de, eliminando a causa da pa-tologia pulpar e/ou periradicular, criar as condições para que o organismo promova o reparo e que a obturação, apesar do seu reconhecido papel biológico de favorecimento do processo de reparo por dificultar a ocorrência da infecção ou reinfecção, seria mais caracterizada pelo aspecto físico, que é o preenchimento do espaço do canal.

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Enviado para análise em: 30/03/04 Aceito para publicação em: 15/09/05

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