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CONSELHO DE DISCIPLINA

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Academic year: 2021

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CONSELHO DE DISCIPLINA

SECÇÃO PROFISSIONAL

Processo n.º 55 - 2020/2021

DESCRITORES: Dirigente desportivo – Lesão

da honra e da reputação – Liberdade de

expressão – Imputação de factos – Juízos de

valor – Deveres funcionais dos agentes

desportivos – Presunção de veracidade –

Relatórios da equipa de arbitragem e do

delegado da Liga – Reincidência como

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ESPÉCIE: Processo Disciplinar

PARTES: Pedro Moreira Dias Frias Roxo, Presidente do Conselho de Administração da Académica

de Coimbra – OAF, SDUQ, Lda., na qualidade de arguido

OBJETO: Expressões dirigidas à equipa de arbitragem do jogo n.º 22209 (204.01.198), entre a

Académica de Coimbra OAF SDUQ, Lda. e a Varzim Sport Clube SDUQ, realizado no dia 1 de março de 2021, a contar para a Liga Portugal SABSEG

DATA DO ACÓRDÃO: 03 de agosto de 2021 TIPO DE VOTAÇÃO: Unanimidade

RELATOR: Vasco Cavaleiro

NORMAS APLICADAS: Artigos 4.º, 19.º, 112.º, n.º 1, 136.º, n.ºs 1 e 3, todos RDLPFP20; artigo

51.º n.º 1 do RCLPFP20.

SUMÁRIO:

I. As sociedades desportivas e todos os agentes desportivos que exerçam funções no âmbito das competições organizadas pela LPFP devem manter conduta conforme com os princípios desportivos de lealdade, respeito, probidade, retidão, correção e urbanidade. II. Subjacente aos ilícitos disciplinares estatuídos nos artigos 112.º e 136.º do RDLPFP20 não se acha apenas o desiderato de proteção do direito subjetivo fundamental à honra e ao bom nome dos agentes desportivos coenvolvidos, enquanto concretização inalienável da sua dignidade pessoal. Está também, simultaneamente, o interesse constitucionalmente protegido de prevenção da violência no desporto – que declarações ofensivas da honra de outros agentes desportivos, atenta a ressonância mediática e simbólica dos respetivos protagonistas, podem indiscutivelmente comprometer – e o interesse público, confiado às Federações Desportivas e às Ligas Profissionais, de assegurar o princípio da ética desportiva, entre outras, na sua dimensão relacional ou dialógica, o prestígio e o bom funcionamento das competições de natureza profissional.

III. As normas disciplinares em dissidio realizam a proteção da ética e dos valores desportivos, aqui ramificados na salvaguarda da credibilidade da competição, sendo um seu pressuposto essencial a dignidade e imparcialidade da função dos árbitros

IV. Pratica a infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º, n.ºs 1 e 3 [Lesão da Honra e da reputação e denúncia caluniosa] do RDLPFP20 o dirigente desportivo, Presidente do Conselho de Administração de clube, que, no final de jogo oficial, no túnel de acesso aos balneários, dirige

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expressões aos elementos da equipa de arbitragem que extravasam o direito à crítica objetiva, colocando em causa a imparcialidade subjetiva e objetiva dos membros da equipa de arbitragem desse jogo, in casu: «foi um gamanso»; «mais vale jogarmos com a camisola do Estoril»; «Ide viver para Cascais». Ademais se verificando que, aquele dirigente desportivo já tinha sido condenado pela prática da mesma infração disciplinar mediante decisão transitada em julgado, numa das três épocas desportivas anteriores àquela em que se verificaram os factos.

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ACÓRDÃO

Acordam, em Plenário, ao abrigo do artigo 206.º, nº 1, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional1 os membros do

Conselho de Disciplina, Secção Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol,

I – RELATÓRIO

§1. Registo inicial

1. Por deliberação da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, datada de 5 de março de 2021, foi ordenada a instauração do presente processo, autuado como processo disciplinar, tendo por arguido Pedro Moreira Dias Frias Roxo, Presidente do Conselho de Administração da Académica de Coimbra – OAF, SDUQ, Lda.2, e por objeto «[e]xpressões

dirigidas à equipa de arbitragem do jogo n.º 22209 (204.01.198), entre a Académica de Coimbra OAF SDUQ, Lda. e a Varzim Sport Clube SDUQ, realizado no dia 1 de março de 2021, a contar para a Liga Portugal SABSEG» – cf. capa do presente processo e fls. 1 e 3.

2. Em cumprimento da sobredita deliberação de instauração, no dia 8 de março de 2021, o processo disciplinar foi autuado, registado (cf. verso da capa) e remetido, nessa mesma data (cf. fls. 20) à Comissão de Instrutores da Liga Portugal (adiante, Comissão de Instrutores), em cujo contexto, por despacho do Exmo. Senhor Presidente daquela Comissão, de 12 de março de 2021, foi determinada a distribuição do mesmo àquele signatário (cf. fls. 22).

3. Na data de conclusão dos autos à Comissão de Instrutores, o processo encontrava-se autuado com: (i) extrato do Comunicado Oficial n.º 307, de 5 de março de 2021, da LPFP (cf. fls. 3 e 4); e (ii) documentação oficial [Relatório de Árbitro, Fichas Técnicas de Clubes, Relatório de

1 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional aprovado na Assembleia Geral Extraordinária da Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 27 de Junho 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de Dezembro 2011, 21 de Maio de 2012, 6 e 28 de Junho de 2012, 27 de Junho de 2013, 19 e 29 de Junho 2015, 8 e 15 de Junho de 2016, 29 de maio e 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018, 29 de junho de 2018 e 22 de Maio de 2019, e de 28 de julho de 2020, ratificado na reunião da Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol de 26 de agosto de 2020 (Comunicado Oficial n.º 83, de 15 de setembro de 2020, publicado a 16 de setembro de 2020), doravante abreviado, por mera economia de texto, por RDLPFP20. O texto regulamentar encontra-se disponível, na íntegra, na página da LPFP. 2Doravante designado por Pedro Roxo ou arguido.

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Delegado] referente ao jogo oficialmente identificado sob o n.º 22209, realizado entre a Académica de Coimbra OAF SDUQ, Lda. e a Varzim Sport Clube SDUQ, no dia 1 de março de 2021, a contar para a 22.ª jornada da Liga Portugal SABSEG, época desportiva 2020/2021 (cf. fls. 5 a 19).

4. No dia 16 de março de 2021, o Ilustre Instrutor designado nos autos deu início à instrução, atento o disposto nos artigos 228.º, n.ºs 2 e 3, e 229.º, n.ºs 1 e 2, do RDLPFP, sendo que, na mesma data, foi dado cumprimento ao preceituado no artigo 227.º daquele corpo regulamentar, notificando-se o arguido quanto à instauração do processo disciplinar (cf. fls. 24 a 30). No prazo concedido para o efeito, optou o arguido por não apresentar qualquer pronúncia.

5. Na pendência da fase de instrução, o Ilustre Instrutor promoveu a junção aos autos da seguinte documentação: junção do extrato disciplinar do arguido, abrangendo esse registo as três últimas épocas desportivas anteriores àquela que se encontra em curso (cf. fls. 31).

§2. Acusação

6. Finda a fase de instrução, o Ilustre Instrutor designado nos autos considerou existirem indícios suficientes da prática de infração disciplinar por parte do dirigente arguido e, consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 233.º, n.º 1, do RDLPFP, deduziu, em 12 de julho de 2021, acusação contra o mesmo (cf. fls. 32 a 44).

7. Em termos sumários, resulta do libelo acusatório a imputação ao dirigente arguido de uma infração disciplinar p. e p. pelo artigo 136.º, n.ºs 1 e 3, com referência ao artigo 112.º, n.º 1, e conjugado com o artigo 4.º, n.º 1, alínea c), todos do RDLPFP20.

8. A indiciação lançada em sede de acusação apresenta-se sustentada na prova produzida nos autos, nomeadamente na já referida nos pontos 3. e 5. do presente Acórdão.

§3. Audiência Disciplinar

9. Conforme o disposto no artigo 237.º do RDLPFP, remetidos os autos à Secção Disciplinar, se nada obstar ao seu recebimento, a Exma. Sra. Presidente do Conselho de Disciplina da FPF ordena a notificação da acusação ao arguido e procede ao agendamento de uma audiência disciplinar para um dos 10 dias úteis seguintes.

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10. Destarte, em 18 de julho de 2021, a Exma. Sra. Presidente do Conselho de Disciplina da FPF: (i) distribui os presentes autos ao ora Relator; e (ii) designou o dia 28 de julho de 2021, pelas 10h00, como data da audiência disciplinar, a realizar na sede da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, perante o Relator (vide fls. 46).

11. A audiência disciplinar realizou-se no dia indicado, contando com as presenças do ora Relator e do Ilustre representante da CI, Sr. Professor Doutor Fernando Torrão, não tendo o dirigente arguido comparecido nem apresentado qualquer pronúncia atinente à referida diligência.

12. No início da audiência foi dada a palavra ao representante da Comissão de Instrutores para sustentar a acusação, tendo o mesmo pugnado pela sua procedência.

II – COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE DISCIPLINA

13. De acordo com o artigo 43.º, n.º 1, do RJFD20083, compete a este Conselho, de acordo

com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva. No mesmo sentido, dispõe o artigo 15.º do Regimento deste Conselho4.

III – DA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

14. Sendo o presente acórdão prolatado na vigência do RDLPFP215, que entrou em vigor na

sequência do Comunicado Oficial n.º 18, datado de 14 de julho de2021,6 cumpre indagar se a

3 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (regime jurídico das federações desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva) e alterado pelo artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei) e ainda pelos artigos 2.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, cujo texto consolidado constitui anexo a este último. O artigo 3.º da Lei nº 101/2017, de 28 de agosto, veio também a introduzir alterações neste regime, embora sem relevância neste domínio.

4 Disponível, na íntegra, na página da Federação Portuguesa de Futebol.

5 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018 e de 22 de maio de 2019 e de 28 de julho de 2020 e 02 de junho de 2021, ratificado, ratificado na reunião da Assembleia Geral Extraordinária da FPF de 14 de julho de 2021. 6 Cf. Comunicado Oficial n.º 18, de 14.07.2021, disponível em https://www.fpf.pt/pt/Institucional/Documenta%C3%A7%C3%A3o (acesso em 18.07.2021).

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sucessão de regimes regulamentares levanta, in casu, um problema de aplicação da lei no tempo.

15. Preceitua a disposição transitória 1.ª do novo Regulamento o seguinte: «O presente Regulamento entra em vigor imediatamente após a publicação em comunicado oficial da deliberação de ratificação pela Assembleia-Geral da FPF, nos termos do artigo 47.º dos Estatutos Federativos».

16. Em linha com os anteriores, o RDLPFP21 contém disposições específicas em matéria de aplicação no tempo, lendo-se no artigo 11.º o seguinte: «(...) 1. As sanções são determinadas pela norma punitiva vigente no momento da prática da infração disciplinar; 2. O facto punível como infração por norma legal ou regulamentar no momento da sua prática deixa de ser punível se, em virtude da entrada em vigor de nova disposição legal ou regulamentar, deixar de ser qualificado como infração disciplinar; no caso de já ter havido condenação, ainda que por decisão já definitiva na ordem jurídica desportiva, cessa de imediato a respetiva execução; 3. Quando a sanção aplicável no momento da prática do facto for diversa daquela que vigorar em momento posterior será sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão transitada em julgado (...); 6. As normas procedimentais previstas no presente Regulamento serão aplicáveis a todos os procedimentos instaurados após a sua entrada em vigor (...)».

17. Assim sendo, importa destacar que à data da prática dos factos que deram origem à instauração do presente processo disciplinar, estava vigente o RDLPFP20. Ora, como nota Germano Marques da Silva, «a escolha dos regimes penais em confronto em sede de aplicação das leis no tempo, tem de ser feita em bloco, não podendo criar-se uma norma abstracta com os elementos mais favoráveis das várias leis»7.

18. As infrações disciplinares em liça nos presentes autos – a saber, os artigos 112.º [Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros] e 136.º [Lesão da honra e reputação e denúncia caluniosa] não sofreram, no essencial, alterações nem na sua hipótese, nem no respetivo arco sancionatório, à exceção do que respeita ao n.º 4 do artigo 112.º, onde se passou a ler: «Sem prejuízo do disposto nas leis que regulam a imprensa, a rádio

e a televisão, o clube é considerado responsável pelos comportamentos que venham a ser

divulgados pela sua imprensa privada e pelos sítios da internet que sejam explorados pelo clube,

7 Germano Marques da Silva, Direito Penal Português – Parte Geral – I Introdução e teoria da lei penal, Editorial Verbo, Lisboa, 1997, p. 265

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pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa» (o sublinhado é nosso). A alteração na redação do artigo 53.º, n.ºs 2 e 3 [Circunstâncias agravantes] do RDLPFP tem natureza meramente interpretativa, não se revelando concretamente mais vantajosa para o arguido.

19. Uma vez que não se detetam, noutros segmentos do Regulamento, alterações com impacto na responsabilidade disciplinar dos Arguidos – mormente no que respeita às circunstâncias atenuantes (artigo 55.º), à reincidência como elemento de qualificação do tipo (artigo 54.º), aos prazos de caducidade e prescrição (artigos 22.º e 23.º) e ao valor da unidade de conta (UC), sobre o qual recai o fator de ponderação previsto no n.º 3 do artigo 36.º (0,35) – e tendo em conta que, efetuado um exercício comparativo entre os blocos normativos do RDLPFP20 e do RDLPFP21, não se mostra o segundo concretamente mais favorável para o arguido do que o primeiro, em termos que imponham a aplicação do preceituado no n.º 3 do artigo 11.º, conclui-se que o presente procedimento disciplinar deve ser regulado, tanto substantiva como procedimentalmente, pelo Regulamento disciplinar vigente à data da prática dos factos – a saber, o RDLPFP20.

IV – QUESTÕES PRÉVIAS

20. Inexistem questões prévias que tenham sido suscitadas ou que importe conhecer, sendo que, os elementos constantes nos autos são bastantes para habilitar a tomada de decisão. Cumpre, assim, apreciar e decidir.

V – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

§1. A prova no direito disciplinar desportivo

21. Nem no RDLPFP, nem em qualquer outro diploma de natureza jusdisciplinar desportiva que regule as competições futebolísticas, encontramos uma resposta expressa à questão da valoração da prova em ambiente disciplinar desportivo.

22. Contudo, a redação do n.º 1 do artigo 16.º do RDLPFP permite-nos resolver, ainda que indiretamente, essa questão: «[n]a determinação da responsabilidade disciplinar é subsidiariamente aplicável o disposto no Código Penal e, na tramitação do respetivo

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procedimento, as regras constantes do Código de Procedimento Administrativo e, subsequentemente, do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações».

23. Neste enquadramento, quando se questiona e se procura indagar a base normativa para a valoração da prova pelo julgador, para efeitos do processo disciplinar desportivo e, especialmente, porque este assume natureza pública, o entendimento deste Conselho, que já antes ia nesse sentido, fica, por via daquele normativo, mais sedimentado e com respaldo regulamentar, ou seja, a resposta está nos princípios do direito penal e, em especial, nas regras do respetivo processo.

24. Portanto, é, sem dúvida, no processo penal que vamos encontrar um complexo normativo referencial também para a questão da valoração da prova no direito disciplinar desportivo, desde logo porque encontramos as normas processuais penais que são, pela sua própria natureza, aquelas que se colocam como mais garantísticas dos direitos de defesa dos arguidos, razão pela qual, nalguns casos e sempre com as necessárias adaptações, o processo penal pode e deve representar a matriz do direito sancionatório público (criminal, contraordenacional e disciplinar)8.

25. Por outro lado, é também entendimento pacífico na nossa jurisprudência que ao processo disciplinar se deve aplicar a regra da “livre apreciação da prova” consagrada no artigo 127.º, do Código de Processo Penal9, o que bem se compreende, dadas as proximidades e as

similitudes entre o processo disciplinar e o processo penal, designadamente no que respeita a alguns procedimentos e às garantias do arguido.

26. Na verdade, o artigo 127.º do Código de Processo Penal estatui que a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, sem prejuízo, como é óbvio, do princípio da “presunção de inocência”, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP, e do princípio “in dubio pro reo”, que igualmente fazem parte da dimensão jurídico-processual do princípio material da culpa.

8 A própria Constituição da República Portuguesa parece sufragar este entendimento quando, a propósito das garantias do processo criminal, estende a outros processos sancionatórios, de forma inequívoca, pelo menos algumas delas (cf. artigo 32.º, n.º 10).

9 Neste sentido ver, entre outros, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 03132/11.6BEPRT, de 20-05-2016; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 07455/11, de 12-03-2015; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 06944/10, de 20-12-2012; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00093/06.7BEVIS, de 09-12-2011; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 01717/06, de 05-11-2009; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 12372/03, de 29-09-2005; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 10842/01, de 11-03-2004 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).

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27. Nesta conformidade, o julgador, no exercício do poder disciplinar – ou seja, a “entidade competente” de que nos fala o citado artigo 127.º, para o processo penal – tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos à sua apreciação e ao seu julgamento, sendo que a livre apreciação da prova não pode nunca “ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”10.

28. Em conclusão, o julgador em sede disciplinar deve apreciar a prova de acordo com as regras da experiência comum e a sua livre convicção, sendo, porém, objetivo, ponderado e justo na análise dessa mesma prova, dentro dos limites da legalidade a que deve obediência.

29. É, pois, em conformidade com estes princípios que cumpre decidir sobre a matéria de facto relevante para a decisão final.

§2. Factos provados

30. Analisada e valorada a prova produzida nos autos, com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1) O arguido Pedro Roxo é Presidente do Conselho de Administração da Académica de Coimbra – OAF, SDUQ, Lda.;

2) Logo após o final do jogo oficialmente identificado sob o n.º 22209 (204.01.198), disputado no Estádio Cidade de Coimbra entre a Académica de Coimbra – OAF SDUQ, Lda. e a Varzim Sport Clube – Futebol SDUQ, Lda., no dia 1 de março de 2021, a contar para a 22.ª Jornada da Liga Portugal SABSEG, o arguido Pedro Roxo estava no túnel de acesso aos balneários, tendo proferido as palavras que se seguem nos artigos seguintes, reproduzidas no relatório da equipa de arbitragem e no relatório dos Delegados da Liga Portugal.

3) Conforme relatório da equipa de arbitragem: «[n]o final do jogo o Sr. Pedro Moreira Dias Frias Roxo (presidente do clube A) estava no túnel de acesso aos balneários e proferiu as seguintes palavras: "foi um gamanso, mais vale jogarmos com a camisola do Estoril, ide viver

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para cascais” isto num tom bastante exaltado e perante a presença do delegado da liga Sr. Vítor Ferreira que confirmou a identidade do mesmo»;

4) Conforme relatório dos Delegados da Liga Portugal: «[a]pós o final do jogo, o Sr Presidente da equipa A. Académica Pedro Moreira Dias Frias Roxo, estava no túnel de acesso aos balneários e proferiu as seguintes frases em direção à equipa de Arbitragem "Mais vale jogarem com a camisola do Estoril", "Podem ir viver para Cascais"»;

5) A equipa de arbitragem do predito jogo da 22ª jornada da Liga Portugal SABSEG, integrou Carlos Macedo, árbitro principal, Fábio Silva, assistente n.º 1, Diogo Pinto, assistente n.º 2, Inácio Pereira, 4.º árbitro e João Gaspar, Observador;

6) O arguido Pedro Roxo agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento, por ser desrespeitoso, lesava a honra e consideração dos visados e afetava a relações entre agentes desportivos, o princípio da ética desportiva e o bom funcionamento das competições profissionais de futebol em que o próprio arguido se encontra envolvido enquanto Presidente do Conselho de Administração da Académica de Coimbra – OAF, SDUQ; 7) O arguido, à data dos factos, apresentava antecedentes disciplinares, tendo averbada no seu cadastro disciplinar uma condenação, na época desportiva 2019/2020, pela prática de uma infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º, n.º 1, do RDLPFP19, por decisão transitada em julgado.

§3. Factos não provados

31. Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão da causa.

§4. Motivação quanto à matéria de facto

32. A convicção formada apoia-se, fundamentalmente, nos documentos juntos aos autos que se harmonizam entre si, tendo sido analisados de forma crítica e conjugada, quer cada um deles isoladamente, quer todos eles de forma conjunta e global, desse modo permitindo concluir pela verificação da factualidade acima dada como provada.

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(i) A prova dos factos descritos em 1) e 5) de §2. Factos provados têm o seu múnus probatório no Relatório de Árbitro referente ao jogo oficialmente identificado sob o n.º 22209 (cf. fls. 5 a 11), sendo ainda o facto 1) de aquisição pública;

(ii) Os factos descritos em 2) a 4) de §2. Factos provados encontram arrimo probatório na documentação oficial (Relatório de Árbitro e Relatório de Delegado) referente ao jogo oficialmente identificado sob o n.º 22209 [cf. fls. 5 a 11 e 12 e 13 (respetivamente)].

Cumpre aqui recordar o valor especial e reforçado que os relatórios oficiais e declarações complementares das equipas de arbitragem e dos delegados da LPFP merecem. Com efeito, o RDLPFP – numa aproximação à previsão constante do artigo 169.º do Código de Processo Penal – dispõe, na al f) do artigo 13.º, que os factos presenciados pelas equipas de arbitragem e pelos delegados da LPFP, percecionados no exercício das suas funções, constantes de relatórios de jogo e de declarações complementares, se presumem verdadeiros enquanto a sua veracidade não for ‘fundadamente’ posta em causa.

O valor probatório qualificado a que o RDLPFP20 alude constitui um mecanismo regulamentar compreendido e justificado pelo cometimento de funções particularmente importantes aos árbitros e delegados da LFPF, a quem compete representar a instituição no âmbito dos jogos oficiais, cumprindo e zelando pelo cumprimento dos regulamentos, nomeadamente em matéria disciplinar (ainda que isso possa não corresponder aos interesses egoísticos dos clubes). Na verdade, encontramo-nos, nesta sede, no domínio do exercício de poderes de natureza pública – in casu disciplinares –, que se sobrepõem aos interesses particulares dos clubes. No quadro competitivo, enquanto os clubes concretizam interesses próprios, compete a quem tem o poder e o dever de organizar a prova e fazer cumprir os regulamentos prosseguir um interesse superior ao interesse próprio de cada um dos clubes que a integram. Neste conspecto, o interesse superior da competição, realizado no âmbito de determinados poderes de natureza pública (que são exercidos em representação da própria LFPF), justifica perfeitamente que os relatórios dos árbitros e dos delegados e declarações complementares respetivas – vinculados que estão a deveres de isenção e equidistância –, gozem da aludida presunção de veracidade (presunção “juris tantum”). Trata-se, afinal, da consequência necessária e justificada do exercício, no quadro do jogo, da autoridade necessária para assegurar a ordem, a disciplina e o cumprimento dos regulamentos, distanciando-se das disputas que envolvem os participantes nas provas.

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Deste modo e em primeiro lugar, perante tal presunção, a todos os que pretendam sindicar e refutar a materialidade relatada por árbitros e delegados da LFPF (e declarados como diretamente percecionados no exercício das respetivas funções oficiais) impõe-se um especial esforço probatório, exigindo-se-lhes a apresentação de prova bastante para legítima e racionalmente questionar, colocar fundadamente em causa ou justificadamente pôr em dúvida a veracidade dos factos narrados nos relatórios oficiais ou declarações complementares. Destarte, a credibilidade probatória reforçada de que gozam tais relatórios oficiais só sairá abalada quando, perante a prova produzida, existirem fundadas razões para acreditar que o seu conteúdo não é verdadeiro. Para além disso e em segundo lugar, no que tange à atividade decisória, a força probatória reforçada de que tais relatórios beneficiam impõe ao julgador, quando entenda impor-se o afastamento da presunção de veracidade, um “especial dever de fundamentação”11.

Destarte, o valor probatório reforçado dos factos percecionados pelas pessoas investidas com autoridade pública para lavrar os referidos relatórios só pode ser afastado, perdendo a sua máxima valia probatória (e ficando sujeitos à livre apreciação da prova), quando se produza mais do que a simples contraprova (pondo em causa o facto), ainda que menos exigente do que a prova do contrário.

Sucede que, no caso em apreço, o feito lavrar nos relatórios dos elementos da equipa de arbitragem e do Delegado da Liga, no que concerne à conduta do dirigente arguido, não foi afastado por qualquer elemento probatório que os contraditasse. Aliás, nos vários momentos processuais consagrados para que o arguido pudesse exercer o seu direito de audição e defesa, não foi sequer apresentada qualquer prova que infirmasse o referido naqueles relatórios;

(iii) No que respeita à materialidade de índole subjetiva dos arguidos aposta no facto descrito em 6) de §2. Factos provados, representando o estado psíquico atinente ao preenchimento do elemento subjetivo do tipo da infração disciplinar em dissídio, a sua demonstração decorre in re ipsa e, por conseguinte, também da valoração dos elementos probatórios juntos ao processo (acima já analisados) à luz das regras da experiência comum e da lógica. Neste particular, cumpre referir que não é necessária, neste contexto, a existência de um dolo específico ou "animus injuriandi vel difamandi", bastando, para efeitos de subsunção

11 Convocando o pensamento de PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, este «A limitação do julgador consiste em que ele deve “fundadamente” pôr em causa a autenticidade ou veracidade do documento», In Comentário ao Código de Processo Penal, 2.ª Edição, Un. Católica Editora, 2008, pág. 452.

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(na modalidade de dolo), a representação de todos os elementos que integram o facto ilícito e que os arguidos, conscientes da natureza ilícita da sua conduta, tenham dirigido a sua vontade à realização do facto ilícito, querendo praticá-lo;

(iv) O extrato disciplinar do dirigente arguido (cf. fls. 31) oferece a prova para o facto descrito em 7) de §2. Factos provados.

VI – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

§1. Enquadramento jurídico-disciplinar – Fundamentos e âmbito do poder disciplinar

33. O poder disciplinar exercido no âmbito das competições organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol – ou, por delegação, pela Liga Portuguesa de Futebol profissional – assume natureza pública. Com clareza, concorrem para esta proposição as normas constantes dos artigos 19.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 5/2007 de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto), e dos artigos 10.º, 13.º, alínea i), do RJFD2008.

34. A existência de um poder regulamentar justifica-se pelo dever legal – artigo 52.º, n.º 1, do RJFD2008 – de sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva, entendendo-se por estas últimas as que visam sancionar a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo e a xenofobia, bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno desportivo (artigo 52.º, n.º 2, do RJFD2008).

35. O poder disciplinar exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário (artigo 54.º, n.º 1, do RJFD2008). Em conformidade com o artigo 55.º do RJFD2008 o regime da responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal.

36. Todo este enquadramento, representa, entre tantas consequências, que estamos perante um poder disciplinar que se impõe, em nome dos valores mencionados, a todos os que se encontram a ele sujeito, conforme o âmbito já delineado e que, por essa razão, assenta na prossecução de finalidades que estão bem para além dos pontuais e concreto interesses desses agentes e organizações desportivas.

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§2. Das infrações disciplinares em geral

37. O RDLPFP encontra-se estruturado, no estabelecer das infrações disciplinares, pela qualidade do agente infrator – clubes, dirigentes, jogadores, delegados dos clubes e trinadores, demais agentes desportivos, espectadores, árbitros, árbitros assistentes, observadores de árbitros e delegados da Liga.

38. Para cada um destes tipos de agente o RDLPFP recorta tais infrações e respetivas sanções em obediência ao grau de gravidade dos ilícitos, qualificando assim as infrações como muito graves, graves e leves.

§3. Das infrações disciplinares concretamente imputadas

39. Considera-se infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável (vide o artigo 17.º do RDLPFP20).

40. Quanto ao âmbito subjetivo de aplicação das normas disciplinares, determinam os n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º, do mesmo corpo regulamentar que «[a]s pessoas singulares serão punidas pelas faltas cometidas durante o tempo em que desempenhem as respetivas funções ou exerçam os respetivos cargos, ainda que as deixem de desempenhar ou passem a exercer outros»; «[o]s clubes são responsáveis pelas infrações cometidas nas épocas desportivas em que participarem nas competições organizadas pela Liga Portugal e no âmbito dessas competições».

41. No caso em apreço situamo-nos no universo das infrações específicas dos dirigentes – estando em causa o ilícito disciplinar previsto e punido no artigo 136.º, n.ºs 1 e 3, do RDLPFP20, qualificado como grave, por referência ao n.º 1 do artigo 112.º do mesmo corpo regulamentar, cujo texto se passa a transcrever:

«(...)

Artigo 136.º

Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa

1. Os dirigentes que pratiquem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º contra órgãos da Liga ou da FPF respetivos membros, elementos da equipa de arbitragem, clubes, dirigentes, jogadores, demais agentes desportivos ou espectadores, são punidos com a sanção de suspensão

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a fixar entre o mínimo de um mês e o máximo de dois anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 300 UC.

(...)

3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das sanções previstas nos números anteriores são elevados para o dobro (...)»

«(...)

Artigo 112.º

Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros

1. O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga Portugal ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC.

(…)»

42. Ainda com relevância para o caso sub judice, atente-se ao disposto no n.º 1 do artigo

51.º do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol12 [Deveres de correção e urbanidade dos intervenientes], «[t]odos os agentes desportivos devem

manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes». Concretizando o

n.º 1 do artigo 19.º do RDLPFP [Deveres e obrigações gerais], que «[a]s pessoas e entidades

sujeitas à observância das normas previstas neste Regulamento devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social». Mais acrescentando o

n.º 2 do mesmo preceito regulamentar que “[a]os sujeitos referidos no número anterior é

proibido exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou coletivas ou dos órgãos intervenientes nas competições organizadas pela Liga, bem como das demais estruturas desportivas, assim como fazer comunicados, conceder entrevistas ou fornecer

12 RCLPFP20, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 27 de Junho de 2011, 14 de Dezembro de 2011, 21 de Maio de 2012, 28 de Junho de 2012, 27 de Junho de 2013, 20 de Junho de 2014, 19 e 29 de Junho de 2015, 21 de Outubro de 2015, 15 de Março de 2016, 28 de Junho de 2016, 07 de Fevereiro de 2017, 12 de Junho de 2017, 29 de Dezembro de 2017, 27 de Fevereiro de 2018, 27 de Abril de 2018, 25 de Maio de 2018 e 29 de Junho de 2018, 22 de Maio de 2019, 8 de Junho de 2020 28 de julho de 2020.

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a terceiros notícias ou informações que digam respeito a factos que sejam objeto de investigação em processo disciplinar».

43. Numa primeira aproximação à hermenêutica destas normas, impõe-se que façamos algumas considerações quanto a determinados aspetos das mesmas que se afiguram cruciais para a sua correta aplicação, designadamente tendo em vista os contornos fácticos do caso concreto.

44. Destarte, cumpre recordar que a Secção Profissional deste Conselho de Disciplina tem consistentemente afirmado que, no seu entendimento, as normas disciplinares em dissidio realizam a proteção da ética e dos valores desportivos, aqui ramificados na salvaguarda da credibilidade da competição, sendo um seu pressuposto essencial a dignidade e imparcialidade da função dos árbitros. Em igual sentido, veja-se o decidido pelo Tribunal Arbitral do Desporto, no âmbito do Processo n.º 34/2019, de 9 de julho de 2020, «[o] escopo do art. 112.º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional visa, além da defesa do bom nome e da reputação dos visados (tal como nos arts. 180.º e 181.º do CP), a salvaguarda da ética e valores desportivos, bem como a credibilidade da modalidade, dos competidores e cargos desportivos» (sublinhado nosso)13.

45. No contexto desportivo, o legislador originário elegeu a ética desportiva como princípio basilar da construção do sistema legal, no âmbito do qual a prevenção da violência assume lugar de destaque. Com efeito, a promoção da ética desportiva e a prevenção (e, necessariamente, o sancionamento) de fenómenos antidesportivos apresenta-se, no âmbito da atual Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto14, como inegável tarefa do Estado15, que o legislador ordinário

comete às federações desportivas16.

13 Disponível em https://www.tribunalarbitraldesporto.pt/documentacao/decisoes/processo-34-2019.

14 Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, LBAFD, doravante). Mantendo o modelo colaborativo como estrutura fundamental do sistema desportivo, a LBAFD determina que «A atividade

desportiva – diz o n.º 1 do artigo 3.º – é desenvolvida em observância dos princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva e da formação integral de todos os participantes». Em consonância com a intenção

do legislador de 1990, o diploma de 2007 reitera na atribuição ao Estado – que reserva tal tarefa para si – a tarefa de tomar «as medidas tendentes a prevenir e a punir as manifestações antidesportivas, designadamente a violência, a

dopagem, a corrupção, o racismo, a xenofobia e qualquer forma de discriminação»

15 Entre nós concretizada com um específico regime legal sancionatório, estabelecido na Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, na sua redação atual.

16 Veja-se, neste particular, o que estabelece o artigo 1.º da Lei 112/99, de 3 de agosto (Regime Disciplinar das Federações Desportivas) e artigo 52.º do Decreto-Lei 248-B/2008, de 31 de dezembro (Regime Jurídico das Federações Desportivas).

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46. Nesse pressuposto, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios, grosseiros ou incorretos encontra o seu fundamento nesta tarefa (pública) de realização do valor da ética desportiva17. Contudo, uma vez que no contexto do artigo 112.º e 136.º, ambos do

RDLPFP20 a lesão da ética desportiva é cristalizada também em condutas desonrosas (rectius, lesivas da honra), impõe-se (sem que tal equivalha a sustentar uma tarefa distinta da agora avançada) aquilatar o conteúdo de um tal valor jurídico. Ora, honra inclui «não apenas a reputação e o bom nome de que a pessoa goza na comunidade (a honra externa, äusere Ehre), mas também dignidade inerente a qualquer pessoa, independentemente do estatuto social (a honra interna, innere Ehre)» (sublinhado nosso)18.

47. Portanto, a ética e o espírito desportivos não prescindem, antes exigem, no quadro das competições oficiais, a existência de mútuo respeito entre todos os diversos agentes desportivos, incumbindo a estes últimos especiais deveres tendentes à realização de tais valores.

48. Com efeito, a tutela disciplinar aqui convocada visa defender o bom e regular funcionamento da competição, assegurando a credibilidade da própria competição, dos competidores e dos cargos desportivos. A credibilidade da competição assenta em valores de mútuo respeito entre os diversos agentes desportivos e/ou órgãos da estrutura desportiva; daí a sua imposição como dever normativo (cf. artigo 19.º, n.º 1, do RDLPFP20 e artigo 51.º, n.º 1, do RCLPFP20) e a sua violação ser sancionada como é.

49. Deste modo, no quadro regulamentar atual, a disciplina jurídico-desportiva prevê, reprova e sanciona, de forma especial, quaisquer atos verbais, gestuais ou escritos praticados pelos clubes e agentes desportivos que invadam a esfera da honra e reputação de outros agentes desportivos e entidades, se desrespeitadores, difamatórios, injuriosos ou grosseiros. Fá-lo com plena autonomia relativamente ao direito penal e ao direito civil (cf. artigo 6.º do

17 Em sentido convergente e esclarecendo o conteúdo de tais valores, o Código de Ética Desportiva (acessível em

http://www.pned.pt/media/24987/codigoetica_web.pdf), no seu ponto 6. da sua 1.ª parte, estabelece que «há

valores que, pela sua natureza, são inerentes à prática desportiva, nomeadamente: o respeito pelas regras e pelo adversário, árbitro ou juiz; o fairplay ou jogo limpo; a tolerância; a amizade; a verdade; a aceitação do resultado; o reconhecimento da dignidade da pessoa humana; o saber ser e estar; a persistência; a disciplina; a socialização; os hábitos de vida saudável; a interajuda; a responsabilidade; a honestidade; a humildade; a lealdade; o respeito pelo corpo; a imparcialidade; a cooperação e a defesa da inclusão social em todas as vertentes».

18 Neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 495. Em sentido convergente, JOSÉ DE FARIA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 607.

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RDLPFP20), pois que, para além do bom nome e reputação das instituições e dos agentes desportivos, aquela norma protege o bom e regular funcionamento da competição, procurando assegurar que os valores de respeito entre os contendores imperem e que, dessa forma, a credibilidade da competição, dos competidores e dos cargos desportivos não seja abalada por afirmações, insinuações ou juízos lesivos desses valores.

50. Acresce que é legítimo defender-se que a grande mole humana que são os espetadores de futebol tem a expectativa que o decurso das competições futebolísticas não seja perturbado, ou mesmo falseado por comportamentos imparciais, visando alterar o bom e regular funcionamento da competição desportiva e sequentemente da verdade desportiva.

51. Cumpre, também, salientar que a infração disciplinar de ofensa à honra e reputação se consuma com a prática de ato que objetivamente tenha esse resultado, independentemente da intenção, desde que se tenha a obrigação de conhecer que a conduta ofende, ou pode ofender, a honra e reputação do visado e, ainda assim, o agente se conforma com essa possibilidade.

§2. O caso concreto: subsunção ao direito aplicável

52. Para que se possa verificar o tipo disciplinar previsto pelo artigo 136.º, n.ºs 1 e 3, do RDLPFP20 [Lesão da honra e denúncia caluniosa], é necessário que, voluntariamente e ainda que de forma meramente culposa, um (i) dirigente; (ii) use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros; (iii) para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos; (iv) tendo sido condenado pela prática da mesma infração disciplinar mediante decisão transitada em julgado, em qualquer uma das três épocas desportivas anteriores àquela em que se verificarem os factos. A enunciação dos elementos típicos resulta da conjugação do preceituado no artigo 136.º, n.º 1, com o artigo 112.º, n.º 1, para o qual aquele preceito remete («os dirigentes que pratiquem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º...»).

53. Apesar de o leque de condutas lesivas da honra extravasar, de acordo com o ilícito disciplinar em liça, o círculo de condutas que, no âmbito penal, seriam tratadas como injuriosas ou difamatórias – ao abranger também expressões, desenhos, escritos ou gestos “grosseiros” (ainda que não difamatórios ou injuriosos)19 – importa aquilatar do conceito jus fundamental de

19 Neste sentido, cf. o RHI n.º 13 – 2020/2021, acórdão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina tirado por unanimidade em 12.01.2021 (Relator: João Gouveia de Caires), em especial o ponto 67, i), a), onde se lê: «De um lado,

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honra com o propósito de perceber se as declarações produzidas pelo arguido se configuram como uma conduta típica à luz daquele normativo.

54. Ora, como se lê no acórdão do STJ, de 09.05.2015, processo n.º 5/13.1TRGMR.S1, «[o] bem jurídico honra traduz uma pretensão de respeito por parte dos outros, que decorre da dignidade humana. O seu conteúdo é constituído basicamente por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros (...). O bem jurídico constitucional assim delineado apresenta um lado individual (o bom nome) e um lado social (reputação ou consideração) fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa dos outros. Na formulação de Jónatas Machado, «[T]odos os cidadãos têm direito a um nível de honra pessoal, auto-estima e auto-respeito compatível com a sua dignidade como indivíduos livres e iguais, dignos de igual consideração e respeito»20.

55. No quadro de uma ordem constitucional livre e democrática, os direitos fundamentais constituem limites uns dos outros. Consequentemente, há que ter em conta aquilo que apelidámos supra de efeito recíproco ou de irradiação do direito à liberdade de expressão, ou seja, a capacidade reconhecida ao artigo 37.º da CRP, com os contributos trazidos pela jurisprudência do TEDH - e que se repercutem, como o Tribunal Constitucional amiúde sublinha, no sentido e alcance dos normativos constitucionais21 – de condicionar o exercício hermenêutico

incidente sobre os dispositivos que sancionam as ofensas à honra.

56. Conforme ficou vertido no Acórdão deste Conselho proferido no Processo n.º 20 – 2020/2021, de 19 de janeiro de 2021, Relatora: Marta Vicente, «[u]ma das consequências daquela irradiação traduz-se no estreitamento das condutas típicas, em especial através da exclusão do âmbito das ofensas à honra da chamada crítica objetiva. O direito de crítica é uma das formas de exercício constitucionalmente protegidas da liberdade de expressão e de pensamento. Tal como este Conselho de Disciplina vem amiúde reiterando, existe crítica objetiva, «enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou

a configuração do tipo de ilícito é mais ampla (nos seus elementos objetivos) na esfera disciplinar do que aquela que decorre da esfera criminal. Nomeadamente, no ilícito jusdisciplinar de lesões à honra bastam-se com a chamada “grosseria”, no que não tem qualquer paralelo no foro criminal».

20 Cf. Jónatas Machado, «Liberdade de expressão, interesse público e Figuras Públicas», Boletim da Faculdade de Direito, vol. 85, 2009, pp. 73-109 (p. 83).

21 Cf., a título de exemplo, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 60/20 de 04.02.2020, processo n.º 1444/17, Relator, onde se reconhece que a CEDH é o standard mínimo de proteção dos direitos fundamentais e que a jurisprudência do TEDH deve ser considerada pelo Tribunal como “critério coadjuvante” na interpretação do sentido e do alcance das normas constitucionais, resultado que, de resto, também se alcançaria por intermédio do artigo 52.º, n.º 3 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

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prestações em si, não se dirigindo diretamente à pessoa dos seus autores ou criadores»22. Naturalmente, a mobilização do interesse coletivo de prevenção da violência no desporto, inscrito no artigo 79.º, n.º 2, da CRP, permite que se ergam limites mais intensos à forma da crítica objetiva, abaixando, portanto, o limiar a partir do qual esta resvala para a grosseria, para o insulto ou para a obscenidade».

57. Não soçobram dúvidas de que o arguido, Pedro Roxo, assumia, à data dos factos, o cargo de Presidente do Conselho de Administração da Académica de Coimbra – OAF, SDUQ Lda., sendo, por conseguinte, um dirigente do clube para efeitos do disposto nos artigos 4.º, n.º 1, al. c) e 136.º, n.º 1, do RDLPFP20.

58. Dito isto, recuperemos as expressões dirigidas pelo arguido, no final do jogo sub judice, no túnel de acesso aos balneários, e dirigidas aos elementos da equipa de arbitragem, que motivaram a instauração do presente processo disciplinar contra o arguido Pedro Roxo: «foi um gamanso»; «mais vale jogarmos com a camisola do Estoril»; «Ide viver para Cascais».

59. Afigura-se-nos indiscutível que expressões como «gamanso» (expressão rude e incivil usada para qualificar a apreciação técnica que a equipa de arbitragem teve no ajuizamento de lances da partida e que possui, per si, uma carga valorativa ultrajante, inelutavelmente injuriosa, mostrando-se violadora da probidade profissional e pessoal da equipa de arbitragem); «mais vale jogarmos com a camisola do Estoril» (numa alusão a um contendor direto na disputa pela promoção do clube do dirigente arguido, insinuando que se jogassem com a sua camisola seriam objeto de favor nos ajuizamentos por parte da equipa de arbitragem); e ««Ide viver para Cascais» (numa nova insinuação de comprometimento entre a equipa de arbitragem e aquele outro clube adversário do clube do dirigente), transpõem a fronteira da crítica objetiva. O arguido não se limita a propalar críticas objetivas à atuação dos visados (membros da equipa de arbitragem nomeada para o sobredito jogo), antes incutindo a ideia que atuaram de forma parcial, ao arrepio de critérios de objetividade e isenção, imbuídos da intenção de favorecimento de interesses que não os de um funcionamento imparcial. Assim, aquelas declarações põem em causa não só a imparcialidade subjetiva dos elementos da equipa de arbitragem, atacando a equidistância, a neutralidade e a ausência de predisposição para beneficiar ou prejudicar uma das equipas, como também a sua imparcialidade objetiva,

22 Cf., entre outros, o Processo Disciplinar n.º 83 – 2019/2020, acórdão da Secção Profissional tirado por unanimidade em 11.08.2020 (Relator: Vasco Cavaleiro), citando os ensinamentos de Costa Andrade.

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lançando dúvidas sobre a capacidade de os árbitros se nortearem pelos princípios da objetividade e da racionalidade no desempenho da sua atividade.

60. Lançando mão da lição de José de FARIA COSTA23, cumpre atentar que «a imputação de factos ou a formulação de juízos desonrosos podem ser inequívocas, não apresentarem a mínima dúvida, ou podem estar encobertas pelo manto perverso e acutilante da suspeita. Ninguém desconhece que as formas mais destruidoras da honra e da consideração de outrem não são as que exprimem, de modo directo, factos ou juízos atentatórios da honra e da consideração. Qualquer aprendiz de maledicência e muito particularmente o senso comum sabem que a insinuação, as meias verdades, a suspeita, o inconclusivo são a maneira mais conseguida de ofender quem quer que seja», sendo que «mesmo que a insinuação se cubra de ironia isso não a torna imune ao preenchimento do tipo». Tais ensinamentos aclaram, justamente, a aferição da natureza desvaliosa da conduta do dirigente arguido que, nas suas declarações, reportando-se à atuação da equipa de arbitragem, faz lançar a suspeita de que os reportando-seus membros, no jogo aludido nestes autos, não atuaram de acordo com os critérios de isenção, objetividade e imparcialidade a que estão adstritos, faltando à verdade nessas suas decisões, qualificando os seus atos como mentirosos. Constituindo a imparcialidade e a isenção atributos que têm de ser intrínsecos às funções exercidas, não pode deixar de se considerar que as aludidas declarações põem em causa a integridade moral e o bom nome e reputação dos agentes de arbitragem em questão, além de afetarem a credibilidade e o prestígio da própria competição desportiva. 61. As declarações do dirigente arguido mostram-se, portanto, violadoras da probidade profissional e pessoal dos membros da equipa de arbitragem do jogo em apreço. Tais declarações comportam o lançamento de uma suspeita de conduta contrária aos deveres de imparcialidade adstritos ao mister da arbitragem, por parte daqueles agentes de arbitragem. 62. Uma última referência para referir que a liberdade de expressão e de informação não protege imputações como as em causa nestes autos, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.

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63. O entendimento subjacente ao que vimos de dizer resulta corroborado por diversas decisões proferidas pelos nossos tribunais superiores, atente-se às seguintes decisões do Colendo STA, todas versando sobre os tipos de ilícito em apreço nestes autos:

(i) Acórdão de 26/02/2019, proferido no Processo n.º 066/18.7BCLSB, onde, se afirmou, além

do mais, que tais imputações «atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa»;

(ii) Acórdão de 04/06/2020, proferido no Processo n.º 154/19.2BCLSB, onde a propósito dos

ilícitos disciplinares em liça nestes autos, decidiu que “independentemente da relevância penal que a conduta da Recorrida possa ter, que é autónoma, e que não cabe neste âmbito apreciar, a sua responsabilidade disciplinar não depende do preenchimento dos tipos legais de crime de difamação ou de injúria, mas apenas da violação dos deveres gerais ou especiais a que a mesma está adstrita no âmbito dos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável à realização das competições desportivas em que participa – v. artigo 17.º/2 do RDLPFP. E esses deveres resultam, exclusivamente, da conjugação dos artigos 19.º e 112.º do citado RDLPFP, não sendo necessário o recurso ao Código Penal para preencher o respetivo tipo disciplinar (…) É no quadro desses deveres gerais de lealdade, probidade, verdade e retidão, e da proibição expressa de publicitação de juízos ou afirmações lesivos da reputação de todos aqueles que intervenham nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, que o n.º 1 do artigo 112.º do RDLPFP comina com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC, o uso «de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos» (…) Naturalmente, a liberdade de expressão e de informação não protege tais imputações, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo n.º 1 do art.º 26.º da Constituição (…) O disposto nos artigos 19.º e 112.º do RDLPFP não é, por isso,

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inconstitucional, nem os mesmos podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e reputação de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nomeadamente a dos respetivos árbitros, tanto mais que não está em causa a liberdade de expressão e de informação de órgãos de comunicação social independentes, mas da imprensa privada do próprio clube – cfr. art.º 112.º/4 do RDLPFP (…) O que nos permite responder afirmativamente à questão colocada no Acórdão Preliminar proferido neste autos, sobre «(...) até que ponto se pode disciplinarmente reagir – com base em normas disciplinares, aliás similares às do estrangeiro – contra declarações dos clubes que, para além de excitarem anormalmente os ânimos dos seus adeptos e assim induzirem comportamentos rudes, contribuam para o descrédito das competições desportivas e do negócio que as envolve». Não só se pode, como se deve reagir sempre que os clubes extravasem o âmbito estrito da mera informação ou opinião, e ofendam a honra e a reputação dos árbitros e de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional” (sublinhado nosso);

(iii) Acórdão de 02/07/2020, proferido no Processo n.º 0139/19.9BCLSB “(…) constituindo a

imparcialidade e a isenção atributos que têm de ser intrínsecos às funções exercidas, não pode deixar de se considerar que o aludido texto põe em causa a integridade moral e o bom nome e reputação do agente desportivo em questão, além de afectar a credibilidade e o prestígio da própria competição desportiva. E se é verdade que o direito à crítica se inclui no exercício da liberdade de expressão consagrada no art.º 37.º, da CRP, como um direito fundamental, também o é que não se está perante um direito absoluto, ilimitado, insusceptível de ser restringido”;

(iv) Acórdão de 10/09/2020, proferido no Processo n.º 038/19.4BCLSB “Com efeito, a

denominada “linguagem desportiva” não permite que se profiram insultos e se façam difamações dirigidas aos árbitros e muito menos a quem os nomeia. Mal seria que as expressões utilizadas pelos arguidos, se enquadrassem numa crítica meramente opinativa no seio do fervor desportivo, dado que não se limitam a enunciar factos objectivos ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo; pelo contrário, são de molde, a colocar em crise, quer objectiva, quer subjectivamente, a arbitragem em Portugal, a honra e reputação dos árbitros em questão e, em particular, a do Presidente do Conselho de Arbitragem, configurando

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insultos, injúrias e difamações em relação aos visados, que extravasam o direito de liberdade de expressão [artº 37º da CRP].”24.

64. No que tange ao tipo subjetivo de ilícito, a conduta do dirigente arguido apresenta-se como suscetível de preenchimento na modalidade de dolo, havendo, no caso vertente, conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do tipo objetivo de ilícito25. Conforme decorre da factualidade dada como provada, constata-se que o

arguido representou e pretendeu atingir a honra dos visados, inexistindo circunstâncias que, no caso concreto, afastem a natureza dolosa da sua conduta.

65. Neste particular, tendo presente o que se disse em sede de motivação da fundamentação de facto, não se poderá deixar de concluir que o arguido atuou com conhecimento de que a sua conduta ofendia os visados, não se abstendo de realizá-la, conformando-se com o resultado direto da sua conduta – atuando, portanto, com dolo direto. É de assinalar, no que à culpa diz respeito e sufragando o pensamento de FARIA COSTA26, «[n]ão obstante estar-se perante matéria de enorme importância – e que em situações limite poderá eventualmente ter que ser chamada à discursividade jurídico-penal – estamos convictos de que se não devem nem podem operar desvios a tudo aquilo que, na PG [parte geral], se consagra a este respeito». Assim, adotando a conceção de culpa de FIGUEIREDO DIAS27, cumpre concluir, dizendo que a conduta do arguido se afigura culposa, juridicamente censurável, por manifestamente indiferente e contrária aos valores protegidos pelo ordenamento jurídico-disciplinar.

66. Encontram-se, portanto, reunidos os pressupostos de natureza objetiva e subjetiva de que depende a responsabilidade disciplinar do dirigente arguido, à luz do que dispõe os n.ºs 1 e 3 do artigo 136.º do RDLPFP20, por referência ao artigo 112.º, n.º 1, do mesmo corpo regulamentar.

VII – MEDIDA E GRADUAÇÃO DA SANÇÃO

§1. Determinação da medida da sanção

24Todos os Acórdãos referenciados encontram-se disponíveis em www.dgsi.pt.

25 Vide, quanto a este ponto, FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal – Parte geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2007, pág. 348 e ss. 26 In Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 627.

27 «[C]ulpa é materialmente, em direito penal, o ter que responder pelas qualidades juridicamente desvaliosas da personalidade que fundamental um facto ilícito típico e neles se exprimem» - op. cit., pág. 525.

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67. Qualificados juridicamente os factos e operada a sua subsunção ao preceito legal sancionador, cumpre, agora, proceder à determinação da medida concreta das sanções a aplicar ao dirigente arguido.

68. É no Capítulo III (medida e graduação das sanções), artigos 52.º a 61.º, do RDLPFP20 que nos deparamos com as normas que possibilitam alcançar a medida concreta da sanção, tendo sempre presente o princípio da proporcionalidade patente no artigo 10.º: as sanções disciplinares aplicadas como consequência da prática das infrações disciplinares previstas no presente Regulamento devem ser proporcionais e adequadas ao grau da ilicitude do facto e à intensidade da culpa do agente.

69. Também como princípio mentor da tarefa de concretização da medida da sanção deve ter-se como revelante o disposto no artigo 52.º (Determinação da medida da sanção), n.º 1: «A determinação da medida da sanção, dentro dos limites definidos no presente Regulamento, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuras infrações disciplinares. Adita o n.º 2 deste artigo que na determinação da sanção, atender-se-á a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo da infração, militem a favor do agente ou contra ele.

70. Por seu lado, o artigo 53.º, vem estabelecer as circunstâncias agravantes, dispondo no seu n.º 1 que:

«Constituem especiais circunstâncias agravantes de qualquer infração disciplinar: a) a reincidência;

b) a premeditação;

c) a acumulação de infrações;

d) a combinação com outrem para a prática da infração; e) a dissimulação da infração;

f) a prática da infração com o objetivo ou a finalidade de impedir a deteção ou a punição de outra infração».

71. Cabe ao artigo 55.º, n.ºs 1 a 3, elencar as circunstâncias atenuantes, assim: «1. São especiais circunstâncias atenuantes das faltas disciplinares:

a) o bom comportamento anterior, aferido pela inexistência de condenações disciplinares há mais de um ano;

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c) a prestação de serviços relevantes ao futebol;

d) a provocação;

e) o louvor por mérito desportivo.

2. Para além das atenuantes previstas no número anterior, é ainda considerada como circunstância especialmente atenuante o cumprimento de uma pena de suspensão que posteriormente venha a ser reduzida em mais de um terço ou revogada por decisão final na ordem jurídica desportiva caso a suspensão já tenha sido integral ou parcialmente cumprida. 3. Além destas, poderão excecionalmente ser consideradas outras atenuantes, quando a sua relevância o justifique».

72. Por último, há ainda a registar a possibilidade de atenuação especial da sanção, prevista no artigo 60.º: a sanção concretamente aplicada, depois de determinada ao abrigo do disposto nos artigos anteriores, poderá ainda ser especialmente atenuada quando existam circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores à infração que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente.

§2. O caso concreto

73. Ora, apurados os factos valorados como atentatórios da ordem jurídica desportiva e enquadrados nos respetivos tipos de infração, resta apreciar e decidir as sanções a aplicar. 74. Sendo que, prevenção e culpa são os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da sanção, espelhando o primeiro a necessidade comunitária do sancionamento do caso concreto [nas palavras de FIGUEIREDO DIAS a «necessidade da tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada»28] e constituindo o

segundo dos enunciados critérios, especificamente dirigido ao agente da infração, o limite às exigências de prevenção e, portanto, o limite máximo da sanção.

75. Mister é, neste particular, notar que é a ideia de prevenção geral (positiva), enquanto finalidade primordial visada pela sanção, que dá sustento ao cumprimento do princípio da necessidade da pena consagrado, em termos gerais, no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. São, nomeadamente, as exigências de prevenção geral que definem a chamada “moldura da prevenção”, em que o quantum máximo da sanção corresponderá à

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