Petterson Molina Vale1 Daniel Caixeta Andrade2
Comer carne e salvar a Amazônia? A produtividade da pecuária em Rondônia e sua relação com o desmatamento3
Introdução
Neste artigo abordaremos o tema da produtividade da pecuária na Amazônia e a sua relação com o desmatamento. Em particular, reali- zaremos duas análises empíricas sobre a pecuária de corte no Estado de Rondônia: uma de escala microeconômica, em que detalharemos o rápido processo de intensificação4 que está se verificando em uma coorte das propriedades do estado; e outra mais ampla, no sentido de
The London School of Economics and Political Science, Departamento de International Development. E-mail: p.m.vale@lse.ac.uk.
1 The London School of Economics and Political Science, Departamento de Interna-
tional Development. E-mail: p.m.vale@lse.ac.uk.
2 Professor Adjunto do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlân-
dia. E-mail: caixetaandrade@ie.ufu.br.
3 Este trabalho é resultado de pesquisa financiada pelo Banco Nacional de De-
senvolvimento Econômico e Social (BNDES) em parceria com a Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (ANPEC), no âmbito do Programa de Fomento à Pesquisa em Desenvolvimento Econômico (PDE/BNDES/ANPEC). O autor principal também recebeu financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes- soal de Nível Superior (CAPES). Os autores agradecem a todos aqueles pecuaristas e acadêmicos que gentilmente aceitaram ser entrevistados para esta pesquisa. Agrade- cem também à Agência Sanitária de Defesa Agrossilvopastoril de Rondônia (IDARON) pela especial colaboração e por ter nos disponibilizado parte do seu banco de dados.
4 Os termos “intensificação” e “aumento de produtividade” aludem ao mesmo pro-
cesso: um aumento no ganho de peso médio por hectare por ano. Interessa-nos apenas
a produtividade da terra, sendo irrelevante a maior ou menor eficiência com que o
pecuarista transforma outros insumos (capital e trabalho) em produto final.
identificar e descrever as diferentes dinâmicas produtivas que carac- terizam áreas rurais de fronteira versus áreas consolidadas.
A pecuária de corte é provavelmente a atividade que mais causa desmatamento em todo o país. Dados recentes da pesquisa Terra Class do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostraram que em torno de dois terços da área aberta na Amazônia até 2007 haviam se transformado em pastagens (INPE, 2011). E a situação não é muito diferente no resto do Brasil. É claro que, em um primeiro momento, a maior parte das terras desmatadas não é destinada à pecuária. Com fertilidade elevada devido à alta carga de nutrientes deixados pela(s) queimada(s), os colonos comumente “amansam a terra” (tornam-na física e quimicamente agricultável) com culturas agrícolas como o arroz e o milho, que são substituídas por pastagens quando a ferti- lidade deixa de ser suficiente para esse tipo de cultura sem o uso de fertilizantes. Além disso, a pecuária não é o fim da história. Depois dela vêm com frequência a soja ou outras culturas agrícolas explora- das de forma mecanizada.
Rondônia é um estado que sintetiza bem as diversas facetas da Ama- zônia. Ao mesmo tempo que possui ainda dois terços de sua área com- pletamente florestados, sedia uma das áreas de economia mais dinâmi- cas da região, com municípios mais antigos, mais desmatados e com elevado desenvolvimento humano, tanto com relação à região quanto ao Brasil. E, principalmente, é o estado onde a pecuária mais se expan- diu relativamente a outras partes da Amazônia – lugar ideal, portanto, para se estudar a intensificação dessa atividade. Além do mais, há no estado regiões caracterizadas por propriedades de tamanho médio/alto, nas quais os projetos de colonização favoreceram as empresas rurais, e regiões onde os projetos de reforma agrária deixaram uma estrutura fundiária muito mais baseada em pequenas e médias propriedades.
A primeira contribuição deste trabalho é uma análise descritiva, no nível do pecuarista, das estratégias de gestão (técnicas adotadas e resultados obtidos) e decisões de uso da terra em nove municípios rondonienses (ver mapa no Anexo 1), englobando propriedades com adoção de tecnologias5 acima da média – principalmente fazendas
5 Os termos “tecnologia” e “técnicas” serão empregados indistintamente. Um vo- cabulário mais preciso, porém, trataria técnicas como um subconjunto de tecnologias, sendo que estas últimas incluiriam também artefatos. Já um “pacote tecnológico” é uma combinação particular de técnicas e artefatos que leva a um ganho de produtividade.
Por exemplo, o pacote tecnológico “suplementação alimentar” envolve o conhecimento
sobre o quê, quando e como alimentar os animais, além de artefatos como cocheiras.
grandes, com mais de 1.000 hectares, nas quais novas tecnologias tendem a ser inicialmente testadas. Optamos por estudar apenas a pecuária de corte por ser a que ocupa a maior parte da área desma- tada. A pecuária leiteira tem crescido fortemente em Rondônia nos últimos anos (representou 31% do rebanho total em 2010, segundo dados da Agência de Defesa Sanitária Agrossilvopastoril de Rondô- nia – IDARON, e certamente será um caso relevante a ser abordado em outros estudos, principalmente por estar mais ligada à dinâmica da agricultura familiar e, portanto, ter maior impacto sobre a redução da pobreza. No entanto, em função do foco na pecuária de corte, pas- saremos ao largo dessa análise.
Adotamos uma amostra de 12 propriedades, cujos responsáveis en- trevistamos de maneira aprofundada em abril de 2011. O questionário, que possui questões fechadas e abertas, foi validado previamente por técnicos locais da Empresa Brasileira de Tecnologia Agropecuária (EM- BRAPA) e da IDARON, além de consultores privados da área de zoo- tecnia. As conversas com os pecuaristas duraram 45 minutos em média.
Os resultados de destaque foram quatro. Em primeiro lugar, obser- vamos um processo de diversificação das fontes de renda do pecuaris- ta, que parece ser uma tendência recente, porém robusta, da pecuária mais avançada do estado, o que é compatível com os apontamentos feitos por Graziano, Del Grossi e Campanhola (2002). Trata-se, por exemplo, de importantes investimentos em piscicultura (uma forte tendência em Rondônia nos últimos anos para abastecer o mercado manauara), agricultura mecanizada (tanto para consumo próprio em sistemas de confinamento quanto para comercialização) e arren- damento de parte das próprias terras, sem abandonar a atividade.
Ligado a este último fator está o segundo resultado, que inicialmente se apresentou como um paradoxo, mas que foi resolvido à medida que entendemos a dinâmica desflorestamento/pecuária no estado. Os produtores relatam que não fazem desmatamento há mais de uma década, em média. Cabe, então, a seguinte pergunta: se eles já não desmatam, então quem desmata? A resposta simples é que são os produtores menores e menos consolidados, principalmente nos mu- nicípios que constituem as novas fronteiras agropecuárias do estado.
Se é assim, a maior parte da responsabilidade pelo desmatamento
passou a ser dos pequenos? Não exatamente. A hipótese que constru-
ímos – e que foi parcialmente corroborada pela análise descritiva – é
que o mercado de terras arrendadas se desenvolve à medida que o
setor rural se consolida, pois produtores menos preparados para o
novo momento migram para outras atividades e indivíduos capita-
lizados de outras atividades migram para a pecuária intensiva. Essa extensão do mercado de terras tem como consequência imediata o aumento da eficiência alocativa, mas também faz crescer a demanda por terra, já que indivíduos que antes não dispunham de capital sufi- ciente para adquirir terras agora podem arrendá-las. Isto, por sua vez, tem efeito ambíguo sobre o desmatamento. Se, por um lado, aquele que arrenda as suas terras pode se deslocar a outra localidade, onde a terra custa menos, para continuar praticando pecuária de baixa inten- sidade, por outro, indivíduos que antes tinham de comprar terras em áreas marginais, agora podem arrendá-las em áreas consolidadas e praticar uma pecuária mais intensiva de forma que o efeito líquido do mercado de arrendamento sobre o desmatamento pode ser reduzido.
Todavia, foge ao escopo deste trabalho a mensuração desse impacto.
Em terceiro lugar, verificamos que não há grandes segredos quando se trata de intensificação. Os produtores conhecem razoavelmente bem as diferentes combinações de quatro tipologias de tecnologias que podem adotar: manejo de pastagens, aprimoramento genético, correção de solo e alimentação animal. O aprendizado acontece prin- cipalmente por meio das redes sociais: conversas, encontros em pales- tras e seminários, visitas às propriedades vizinhas. É um aprendizado interporteiras. Já a experimentação se dá dentro das propriedades mais capitalizadas, que são aquelas com maior disposição a assumir riscos. Há, portanto, um processo de difusão tecnológica em duas etapas: intra e interporteiras.
O quarto e último resultado é a confirmação de uma hipótese que já está presente na literatura desde a obra seminal de Ester Boserup (1965). O pecuarista só intensifica quando já não pode abrir novas terras. A sequência de decisões que é persistentemente confirmada pela literatura6 – e que foi confirmada em nossa pesquisa de campo – é a seguinte: inicialmente o colono maximiza a quantidade de terras, independente do lucro esperado no curto prazo, pois avalia que a terra é um investimento seguro e com retorno garantido no longo prazo. Uma vez consolidada a propriedade de tamanho máximo possível, ele desmatará, formará a pastagem (investimento alto no início) e colocará a máxima quantidade possível de gado. Quando a fazenda estiver cheia, o pecuarista passa a ser um maximizador de lucro, inicialmente recuperando o investimento feito, para em segui- da começar a acumular. No entanto, em certo momento a capacidade
6 Ver bourne (1978) para a Transamazônica dos anos 1970, e castro , monteiro
e castro (2002) para o centro e sul do Pará no fim dos anos 1990.
de lotação das pastagens começa a cair, junto com a taxa de lucro.
Nesse ponto, o pecuarista tenderia a expandir a produção em novas terras, exceto se isso não for possível, como é o caso em Rondônia hoje, pelo menos para aqueles com custo de oportunidade médio ou alto. A única saída, então, é a intensificação. Se o indivíduo possui capital e conhecimento suficientes, ele segue esse caminho, caso con- trário arrenda ou vende as suas terras e segue para uma fronteira mais recente ou para a zona urbana.
O primeiro passo será justificarmos rapidamente o porquê de desmatamento, Rondônia e pecuária. Nesse item, mostraremos que Rondônia teve o maior avanço do país em termos de sustentabilidade na pecuária, pelo menos com relação ao desflorestamento. O detalha- mento da pesquisa de campo será feito na segunda seção, de forma descritiva, com foco nas diferentes combinações de tecnologias que vêm sendo adotadas. A terceira seção traz os resultados do trabalho, que são apresentados na forma de quatro hipóteses a serem testadas em trabalhos futuros e que, acreditamos, poderão vir a fundamentar modificações na teoria convencional sobre fronteiras agropecuárias.
A quarta seção conclui o trabalho.
Por que Rondônia, por que pecuária?
Iniciamos esta seção descrevendo a evolução do desmatamento em Rondônia e na Amazônia Legal: Rondônia e Mato Grosso apresentam tendências paralelas à da Amazônia de redução drástica do desma- tamento, ao passo que o Pará apresenta a tendência inversa. Essas trajetórias não são independentes da forma como se implementaram os projetos de colonização a partir dos anos 1970. Do mesmo modo, o processo de pecuarização da região amazônica tem raízes em dire- trizes muito explícitas do governo militar, que previa a abertura de uma janela de oportunidades representada pela crescente demanda mundial por leite e proteína animal (as ofertas destes dois produtos são conjuntamente determinadas, de forma que maior demanda por um implica maior oferta de outro). Um movimento que, ao contrário do que se poderia crer, está levando à rápida modernização de uma região que até meio século atrás não tinha grandes perspectivas de desenvol- vimento. Observa-se, por exemplo, uma tendência à diversificação das fontes de renda dos pecuaristas que vai de encontro às implicações de teorias, como a da “fronteira vazia”, mas que se encaixa na teoria da modernização agrícola apresentada por José Graziano (1996).
Argumentamos que esse novo dinamismo do setor rural é captu-
rado pela evolução da lotação média da pecuária em Rondônia, que
chegava a 1,67 cabeça por hectare em 2007, diante de 1,53 na Amazô- nia Legal7. Apenas 11 anos antes esses valores eram mais do que 50%
inferiores8. Além do mais, o crescimento do rebanho bovino no estado tem sido mais acentuado do que em qualquer outro estado da Amazô- nia, indicando que Rondônia lidera a dinâmica de pecuarização. Este fato, associado à excepcional redução do desmatamento, sugere que o estado possui hoje uma pecuária bem mais sustentável, em termos do trade-off produção/preservação, do que há alguns anos. Se isso for ver- dade e se parte do setor rural estiver de fato entrando em uma nova dinâmica, poderemos capturar essas tendências nas bases de dados de que dispomos. É o que fazemos a seguir.
Os dados acima ajudam a compreender a magnitude do avanço que se obteve, mas não esclarecem quais foram as contribuições rela- tivas de cada estado. É possível que alguns estados tenham passado a desmatar mais relativamente ao total da região do que outros. De fato, como se observa no Gráfico 1, as contribuições relativas dos principais estados ficaram bastante estáveis entre 1996 e 2004, com Mato Grosso quase sempre na dianteira e pouco acima do Pará, mas sofreram al- terações importantes a partir de 2005: o estado do Pará aumentou a sua participação no desmatamento da região em 68,6%, ao passo que Mato Grosso a reduziu em 70,7%. A tendência de Rondônia, como já dissemos, vai na mesma direção que a de Mato Grosso.
A expansão da pecuária para a Amazônia foi um projeto consciente do governo militar9. O objetivo foi claramente cumprido: a Amazônia Legal tem hoje quase 40% do rebanho nacional, diante de apenas 8%
em 1977. Além do mais, dentro desse impressionante crescimento, o Estado de Rondônia se destaca como o único a ter ganhado partici-
7 INPE (2011) e Pesquisa Pecuária Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
8 Os dados de rebanho da Pesquisa Pecuária Municipal do IBGE são confiáveis, pois se aproximam dos dados da IDARON. Já os dados de área de pastagem dos Censos Agropecuários não são confiáveis. Inclusive, ao contrário do que se poderia pensar, que fossem subdeclarados, o INPE mostrou que é o oposto. A área total de pastagens em Rondônia em 2007, medida de forma precisa pela pesquisa Terra Class, era de apro- ximadamente 6,6 milhões de hectares, dependendo de que percentual das áreas não observadas e daquilo que eles chamaram de “mosaicos de ocupações” são pastagens.
Já segundo o IBGE, essa área teria sido de 8,3 milhões em 2006. Portanto, a estimativa de lotação média da pecuária em 1995 baseada em dados do IBGE, de 0,44 cabeça por hectare para Rondônia e 0,92 para a Amazônia Legal, deve estar subestimada.
9 Ver bourne (1978), soares (1967) e neto (1970).
pação quase invariavelmente nos últimos trinta anos, tendo saído de menos de 1% do rebanho da Amazônia Legal em 1977 e chegando hoje a mais de 15%. Apenas Amapá e Amazonas também tiveram ganhos relativamente à região, mas bem menores do que Rondônia e de escala insignificante, o que confirma a posição diferenciada de Rondônia como estado pecuarista.
Gráfico 1. Distribuição por estado do desmatamento da Amazônia Legal, 1988-2010.
Fonte: INPE.
A transição da lavoura de subsistência com geração de baixo ex- cedente para a pecuária é nítida nos municípios de colonização mais antiga. Gasques et al. (2010) mostram que em 1995 a pecuária represen- tava 27,2 % do valor total bruto da produção de Rondônia, passan do em 2006 a 48,3%, ao passo que o café recuou de 16,2% para 11,9%. Dados de painel sintetizados por diferentes estudos, para distintos períodos e diferentes grupos de municípios, apontam a tendência de crescimento da área dedicada às pastagens (Tabela 1). Há, portanto, um processo claro de colonização “pelas patas do boi”, tanto nos objetivos iniciais do governo militar quanto na dinâmica observada em anos recentes.
Observa-se na agropecuária rondoniense contemporânea um pro- cesso de diversificação e de inserção em cadeias produtivas agroin- dustriais. O foco deste estudo é a pecuária de corte, mas poder-se-ia falar da pecuária leiteira, da piscicultura, do café, e do ecoturismo.
Dinâmica que foi definida por Graziano, Del Grossi e Campanhola
(2002) como parte de um “novo rural”, caracterizado tanto pela am-
pliação das potenciais fontes de renda dos residentes de áreas rurais
(incluindo atividades não agrícolas) quanto por um setor agropecuá-
rio com elos cada vez mais sólidos com a indústria. Tem-se, portanto,
que a dinâmica da indústria passa a ser determinante para a dinâmica
da pecuária, coisa que, em Rondônia, se reflete na demanda genera- lizada pela criação de uma indústria local de processamento de cal- cário, o que tornaria viável a correção de solos para uma parcela bem maior dos pecuaristas do estado.
Tabela 1. Variação da lotação média da pecuária de acordo com dados em painel no Estado de Rondônia
Estudo Amostra / Período Resultado
Caviglia-Harris (2005) Ouro Preto do Oeste, Nova União, Mirante da Serra, Teixeiró- polis e Urupá, 1996 - 2000
Área de pastagem diminuiu de 43,5 ha para 39,8 ha (-8,4%). Produtividade aumentou de 1,59 para 2,49 cabeça por hectare (+56,6%)
Browder et al. (2008) Nova União, Alto Paraíso e Rolim
de Moura, 1992 - 2002 Área de pastagem aumentou de 19,1 ha para 47,6 ha (+149%). Produtividade aumentou de 1,21 para 1,85 cabeça por hectare (+52,9%)
Mangabeira (2010) Agricultura familiar, Machadinho
do Oeste, 1996 - 2008 Área de pastagem aumentou de 21,6 ha para 24,7 (+14,3%). Produtividade aumentou de 0,89 para 3,72 cabeça por hectare (+318%)
A análise dos dados permite que se ensaie, com bastante seguran- ça, a conclusão de que a pecuária em Rondônia deu um salto de sus- tentabilidade maior do que em qualquer outro estado da Amazônia:
elevadíssimo ganho de participação no rebanho regional (que, por sua vez, ganhou participação nacionalmente), somado a uma perda acen- tuada de participação no desmatamento regional. Essas informações são sintetizadas no Gráfico 2, em que fica nítido o ganho de eficiência do estado no trade-off preservação/pecuária.
Gráfico 2. Índices de desmatamento, rebanho bovino e peso total das carcaças no abate (ano-base: 1998), 1998 - 2009.
Fonte: INPE; Pesquisa Pecuária Municipal e Pesquisa Trimestral do Abate de
Animais, IBGE.
A evolução do peso total de carcaças, quando confrontada com a evolução do rebanho, atesta que houve também um salto de produti- vidade, pois enquanto o rebanho cresceu pouco mais de duas vezes, o peso total de carcaças cresceu mais que sete vezes (considere-se que o abate de animais com origem em outros estados é mínimo, pois fortemente fiscalizado pela IDARON). De fato, segundo cálculos de Gasques et al. (2010), o produto da agropecuária de Rondônia cres- ceu 113% entre 1995 e 2006, ao passo que o uso de insumos cresceu apenas 30%, enquanto a produtividade total dos fatores aumentou 65% (diante de 25% no Brasil e 51% em Mato Grosso). Essas obser- vações são confirmadas pelos estudos apresentados na Tabela 1, que apontam para aumentos expressivos na lotação média da pecuária.
Em se tratando de um dos aspectos do debate sobre a relação entre atividade pecuária e perda de cobertura vegetal nativa na região ama- zônica, está se construindo no Brasil um consenso em torno da ideia de que a intensificação da pecuária é a solução possível e necessária para o problema do desmatamento. Seria uma estratégia ganha-ga- nha, na medida em que permitiria o aumento da produção em con- sórcio com a redução do desmatamento. Organizações tão distintas quanto a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e as mais diversas orga- nizações não governamentais (ONGs) de meio ambiente, bem como o governo federal por meio de seu Programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC) e o governo estadual de Rondônia com seu projeto de recuperação de pastagens no Município de Rio Crespo, todos se posi- cionam dessa forma. Mas será a intensificação da pecuária realmente uma panaceia?10 As duas seções que se seguem estão desenhadas para iluminar esta questão.
A dinâmica tecnológica na escala do produtor: novas hipóteses sobre a pecuarização na Amazônia
Nesta seção analisamos um conjunto de 12 entrevistas que realiza- mos com pecuaristas no mês de abril de 2011 em nove municípios de Rondônia. Os dados coletados descrevem as estratégias que os pro- dutores tecnicamente mais avançados adotam para a intensificação:
as principais tecnologias, o grau de adoção, o histórico de desmata- mento por propriedade e o grau de titulação. O objetivo é fornecer um retrato do processo de intensificação que permita entender as de- cisões que levam o pecuarista a intensificar, bem como as potenciais consequências de tal processo.
10 Ver cohn et al. (2011) para uma excelente qualificação desse debate.
A população para a qual fazemos inferências são produtores que efetivamente transitaram de uma pecuária tradicional, em que a capa- cidade de lotação é determinada pela fertilidade natural do solo, para um sistema produtivo intensivo, no qual o pecuarista toma medidas para que a oferta de nutrientes seja suficiente para manter constante uma dada lotação, que é fixada de acordo com o custo dos insumos e o preço esperado da arroba do boi. A amostragem, portanto, foi direcio- nada a um grupo específico de produtores, que está geograficamente localizado nas regiões de colonização mais antiga do estado (ver mapa no Anexo 1), já que em áreas de fronteira a elevada fertilidade natural do solo estimula a pecuária a permanecer no sistema não intensivo11.
Amostra utilizada
As 12 propriedades que entrevistamos fazem parte da elite da pe- cuária de corte de Rondônia. O rebanho bovino mediano é de 1.600 cabeças, 10,9% das quais são de gado voltado à produção leiteira. O número mediano de sazonais no período de um ano é de 4,5, e o de funcionários fixos é de 3, com taxa média de formalização de 78%.
Trata-se de uma atividade altamente poupadora de mão de obra, o que constitui, justamente, um dos principais atrativos da pecuária.
Por outro lado, a pecuária tem papel fundamental na cadeia da carne, que gera emprego em zonas urbanas do Estado de Rondônia, princi- palmente em frigoríficos (retornaremos a este tema mais tarde).
O grupo possui maior índice de capitalização do que a média (45%
afirmaram possuir elevada disponibilidade de capital próprio para investimento frente aos demais pecuaristas da região), propriedades relativamente consolidadas no tempo (média de 17 anos desde a aqui- sição do primeiro lote) e escala de operação acima da média: oito se encaixam na categoria grande pecuária (mediana de 2.300 ha, varian- do de 1.150 a 21.000 ha), duas na categoria média pecuária (ambas com 500 ha) e duas na categoria pequena produção (ambas com 150 ha), das quais uma familiar. Com relação aos proprietários, possuem muito mais disponibilidade de conhecimento (83% utilizam assistên- cia técnica de algum tipo e a média de anos de educação formal é
11 Os resultados aqui descritos fazem parte de uma pesquisa maior em andamento,
cujo objetivo é compreender as interfaces existentes entre o processo de intensificação
da pecuária e o desmatamento da Floresta Amazônica. Nesta parte inicial, tínhamos
o objetivo de identificar os determinantes da intensificação em propriedades que já
passaram por tal processo, o que justifica o direcionamento da amostra para este tipo
específico de produtores.
de 12, o que correspondia a 4% da população rural economicamente ativa em 2009, segundo a PNAD), residem majoritariamente em áreas urbanas (90,9%) e são originários de áreas rurais (91,6%), em primeiro lugar do Paraná e em segundo do Rio Grande do Sul.
As propriedades amostradas possuem uma lotação média de 4,01 cabeças por hectare12, o que se compara com 2,61 para o estado como um todo – 1,94 para propriedades com mais de 500 hectares e 1,78 para propriedades com mais de 1.000 hectares, segundo dados da IDARON. Fica claro, portanto, que a amostra atinge o topo da escala de intensidade no Estado de Rondônia.
Com relação ao uso da terra, as pastagens ocupam 50% da área total das 12 propriedades entrevistadas. Esse valor é bem parecido à participação do total das pastagens no total das propriedades decla- radas à IDARON: 47,75%. O mais provável, no entanto, é que ambos os dados estejam subdeclarados. Utilizando cálculos precisos do Terra Class (INPE) e estimativas do Censo Agropecuário do IBGE, chega-se a uma estimativa de 78,58% das propriedades privadas rurais agrope- cuárias (excluindo-se, portanto, áreas urbanas e mineração) ocupadas por pastagens. Ademais, os proprietários declaram possuir um terço de suas propriedades florestadas, sendo 1,4% com silvicultura13.
Os três pacotes tecnológicos
A elite da pecuária de corte de Rondônia está completando a fase inicial de modernização tecnológica e transitando para uma etapa bem mais intensiva de inserção na cadeia agroindustrial da carne (Figura 1). A análise dos dados coletados mostra que há três grupos de tecno- logias que se distinguem por conteúdo tecnológico e grau de adoção:
um pacote básico da modernização agropecuária, que é largamente adotado e engloba produtos tradicionais da agroindústria, como tra- tores, herbicidas e rações industrializadas; um pacote intermediário que contém produtos e serviços de maior conteúdo tecnológico, como inseminação artificial, adubos de diversos tipos e controle biológico
12 Para se obter uma média mais representativa, pode-se ponderá-la por rebanho ou
por área de pastagem. Esta última, no entanto, pode ser subdeclarada pelos produto- res, devido à legislação ambiental, o que faz com que rebanho seja o melhor fator de ponderação.
13 Esses valores são praticamente iguais aos que foram declarados por produtores
rurais de Rondônia no Censo Agropecuário de 2006, mas, como explicado acima, supõe-
-se que estejam sobredeclarados. As espécies utilizadas na silvicultura são: castanheira,
eucalipto, teca, ingazinho, ipê, nim, tamarindo, sumaúma, mogno, aroeira e cerejeira.
de pragas, e que é crescentemente adotado; e um conjunto de tecnolo- gias que são conhecidas dos produtores, mas pouco utilizadas: técni- cas mais complexas de fertilização animal, irrigação, descompactação de solo, entre outras.
Figura 1. Pacotes tecnológicos em propriedades de pecuária de corte de maior produtividade, Rondônia
A medida do grau de utilização variou com o tipo de tecnologia.
Assim, a adoção de itens diretamente relacionados aos animais foi estimada relativamente ao rebanho, ao passo que itens relacionados à pastagem tiveram a área de pastagem como denominador. A partir disso, três grupos se tornaram nítidos: itens altamente disseminados, cuja utilização varia entre 100% e 54%; itens com grau de adoção médio ou baixo, entre 23% e 9%; e itens com adoção inferior a 1,6%.
Como mostra a Tabela 2, a dispersão dentro de cada grupo é relativa- mente uniforme, indicando que a categorização é robusta.
Os resultados da Tabela 2 podem ser interpretados como a sequ-
ência cronológica de adoção de tecnologias na propriedade média da
pecuária de corte de maior produtividade de Rondônia. Assim, a pri-
meira medida é a oferta de sal proteinado em cocheira, algo que é dis-
seminado mesmo na pecuária tradicional. Em um segundo momento,
quando o pecuarista já está melhor capitalizado, vêm a aquisição de diferentes tipos de maquinário, a limpeza dos pastos, que começam a sofrer a invasão de ervas daninhas, o melhoramento genético do reba- nho, o controle das infestações de moscas e o redimensionamento de piquetes. Na sequência, ao ter novamente disponibilidade de capital para investimento, o pecuarista contrata mão de obra para uma gestão mais eficiente do sistema rotacionado, com estratégia de diferimento, e começa a destocar as pastagens, o que tem as vantagens de melhorar o trânsito dos animais, permitir a mecanização e gerar receita pela venda do madeiramento.
Dada a ausência de medidas de administração da fertilidade do solo, o que se pratica nesse primeiro momento ainda é uma pecuá- ria tradicional com sistema rotacionado, como na Figura 1. Isso pode acontecer, inclusive, na presença de fertilidade declinante, pois nessa fase inicial de degradação ainda é possível manter a lotação constante simplesmente pela melhoria dos métodos de manejo.
Tabela 2. Grau de adoção das tecnologias utilizadas na pecuária de corte de maior produtividade, Rondônia
Pacote básico: tecnologias mais adotadas
Item Grau de adoção
Sal proteinado em cocheira 100% do rebanho Aquisição de maquinário 77,8% das propriedades Limpeza de pastagens via roçada 75,4% da área de pastagem Monta por touro de qualidade 75,25% do rebanho Limpeza de pastagens via herbicidas 68% da área de pastagem Redimensionamento de piquetes 63,3% das propriedades Gado com brinco mosquicida 54,55% do rebanho Destocamento de pastagens 44,45% da área de pastagem Diferimento de pastagens 44,36% da área de pastagem
Pacote intermediário: tecnologias que começam a ser adotadas
Item Grau de adoção
Adubação do solo 23,1% da área de pastagem
Calagem do solo 18,9% da área de pastagem
Integração lavoura-pecuária 18,2% das propriedades Confinamento: rações vegetais fora do pasto 17,33% do rebanho Diversificação de gramíneas 16,9% da área de pastagem
Cerca elétrica 12,8% do total de cercas
Inseminação artificia l12,75% do rebanho
Rações vegetais em cocheiras 10% do rebanho Consórcio gramínea x leguminosa 9,7% da área de pastagem Fungo Metarizhium para controle de cigarrinha 9,1% da área de pastagem
Pacote de tecnologias pouquíssimo adotadas
Item Grau de adoção
Descompactação do solo 1,6% da área de pastagem
Fertilização in vitro 0,71% do rebanho
Inseminação por tempo fixo 0,64% do rebanho
Transferência de embrião 0,43% do rebanho
Irrigação 0%
Alimentação com resíduo agrícola 0%