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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL Renato Brasileiro Aula 13 ROTEIRO DE AULA

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL Renato Brasileiro

Aula 13

ROTEIRO DE AULA

LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

(Lei n. 12.850/13, com redação dada pela Lei n. 13.964/19)

A lei anterior sobre o tema é a revogada Lei n. 9.034/95. A lei de organizações criminosas sofreu diversas modificações pelo Pacote Anticrime (vigência em 23/01/2020) e será trabalhada em duas aulas.

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS.

É difícil precisar quando surgiu o crime organizado e as organizações criminosas, mas uma coisa é certa:

podemos dizer que as organizações criminosas surgem quando se verifica a ausência do Estado, através de suas instituições. Só para citar um exemplo, poderíamos trabalhar com a ideia de comunidades no Rio de Janeiro e em tantas outras cidades brasileiras que, há alguns anos, eram dominadas pelo tráfico de drogas.

Hoje, vemos cada vez mais o crescimento das milícias que vão cobrar taxa de proteção, de fornecimento de serviços como internet, TV a cabo, gás, energia, dentre outros e dominando aquela comunidade, isso porque ali o Estado não se faz presente e essas organizações criminosas, com o passar do tempo, vão consolidando uma situação de violência contínua.

O grau de lesividade das infrações penais praticadas é absolutamente assustador e isso compromete não apenas a sociedade, mas também o Estado Democrático de Direito. Sabemos que as organizações criminosas não têm sua influência restrita apenas a uma determinada comunidade, bairro ou cidade. Sabemos que, em

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alguns casos, as organizações criminosas acabam se infiltrando no próprio governo, em uma prefeitura, na União, etc. É verdade que as organizações criminosas se tornaram mais famosas quando lembramos da máfia italiana. No Brasil, a primeira organização criminosa brasileira teria sido liderada por Lampião, no Cangaço. As primeiras mais conhecidas seriam o Comando Vermelho (CV) e do Primeiro Comando da Capital (PCC);

- Produto de um Estado ausente, a criminalidade organizada é um dos maiores problemas no mundo globalizado de hoje;

- Não é tarefa fácil precisar a origem das organizações criminosas. Certo, porém, é dizer que a mais famosa de todas é a Máfia Italiana (v.g., Cosa Nostra; Camorra);

- No Brasil, a manifestação mais remota do crime organizado tradicionalmente apontada pela doutrina diz respeito à atuação do cangaço, bando então liderado por Virgulino Ferreira da Silva (“Lampião”). Mais recentemente, a criminalidade organizada estruturou-se nos presídios do Rio de Janeiro e de São Paulo, com a formação do Comando Vermelho (CV), no final da década de 1980 e do Primeiro Comando da Capital (PCC), na década de 1990, com origem dentro dos presídios;

2. DEFINIÇÃO LEGAL DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO ORDENAMENTO PÁTRIO.

Esse tema poderia até ser uma dissertação de prova, começando com a Lei n. 9.034/95, depois com a Lei n.

9.613/98 (lei de lavagem de capitais), com a convenção de Palermo, com a Lei n. 12.694/12 e sobre a Lei n.

12.850/13. Existe ou não definição de organizações criminosas no Brasil? Quando é que essa definição surgiu?

Revogada Lei n. 9.034/95 – Antiga Lei das Organizações Criminosas

Art. 1º Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.

Se esta era a antiga lei das organizações criminosas, qual era a expectativa natural quando fôssemos estudar essa lei? Seria que essa lei trouxesse um conceito legal de organizações criminosas. As associações criminosas mencionadas por essa lei são aquelas mencionadas, por exemplo, na lei do genocídio, na lei de tráfico de drogas, na lei de segurança nacional.

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A lei trata das organizações criminosas, mas não havia conceito legal expressamente na Lei n. 9.034/95. Neste ponto, essa seria um exemplo de uma lei oca porque seria uma lei vazia. Apesar de ela dizer que regulava meios de prova de organizações criminosas, como ela não definia organizações criminosas, nesse ponto a lei não seria passível de aplicação.

Obs. 1: Lei oca;

Redação original da Lei n. 9.613/98

Art. 1º. Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:

(...)

VII – praticado por organização criminosa;

Sabemos que essa redação original exibida depois foi alterada pela Lei n. 12.683/12, que já foi objeto de nossa análise. No entanto, na redação original da lei de lavagem de capitais, tínhamos um rol taxativo de crimes antecedentes. Hoje, com a Lei n. 12.683/12, qualquer infração penal pode ser antecedente da lavagem. Dentro desse rol taxativo, tínhamos o delito praticado por organização criminosa.

Foi então que, à época, surgiu acalorada discussão sobre a existência desse conceito. O Brasil incorporou ao seu ordenamento jurídico a famosa Convenção de Palermo, que é uma convenção internacional sobre crime organizado e essa Convenção, promulgada pelo Decreto Presidencial n. 5.015/2004, que trazia uma definição do que era organização criminosa. Vejamos:

Convenção de Palermo

Promulgada pelo Decreto Presidencial n. 5.015/2004

Art. 2º Para os efeitos da presente Convenção, entende-se por:

a) “Grupo criminoso organizado”: grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;

Bem ou mal, a Convenção de Palermo trazia uma definição legal do que era grupo criminoso organizado. À época, surgiu a discussão se este conceito poderia ser aproveitado para fins de lavagem de capitais.

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- A definição da Convenção de Palermo poderia ser aplicada nessa hipótese, para fins de tipificação do crime de lavagem de capitais?

1ª corrente: Sim. O antigo art. 1º, VII, da Lei 9.613/1998 era uma norma penal em branco, que apenas se completava com o conceito de crime organizado da Convenção de Palermo. O crime estatuído naquele dispositivo era o de lavagem de capitais, e não o de organização criminosa.

Assim aconteceu. Várias pessoas foram denunciadas por lavagem de capitais com o crime antecedente do inciso VII. Sem dúvida alguma, o caso mais famoso foi de um casal de pastores que estava sendo acusado de ludibriar os fiéis para obter vantagem ilícita.

Era um crime de estelionato, só que estelionato não era crime antecedente de lavagem. Comprovou-se que esses fiéis eram ludibriados, entregavam dinheiro a esse casal e eles usavam a estrutura da igreja para lavar dinheiro e eles foram acusados de lavagem de capitais com a infração antecedente do inciso VII. Isso foi parar no STJ que, à época, concordou com essa orientação, entendendo que não havia nenhum problema em aproveitarmos o conceito de organizações criminosas constante da Convenção de Palermo.

STJ: “(...) Hipótese em que a denúncia descreve a existência de organização criminosa que se valia da estrutura de entidade religiosa e empresas vinculadas, para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante variadas fraudes, mormente estelionatos, desviando os numerários oferecidos para determinadas finalidades ligadas à Igreja em proveito próprio e de terceiros, além de pretensamente lucrar na condução das diversas empresas citadas, algumas por meio de testas-de-ferro, desvirtuando suas atividades eminentemente assistenciais, aplicando seguidos golpes. (...)

(...) Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1º da Lei n. 9.613/98, que não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração do crime de lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1º da Lei n. 9.034/95, com a redação dada pela Lei n.º 10.217/2001, c.c. o Decreto Legislativo n.º 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004. Precedente”. (STJ, 5ª Turma, HC 77.771/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 30/05/2008, Dje 22/09/2008).

Não durou muito tempo esse entendimento porque, passados alguns anos, o tema chegou no STF e o STF entendeu que o conceito de organizações criminosas citado no inciso VII e constante da Convenção de Palermo

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jamais poderia ser extraído para fins de tipificação do crime de lavagem de capitais porque, independentemente da relevância de convenções internacionais, a elas não é permitido definir crimes e penas. À luz do princípio da legalidade, cabe ao Congresso Nacional exclusivamente definir crimes e penas, que deve fazê-lo por lei ordinária, uma lei que seja escrita e certa.

2ª corrente: Não. Dois fundamentos:

a) princípio da reserva legal: lex certa (taxatividade) e lex stricta (lei em sentido formal);

b) o conceito vale nas relações de direito internacional, não para o Direito Penal interno.

STF: “(...) TIPO PENAL – NORMATIZAÇÃO. A existência de tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI Nº 9.613/98 – CRIME ANTECEDENTE. A teor do disposto na Lei nº 9.613/98, há a necessidade de o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo. LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUADRILHA. O crime de quadrilha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria”. (STF, 1ª Turma, HC 96.007/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 12/06/2012, Dje 27 07/02/2013).

É óbvio que esse julgado é antigo, mas procure pensar nele à época da decisão. Em 2012, esse julgado repercutiu como uma verdadeira bomba nuclear. No ano de 2012, é dada uma decisão pelo STF em que o STF diz que até hoje, estamos sem definição na legislação pátria. O STF, através de sua 1ª Turma, estava dizendo no ano de 2012 que não havia definição legal de organizações criminosas no Brasil. Quando o Congresso Nacional toma conhecimento desta decisão de junho de 2012, resolve elaborar tal lei.

Lei n. 12.694/12 (vigência em 23/10/2012)

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

Essa é a conhecida lei do juízo colegiado. Vamos falar melhor sobre esta lei na próxima aula. Surge essa lei do juízo colegiado porque, à época, vários juízes começaram a ser assassinados em razão do exercício da função.

Não podemos mais deixar uma organização criminosa ser julgada por uma única pessoa porque é complicado para o magistrado, surgindo a lei do juízo colegiado, em que passa a ser julgado por 3 juízes.

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Então, havia a necessidade de que a lei trouxesse uma definição legal do que era organização criminosa e foi o que a lei fez em seu art. 2º. Bem ou mal, finalmente temos uma definição legal de organizações criminosas.

A partir desse momento, a revogada Lei n. 9.034/98 deixou se ser uma lei oca e passou a ser uma lei com conteúdo porque, a partir de então, os procedimentos investigatórios nela previstos relacionados a organizações criminosas poderiam passar a ser utilizados.

À época, organização criminosa ainda não era crime, ou seja, apesar de a lei do juízo colegiado ter definido o que era organização criminosa, essa lei não tipificou o que seria o crime de organização criminosa. Havia uma definição legal, mas não era um tipo penal incriminador porque sequer há cominação de pena no art. 2º. Era apenas uma forma de cometer crimes, sujeitando o indivíduo a certos gravames, como o regime disciplinar diferenciado, juízo colegiado, etc.

Lei n. 12.694/12:

a) definiu o conceito de organização criminosa?

Sim.

b) Tipificou organização criminosa como crime?

Não.

c) Revogou a Lei n. 9.034/95?

Não.

Cerca de 1 ano depois, surge a nova lei das organizações criminosas, a Lei n. 12.850/13, com vigência no dia 19 de setembro de 2013. Essa lei revogou a Lei n. 9.034/98 expressamente, no art. 26. O problema é o §1º porque ele traz um conceito de organização criminosa um pouco diferente daquele previsto na lei anterior, na lei do juízo colegiado.

LEI N. 12.694/12 LEI N. 12.850/13 – Passou a ser crime - 3 ou mais pessoas

- Crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 anos ou de caráter transnacional

- 4 ou mais pessoas

- Infrações penais (crime e contravenção penal) cujas penas máximas superiores a 4 anos ou de caráter transnacional

Lei n. 12.850/13 (vigência em 19/09/2013)

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Art. 1º. (...)

§1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Além dessas diferenças, temos outra diferença importante. Na Lei n. 12.850/13, organização criminosa passou a ser crime, passou a ser um tipo penal com pena cominada, que estudaremos na sequência, no art. 2º. Com essas divergências, qual o conceito de organização criminosa que deve prevalecer? Por incrível que pareça, à época houve discussão quanto a isso. Vejamos:

Obs. 1: a Lei n. 12.850/13 definiu organização criminosa e tipificou a conduta daquele que a integra;

Obs. 2: revogou expressamente a Lei n. 9.034/95 (art. 26);

Obs. 3: houve a revogação tácita da Lei n. 12.694/12?

1ª corrente: temos dois conceitos válidos: um para a formação do colegiado; outro para a tipificação do crime de organização criminosa e utilização dos meios de obtenção de prova previstos na Lei n. 12.850/13;

2ª corrente: em prol da segurança jurídica, não se pode admitir a existência concomitante de dois conceitos legais de organização criminosa. De mais a mais, consoante disposto no art. 2º, §1º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, ‘a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior’.

Então, teria havido a revogação integral da Lei n. 12.694/12? Toda a lei do juízo colegiado foi tacitamente revogada? Não, este art. 1º, §1º produziu a revogação tácita do art. 2º, que era o artigo que definia organizações criminosas em sentido diverso. Porém, o restante da Lei n. 12.694/12 permanece em vigor. Para a formação do juízo colegiado, o conceito de organizações criminosas deveria ser extraído do art. 1º, §1º.

2.1. Crime organizado por natureza ou delito de organização criminosa.

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Teremos finalmente na Lei n. 12.850/13, no art. 2º, o crime de organização criminosa. Agora o cidadão pode ser processado criminalmente por organização criminosa e este crime tradicionalmente é chamado pela doutrina de crime organizado por natureza.

Lei n. 12.850/13

Art. 2. Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

Perceba que o art. 2º não vai definir o que é organização criminosa até mesmo porque a própria Lei n.

12.850/13 fez isso anteriormente no art. 1º, §1º como vimos. Aqui, temos uma espécie de norma penal em branco porque é uma norma penal cujo preceito primário demanda complementação.

Para a compreensão de organização criminosa, teremos que nos socorrer daquele conceito do art. 1º, §1º. É uma norma penal em branco homogênea homovitelina/homóloga porque o seu complemento provém de uma lei com mesmo status e, neste caso, o complemento provém de uma norma do mesmo ramo do Direito.

Lei n. 12.850/13 (vigência em 19/09/2013) Art. 1º. (...)

§1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Obs. 1: distinção entre o crime organizado por natureza e o crime organizado por extensão;

O crime organizado por natureza é a formação, é a constituição, é integrar uma organização criminosa e o crime organizado por extensão são as infrações penais perpetradas por esse grupo. Cinco pessoas resolvem formar uma organização criminosa com o intuito de vender drogas, de assaltar caminhões dos correios transportando mercadorias de alto valor.

O crime organizado por natureza é o crime do art. 2º. O crime organizado por extensão são as infrações penais que serão perpetradas por esses grupos. Lembre-se que, à luz do art. 1º, §1º, esse crime organizado por

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extensão tem que ser uma infração penal com pena máxima superior a 4 anos, então deve ser um roubo circunstanciado, um furto qualificado ou de caráter transnacional (crime cuja execução vai além do território nacional, começando no Brasil e terminando ou devendo terminar no exterior ou vice-versa).

No exemplo dado, lembre-se que quando “a casa cair”, eles responderão por todos os crimes em concurso material. Na hora de se oferecer a denúncia, vai se oferecer denúncia contra todos eles pelo crime do art. 2º sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas, ou seja, vai se denunciar pelo crime do art. 2º da Lei n. 12.850/13 em concurso material com as diversas infrações perpetradas – pelos roubos circunstanciados, pelo tráfico internacional de drogas, pelos crimes de lavagens de capitais, etc.

Dentre esses “quatro ou mais pessoas”, pode haver menor de idade? Pode haver pessoas não identificadas, sendo identificado apenas um? Dentre as quatro, podemos considerar um agente infiltrado? A doutrina entende, até traçando um paralelo com outros crimes de associação como o art.

288 do CP, como o art. 35 da Lei de Drogas, que dentre esses quatro, pode haver inimputável, pode haver uma pessoa não identificada cuja existência seja certa.

O agente infiltrado não pode ser levado em consideração, por uma razão muito simples: para a infiltração desse agente, temos como pressuposto a existência prévia da organização criminosa, então, como se precisa de quatro para autorizar a infiltração, como pode considerar o agente? Não podemos.

Quando a lei diz “associação”, automaticamente devemos subentender que essa associação terá natureza estável, permanente. Lembre-se que sempre que falamos em crime de associação, dois requisitos são importantes: estabilidade e permanência, porque é exatamente isso que vai diferenciar a organização criminosa de um concurso de agentes, do art. 29 do CP.

O concurso de agentes é uma associação efêmera, instável e passageira para a prática de um ou mais crimes.

É muito comum que, toda vez em que se tem quatro pessoas, automaticamente o indivíduo é denunciado por organização criminosa, mas não podemos ter esse raciocínio automático, devemos demonstrar que eles já estavam há certo tempo associados de maneira estável e permanente, ainda que nenhum delito tenha sido perpetrado ainda por esse grupo.

Os crimes de associação, como o crime do art. 2º, são crimes formais, de consumação antecipada. Ele vai se consumar no exato momento em que o sujeito passe a integrar essa organização criminosa, pouco importando que ele venha ou não a cometer delitos futuros. Geralmente, vai haver uma divisão de tarefas. Precisamos de

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um contrato social estabelecendo o que cada um faz para fins de determinação da organização criminosa?

Não, porque a lei fala em “ainda que informalmente”.

Dentro das organizações criminosas, vigora uma lei de silêncio. Não se documenta em um estatuto qual a divisão de tarefas da organização criminosa, mas ela existe. Em um caso de tráfico de drogas, na entrada da localidade, vai ter aquele “fogueteiro”, que avisa que a polícia está no local, vai ter os seguranças do tráfico, os vendedores, o sujeito que mexe com o dinheiro e o sujeito que lava o dinheiro.

Vantagem de qualquer natureza = sabemos que geralmente se associa com outros indivíduos para praticar delitos que tragam algum tipo de vantagem econômica ou material. Quando líamos o conceito da Convenção de Palermo, ela falava em “benefício econômico ou outro benefício material”.

Nesse ponto, percebam que a lei brasileira foi muito melhor do que a Convenção de Palerma porque ela não restringe a definição de organização criminosa à obtenção de vantagem patrimonial, pode ser de qualquer natureza, que abrange uma vantagem patrimonial, sexual, moral, e assim por diante.

Perceba que a infração penal tem que ter pena máxima superior a 4 anos ou de caráter transnacional. Quando a infração for de caráter transnacional, lembre-se que, nesse caso, pouco importa o quantum de pena, daí o emprego da conjunção alternativa coloca no dispositivo.

Obs. 2: norma penal em branco homogênea (mesma hierarquia) homovitelina ou homóloga (mesma área do direito);

Obs. 3: crime de concurso necessário.

Para fins de tipificação do crime de organização criminosa, precisamos de pelo menos quatro pessoas. Esse é um crime de concurso necessário que se diferencia dos chamados crimes de concurso eventual, do art. 29 do CP. Vejamos:

- Número mínimo de integrantes;

- Associação para o tráfico de drogas (LD, art. 35): duas ou mais pessoas;

- Associação criminosa (CP, art. 288): três ou mais pessoas;

- Associação para fins de genocídio (Lei n. 2.889/56, art. 2º) mais de 3 pessoas;

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Obs. 4: entram no cômputo os inimputáveis e os membros não identificados, mas não é computado o agente infiltrado;

Obs. 5: é correto dizer que somente se pode cogitar de organização criminosa formada por empresários quando estes fazem do crime “seu modo de vida”, e não quando suas atividades principais sejam praticadas licitamente?

Essa discussão surgiu na época da vigência da lei e hoje está completamente ultrapassada. Para que se possa falar em organização criminosa, o indivíduo só pode atuar neste ramo? Ou ele pode desempenhar outras atividades lícitas? Na maioria dos casos, o indivíduo pode até se dedicar às atividades lícitas.

Obs. 6: exige-se um elevado grau de sofisticação ou uma estrutural empresarial (piramidal) com líderes e liderados?

Não, já vimos que basta que haja uma divisão de tarefas ainda que informalmente.

Obs. 7: não há necessidade da presença de servidor público;

Sabemos que, geralmente, algumas organizações criminosas, até contam com servidores públicos entre seus integrantes, mas isso não é uma conditio sine qua non. Prova disso é que a própria lei prevê uma causa de aumento de pena para eventual atuação de funcionário público. Desta feita, é porque evidentemente não precisamos de um funcionário público para dizer que há uma organização criminosa.

Lei n. 12.850/13 Art. 2º (...)

§4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços);

(...)

II – se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;

Obs. 8: desnecessidade de constituição formal do grupo e documentação de regras de conduta;

- A informalidade, todavia, não dispensa um nível mínimo de organização.

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Obs. 9: a vantagem normalmente será econômica, mas não necessariamente dessa natureza. Nesse ponto, o conceito constante da Lei n. 12.850 diverge daquele previsto na Convenção de Palermo;

Obs. 10: crime de obstrução de justiça;

Lei n. 12.850/13 Art. 2º (...)

§1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

(...)

Aqui, nos lembrados de vários políticos envolvidos. Seja no esquema do mensalão, seja no esquema da lava- jato, ao longo das investigações sempre tivemos casos de políticos que se viram investigados por esse delito.

Impedir significa obstar, interromper. O verbo embaraçar significa perturbar, complicar.

Exemplo: alguém está negociando uma colaboração premiada e, temendo ser prejudicado por ela, essa pessoa “paga uma mensalidade” para o sujeito ficar quietinho. O intuito é impedir, embaraçar uma investigação criminal.

Ao contrário do crime do caput do art. 2º, este crime do art. 1º é tratado pela doutrina como um crime que pode ser praticado por uma única pessoa, sendo um crime monossubjetivo que não demanda a presença de pelo menos quatro pessoas. É um crime de concurso eventual e não de concurso necessário. Quando o §1º usa o termo “investigação”, ele está se referindo a qual fase da persecução penal?

Parte da doutrina: ao se referir à investigação, o dispositivo abrange apenas a fase investigatória, não necessariamente apenas o inquérito porque sabemos que o inquérito policial não é o único instrumento investigatório de que dispomos. Pode ser qualquer fase investigatória, presidida pelo MP, presidida por um Delegado de Polícia, etc.

5ª Turma do STJ: proferiu um julgado em sentido diverso (HC 487.962) em que o STJ entendeu que a expressão, o elemento normativo “investigação” aqui citado abrange não apenas a fase investigatória, como também a fase processual porque, na visão deles, a investigação se prolonga durante toda a persecução penal.

O professor não concorda com isso.

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Obs. 11: causas de aumento de pena e agravante;

Lei n. 12.850/13 Art. 2º (...)

§2º As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo.

§3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.

No §2º, temos que a arma de fogo e seu emprego não é elementar do conceito de organização criminosa, tanto é verdade que a lei diz que se aumenta a pena se houver emprego de arma de fogo. É inimaginável nos dias de hoje termos uma organização criminosa desarmada, mas pode acontecer desde que mudemos o enfoque dos delitos. Hoje podemos imaginar uma organização criminosa voltada para a pedofilia.

Lei n. 12.850/13 Art. 2º (...)

§4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):

I – se há participação de criança ou adolescente;

II – se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;

III – se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;

IV – se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;

V – se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.

Na opinião do professor, quando ele responde com essa causa de aumento de pena do inciso I, não se pode responder concomitantemente pelo crime de corrupção de menores porque, se isso acontecesse, certamente haveria bis in idem, haveria dupla punição pelo mesmo fato.

No inciso II, o funcionário público precisa se aproveitar dessa condição para a prática do delito. No inciso V, veja que não é o crime organizado por extensão e sim o crime organizado por natureza. Demonstrada a transnacionalidade da organização criminosa, também deverá incidir essa causa de aumento de pena.

Obs. 12: Início do cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima;

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Aqui, temos uma questão interessante que foi trazida pelo Pacote Anticrime, que produziu algumas mudanças na lei das organizações criminosas. Passou a prever que, presentes algumas condições, os indivíduos, sobretudo os líderes da organização criminosa, deverão dar início ao cumprimento da sua pena em estabelecimentos penais de segurança máxima.

Vamos nos lembrar que esses estabelecimentos hoje estão localizados em pelo menos 5 cidades: Brasília, Catanduva, Campo Grande, Mossoró e Porto Velho. Lembre-se que o procedimento a ser adotado nesses estabelecimentos está previsto na Lei n. 11.671/08 que também foi alterada pelo Pacote Anticrime e vai prever um regime bem rígido para esses indivíduos levados para esses estabelecimentos penais. A lei não prevê que o cumprimento deve se dar de maneira integral nesses presídios, mas pelo menos no início sim.

Lei n. 12.850/13 Art. 2º (...) (...)

§8º As lideranças de organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição deverão iniciar o cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima. (Incluído pela Lei n. 13.964, de 2019)

Obs. 13: Vedação à progressão de regimes e ao livramento condicional;

Mais uma novidade trazida pelo Pacote Anticrime porque passou a se vedar progressão de regimes.

Lei n. 12.850/13 Art. 2º (...) (...)

§9º O condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo. (Incluído pela Lei n. 13.964, de 2019)

Abrange o crime organizado por natureza e o crime organizado por extensão, apesar de o legislador, inexplicavelmente, ter se referido a crime e não a infração penal. Então aqui não abrange contravenção penal.

Todos nós sabemos que infelizmente o sistema penitenciário brasileiro se encontra absolutamente falido.

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Por mais que o indivíduo seja levado para um presídio ou estabelecimentos penais de segurança máxima, de lá eles não só se mantêm associados às respectivas organizações criminosas como continuam ordenando a prática de delitos, exatamente por isso a lei passou a vedar a progressão, livramento condicional e outros benefícios prisionais.

Este dispositivo certamente poderá despertar controvérsias à luz do princípio da individualização da pena, sobretudo se nos lembrarmos da redação original da lei dos crimes hediondos que dizia que o condenado por crime hediondo ou equiparado deveria cumprir sua pena integralmente em regime fechado, não dando a ele direito à progressão de regimes.

O STF declarou inconstitucional. Depois, houve uma mudança legislativa que passou a dizer que o condenado por crime hediondo deverá iniciar o cumprimento em regime fechado. O STF declarou inconstitucional. Agora, temos uma lei dizendo que o indivíduo não poderá progredir de regime.

Será que isso, à semelhança do que aconteceu com a lei dos crimes hediondos, também não violaria o princípio da individualização da pena? O professor entende que não viola porque sabemos que, para ter direito à progressão, é necessário que se preencha requisitos objetivos e também requisitos subjetivos. Como é que podemos apontar o mérito do condenado se ele se mantém associado ao PCC ou ao Comando Vermelho?

Obs. 14: Natureza hedionda do crime de organização criminosa;

Mais uma novidade provocada pelo Pacote Anticrime, que também alterou a Lei n. 8.072/90 e agora finalmente colocou dentro dela a organização criminosa como crime de natureza hedionda. Toda organização criminosa? Não. Vejamos:

Lei n. 8.072/90 Art. 1º (...)

Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados: (Redação dada pela Lei n.

13.964, de 2019) (...)

V – o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado.

(Incluído pela Lei n. 13.964, de 2019)

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Suponha que há a criação de uma organização criminosa voltada para a prática de homicídios qualificados. O homicídio qualificado é crime hediondo então, por tabela, esta organização criminosa também será considerada como crime hediondo. Nem todo crime de organização criminosa terá natureza hedionda, só terá esta natureza quando esta organização for voltada à prática de crimes hediondos ou equiparados.

3. OBJETO DA LEI n. 12.850/13.

Quando falamos sobre o objeto de uma lei, falamos sobre o que ela trata. Quando o legislador brasileiro, lá em 2012 e 2013, resolveu aprovar essa lei, ele estava pensando em que?

Lei n. 12.850/13

Art. 1º. Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

(...)

Veremos que a lei passou a sistematizar a figura do agente infiltrado, então nada mais natural do que criarmos um crime ligado à revelação da identidade do agente infiltrado. Se identificados que X é o agente infiltrado, quem revelou vai responder criminalmente por isso.

CAPÍTULO II

DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA

Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:

I - colaboração premiada;

II- captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos;

III - ação controlada;

Temos aqui claramente um rol exemplificativo. Cuidado para não achar que são apenas estes, podemos nos valer de outros meios de obtenção de prova previstos em lei, como uma busca domiciliar. Se atente para a terminologia: aqui temos meios de obtenção de prova.

Veremos que a colaboração premiada hoje está prevista entre os arts. 3º-A (incluído pelo Pacote Anticrime) até o art. 7º. O inciso II já foi objeto de análise na aula de interceptação telefônica e ambiental, estando

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atualmente previsto no art. 8º-A da Lei n. 9.296/96. A ação controlada está prevista em outros diplomas normativos, mas a lei das organizações criminosas teve o mérito de sistematizar seu procedimento, atualmente previsto no art. 8º e 9º da Lei n. 12.850/13.

Art. 3º (...)

IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais;

V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica;

VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica;

VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11;

Uma CPI não pode determinar interceptação telefônica porque é medida sujeita à cláusula de reserva de jurisdição, mas uma CPI pode determinar quebra do sigilo de dados telefônicos. O sigilo financeiro e bancário de que se trata o inciso VI hoje está previsto na LC n. 105/01. O sigilo fiscal está previsto no CTN. O inciso VII está previsto entre os arts. 10 e suas letras a art. 14 também da Lei n. 12.850/13.

Art. 3º. (...)

VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.

Isso seria uma norma mais programática em que se prevê que, ao invés da polícia federal trabalhar sozinha, ela pode trabalhar em cooperação com a polícia civil, o que é muito comum hoje em dia. A doutrina entende que esses meios de obtenção de prova podem ser usados tanto para a persecução penal do crime organizado por natureza (art. 2º) como também para a investigação do crime organizado por extensão.

3.1. Distinção entre fontes de prova, meios de prova e meios de obtenção de prova.

Esse tema já é trabalhado nos cursos regulares (intensivo I e Mp Magis). Fontes de provas são as pessoas ou coisas das quais se obtém a prova. Ocorrendo um crime no estúdio, seria fonte de prova uma câmera de segurança, a arma do crime deixada no chão, as impressões digitais nessa caneta, etc.

Meio de prova é uma atividade endoprocessual que se desenvolve na presença do juiz e com a presença dialética das partes, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, por meio dos quais as fontes de provas

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são introduzidas no processo. Se alguém viu o autor dos disparos, ele é uma fonte de prova. Quando ele é ouvi no processo na condição de testemunha, ele passa a ser um meio de prova.

Meios de obtenção de [fonte de] prova são procedimentos investigatórios levado e executado por outras autoridades que não o juiz, que visa a identificação de fontes de prova. Um homicídio foi praticado, é necessário descobrir onde estão as fontes de prova. Vai ser feita uma interceptação telefônica, será pedida ao juiz uma busca domiciliar, vai tentar celebrar com algum dos coautores um acordo de colaboração premiada e assim por diante. Os meios de obtenção de prova se subdividem em duas espécies:

a) Ordinários: aqueles usados para a investigação de todo e qualquer delito. Exemplos: busca domiciliar;

b) Extraordinários: caracterizam-se pelo sigilo e dissimulação. Aqui podemos entender que estamos falando de infrações mais graves que, portanto, demandam meios de obtenção de prova que vão primar pelo sigilo e pela dissimulação. Exemplos: interceptação ambiental, infiltração de agentes, ação controlada, etc. Também são chamados por alguns doutrinadores de TEI – Técnicas Especiais de Investigação.

- Meios de obtenção de prova: consistem em procedimentos regulados por lei, geralmente extraprocessuais, passíveis de execução por outros funcionários que não o juiz, que se desenrolam, em regra, sob autorização e fiscalização judiciais, cujo objetivo é a identificação de fontes de prova. Integram a tutela cautelar no processo penal: são medidas urgentes destinadas a assegurar a investigação do fato delituoso e a eficiência da atividade probatória, diante do risco de que os efeitos deletérios do tempo e o comportamento do próprio investigado impeçam ou dificultem que pessoas ou coisas possam servir como fonte de prova.

Quem vai executar os meios de obtenção de prova é a polícia. Em alguns casos excepcionais, o MP, mas não o juiz. Pode existir um controle jurisdicional, ora será prévio, ora será posterior. Esses meios extraordinários, dado o grau de invasão à intimidade e à vida privada das pessoas, precisam ter algum controle jurisdicional.

Em alguns casos, o controle se faz de maneira prévia e em outros ele se faz de maneira posterior. Exemplos:

interceptação telefônica precisa de autorização judicial prévia. Na ação controlada existe controle jurisdicional, mas é um controle posterior. Primeiro se executa, comunica o juiz e ele pode estabelecer limites temporais e materiais.

ESPÉCIES DE MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA:

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a) Meios ordinários de obtenção de prova;

b) Meios extraordinários de obtenção de prova (ou técnicas especiais de investigação): ferramentas sigilosas postas à disposição da Polícia, dos demais órgãos com atribuição investigatória e do Ministério Público para a apuração e persecução de crimes graves, que exigem o emprego de estratégias investigativas distintas das tradicionais. Caracterizam-se pela presença de dois elementos:

o sigilo e a dissimulação.

Esses meios extraordinários de obtenção de prova sofreram, no Brasil, um grande incremento com a Lei n.

12.850/13. Quando essa lei surge em 2013, houve uma certa precipitação por parte de alguns doutrinadores que costumam dizer que tudo que surge de novo é inconstitucional porque viola a dignidade da pessoa humana. Aqui, muitos disseram que esses meios de obtenção de prova seriam muito invasivos e que estaria consagrado no Brasil o famoso Direito Penal do Inimigo.

Com a devida vênia, precisamos entender que os meios ordinários de obtenção de prova já não estavam mais se revelando eficazes no combate às organizações criminosas. Uma testemunha não iria depor contra o Marcola, uma busca domiciliar não poderia auxiliar na investigação de uma organização criminosa. À semelhança das organizações criminosas que se desenvolveram nos últimos anos, o Estado também precisa incrementar os instrumentos investigatórios que têm à sua disposição.

Obs. 1: Com o incremento da criminalidade organizada, que ganhou novos contornos e passou a se manifestar de forma concatenada e estruturada, o Direito Penal e Processual Penal, antes focado apenas no criminoso individual, em crimes praticados em concurso de agentes e, no máximo, na antiga quadrilha ou bando teve que se adaptar à nova realidade. (...)

(...) Diante da cultura da supressão da prova, da existência de um código de silêncio extremamente rígido e do medo que as pessoas naturalmente têm de depor quanto aos ilícitos decorrentes de organizações criminosas, era premente a adoção de novas técnicas especiais de investigação capazes de fazer frente à gravidade desses ilícitos, até mesmo para se atingir a eficiência desejada de um Estado atuante.

Obs. 2: Distinção entre os crimes de colarinho azul e os crimes de colarinho branco;

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Essas expressões já foram cobradas em prova e são interessantes porque geralmente crimes de colarinho azul são crimes praticados por pessoas mais humildes, porque as pessoas usavam uniformes nas fábricas de cor azul, daí surge a expressão. Esses crimes geralmente são de maior simplicidade, como furto, roubo, estupro, lesão corporal, violência doméstica e assim por diante. Para esses delitos, podemos cogitar dos meios ordinários de obtenção de prova (testemunhas, declaração da vítima, etc.).

Crimes de colarinho azul: “Colarinho azul” é uma alusão aos macacões azuis utilizados nas fábricas dos Estados Unidos, servindo como “identificador” dos autores mais recorrentes, evidenciando a oposição à criminalidade econômica inerente aos crimes de colarinho branco. A expressão foi usada pelo Ministro Luiz Fux no julgamento do caso “Mensalão” (Ação penal n. 470), nos seguintes termos: “O desafio na seara dos crimes do colarinho branco é alcançar a plena efetividade da tutela penal dos bens jurídicos não individuais. Tendo em conta que se trata de delitos cometidos sem violência, incruentos, não atraem para si a mesma repulsa dos crimes de colarinho azul”.

Já os crimes do colarinho branco são aqueles crimes praticados por pessoas de classes sociais mais elevadas.

Podemos pensar, por exemplo, sobretudo em terras brasileiras, envolvendo políticos em que vemos, dentre outras condutas, nomeações de secretários de Estado ou até mesmo ministros para auxiliar em determinado plano delituoso. Para combater esse tipo de crime, já não se faz mais possível a utilização dos meios ordinários.

Por isso surge a importância dos meios extraordinários dos meios de prova, são muito mais nocivos a sociedade como um todo.

Crimes de colarinho branco: Expressão cunhada pela doutrina penalista a partir dos estudos do sociólogo norte americano Edwin Sutherland, a expressão se refere aos delitos essencialmente praticados por indivíduos que gozam de elevado status social e/ou ocupam posição de destaque na iniciativa privada ou no serviço público. A título de exemplo, podemos citar os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei n. 7.492/86), os crimes de lavagem de capitais (Lei n. 9.613/98), e os crimes contra a ordem tributária, contra a ordem econômica e contra as relações de consumo (Lei n. 8.137/90). A terminologia utilizada, naturalmente, se deu com o evidente fito de identificar a parcela da população que mais frequentemente comete tais delitos, amiúde vestes sociais, gravatas, ternos e colarinho branco.

Aquele parâmetro dado pelos tribunais superiores à Lei n. 8.137/90 de R$ 20.000,00 para aplicação do princípio da insignificância é uma aberração, mas é o que prevalece.

3.2. Gestão da prova e o papel do juiz na decretação dos meios de obtenção de prova.

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Meios de obtenção de prova que, como já vimos, podem ser usados tanto na fase investigatória da persecução penal, como também na fase processual, sendo que, em alguns casos, até mesmo durante a execução penal (colaboração premiada).

Será que esses meios de obtenção de prova podem ser decretados de ofício pelo juiz? O juiz não foi provocado e, de ofício, decretou uma infiltração policial ou, na fase processual, decretou uma interceptação ambiental.

Pode isso? Evidentemente que não.

Essa atuação de ofício pelo juiz se revela absolutamente incompatível com a garantia da imparcialidade (vide aula de juiz das garantias dos cursos regulares e a teoria da dissonância cognitiva). A partir do momento em que o juiz age de ofício, ele acaba se vinculando, voluntaria ou involuntariamente à decisão final do processo.

Se o juiz decretou, de ofício, uma prisão temporária, uma interceptação telefônica, uma infiltração policial, é muito difícil que ao final do processo, não se profira uma decisão condenatória. Nesse ponto, a Lei n.

12.850/13 e o próprio Pacote Anticrime foram extremamente positivos porque, desde 2013, veremos que nenhum de seus meios de obtenção de prova pode ser decretado de ofício pelo juiz.

A mesma coisa acontece com o Pacote Anticrime (art. 3º-A do CPP, art. 8º-A da Lei n. 9.296/96, art. 282, §§2º e 4º do CPP). Para dar um exemplo, o professor cita o art. 10 da Lei n. 12.850/13 que, ao tratar da infiltração, ele dispõe o seguinte:

Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.

§ 1º Na hipótese de representação do delegado de polícia, o juiz competente, antes de decidir, ouvirá o Ministério Público.

§ 2º Será admitida a infiltração se houver indícios de infração penal de que trata o art. 1º e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.

§ 3º A infiltração será autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada sua necessidade.

§ 4º Findo o prazo previsto no § 3º, o relatório circunstanciado será apresentado ao juiz competente, que imediatamente cientificará o Ministério Público.

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§ 5º No curso do inquérito policial, o delegado de polícia poderá determinar aos seus agentes, e o Ministério Público poderá requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade de infiltração.

Revogada Lei n. 9.034/95

Art. 2o Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:

(...)

III - o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais.

A antiga lei das organizações criminosas previa que, no caso do acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais, isso seria feito pelo próprio juiz.

Revogada Lei n. 9.034/95

Art. 3º Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça. (Vide ADIn n. 1.570-2).

Esse dispositivo sempre foi alvo de duras críticas porque, para a doutrina, ter-se-ia aqui a famosa figura do juiz inquisidor, ou seja, o próprio juiz, pessoalmente, realizaria esse acesso aos dados fiscais, bancários, financeiros e eleitorais. Como o dispositivo fala em diligência, fala em investigação.

Não por outro motivo, a matéria foi levada à apreciação do STF no julgamento da ADI 1.570, em que o STF entendeu que, quanto aos dados bancários e financeiros, a lei n. 9.034/95 teria sido tacitamente revogada pela LC 105/01 que teria passado a tratar do tema de maneira diversa. Porém, quanto aos dados eleitorais e fiscais, o STF declarou a inconstitucionalidade do art. 2º exatamente por violar a garantia da imparcialidade e o próprio princípio do devido processo legal.

STF: (...) Lei 9034/95. Superveniência da Lei Complementar 105/01. Revogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário e financeiro na apuração das ações praticadas por organizações criminosas. Ação prejudicada, quanto aos procedimentos que incidem sobre o acesso a dados, documentos e informações bancárias e financeiras. (...)

(...) Busca e apreensão de documentos relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pessoalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da imparcialidade e consequente violação ao devido

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processo legal. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e § 2o; e 144, § 1o, I e IV, e § 4o). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes. Ação julgada procedente, em parte”. (STF, Pleno, ADI 1.570/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 22/10/2004).

3.3. Âmbito de aplicação da Lei n. 12.850/13.

Para além de sua aplicação às organizações criminosas, esta lei também se aplica:

Lei n. 12.850/13 Art. 1º. (...) (...)

§2º Esta Lei se aplica também:

I – às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

II – às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos. (Redação dada pela Lei n. 13.260/16 – Lei do Terrorismo)

No inciso I, temos os chamados crimes à distância previstos em tratado ou convenção internacional (exemplo:

pedofilia praticada além do território nacional).

4. Colaboração premiada.

A colaboração premiada vai atingir o ser humano em algo que vez por outra acontece, que é a chamada

“traição”, que está entre os seres humanos há séculos e é exatamente daí que vai partir a ideia da colaboração premiada. De certa forma, o legislador passa a prever um prêmio como um certo “estímulo” para que o indivíduo não apenas confesse o delito por ele perpetrado, como também lhe traga informações que serão úteis na persecução penal.

4.1. Origem.

- A colaboração premiada tem origem no direito anglo saxão, do qual advém a expressão crown witness (testemunha da coroa). Foi amplamente utilizada nos Estados Unidos no combate ao crime organizado e

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adotada com grande êxito na Itália em prol do desmantelamento da máfia – basta lembrar as declarações prestadas por Tommaso Buscetta ao Promotor Italiano Giovanni Falcone.

4.2. Conceito.

Há quem diga que a colaboração premiada seria uma causa de diminuição de pena, seria uma causa de progressão de regimes, seria uma causa de substituição por restritiva de direitos. Nada disso está correto, porque se está confundindo a colaboração com o prêmio legal.

A colaboração premiada é uma TEI por meio da qual um dos coautores do delito confessa o seu envolvimento.

Se o indivíduo nega a prática do delito e atribui a outro, ele não é delator, ele não é colaborador. Ele seria uma mera testemunha.

O sujeito não só confessa a prática do delito, como também fornece informações objetivamente eficazes para a consecução dos objetivos previstos em lei. Se o Estado está disposto a lhe dar um prêmio legal, é óbvio que o Estado quer do criminoso informações relevantes, das quais ele não dispõe recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.

- Trata-se de técnica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.

4.3. PREVISÃO NORMATIVA.

Desde o ano de 1990 até os dias de hoje, o que temos é uma infinidade de diplomas normativos que, ao longo dos anos, foram tratando da colaboração premiada. O primeiro diploma normativo que previu a colaboração premiada no Brasil teria sido a lei dos crimes hediondos.

À época, quando surge a colaboração premiada no ordenamento pátrio, a pena do colaborador seria reduzida de 1/3 a 2/3. Cada um desses vários dispositivos legais estavam relacionados a um determinado delito.

Tínhamos um para a associação para crimes hediondos, outro para extorsão mediante sequestro, outros para crimes contra o sistema financeiro, etc. Hoje, temos uma lei genérica que, desde que se visualize crime organizado por natureza ou por extensão, ela pode ser aplicada a todo e qualquer delito.

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Nos primeiros diplomas normativos, qual era o prêmio legal? Inicialmente, o prêmio legal ficava em torno de uma diminuição de pena. Vale a pena? A depender do caso, pode até compensar, mas quando se trata de organização criminosa extremamente violenta e que não mede esforços com a prática de homicídios, diminuição de pena é inimaginável porque sabemos qual a sanção das organizações criminosas para eventual traição. Nesse ponto, temos o grande avanço produzido pela lei de lavagem de capitais porque, em 1998, ela melhorou isso e vai prever diminuição de pena, substituição por restritiva e inclusive perdão judicial.

▪ Lei 8.072/90 (crimes hediondos): art. 8º, parágrafo único;

▪ CP: art. 159, § 4º (extorsão mediante sequestro);

▪ Lei 7.492/86 (crimes contra o sistema financeiro nacional): art. 25, § 2º;

▪ Lei n. 8.137/90 (crimes contra a ordem econômico-financeira): art. 16, parágrafo único;

▪ Lei 9.613/98 (lavagem de capitais): art. 1º, §5º (alterado pela Lei 12.683/12);

▪ Lei 9.807/99 (proteção às testemunhas): arts. 13 e 14;

▪ Lei 11.343/06 (Lei de Drogas): art. 41;

▪ Lei 12.529/11 (proteção da concorrência): arts. 86 e 87 (acordo de leniência, brandura ou doçura);

▪ Lei n. 12.846/13 (Lei Anticorrupção): art. 16;

Lei n. 8.072/90 Art. 8º. (...)

Parágrafo único. o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou a quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá pena reduzida de um a dois terços.

Código Penal Art. 159. (...)

§4º Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços (parágrafo 4º com redação determinada pela Lei n. 9.269/96).

Lei n. 7.492/86 Art. 25. (...)

§2º. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá sua pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços)

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Lei n. 9.613/98

Art. 1º. (...) §5º. A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

Lei n. 9.807/99

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, tendo em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado pela prática de qualquer crime que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:

I – a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa;

II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III – a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Lei n. 11.343/06

Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.

Lei n. 12.850/13

Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito [produto indireto] das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

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V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

A Lei n. 12.850/13 vai sistematizar toda a colaboração premiada, desde o momento inicial da formalização da proposta do acordo, até o momento final em que este acordo não apenas é homologado pelo juiz, mas, mais adiante, apreciado no momento da sentença a colaboração efetiva do indivíduo.

Não por outro motivo, alguns doutrinadores entendem que a Lei n. 12.850/13 e seus dispositivos sobre colaboração premiada podem prevalecer inclusive em detrimento de outros diplomas normativos. Se olharmos para a lei de drogas, ela prevê apenas o prêmio de diminuição de pena.

Parte da doutrina entende que pode ser aplicada a lei das organizações criminosas porque, desde que se tenha um tráfico de drogas praticado por uma organização criminosa, isso significa dizer que podemos aplicar a Lei n. 12.850/13 e, nesse ponto, ela é não só norma posterior à lei de drogas, como também muito mais benéfica para o criminoso porque os prêmios legais aqui previstos lhe serão muito mais vantajosos.

Diante do silêncio desse dispositivo, a doutrina entende que o mínimo de redução da pena seria de 1/6, já que esse é o quantum mínimo de diminuição de pena previsto no ordenamento jurídico. Na hora da substituição por restritiva de direitos, precisamos observar os requisitos do art. 44 do CP?

Ou essa substituição pode ser feita mesmo ao arrepio do art. 44 do CP? Se houvesse a necessidade de observância do art. 44, esse dispositivo seria absolutamente desnecessário. Podemos substituir por restritiva de direitos mesmo que não preenchidos os requisitos do art. 44 do CP.

Para que o indivíduo faça jus aos prêmios legais citados e aqui previstos no art. 4º, caput, ele precisa atingir todos os resultados ali citados nos incisos IV? Não, sob pena de inviabilizar a aplicação disso porque teria a aplicação restrita a pouquíssimos delitos. Aqui temos a regra da cumulatividade temperada. Para o indivíduo fazer jus aos prêmios, sobretudo ao perdão judicial, ele tem que dar tudo aquilo de que ele tem conhecimento.

Imagine uma organização criminosa que, há pelo menos 5 anos, vem sequestrando pessoas na região de Campinas e já receberam como pagamento de resgate R$ 10 milhões, eles têm carros importados, casas nos Alpes Suíços, casas no Caribe. Um dia “a casa cai”. Como obter a colaboração premiada? Nesse exemplo, a depender do caso, conseguiria atingir todos os resultados possíveis. Em muitos casos não se dispõe desse grau de conhecimento sobre o funcionamento da organização criminosa.

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LEI N. 12.850/13 Art. 4º (...) (...)

§2o Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Código de Processo Penal.

§3o O prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional.

O §2º prevê uma possível discordância entre a polícia, o MP e a autoridade judiciária no tocante ao perdão judicial e manda aplicar, no caso de eventual discordância, o art. 28 do CPP que, em sua redação original à época da Lei n. 12.850/13 determinava a remessa ao Procurador-Geral de Justiça. Hoje sabemos que houve a mudança do art. 28 pelo Pacote Anticrime e que esse controle do arquivamento hoje é feio no âmbito do próprio MP, desde que seja restaurada a eficácia do art. 28 por ora suspenso por decisão do Ministro Fux.

Cuidado com o §3º porque então temos mais uma causa de suspensão do processo e suspensão da prescrição, que pode perdurar por até 1 ano. Aqui, temos essa possibilidade e existe uma certa divergência na doutrina se isso seria ou não um prêmio legal. Alguns entendem que sim enquanto outros preferem entender que essa suspensão seria apenas uma condição para o cumprimento da colaboração premiada.

Art. 4º (...)

§ 4o Nas mesmas hipóteses do caput deste artigo, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se a proposta de acordo de colaboração referir-se a infração de cuja existência não tenha prévio conhecimento e o colaborador: (Redação dada pela Lei n. 13.964, de 2019)

I - não for o líder da organização criminosa;

II – for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.

§4º-A Considera-se existente o conhecimento prévio da infração quando o Ministério Público ou a autoridade policial competente tenha instaurado inquérito ou procedimento investigatório para apuração dos fatos apresentados pelo colaborador. (Incluído pela Lei n. 13.964, de 2019).

Aqui no §4º temos o que a doutrina chama de acordo de imunidade, ou seja, quando o MP deixa de oferecer denúncia contra esse indivíduo. Cuidado porque isso foi alterado pelo Pacote Anticrime porque, antes dele,

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esse acordo de imunidade estava sendo relativamente banalizado. Fazia-se o acordo de imunidade com todo e qualquer criminoso. Hoje a lei alterou isso um pouquinho e passou a prever alguns requisitos especiais.

Agora só poderá celebrar o acordo se o acordo se referir a infração de cuja existência o MP e a Polícia não tinham prévio conhecimento.

Art. 4º (...)

§5º Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.

(...)

Esse §5º é importante para lembrarmos que o dispositivo fala sobre a colaboração posterior à sentença, ou seja, na verdade o dispositivo autoriza a conclusão de que a colaboração premiada poderia ser feita inclusive em sede de execução penal. Em um primeiro momento, isso soa estranho.

Será que esse indivíduo preso ainda pode ter informações sobre a localização do produto do crime? Sim. Ainda que o sujeito já tenha sido condenado, desde que as informações dele ainda sejam úteis, ele pode fazer uma colaboração premiada. A progressão de regimes hoje foi totalmente alterada pelo Pacote Anticrime e agora temos percentuais previstos na lei de execução penal em seu art. 112.

O indivíduo terá direito à progressão de regimes mesmo que ele não preencha esses percentuais previstos nos diversos incisos do art. 112. Interpretando a contrariu sensu, os requisitos subjetivos, o mérito do condenado, ainda se faz necessário para essa progressão. Temos um requisito a mais da reparação do dano para a progressão de regimes previsto no art. 33, §4º do CP.

4.4. TERMINOLOGIA ADEQUADA: DISTINÇÃO ENTRE COLABORAÇÃO E DELAÇÃO PREMIADA.

Muitas pessoas ainda preferem usar a expressão “delação premiada”, porém tecnicamente, e em uma prova, o ideal é usarmos o termo “colaboração premiada”. A delação seria espécie do gênero que é a colaboração.

Quando eu delato, eu estou identificando os meus comparsas, como no inciso I do art. 4º.

Só que não necessariamente você colabora delatando comparsas, como alguém que está preso e, de dentro do presídio, ajuda na localização do produto ou proveito das infrações praticadas pelo grupo (inciso IV), fazendo igualmente jus ao prêmio legal. Se você voltar no art. 3º, a própria lei fala em colaboração premiada, cuja Seção também tem o título de colaboração premiada.

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4.5. ÉTICA E MORAL.

A colaboração premiada deve ser admitida pelo Estado ou, na verdade, se revelaria um meio de obtenção de prova antiético, imoral porque o Estado estaria “estimulando a traição”? Existe uma parte da doutrina que é contrária à colaboração premiada, dizendo que se trata de um meio de obtenção de prova imoral, antiético e, por isso, não deveria ser admitida no ordenamento jurídico.

Essa é uma posição absolutamente minoritária. Não adianta acharmos que estamos em outra realidade, em outro país. Devemos voltar nossos olhos para a realidade brasileira. Em várias oportunidades, tanto o STJ quanto o STF já validaram colaborações premiadas, devido à relevância.

- Apesar de funcionar como modalidade de traição institucionalizada, trata-se de instituto de capital importância no combate à criminalidade, porquanto se presta ao rompimento do silêncio mafioso, além de beneficiar o acusado colaborador. De mais a mais, é no mínimo contraditório falar em ética de criminosos.

4.5.1. SÍNDROME DE ALICE

É aquele colega que vive no país das maravilhas, ou seja, é vivermos em uma realidade que não é a nossa.

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“(...) é fundamental que o direito e o processo penal tenham maior efetividade no enfrentamento da criminalidade moderna. E isso não representa em hipótese alguma um discurso autoritário, arbitrário, como tende a entender certa parcela da doutrina, que, de forma generalizada, tacha de ‘neonazistas’, de retrógrados, de defensores do movimento da ‘lei e da ordem’, do direito penal do inimigo, de antidemocráticos, de filhotes da ditadura etc. todos aqueles que advogam a restrição de algumas garantias processuais em casos limites de criminalidade grave, e isso quando é de conhecimento notório que os direitos e garantias fundamentais não são absolutos. (...)

O problema é que quando se fala, hoje, em eficácia do processo penal, as pessoas rotulam você como defensor do Direito Penal do Inimigo, movimento da lei e da ordem, etc. Qualquer discurso em prol do aprimoramento do processo penal é visto como nazista, Direito Penal do Inimigo, etc.

“(...) Essa postura preconceituosa e antidemocrática de certa parcela da doutrina revela um comportamento típico de quem foi acometido, pode-se dizer, pela ‘Síndrome de Alice”, pois mais parece viver num ‘mundo de fantasia’, com um ‘direito penal da fantasia’, onde não existem homens que – de forma paradoxal – são movidos por verdadeiro descaso para com a vida humana; um mundo no qual não existem terroristas, nem organizações criminosas nacionais e internacionais a comprometer as estruturas dos próprios Estados e, por conseguinte, o bem-estar da coletividade e a sobrevivência humana”. (Américo Bedê Jr. E Gustavo Senna – Princípios do processo penal – entre o garantismo e a efetividade da sanção. São Paulo: RT, 2009, p. 26-28).

4.6. VOLUNTARIEDADE DA COLABORAÇÃO.

Quando dizemos que algo é espontâneo, isso não se confunde com voluntariedade.

4.6.1. DISTINÇÃO ENTRE VOLUNTARIEDADE E ESPONTANEIDADE.

Se algo é espontâneo, isso significa dizer que a ideia partiu de você. Mas se a pessoa não tinha pensado nisso, só que alguém acaba de o convencer, isso é algo voluntário. Quando é voluntário, a ideia pode até ter partido de você, mas não necessariamente.

Para fins de colaboração premiada, a ideia de colaborar precisa obrigatoriamente sem espontânea ou basta que ela seja voluntária, livre de qualquer coação? A colaboração premiada basta que seja voluntária, ou seja, a ideia de colaborar não necessariamente precisa ser espontânea. Cuidado com aqueles dispositivos mencionados pelas legislações anteriormente porque, em alguns deles, o legislador usa a palavra

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