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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO

MEMÓRIA E NARRATIVAS SURDAS: O QUE SINALIZAM AS PROFESSORAS SOBRE SUA FORMAÇÃO?

BIANCA GONÇALVES DA SILVA

Pelotas 2012

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BIANCA GONÇALVES DA SILVA

MEMÓRIA E NARRATIVAS SURDAS: O QUE SINALIZAM AS PROFESSORAS SOBRE SUA FORMAÇÃO?

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (PPGE/UFPEL) como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação na Linha de Pesquisa Currículo, Profissionalização e Trabalho Docente.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª. Madalena Klein

Pelotas 2012

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação: Bibliotecária Daiane Schramm – CRB-10/1881

S588m Silva, Bianca Gonçalves da

Memória e Narrativas Surdas: O que sinalizam as professoras sobre sua formação?/ Bianca Gonçalves da Silva; Orientadora: Madalena Klein. – Pelotas, 2012.

127f.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação – FaE. Programa de Pós-Graduação em Educação -PPGE. Universidade Federal de Pelotas.

1. Professoras surdas. 2. Formação. 3. Identidade docente. 4. Narrativas. I. Klein, Madalena, orient. II. Título.

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BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Drª. Madalena Klein – UFPEL (orientadora) Prof.ª Drª. Adriana Da Silva Thoma – UFRGS Prof.ª Drª. Lúcia Maria Vaz Peres – UFPEL

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DEDICATÓRIA

Esse trabalho é dedicado a minha família e às professoras surdas que narraram suas experiências para esta pesquisa.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, meu refúgio e fortaleza, por me suprir em todas as minhas necessidades, por essa chance de vida!

Aos meus pais Dejair e Eva Marilene, meus exemplos de vida, que com muita sabedoria e dedicação estiveram ao meu lado, me encorajando nas horas difíceis e se alegrando com minhas conquistas diárias. Obrigado por me ensinarem a nunca desistir de um sonho. Esse sonho acontece por vocês!

As minhas irmãs Adriana e Letiane e aos sobrinhos Fellipe e Emanuelle, por entenderem minhas ausências e também me incentivarem nesta caminhada. Vocês são meus amores.

A minha orientadora Profª Drª Madalena Klein, pelo apoio e incentivo durante todo o processo, por sua eficiência, comprometimento profissional e também pela confiança em mim depositada.

A Taiane Santos dos Santos, por tua amizade sincera, companheirismo de todas as horas, pela cumplicidade e respeito que sempre tivemos uma com a outra. Tu, desde o início, foste fundamental para a realização deste trabalho. Amiga, se tu não existisses, pediria para Deus te inventar.

A Caroline Braga Michel, por todo carinho, pelo tempo que disponibilizou em ler o meu trabalho, auxiliando-me com seu olhar.

A Israel Borba Silveira, por estar sempre presente nos momentos de choro ou de riso, pelo ombro amigo, pela paciência em ouvir meus desabafos ao longo deste processo. Quando tudo se tornava obscuro tu me levavas para espairecer, minhas forças eram renovadas.

A todas as pessoas que de uma forma direta ou indireta contribuíram para a conclusão desta dissertação.

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O que denominamos “nossas identidades”, poderia provavelmente ser melhor conceituado como as sedimentações através do tempo daquelas diferentes identificações ou posições que adotamos e procuramos “viver”, como se viessem de dentro, mas que, sem dúvida, são ocasionadas por um conjunto especial de circunstâncias, sentimentos, Histórias e experiências única e peculiarmente nossas, como sujeitos individuais. Nossas identidades são, em resumo, formadas culturalmente (HALL, 1997. p.26).

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SILVA, Bianca Gonçalves da. Memória e Narrativas surdas: o que sinalizam as professoras sobre sua formação? 2012. 128f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Pelotas.

RESUMO

Esta dissertação de Mestrado pretende contribuir para as discussões da educação de surdos, com base nos processos de formação de professoras surdas, abordando as Histórias de formação. Os objetivos da pesquisa consistem em compreender a constituição da identidade de professoras surdas e os aspectos de formação, mais especificamente analisar, a partir das narrativas, os processos formadores vivenciados ao longo de suas vidas que proporcionam a construção de uma identidade docente. Os dados dessa pesquisa foram buscados mediante a contribuição de três professoras surdas através de narrativas autobiográficas das Histórias de vida e formação docente. Assim, esse trabalho foi produzido e analisado, dialogando com autores que se aprofundam nos estudos relacionados à surdez, envolvendo os Estudos Surdos e suas interlocuções com os Estudos Culturais, como também autores que trabalham com o método (auto)biográfico e a formação, atrelado às narrativas de vida. Na coleta dos dados, desenvolve-se uma metodologia estratégica a fim de contemplar os objetivos centrais estipulados para a pesquisa. Foram organizados três encontros semi-estruturados, em grupo, filmados e realizados em Língua Brasileira de Sinais. Os encontros aconteceram através de uma metodologia estratégica contemplando as narrativas e tentando, contudo, estabelecer um clima informal, que deixasse à vontade as informantes. Com os relatos das professoras sobre suas Histórias de vida foram privilegiados alguns temas: oralização, a experiência visual como marcador cultural surdo, o letramento, a literatura infantil, a literatura surda, entre outras questões que apareceram nas narrativas e ao serem analisadas, apontaram para uma possível constituição das identidades docentes com base nas experiências vividas.Também foi possível constatar que na medida em que se produz cultura, também se produz identidade, ou seja, a partir dos relatos das professoras, que ao dizerem sobre suas experiências de vida, enfatizaram essas questões e apontaram para um comprometimento com o fazer pedagógico que atendesse as necessidades de aprendizagem de seus alunos surdos, constituindo uma Pedagogia surda.

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SILVA, Bianca Gonçalves da. Memory and Deaf Narratives: what do the teachers sign about their formation? 2012. 128f. Dissertation (Master’s Degree) - Education Post-Graduation Program, Universidade Federal de Pelotas.

ABSTRACT

This Master’s degree dissertation intends to contribute to the debate around deaf people education, based on the process of deaf teachers’ formation, taking into account their formation history. The research aims to understand the constitution of the deaf teachers’ identity, more specifically, to analyze, through the narratives, the constituent processes experienced throughout their lives which have enabled the construction of a teaching identity. The data collected in this research was searched through the contribution of three deaf teachers, using autobiographical narratives of their life and teaching formation history. Thus, this research was created and analyzed dialoging with authors who deepen in the deaf related studies, involving the Deaf Studies and their dialogues with the Cultural Studies, also, authors who work with the (auto) biographical method and formation, tying to life narratives. In the data collection, it was developed a strategic methodology aiming to achieve the main goals of the research. Three semi-structured group meetings were organized, recorded and in Brazilian Sign Language. With the teachers’ reports about their life histories some themes could be highlited: oralism, the visual experience as a deaf cultural marker, literacy, child literature, deaf literature, among other issues that were shown in the narratives. When analyzed, they pointed to a possible constitution of teaching identities based on their experiences. It was also possible to find that, as culture is produced, so is identity, in other words, from the teachers’ reports, which showed their experiences, emphasized such issues, showed a commitment to teaching according to their deaf students’ needs, creating a pedagogy of the deaf.

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SUMÁRIO

RESUMO ... 07

ABSTRACT ... 08

Minha História em contexto: um exercício de conhecimento e autoformação ... 10

Contextualizando a pesquisa ... 13

PARTE1 – DAS FERRAMENTAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS ... 17

1. ESTUDOS SURDOS EM EDUCAÇÃO ... 18

1.1 Um breve olhar sobre a trajetória dos movimentos surdos ... 20

1.2 Cultura e Identidade surda: discursos e problematizações ... 23

1.3 A formação docente no contexto da cultura surda ... 27

2. A ABORDAGEM BIOGRÁFICA E A FORMAÇÃO: ENTENDENDO O MÉTODO ... 31

2.1 Narrativas de formação ... 33

2.2 O contexto sócio-cultural das narrativas surdas ... 35

3. CAMINHOS METODOLÓGICOS ... 40

3.1 O delineamento Metodológico ... 41

PARTE2 – OLHARES SOBRE AS NARRATIVAS AUTOBIOGRAFICAS DE FORMAÇÃO ... 46

4. IMAGENS E MEMÓRIAS: AS EXPERIÊNCIAS NA FORMAÇÃO ... 47

4.1 Tulipa: O letramento como experiência formadora ... 48

4.2 Lírio: Infância, oralização e docência ... 53

4.3 Dália: A metáfora da flor ... 58

5. ABRINDO A CAIXA DE MEMÓRIAS: REPRESENTAÇÕES DA IDENTIDADE DOCENTE ... 65

5.1 Algumas reflexões sobre literatura infantil como construtora de identidade docente ... 65

5.2 Literatura surda, cultura visual: significando sua prática... ... 78

5.3 Construindo a identidade de professora: ressignificando a prática pedagógica ... 83

6. NAS TRAMAS DAS NARRATIVAS: PÉTALAS, SEMENTES, VOOS ... 89

6.1 Revendo as narrativas: ressignificando as experiências ... 89

6.2 Das costuras possíveis e da impossibilidade de uma conclusão final ... 94

REFERÊNCIAS ... 98

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CONHECIMENTO E AUTOFORMAÇÃO.

A experiência de si, historicamente constituída, é aquilo a respeito do qual o sujeito se oferece seu próprio ser quando se observa, se decifra, se interpreta, se descreve, se julga, se narra, se domina, quando faz determinadas coisas consigo mesmo, etc. E esse próprio sempre se produz com relação a certas problematizações e no interior de certas práticas (LARROSA, 1994, p.43).

A capacidade de reflexão sobre o que fazemos, como fazemos e o que deixamos de fazer conosco faz parte da nossa condição humana. Essa capacidade se dá por meio da linguagem, que possibilita a constante reinvenção de nós mesmos. A experiência da escrita é um exercício de transformação, pois por meio dela organizamos e reorganizamos o pensamento, afirmamos e reafirmamos conceitos, possibilitando transformações de si. Nesse sentido, preciso narrar aqui um pouco sobre minhas experiências, a fim de que minhas memórias me possibilitem a beleza do processo autoformador.

Lembrar é refletir e refazer o momento que estamos vivenciando a partir de fatos e situações históricas, as quais passaram ao longo de nossas vidas. Podemos dizer que é um processo criativo que se desenvolve através das memórias, e que, juntamente com as experiências do “hoje”, possibilitam o entendimento de nossa subjetividade, singularidade e identidade. As muitas Histórias que são contadas por nós fazem parte de um grande processo de construção de nós mesmos, pois quando contamos algum acontecimento outrora vivido, é como se voltássemos no tempo, criando novas possibilidades de “ser” e “compreender” realidades. Isso se torna possível através do método (auto)biográfico envolvendo práticas de narrativas que funcionam como técnicas de conhecimento de si. Ora, esse instrumento é muito importante para que os sujeitos se conheçam, permitindo experiências relacionadas ao “Eu”, na busca de suas subjetividades através da autoformação. Segundo Finger:

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11 Esse saber apresenta-se assim não só como crítico, reflexivo e histórico, mas também implica uma investigação da parte da pessoa, uma pesquisa fundamentalmente formadora. Com efeito, esse saber reflexivo e critico insere-se num processo, e mais precisamente em processos de tomada de consciência. Esses últimos têm um objetivo emancipador para a pessoa e para a sociedade, pois é por intermédio deles que a pessoa atribui um sentido às suas próprias vivências e experiências, assim como as informações que lhe vem do exterior (FINGER, 2010, p.126).

Diante dessas reflexões, cabem duas problematizações que julgo pertinentes para dar continuidade à escrita que proponho neste trabalho. São elas1: Como estou me tornando o que sou? O que me levou a pesquisar o que pesquiso? Por isso, não posso deixar de narrar um pouco do meu processo de formação, pois assim me conecto com o vivido, tentando compreender os acontecimentos que formaram meu ser. Falar sobre mim não é fácil, ainda mais quando preciso refletir sobre vivências que deixaram marcas de crescimentos, conhecimentos e experiências compartilhadas que servem como diretrizes ao meu caminhar. Sendo assim, com simplicidade narro, nas próximas linhas, um pouco das minhas experiências formadoras.

Inicialmente sou a Bianca, formada em Pedagogia, e dei seguimento aos estudos através da conclusão do Curso de Especialização em Educação, no qual participei do Núcleo de Educação de Surdos em 2009, e do ingresso no Mestrado, no ano de 2010. Esses acontecimentos são marcados a partir de uma trajetória de inserção em estudos relacionados à surdez, no campo respectivo aos Estudos Surdos em Educação. Mas a indagação pessoal que trago é por que a escolha desse caminho? Mesmo sabendo a resposta, contar novamente aqui não é tarefa cansativa, nem tampouco sem significado, pois acredito que sempre me reinvento e me possibilito novos olhares ao falar em mim.

Quando pensei em prestar vestibular para ingressar no Ensino Superior eu não possuía total convicção sobre que curso escolher. Isso acontece com

1

A origem dessas questões tem base nos estudos realizados pela Suíça Marie-Christine Josso (2010), que desenvolveu um método de pesquisa a partir das Histórias de vida das pessoas, o qual ela denominou de Narrativas (auto)formadoras. Essas questões foram o mote da Disciplina do Mestrado/ 2ª semestre 2010: S.A Histórias de vida e processos de autoformação, ministrada pela Professora Drª Lúcia Maria Vaz Peres (Programa de Pós-Graduação em Educação PPGE -UFPel). Com base nas discussões por meio das leituras realizadas nessa disciplina, fui incorporando essa abordagem nesta dissertação.

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grande parte das pessoas que passam por essa fase, por ser uma escolha muito importante que dará rumo aos caminhos que serão vivenciados. Encontrava-me indecisa, não havia uma identificação com o perfil dos candidatos, e não achava nenhum fator que me despertasse interesse.

Nessa fase de minha vida havia feito alguns cursos de Língua Brasileira de Sinais – Libras - e mantinha relação de amizade com muitos surdos que frequentavam minha casa. Também trabalhei como intérprete informalmente em uma igreja por um determinado tempo e assim estabeleci contato com a língua e cultura surda. Optei pela Pedagogia intencionando um possível trabalho com alunos surdos. Só que aconteceu o que jamais poderia ter imaginado, algo muito especial em minha trajetória na Universidade: o convívio com uma colega surda que ingressou juntamente comigo no Curso de Pedagogia. Posso afirmar que sua presença no curso mudou significativamente minha forma de ver algumas coisas, aguçando meu olhar para as diferenças.

Os percursos de formação que trilhei e que ainda venho trilhando me direcionaram na construção de uma identidade de pesquisadora, essa identidade que, longe de estar pronta, é responsável por estabelecer diretrizes nos caminhos investigativos que venho trilhando. Isso justifica o porquê das pesquisas que venho desenvolvendo nesse período de vida acadêmica. Hoje, através de um olhar reflexivo e formador sobre meu passado, compreendo que a ideia de pesquisar sobre a formação de professores surdos nasceu a partir da graduação, quando comecei a conviver com minha colega surda, podendo presenciar o choque cultural que ela sofria por não estar em um ambiente cultural significativo, que contemplasse os aspectos linguísticos e sociais de formação do sujeito surdo. Ao olhar minha trajetória, percebo o quanto fui atravessada por essas questões, ao ponto de desenvolver pesquisas que buscam a valorização da formação de professores surdos dentro de seu contexto linguístico cultural. Entendo que através das narrativas dos professores surdos em formação vão se criando discursos sobre um fazer docente, modos de agir e construir suas práticas. Isso é processo autoformador, pois envolve Histórias de vida, memórias e todo o jogo de significados que será utilizado em prol do sujeito que forma e que se forma.

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13 É, portanto, passando pela narrativa, que a pessoa em formação pode reapropriar-se da sua experiência de formação. Em resumo, trata-se de utilizar a instancia do discurso por meio da qual o individuo pode introduzir a sua experiência, e depois, por meio da analise de nos colocarmos com ele no lugar de interprete, para sublinharmos o distanciamento do texto em relação à experiência [...] (CHIENÉ, 2010, p.133).

O sujeito da formação é aquele que consegue se colocar em um lugar de destaque, assumindo o papel de ator nas aprendizagens realizadas através de tomadas de consciência que o tornam independente e autônomo na forma de aprender. Essa independência faz com que o ser em formação retome seus valores culturais na luta por aprendizagens significativas, favorecendo-o no papel de se autoformar para depois auxiliar na autoformação do outro. Para subsidiar esse pensamento ainda cito Chiené:

[...] O formador favoreça a expressão do sentido que a pessoa em formação dá às suas aprendizagens, não só para que esse sentido seja mais claro para a consciência, como também para que ele ou ela adquiram um poder sobre ele (CHIENÉ, 2010, p.132).

Os processos de escolha profissional passam pelo viés das Histórias de vida, por isso a biografia educativa2 que proponho aqui é tarefa na qual os sujeitos se apropriam do processo de formação. Partindo desse principio, utilizei esses conceitos na valorização das Histórias de vida dos sujeitos da pesquisa através de narrativas para que assim reconhecessem a partir de suas vivências, mecanismos formadores em suas práticas como professores.

Contextualizando a pesquisa

2

A biografia educativa, tal como é encarada por G. Pineau, inscreve-se no objeto de autoformação defendido pelo movimento de Educação Permanente. Portanto, ao mesmo tempo em que serve de revelador do grau de apropriação do processo de formação, contribui para reforçar as possibilidades de apreensão desse processo. A abordagem biográfica tem a sua origem em um processo educativo, não constituindo apenas uma orientação metodológica (DOMINICÉ, 2010, p.148).

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Esta dissertação justificou-se a partir dos caminhos investigativos percorridos na pesquisa por mim desenvolvida no curso de especialização3, visto que transitei por espaços de problematizações que envolveram as expectativas dos professores surdos sobre as práticas desenvolvidas no ensino da Libras como disciplina em cursos de formação universitária. Durante as análises da pesquisa, confirmou-se que as práticas docentes que vêm sendo desenvolvidas têm gerado um fazer diferenciado, possibilitando a constituição da identidade de professora surda, tanto nos discursos que são produzidos, quanto nas relações que se estabelecem nesse ambiente social. Partindo dessas constatações, no decorrer do Mestrado4 pensei em dar um enfoque diferente, mas ainda sim contemplando aspectos relacionados à docência, ou seja, compreendendo como foi acontecendo a construção da identidade docente a partir de narrativas de formação das professoras surdas.

A História dos seres humanos é construída por fases da vida, marcadas pela infância e vida adulta. As experiências vividas e adquiridas nesses tempos são fundamentais para a constituição de nossas identidades, valores e cultura. Na medida em que relembramos acontecimentos passados, nos apropriamos de vivencias através do exercício de contar os fatos como forma de capturar e interpretar nossa História. Sobre isso, Souza nos diz:

Compreendo que as pesquisas pautadas nas narrativas de formação contribuem para a superação da racionalidade como principio único e modelo de formação. Também porque a pesquisa narrativa de formação funciona como colaborativa, na medida em que quem narra e reflete sobre sua trajetória abre possibilidades de teorização de sua própria experiência e

3

Trata-se da pesquisa O professor surdo e o espaço acadêmico: Desafios e conquistas no exercício docente no ensino de Libras. Essa pesquisa foi realizada no curso de Especialização em Educação, da Faculdade de Educação - FAE – Universidade Federal de Pelotas - UFPel, sendo concluída no ano de 2009, sob orientação da Profª Draª Madalena Klein.

4

Durante o curso de Mestrado, fui bolsista pela CAPES, do projeto Prócultura: Produção,

Circulação e Consumo da Cultura Surda Brasileira. Trata-se de uma pesquisa interinstitucional,

que envolve três Universidades Federais do Rio Grande do Sul. São elas: Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Universidade Federal de Pelotas – UFPel e Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Os objetivos que têm centrado essa pesquisa (em andamento): mapear as produções culturais das comunidades surdas brasileiras; coletar as produções culturais nas diferentes regiões brasileiras, com ênfase nos espaços em que há um movimento surdo organizado, através de associações de surdos e espaços educacionais; analisar o conjunto dos processos sociais de significação envolvidas na produção, circulação e consumo dos artefatos pertencentes à cultura surda; dar visibilidade e contribuir com a divulgação das produções culturais das comunidades surdas brasileiras.

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15 amplia sua formação através da investigação-formação de si. Por outro lado, o pesquisador que trabalha com narrativas interroga-se sobre suas trajetórias e seu percurso de desenvolvimento pessoal e profissional, mediante a escuta e leitura da narrativa de desenvolvimento do outro (SOUZA, 2006, p.98).

A investigação no contexto das Histórias de vida intenciona uma autoformação por parte de quem reflete sobre suas experiências5, ou seja, o pesquisador ou o sujeito informante da pesquisa, possibilitando a construção de novos conhecimentos tanto sobre si como sobre os outros e sobre diferentes realidades.

Para aqueles que são ou desejam se tornar professores é fundamental a identificação de experiências autenticamente formativas na autobiografia, pois promove a consciência de si, do lócus de formação pessoal e constitui um exercício para que as vivências atinjam o status de experiência, na medida em que se faz um trabalho de reflexão dessas vivências (Josso, 2010). As experiências e as significações da vida não atuam de forma única consigo mesmo, mas acontecem através das relações interindividuais que as tornam válidas (Delory-Momberger, 2008).

A compreensão das aplicações das vivências dentro do processo da formação docente construídas na trajetória de vida de cada um é importante dentro de um processo de autoconhecimento. As diferentes experiências possuem elementos formadores que participam da construção do sujeito e de suas concepções.

Esses elementos influenciam no perfil profissional do docente. Levando em consideração esses fatores, a pesquisa nasce do desejo e da necessidade de melhor compreender a constituição da identidade de professoras surdas, bem como os aspectos da formação das mesmas.

Os objetivos da pesquisa apresentada nesta dissertação consistiram em analisar, a partir das narrativas de professoras surdas, os processos formadores vivenciados ao longo de suas vidas que proporcionam a construção

5Proponho, pois, considerar o que designamos comumente por “experiências” como vivências

particulares. [...] vivemos em uma infinidade de transações, de vivências; essas vivências atingem o status de experiências a partir do momento que fazemos certo trabalho reflexivo sobre o que se passou e sobre o que foi observado, percebido e sentido (JOSSO, 2010, p.48).

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de uma identidade profissional, ou seja, como essas professoras articulam os diferentes saberes gerados ao longo da vida na construção das identidades docentes. Mais especificamente, meus objetivos são:

- compreender como as surdas tornaram-se professoras;

- a partir das narrativas de memórias que envolvem as Histórias de vida pessoal, escolar e pratica docente, compreender como ocorre a construção da identidade docente ao longo da vida;

- promover a socialização das Histórias de formação entre os informantes da pesquisa, permitindo a autoformação.

No decorrer desta dissertação, aproximo-me de teorias que contemplam os Estudos Surdos em Educação, estabelecendo relações com questões que envolvem a construção da identidade de professora surda através do processo de formação ao longo da vida, para melhor compreender como se constroem essas identidades docentes.

Esta dissertação está dividida em duas partes. Na primeira parte são abordadas questões referentes às teorias que embasam este trabalho, bem como o delineamento metodológico da pesquisa. A segunda parte dedica-se a olhar analiticamente para os dados da pesquisa, de modo a suscitar as problematizações que compõem este estudo.

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PARTE 16

DAS FERRAMENTAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS

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A imagem da flor foi escolhida para representar esta dissertação, uma vez que uma das professoras surdas, informantes da pesquisa, utilizou-a representativamente em suas narrativas. É importante frisar que a imagem aqui apresentada não é a mesma que foi utilizada pela professora e sim foi retirada da internet para compor este trabalho. Disponível em: http://images.search.conduit.com/ImagePreview/?q=dente+de+le%C3%A3o&ctid=CT3027459& SearchSource=13&FollowOn=true&PageSource=Results&start=35&pos=32

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1. ESTUDOS SURDOS EM EDUCAÇÃO

Como podem ser relacionadas, dentro de um contexto educacional mais amplo, essas representações sobre a surdez? Pode-se dizer que a educação dos surdos parece se encontrar, hoje, diante de uma encruzilhada. Por um lado, manter-se, ou não, dentro dos paradigmas da educação especial reproduzindo o fracasso da ideologia dominante – movimento de tensão e ruptura entre a educação especial e a educação de surdos. Por outro lado, aprofundar as práticas e os estudos num novo campo conceitual, os Estudos Surdos, quebrando assim a sua dependência representacional com a educação especial, e se aproximando dos discursos, discussões e práticas próprias de outras linhas de pesquisa e estudo em educação (SKLIAR, 1998, p.11).

No presente capítulo trago alguns elementos sobre os Estudos Surdos em Educação, campo teórico que, a partir de problematizações acerca da surdez, tem gerado saberes sobre o universo dos surdos e investigações e preposições educacionais que atentam para o contexto cultural e político dos mesmos.

Segundo Carlos Skliar:

Os estudos surdos se constituem enquanto um programa de pesquisa em educação, onde as identidades, as línguas, os projetos educacionais, a História, a arte, as comunidades e as culturas surdas são focalizadas e entendidas a partir da diferença, a partir de seu reconhecimento político (SKLIAR, 1998, p.5).

.

Esses estudos surgem no Brasil a partir dos movimentos surdos organizados e com influência da perspectiva teórica dos Estudos Culturais, que enfatizam questões como: culturas práticas discursivas, diferenças e lutas por poderes e saberes. Os Estudos Culturais argumentam que a cultura é formada por micro culturas, isto é, realizam estudos das culturas minoritárias que vivem

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às margens da sociedade, tais como os estudos sobre a sexualidade, gênero, raça e surdez, entre outros.

Atentamos para a seguinte citação:

Os Estudos Culturais (EC) vão surgir em meio às movimentações de certos grupos sociais que buscam se apropriar de instrumentos, de ferramentas conceituais, de saberes que emergem de suas leituras do mundo, repudiando aqueles que se impõem, ao longo dos séculos, aos anseios por uma cultura pautada por oportunidades democráticas, assentada na educação de livre acesso. Uma educação que as pessoas comuns, o povo, pudessem ter seus saberes valorizados e seus interesses contemplados (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, p.37).

Com esses estudos, começa a se travar uma luta contra a compreensão da surdez como deficiência, levando-se em consideração a forma como os surdos querem se narrar e serem narrados. A visão dos surdos como pessoas deficientes, doentes e impossibilitadas de ser felizes - experiências que são marcadas a partir de uma falta - não é a base para subsidiar os Estudos Surdos. Em Lopes (2007) ficam evidenciados os tensionamentos permanentes desse campo, no sentido de uma mudança epistemológica:

Com a ênfase colocada no caráter cultural da surdez e com a compreensão de que os surdos são sujeitos que pertencem a uma minoria linguística cultural, o debate da Educação de Surdos foi retirado do contexto da Educação Especial, fortemente marcada pela ênfase numa dimensão clínico-medicalizadora. Não quero dizer que a partir de 1960 os discursos clínicos tenham sido negados e excluídos da História surda, pois eles continuam até os dias de hoje fazendo investigações e ações de profilaxia. Entretanto, tais olhares médicos não entram no que chamamos hoje de Estudos Surdos (LOPES, 2007, p.26).

Segundo Skliar (1998, p.5) “A ambivalência desse discurso da deficiência reside, justamente, no fato de que é um discurso mascarado pela benevolência”. No entanto, para os Estudos Surdos o mais importante é frisar as questões culturais, linguísticas e identitárias que definem as pessoas surdas enquanto grupo diferente, dentro de um contexto sociocultural que apresenta

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vários grupos e comunidades específicas, cada um com suas peculiaridades, sejam eles maiorias ou minorias7.

O que interessa, para este campo de estudo, é construir questões teóricas fundamentais nas comunidades surdas, nas escolas, com os interpretes de lingua de sinais, no processo de formação dos professores ouvintes e surdos etc. Ou seja, os projetos de pesquisa, nessa perspectiva, focam pontos como as identidades surdas, discursos hegemônicos sobre a surdez e os surdos, práticas discursivas e dispositivos pedagógicos, currículo, novos paradigmas etc (VIEIRA-MACHADO, 2010, p.48).

Assim os surdos, enquanto grupo culturalmente organizado, não se definem como pessoas com deficiência auditiva, porque para eles o mais importante não é focar a atenção sobre a falta da audição, mas sobre aspectos linguísticos e de ordem cultural. Por isso os Estudos Surdos em Educação ganham significado, pois por meio de suas pesquisas vêm problematizando questões que envolvem o mundo dos surdos, possibilitando a criação de novos discursos sobre a surdez e, consequentemente, conhecimentos sobre esse campo de pesquisa.

1.1 Um breve olhar sobre a trajetória dos movimentos surdos

A trajetória dos movimentos surdos e a organização da comunidade surda no Brasil foram e vêm sendo marcados por lutas e conquistas relacionadas ao reconhecimento político e identitário desse grupo, evidenciando a importância de se unirem e reivindicarem seus direitos frente à sociedade. É fato que as lutas dessa comunidade permanecem acontecendo e se multiplicando (THOMA; KLEIN, 2010). Por isso cabe destacar aqui um breve histórico dos movimentos surdos e de suas contribuições em questões que envolvem a valorização de políticas sociais que proporcionam a ascensão de espaços com igualdade de direitos, como qualificação profissional e formação acadêmica, entre outros.

7Na utilização do termo “minoria” não intenciono relacionar essa expressão com a quantidade

de sujeitos pertencentes aos grupos, mas sim salientar as relações de poder que definem os espaços desses grupos e suas condições de dizer de si na sociedade. De acordo com Skliar (2003b), não é o quantitativo que demarca o território do minoritário e do majoritário, mas sim, certo tipo de mecanismo de poder, aquele que outorga tal condição: um mecanismo de poder que a nossa tradição tentou traduzir em termos de uma relação entre dominantes e subordinados.

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Há algum tempo atrás, os estudos sobre os surdos eram entendidos a partir da medicina e estavam ligados à falta de audição e à deficiência. Hoje esses estudos ganharam um novo olhar com a possibilitade de ver o surdo através de sua identidade, cultura e lingua de sinais.

No Brasil, a primeira escola para surdos foi o Instituto Nacional dos Surdos Mudos8 (INSM), fundada no ano de 1857 pelo professor surdo E. Huet. O instituto foi criado no Rio de Janeiro e a comunicação era realizada principalmente em lingua de sinais, como acontecia em outras escolas de surdos na Europa e nos Estados Unidos da América. Já no final do século XIX, devido a um conjunto de acontecimentos que culminaram com o Congresso de Milão (1881) e a determinação do oralismo como filosofia e método para a educação de surdos, o ensino centrou-se na linguagem oral e escrita, não valorizando um currículo surdo9.

Mesmo diante desses fatores, os movimentos surdos se mantiveram dentro ou fora dos espaços escolares, em associações ou em espaços de informalidade com o propósito de compartilhar experiências na formação e constituição do sujeito em busca de novas oportunidades. As associações de surdos, juntamente com o movimento de pessoas deficientes10 (cegos,

8A expressão “surdo-mudo” é uma forma antiga de identificar a pessoa surda. Essa forma de

denominação não está correta, mas ainda assim muitos meios de comunicação em nossa sociedade ainda a utilizam. O fato de uma pessoa ser surda não significa que ela seja muda. Muitos surdos foram oralizados ao longo da vida através de exercícios fonoaudiológicos e isso mostra que os surdos emitem sons. A surdez esta ligada à falta parcial ou total da audição, já a mudez está relacionada a problemas na voz. A cultura surda tem visto a utilização da termologia surdo-mudo como um erro social dado por desconhecerem os significados das duas palavras. Se pensarmos sobre o significado da palavra “mudez” entendendo-a como falta de comunicação, então podemos dizer que os surdos não devem ser nomeados dessa forma, pois a comunicação acontece através de sua lingua de sinais e sua cultura. Sendo assim, os surdos não são mudos.

9

Currículo surdo seria aquele que contempla os aspectos fundamentais da educação de surdos. Os elementos necessários que devem ser respeitados para que se tenha um currículo que atenda a tais especificidades são: História da cultura; lingua de sinais; diferentes identidades; artes (literatura e poesia entre outras); o jeito surdo de ser, com todas as características culturais que os formam; o contato surdo-surdo; a política; os movimentos sociais etc. Ainda sobre as discussões relacionadas ao currículo surdo é pertinente dizer que: “[...] Ao longo da História dos surdos, várias denominações que contemplam uma essência surda foram surgindo: “jeito surdo”, experiência visual”, “coisas próprias do surdo”, que funcionam para descrever a diferença/essência surda. Porém, há cerca de, no máximo, 30 anos, surge no Brasil a ideia conceitual de “cultura surda”, que agrega esse essencialismo e que parece ter caráter mais científico e legítimo do que os termos anteriores, tanto nas discussões acadêmicas quanto na construção da identidade surda ( GOMES, 2011, p.123-124).

10

Segundo o Aurélio o termo deficiência se define por: falta, carência, insuficiência. Os surdos, por sua vez, não querem ser narrados pela falta ou incompletude, mas sim pelo campo da

(23)

deficientes físicos e mentais) iniciaram campanhas intensas no sentido de propagar os direitos desses cidadãos: direitos a atendimentos qualificados, à educação, ao lazer, à profissionalização e ao emprego (KLEIN, 1998).

Na década de 90 do século XX os movimentos surdos ganharam destaque, sendo fortalecidos através da organização dos surdos juntamente com pesquisadores na luta pelo reconhecimento da lingua de sinais. No Rio Grande do Sul, o Núcleo de Pesquisa em Políticas Educacionais para Surdos (NUPPES) teve sua formação no ano de 1996, sendo composto por alunos e professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Cabe ressaltar que nesse Programa formaram-se os primeiros mestres e doutores surdos do país. Esse Núcleo, entre suas atividades, fez parcerias com a Secretaria de Educação do Estado, assumindo a partir daí a elaboração dos currículos, bem como a formação de professores nos cursos oferecidos pelo Estado. Além disso, o NUPPES realizou diversos movimentos para que a comunidade surda se fizesse presente no contexto acadêmico através da entrada de surdos na Universidade. Ainda é importante destacar que esse mesmo grupo:

[...] sem duvida, contribuiu muito para alguns avanços sociais, educacionais e políticos no que concerne à causa surda, no Brasil. Tendo como aliada a Linha de Pesquisas Estudos Culturais em Educação, daquele mesmo programa de pós- graduação, o NUPPES, durante muitos anos, funcionou como um centro tanto produtor e irradiador de conhecimentos e formador de especialistas no campo dos Estudos Surdos quanto catalisador de ações políticas em prol dos direitos dos surdos (LOPES, 2007, p.31).

A partir da produção intelectual e da inserção de professores surdos em espaços escolares e acadêmicos os surdos têm ocupado lugares de destaque. Isso só foi possível devido ao processo de lutas por poderes e saberes que se estabeleceram no decorrer da História. Com a oficialização da Língua Brasileira de Sinais (Lei Federal nº 10.436 de 24 de abril de 2002) e a implementação do Decreto nº 5.626 de 2005, o qual preconiza a inclusão da Libras nos cursos de formação de professores, os surdos vêm conquistando diferentes espaços

identidade e da diferença, ou seja, a surdez pensada como diferença. Porém, nos espaços de luta pelos direitos de cidadania, lutam com os demais grupos nomeados deficientes e portadores de deficiência, dependendo do momento político e da especificidade das lutas.

(24)

23

educacionais. Nesse contexto, muitas universidades federais e particulares no nosso país vêm reconhecendo e inserindo esses profissionais como professores responsáveis pelo ensino da Libras como disciplina11. Com isso, muitas dessas instituições têm realizado concursos públicos e realizado contratações para o suprimento das vagas desses profissionais. Porém, ainda é pequeno o número de surdos com formação em pós-graduação (mestrado e doutorado), sendo que muitas vagas para professor de Libras em instituições públicas vêm sendo ocupadas por professores ouvintes com fluência comprovada na língua12.

1.2 Cultura e Identidade surda: discursos e problematizações

Questões como o que é cultura surda e quais discursos vêm permeando essa perspectiva cultural, entre outras, surgem diante de possibilidades de análises que envolvem poder e significação. Analisando os diferentes discursos, sabe-se que os mesmos criam verdades, que por sua vez definem modos de ser, conviver em sociedade, experienciar e significar acontecimentos na medida em que se aplicam a um determinado grupo ou comunidade.

Com isso, cabe aqui destacar que o termo “discurso” representa um dos temas centrais dos estudos de Foucault, podendo encontrar uma de suas definições como:

[...] um bem finito, limitado, desejável, útil, que tem suas regras de aparecimento e também suas condições de apropriação e de utilização; um bem que coloca, por conseguinte, desde sua existência (e não somente em suas “aplicações práticas”), a questão do poder; um bem que é, por natureza, o objetivo de uma luta, e de uma luta política (FOUCAULT, 1997, p. 139).

As análises aqui problematizadas sobre os discursos acerca da cultura surda ganham destaque, pois os surdos são um grupo minoritário que vem lutando para que sua cultura seja respeitada com legitimidade no contexto

11

A disciplina de Libras passa a ser obrigatória nos cursos de licenciatura no ano de 2005, com isso muitas instituições abrem concursos para profissionais surdos.

12

Essa proficiência vêm sendo atestada pelo PRO-LIBRAS, sob responsabilidade da UFSC, realizando provas de proficiência em Língua Brasileira de Sinais para exercício da atividade de docente em Libras, ou para a atividade de Tradutor/Interprete dessa língua. Essa prova está prevista no Decreto nº 5.626 de 2005, que regulamenta a oficialização da Lingua de sinais no país.

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político-social, por meio de discursos situados no campo da diferença. Perlin nos ajuda a pensar sobre isso:

A escolha cultural do surdo pode parecer um processo anômalo para quem defende a normalidade. No entanto, a cultura surda, vista do nível das múltiplas culturas, ou da proliferação cultural ou das diferenças, faz com que transpareça com toda a sua excelência nas linguagens constitutivas das culturas. Entrar no lugar da cultura surda requer conhecimento da experiência do ser surdo com toda a transformação que o acompanha (PERLIN, 2004, p.73).

Ao falar sobre lugar, a autora refere-se às possibilidades de significar a partir de uma cultura própria, através do compartilhar de experiências que são vivenciadas dentro de um grupo cultural específico. Esse compartilhar só é possível quando se rompe com padrões de normalização ditados pelos discursos acerca da cultura ao longo dos tempos. Tais discursos hegemônicos, baseados principalmente na cultura majoritária, fazem com que a surdez seja vista a partir das lentes do ouvintismo13, a partir de experiências impostas por um modelo que não valoriza as marcas surdas. Nesse embate por poder e significação, os discursos “normalizadores” ganham força na medida em que tentam enquadrar o surdo dentro de um modelo ideal a ser seguido. A normalização imposta ganha padrões de verdade no exercício de desconsiderar as outras identidades existentes, ou seja, diz que há uma identidade considerada superior a todas as outras. Como argumenta Silva (2000, p. 83):

A normalização é um dos processos mais sutis através dos quais o poder se manifesta no campo da identidade e da diferença. Normalizar significa eleger – arbitrariamente – uma identidade específica como o parâmetro em relação a qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas.

Sobre os processos de normalização impostos aos surdos, Skliar afirma que:

13

O ouvintismo – as representações dos ouvintes sobre a surdez e sobre os surdos – e o oralismo – a forma institucionalizada do ouvintismo – continuam sendo, ainda hoje, discursos hegemônicos em diferentes partes do mundo. O que é mais especificamente o ouvintismo? Trata-se de um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se a narrar-se como se fosse ouvinte (SKLIAR, 1998).

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25 Foram mais de cem anos de práticas enceguecidas pela tentativa de correção, normalização e pela violência institucional; instituições especiais que foram reguladas tanto pela caridade e pela beneficência, quanto pela cultura social vigente que requeria uma capacidade para controlar, separar e negar a existência da comunidade surda, da lingua de sinais, das identidades surdas e das experiências visuais, que determinam o conjunto de diferenças dos surdos em relação a qualquer outro grupo de sujeitos (SKLIAR, 1998, p.7).

O autor segue argumentando:

A configuração do ser ouvinte pode começar sendo uma simples referencia a uma hipotética normalidade, mas se associa rapidamente a uma normalidade referida à audição e, a partir desta, a toda uma sequência de traços de ordem discriminatória. Ser ouvinte é ser falante e é, também, ser branco, homem, profissional, letrado, civilizado, etc. Ser surdo, portanto, significa não falar – surdo mudo – e não ser humano (SKLIAR, 1998, p. 21).

O discurso da normalização, ao narrar a surdez, coloca-a no campo da deficiência e não no campo da diferença, produzindo-se o “anormal – surdo” que, para ser aceito na sociedade, deve ser envolvido em processos de normalização. Diante dessa ordem, a diferença cultural que existe entre cultura surda e ouvinte não é valorizada, pelo contrário, nesse instante ganham força técnicas de normalização como, por exemplo, o oralismo e a inclusão educacional, entre outras. Por isso que as pessoas surdas têm muito a nos dizer sobre suas realidades, sobre jeitos de ser desse povo, pois falam de um lugar político em que as vivências surdas existem, no qual as identidades são aceitas e as culturas são priorizadas e colocadas em prática por meio de discursos que nascem e renascem embasados na alteridade e na diferença. Falando desse lugar político e ressaltando tais afirmações, cito Perlin, que nos diz:

A cultura surda é então a diferença que contêm a prática social dos surdos e que comunica um significado. É o caso de ser surdo homem, de ser surda mulher, deixando evidências de identidade, o predomínio da ordem, como, por exemplo, o jeito de usar sinais, o jeito de ensinar e de transmitir cultura, a nostalgia por algo que é dos surdos, o carinho para com os achados surdos do passado, o jeito de discutir a política, a pedagogia, etc. (PERLIN, 2004, p.77).

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Quando um grupo compartilha de uma cultura, ele cria mecanismos de força de ordem subjetiva para lidar com as relações de poder. Esses mecanismos se tornam mais fortes quando os surdos estão juntos, funcionando como uma espécie de alavanca para o desenvolvimento da cultura surda14, criando assim possibilidades de disputas por lugares de predominância do poder da cultura dominante. Na tentativa de assumir tais locais, lutas em torno da significação têm sido travadas há muitos anos, possibilitando a criação de novos discursos situados no campo da diferença e não da deficiência.

As relações estabelecidas no cenário social, em seus diferentes locais, através dos diferentes papéis que os sujeitos venham a ocupar, são de suma importância para a constituição de identidades. Por esses motivos é imprescindível compreender que os elementos da cultura surda são legítimos. É através desse resgate cultural que se rompe com padrões de dominação, buscando modificar através de ações, posicionamentos e discursos, a lógica que a sociedade ouvinte impôs aos surdos. Afirmo aqui que todas essas discussões são extremamente relevantes, visto que as lutas políticas sobre os direitos dos surdos têm crescido satisfatoriamente, gerando novos frutos. O fato de hoje existirem surdos como professores de lingua de sinais, a criação do curso de Letras-Libras15 que vem formando professores no ensino superior, a luta por políticas educacionais, enfim, todos esses fatores fazem com que os sujeitos surdos, a partir de novos discursos, promovam sua cultura e identidade com o propósito de torná-las respeitadas por todos16.

14

A educação de surdos, pensada dentro uma política educacional que respeita e valoriza a cultura dos mesmos, é vista como uma grande alavanca no processo de transformação desses sujeitos.

15

Em agosto do ano de 2006 ocorreu o primeiro vestibular para o curso de Licenciatura em Letras-Libras, desenvolvido pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O curso teve a participação de oito instituições de ensino superior, em diferentes regiões do nosso país na modalidade à distância, visando expressar o conhecimento em Língua Brasileira de Sinais e evidenciar as formas de ensinar e aprender dos surdos. As aulas presenciais aconteceram quinzenalmente, oportunizando o encontro dos surdos, quando compartilham de suas experiências. Nos primeiros meses de 2011 aconteceram as formaturas desses diferentes Polos, sendo que no dia 26 de fevereiro realizou-se, em Santa Maria/RS a formatura de 47 alunos deste Polo. Em 2008, outro vestibular proporcionou o ingresso de novas turmas tanto de Licenciatura (formação de professores para o ensino da lingua de sinais) quanto de Bacharelado (formação de tradutor intérprete Libras/Língua Portuguesa).

16

Cabe aqui registrar a atualidade das lutas surdas, uma vez que, por exemplo, no ano de 2012 ocorreu uma mobilização da comunidade surda brasileira, cujo ápice foi uma mobilização em Brasília (DF) nos dias 19 e 20 de maio de 2011, conforme divulgado em http://wn.com/MOVIMENTO_EDUCA%C3%87%C3%83O_DOS_SURDOS_E_CULTURA_SUR DA__LIBRAS.

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27

Destaco as palavras de Perlin, quando diz:

Chega-se ao momento em que a cultura surda tem de ser negociada, em vez de negada, uma vez que se trata de um tema extremamente importante. Ela não está ai para uma subversão, mas como uma estratégia dos surdos para a sobrevivência. As narrativas surdas constantes à luz do dia estão cheias de exclusão, de opressão, de estereótipos. O problema histórico do povo surdo subsiste. O que é crucial para o ouvinte é simplesmente transformar essa noção de que há uma única cultura e aventurar-se pelo espaço do que significa viver no diferente, noutra cultura, do que significa a existência de uma fronteira de diferença cultural e o ser portador de outras linguagens, de outras culturas (PERLIN, 2004, p.80).

Ainda relacionada a essas discussões, a próxima seção apresenta algumas considerações acerca da formação de professores surdos, tais como a construção da identidade docente e a valorização de um contexto próprio, que possibilite as trocas culturais e o fortalecimento do discurso surdo.

1.3 A formação docente no contexto da cultura surda

Atualmente, muitos fatores potencializadores da cultura surda vêm transformando e reafirmando o cenário que envolve a educação de surdos. Um exemplo a ser citado é a presença de surdos na universidade, rompendo com uma territorialização cultural perpetuada ao longo de muito tempo, influenciada pelo modelo ouvintista de educação. Cabe destacar também a importância dos profissionais docentes surdos se inserirem em espaços acadêmicos de predominância culturalmente ouvinte por meio do ensino da Libras. Isso se torna relevante, porque com as práticas docentes desenvolvidas esses profissionais podem se utilizar de mecanismos para narrar sua diferença e propagar suas especificidades culturais.

O processo de formação de professores, juntamente com as questões surdas, envolve a educação com todas as características, marcas e lutas desses sujeitos. Ao pensar no processo formador, é preciso atentar-se para a pluralidade de significados que se revelam através das vivências, tanto no período escolar quanto no cotidiano de cada um ao longo da vida. Sabe-se que

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o histórico dos surdos é marcado por conflitos e rupturas. O embate entre oralismo e lingua de sinais ao longo dos tempos deu a possibilidade de redefinirem sua História, através de discursos sobre a surdez e sobre o ser surdo.

O curso de Letras–Libras, dentro do contexto de formação cultural, é visto como um novo e importante espaço de formação, no qual se produz saberes que incluem os aspectos sociais, culturais e políticos presentes em seu currículo.

Questões como cultura e poder são fundamentais para se pensar o currículo As discussões sobre o currículo surdo estão atreladas a essas questões. A possibilidade de elaboração de um currículo na educação dos surdos precisa ser construída a partir da ideia de diferença como uma construção cultural e histórica, permeada por relações de poder (LUNARDI, 1998 p.166).

Não podemos deixar de falar em currículo sem associarmos essas questões à lingua de sinais. As experiências compartilhadas através da Língua Brasileira de Sinais possibilitam aos surdos que a formação aconteça dentro de um contexto linguístico compartilhado. Nesse sentido, Sá comenta que:

Atribui-se importância ao uso de lingua de sinais na construção da(s) identidade(s) do surdo, pelo valor que a língua tem como instrumento de comunicação, de troca, de reflexão, de crítica, de posicionamento, pois, como se poderia imaginar uma significativa e natural interação entre surdos que utilizassem uma língua oral, uma língua oral sinalizada? O instrumento natural e habitual para sua interação não pode ser outro se não a lingua de sinais da comunidade surda local. Não há como negar que o uso de lingua de sinais é um dos principais elementos aglutinantes das comunidades surdas, sendo assim um dos elementos importantíssimos no processo de desenvolvimento da identidade surda/ de surdo e nos de identificação dos surdos entre si (SÁ, 2002, p. 105).

Entender a diferença lingüística da Lingua de sinais, que por muito tempo foi desvalorizada, criando uma falsa ideia de que a Língua Portuguesa, por ser a língua oficial do país, deveria ser utilizada por todas as pessoas como primeira língua, ainda é um desafio nos dias de hoje. Mesmo diante de todos

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29

os progressos relacionados aos estudos referentes à cultura surda, mesmo sabendo que o português não é puro e único e que sofre várias influências de outras línguas, ainda assim existem resistências de aceitação e utilização da lingua de sinais como primeira língua dos surdos em espaços sociais.

Afirmo, no entanto, que para a identidade docente surda ser construída é necessário o envolvimento com a comunidade surda e com aspectos da língua, a movimentação em prol dos ideais, o contato surdo-surdo e os momentos de lazer e conviver, entre outros. Esses aspectos que fazem parte da História de vida de cada sujeito, quando levados em consideração dentro de um processo formativo possibilitam, a partir das vivências, um resgate de quem fomos, de quem somos e de quem queremos ser.

Com isso, torna-se possível problematizar os processos de identificação que se estabelecem na ação de rememorar acontecimentos e fatos que marcaram a caminhada histórica de formação, partindo para uma reapropriação de tais vivências, utilizando-as na construção da identidade de professor surdo. A identificação acontece mediante a produção de significados que se relacionam. Essa relação é estabelecida no contato com o outro igual ou grupo. É importante entender o lugar a partir do qual se produz uma nova identificação do professor surdo. É esse profissional que constrói sua cultura, sua lingua de sinais, sua identidade e sua alteridade, a partir da qual vai construído seu jeito de ser (REIS, 2007).

Flaviane Reis (2007) complementa, destacando que também é importante afirmar a diferença, ou seja, a identidade do professor surdo, entendendo melhor a sua formação e entendendo a afirmação da postura do professor dentro do processo de identificação.

Procurando atender aos objetivos da pesquisa a que se refere esta dissertação, abordo narrativas de formação de três professoras surdas, a fim de possibilitar a elas contarem suas Histórias. Muitas dessas Histórias emergiram através das lembranças das experiências vividas no tempo da escola. Com as Histórias que envolvem os processos de escolarização, foi possível compreender como a escolha pela docência foi acontecendo e constituindo as identidades docentes de cada uma delas. As narrativas biográficas foram sinalizadas pelas professoras surdas no decorrer de três

(31)

encontros, contando com o auxilio de estratégias metodológicas, como o uso de imagens e de caixa de memórias17.

No próximo capítulo aproximo-me das discussões referentes ao Método (auto)biográfico, uma vez que o mesmo recorre a fontes como as Histórias de vida a partir de memórias e narrativas de formação. Assim, através de um recorte teórico-metodológico dessa perspectiva, subsidio a investigação que proponho neste trabalho.

17

Essas estratégias metodológicas serão explicadas no decorrer da dissertação, na parte de metodologia.

(32)

2. A ABORDAGEM BIOGRÁFICA E A FORMAÇÃO:

ENTENDENDO O MÉTODO

De que modo as nossas experiências nos formam? Como a nossa trajetória de vida influencia no ser humano que somos hoje? Como as vivências formadoras afetam as escolhas dos sujeitos no que diz respeito às decisões do futuro, como por exemplo, a profissão? Desprezando os processos formativos e todo o conjunto de crenças, ideologias, princípios e verdades que o envolvem, é possível compreender o processo em totalidade e de forma significativa?

É impossível pensar a educação sem levar em consideração os processos formadores que constituíram a subjetividade do indivíduo ao longo de sua vida. Suas vivências na infância, a cultura em que esteve inserido, o modo como se deu sua escolarização, sua trajetória de relações sociais, enfim, o sujeito tem em seu processo de formação uma gama de situações que atuam de maneira significativa em sua trajetória.

Entender como se forma o individuo de hoje implica, intrinsecamente, um trabalho de investigação de como ocorreu a formação do sujeito ao longo de sua vida, que momentos foram marcantes em sua trajetória e decisivos nas identidades do ser em questão. Para que isso ocorra, a abordagem utilizada não pode ser engessada dentro de uma estrutura que não privilegia formas subjetivas para desencadear essas vivências. Os processos de formação são extremamente peculiares e particulares e se apresentam de forma diferente de pessoa para pessoa.

Pode-se dizer que existem diferentes fatores que movimentam esses processos e que precisam ser levados em consideração por estarem atuantes na construção e constituição da identidades das pessoas. A estrutura social, o meio em que está inserido e a cultura do sujeito são fatores que se apresentam

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muito variáveis para se estudar à luz de padrões considerados metodologicamente enrijecidos, frente ao universo de diferenças multiculturais.

O desafio de se entender as questões relacionadas à formação docente de surdos, tema na qual enfoco meu trabalho, implica necessariamente compreender as subjetividades que permeiam a construção da identidade de ser professor, atreladas à cultura surda. Sobre isso:

Para desenvolver tal tema, argumentamos que, além da lingua de sinais, da arte, do teatro e da poesia surda, a noção de luta, a necessidade de viver em grupo e a experiência do olhar são marcadores que nos permitem falar de identidades surdas fundadas em uma alteridade e uma forma de ser surdo. Longe de defender uma pretensa essência surda, nosso objetivo é mostrar que a expressão ser surdo abrange uma experiência de ser, de estar num mundo, que é vivida no coletivo, mas sentida de maneiras particulares. Embora tenhamos distintas formas de viver a condição de ser surdo, alguns elementos presentes nas narrativas surdas sobre si permitem-nos reconhecer, na dispersão dos enunciados, alguns elementos recorrentes que, ao serem agrupados, conectados e selecionados, nos indicam marcadores comuns dentro de um grupo cultural especifico (LOPES; VEIGA-NETO, 2010, p.116).

Em vista disso, a metodologia que utilizei no trabalho e que contempla os aspectos abordados até aqui, é o método18 (auto)biográfico. Definindo19 um pouco esse método, podemos dizer que o mesmo se mostra em caráter subjetivo, qualitativo, alheio a todo o esquema de estudo enrijecido, e que tem por foco as Histórias de vida de cada sujeito como processos de formação. Ele apresenta como fundamento que a vida de cada um é uma apropriação individual sobre as relações, saberes e vivências que se dão em um cenário

18

A partir dos anos 2000, observa-se nos estudos pós-graduados no Brasil um movimento que vem contribuindo para a fundação da pesquisa (auto)biográfica em Educação. Ele se expressa mediante a explosão de teses e de dissertações de mestrados que tomam como palavra-chave da investigação o termo (auto)biográfico: o êxito dos Congressos Internacionais sobre Pesquisa (Auto)Biografica (CIPA); A CRIAÇÃO DA Associação Brasileira de Pesquisa (Auto)Biografica (BIOgraph); a existência de publicações nacionais e internacionais sob o titulo de Pesquisa (auto)biográfica. Esses fatos sinalizam uma forma de superar a flutuação terminológica gerada pela multiplicidade de denominações relativas ao uso de fontes (auto)biograficas: abordagem biográfica ou autobiográfica, método (auto)biográfico, narrativa de vida, relato de vida, Histórias de vida em formação, pesquisa narrativa, investigação biográfico-narrativa (PASSEGGI e SILVA, 2010, p.106).

19

O trabalho biográfico, nesta dissertação, centra-se na reconstrução de Histórias de formação, proposto por estudiosos como: Marie-Christine Josso (2010), Christine Delory-Momberger (2008), Pierre Dominicé (2010) e Elizeu Clementino de Souza (2006). Esses pesquisadores têm contribuído relevantemente para que a metodologia que envolve as Histórias de vida faça parte do processo de formação do sujeito no mundo contemporâneo.

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33

social no qual está inserida. Com isso, acontece uma apropriação por parte do sujeito em relação às experiências formadoras que se dão nesse meio, das quais se utiliza na construção do seu “eu”. Existem territórios acessíveis aos nossos sentidos que pertencem ao nosso ambiente humano e natural e testemunham, com uma espécie de evidência, lugares de experiências formadoras e fundadoras. Mas existem igualmente espaços invisíveis - ou não tão tangíveis - nos quais as simbólicas do sentido, humanamente construídas no singular-plural, se dão a conhecer como tipologias experiências (JOSSO, 2008).

Finger; Nóvoa (2010, p.23) descrevem o método biográfico assim dizendo:

O método biográfico permite que seja concedida uma atenção muito particular e um grande respeito pelos processos das pessoas que se formam: nisso reside uma das suas principais qualidades, que o distinguem, aliás, da maior parte das outras metodologias de investigação em ciências sociais. Respeitando a natureza processual da formação, o método biográfico constitui uma abordagem que possibilita ir mais longe na investigação e na compreensão dos processos de formação e dos subprocessos que o compõem.

Partindo disso, é fundamental entender como ocorre a interiorização das vivências e como atuaram e vêm atuando na constituição da docência. No caso, entender como funciona os meios sociais e culturais surdos e como o sujeito surdo absorve tais vivências, utilizando-as como a base que subsidiará sua constituição e formação. Essas problematizações acerca da construção da identidade docente surda serão abordadas no transcorrer das analises desenvolvidas na pesquisa aqui apresentada.

2.1 Narrativas de formação

Atualmente, as pesquisas realizadas nas ciências sociais têm dado maior atenção às pesquisas relacionadas à biografia e à História de vida. Na educação, em especial, essas abordagens vêm ganhando um espaço de discussões, privilegiando a narrativa pessoal e a utilizando na articulação de saberes a partir do terreno político, cultural e social.

(35)

As narrativas orais e, no caso do presente trabalho, gestuais20, provêm de uma base epistemológica21 representada historicamente por fatos, episódios, acontecimentos e experiências que influenciam a construção do olhar que temos sobre nós mesmos e que estão intrincados a um conjunto de valores, ideias e símbolos que representam a identidade de cada um. Partindo desse pressuposto, sabemos que as identidades são construídas permanentemente ao longo da vida, a partir de uma teia de relações que se estabelece com o/no grupo cultural do qual fazemos parte. Por exemplo: professores surdos relatam experiências22 que marcaram suas vidas pessoais e que refletem nos seus cotidianos profissionais, como as ocorridas na infância, quando ainda eram alunos e estavam inseridos em um sistema de ensino em que privilegiava a língua falada, dentro de uma organização curricular ouvinte. Lembrando esses momentos, eles podem trazer essas experiências para o contexto atual e de forma ressignificada construir novas possibilidades de ação docente.

A opção pelas narrativas (auto)biográficas corresponde neste trabalho como instrumento de formação, pois permite que os sujeitos da formação ressignifiquem suas aprendizagens. Através da prática dos relatos, o percurso de sua vida é evidenciado, ou seja, os professores, no exercício de rememorar sua trajetória, demarcam suas singularidades, possibilitando, a partir das ressignificações entenderem os sentimentos e as representações dos sujeitos no processo de autoformação. Para sustentar essa ideia, cito Chiené (2010, p.132):

20

Os informantes da pesquisa realizarão as narrativas em Libras.

21

A palavra epistemologia refere-se ao estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas; Teoria da Ciência. Neste caso, a epistemologia está relacionada a um conjunto de princípios e valores que representam historicamente os surdos.

22

Pesquisas com essa abordagem já vem acontecendo no campo da Educação de Surdos, envolvendo memórias e narrativas. Um exemplo foi o curso de formação continuada Memórias,

narrativas e experiências docentes na educação de surdos – desenvolvido como parte

integrante da pesquisa intitulada: Lingua de sinais e Educação de surdos: políticas de inclusão

e espaços para a diferença na escola sob a coordenação da professora Drª Adriana da Silva

Thoma. O mesmo foi realizado no ano de 2008, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e contou com a participação de professores surdos e ouvintes que, através de suas escritas que se deram através de cartas, diários individuais e de um diário coletivo virtual – Blog. Assim, escolheram escrever sobre suas trajetórias na educação de surdos. Essa pesquisa resultou em alguns textos publicados em anais de eventos como também em livros da área. Alguns destes textos serviram como referencia nesta dissertação e constam das referencias bibliográgicas, tais como Thoma e Bandeira (2010a, 2010b), entre outros.

Referências

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