UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE
BRASÍLIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
STRICTO SENSU EM GERONTOLOGIA
Mestrado
REMBRANDT E A VELHICEAutor: Ledismar José da Silva
Orientador: Prof. Dr. Armando José China Bezerra
LEDISMAR JOSÉ DA SILVA
REMBRANDT E A VELHICE
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação de Mestrado Stricto
Sensu em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Gerontologia.
Orientador: Prof. Dr. Armando José China Bezerra
Ficha elaborada pela Coordenação de Processamento do Acervo SIBI – UCB. S586r Silva, Ledismar José da
Rembrandt e a velhice / Ledismar José da Silva. – 2006. 121 f.: il.; 30 cm.
Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2006.
Orientação: Armando José China Bezerra.
1. Rembrandt. 2. Auto-retratos. 3. Velhice. 4. Gerontologia. I. Bezerra, Armando José China, orient. II. Título.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha esposa, Monike Inácio da Silva, pelo apoio irrestrito e incentivo
que impulsionaram a conclusão deste trabalho.
Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Armando José China Bezerra, pela
oportunidade de me iniciar no estudo das artes e pela valiosa orientação durante a
realização desta dissertação.
Agradeço à Profa. Ms. Suzana Oellers pela competência e eficiência demonstradas
RESUMO
Famoso pintor holandês, conhecido mundialmente por suas pinturas e gravuras, Rembrandt apresenta a particularidade de ter sido um dos poucos pintores a se auto-retratar com tanta freqüência. A primeira fase de sua vida caracterizou-se por sucesso, fama e riqueza; já a segunda metade foi marcada pelas mortes de sua esposa, amante e vários filhos e por grave crise financeira que o levou à ruína. Nesta dissertação é mostrada a trajetória de vida do pintor em direção ao envelhecimento por meio de seus auto-retratos. Na fase inicial de sua arte, marcada por técnica detalhada, uso do pincel-bisturi para corrigir defeitos em sua face,
acabamento preciso e o chiaroescuro, aparece nos auto-retratos um Rembrandt
orgulhoso, vaidoso, rico e preocupado com sua aparência física. Na fase tardia, o pintor tornou-se mais espiritualizado, o que conferiu implicação psicológica a seus quadros. Seu modo de pintar mudou para pinceladas grossas e largas e seus quadros apresentam clima solene, atmosfera estática e pensativa. Velho, pobre e acumulando várias perdas familiares, Rembrandt produziu suas melhores obras na velhice, período em que continuou ativo e manteve-se perseverante. Por meio dos auto-retratos, percebe-se claramente a mudança na forma de pintar do artista ao longo do tempo e em associação com os acontecimentos de sua vida. Rembrandt é um excelente exemplo de que, apesar de todas as dificuldades e obstáculos, o velho, com sua experiência e maturidade, pode ser útil e produtivo, não devendo ser excluído da sociedade.
ABSTRACT
REMBRANDT AND AGING
A famous Dutch painter, known worldwide for his paintings and drawings, Rembrandt presents the peculiarity of having been one of the few artists that made self-portraits with such a high frequency. The first phase of his life was characterized by success, fame and wealth; nevertheless, the second phase was marked by his wife’s, mistress’s and several children’s deaths, as well as by a very serious financial crisis that bankrupted him. In this dissertation the painter’s life is shown towards his elderly period through the means of his self-portraits. In the initial phase of his art, marked by detailed technique, use of brush-scalpel to correct imperfections in his face, precise
finishing and chiaroescuro, he shows in his self-portraits a proud, vain, rich
Rembrandt that is concerned with his physical appearance. In the late phase, the painter became more spiritualized, which gave a psychological implication to his pictures. His way of painting changed to strong wide strokes and his pictures present a solemn, static and thoughtful atmosphere. Old, poor, and accumulating several family losses, Rembrandt produced his best pieces in his aging period, a phase in which he remained active and perseverant. Through the artist’s self-portraits it can clearly be seen the change in his way of painting throughout the time and in association to the happenings of his life. Rembrandt is an excellent example that, despite all the difficulties and obstacles, the elderly, with his experience and maturity, can be useful and productive and should not be excluded from society.
SUMÁRIO
página
RESUMO ... 5
ABSTRACT ... 6
LISTA DE FIGURAS ... 8
INTRODUÇÃO ... 17
OBJETIVO ... 20
1 CONTEXTUALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE REMBRANDT ... 21
1.1 Uma família de artesãos nas margens do rio Reno (1606-1627) ... 21
1.2 As pinturas históricas e delicadas em Leiden ... 22
1.3 As opções de um principiante ... 23
1.4 O mestre Pieter Lastman e a Itália ... 23
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA ... 26
2.1 Os primeiros passos de uma grande carreira (1627 a 1632) ... 26
2.2 A associação de Rembrandt com Jan Lievens ... 26
2.3 O humanista e o descobridor de talentos: Constantijn Huygens ... 28
3 REMBRANDT: ASCENSÃO E RUÍNA ... 30
3.1 Os anos dourados (1632 a 1642): a mudança de Rembrandt para Amsterdã ... 30
3.2 A relação de Rembrandt e Saskia ... 31
3.3 Uma rápida ascensão ... 32
3.4 Preparativos para uma obra-prima ... 34
3.5 Irremediavelmente para o precipício (1642 a 1657) ... 35
3.6 A morte de Saskia ... 36
3.7 Titus e Geertje ... 37
3.8 A ruína ... 39
3.9 Um homem solitário e sua arte (1658 a 1669) ... 41
3.10 A velhice de Rembrandt ... 42
3.11 Auto-retratos: pinturas ... 43
3.12 Auto-retratos: gravuras ... 49
4 MATERIAL E MÉTODO ... 51
5 RESULTADOS ... 52
CONCLUSÃO ... 116
LISTA DE FIGURAS
página
Figura 1. Burro de Balaão antes do anjo (1622), Pieter Lastman
(1583-1633). Coleção privada (Inglaterra). ... 24
Figura 2. Burro de Balaão (1626), Rembrandt (1606-1669). Óleo
sobre tela, 63,0 cm x 46,5 cm. Museu Cognacq-Jay (Paris). . 25
Figura 3. Auto-retrato de Jan Lievens (1638), Jan Lievens
(1607-1674). Óleo sobre tela, 96,2 cm x 77,0 cm. Galeria Nacional
(Londres). ... 27
Figura 4. São Paulo na cadeia (1627), Rembrandt (1606-1669). Óleo
sobre tela, 72,8 cm x 60,3 cm. Staatsgalerie (Stutgart). ... 27
Figura 5. O apóstolo Paulo (1629), Jan Lievens (1607-1674). Óleo
sobre tela. Kunsthalle (Bremem). ... 28
Figura 6. Retrato de Constantijn Huygens (1628), Jan Lievens
(1607-1674). Óleo sobre tela, 99,0 x 84,0 cm. Rijksmuseum
(Amsterdã). ... 29
Figura 7. Lição de anatomia do Dr. Tulp (1632), Rembrandt
(1606-1669). Óleo sobre tela, 169,0 cm x 216,5 cm. Mauritshuis
(Haia). ... 31
Figura 8. Saskia como Flora (1635), Rembrandt (1606-1669). Óleo
sobre tela, 123,5 cm x 97,5 cm. Galeria Nacional (Londres). . 32
Figura 9. Auto-retrato com Saskia (1635). Rembrandt (1606-1669).
Óleo sobre tela, 161,0 cm x 131,0 cm. Galeria de Belas
Artes (Dresden). ... 33
Figura 10. A ronda noturna (1642), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 359,0 cm x 438,0 cm. Rijksmuseum (Amsterdã). ... 34
Figura 11. Último retrato de Saskia (1641), Rembrandt (1606-1669).
Óleo sobre madeira, 97,7 cm x 82,2 cm. Galeria de Belas
Artes (Dresden). ... 36
Figura 12. Titus (1658), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 67,3
cm x 55,2 cm. Coleção Wallace (Londres). ... 38
Figura 13. Geertje Dircx (1643), Rembrandt (1606-1669). Museu
página
Figura 14. Jan Six (1654), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela,
112,0 cm x 102,0 cm. Coleção Six (Amsterdã). ... 40
Figura 15. Hendrickje Stoffels (1660), Rembrandt (1606-1669). Óleo
sobre tela, 78,4 cm x 68,9 cm. Museu Metropolitano de Arte
(Nova York). ……… 41
Figura 16. Auto-retrato (1629), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 37,0 cm x 29,0 cm. Mauritshuis (Haia). ... 44
Figura 17. Auto-retrato (1669), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 49,2 cm x 41,0 cm. Museu Kunsthistorisches (Viena). ... 45
Figura 18. Auto-retrato (1630), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
madeira, 15,7 cm x 12,7cm. Alta Pinacoteca (Munique). ... 46
Figura 19. Auto-retrato (1640), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 102,0 cm x 80,0 cm. Galeria Nacional (Londres). ... 47
Figura 20. Auto-retrato (1669), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 86,0 cm x 70,5 cm. Galeria Nacional (Londres). ... 48
Figura 21. Auto-retrato (1637), Rembrandt (1606-1669). Giz vermelho,
12,9 cm x 11,9 cm. Coleção Rosenwald (Washington). ... 50
Figura 22. Auto-retrato (1628), Rembrandt (1606-1669). Gravura, 6,6
cm x 3,3 cm. Casa de Rembrandt (Amsterdã). ... 53
Figura 23. Auto-retrato (1628), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 22,6 cm x 18,7 cm. Rijksmuseum (Amsterdã). ... 53
Figura 24. Auto-retrato (1629), Rembrandt (1606-1669). Gravura, 12,7
cm x 9,4 cm. Casa de Rembrandt (1606-1669). ... 54
Figura 25. Auto-retrato (1629), Rembrandt (1606-1669). Gravura, 12,7
cm x 9,5 cm. Museu Britânico (Londres). ... 55
Figura 26. Retrato de Rembrandt (1629), Jan Lievens (1607-1674).
Óleo sobre tela, 57,0 cm x 44,0 cm. Coleção privada. ... 55
Figura 27. Auto-retrato (1629), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 32,2 cm x 31,0 cm. Museu Nacional Germanisches
página
Figura 28. O artista em seu estúdio (1629), Rembrandt (1606-1669).
Óleo sobre tela, 25,0 cm x 32,0 cm. Museu de Belas Artes
(Boston). ... 57
Figura 29. Auto-retrato (1629), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 89,5 cm x 73,5 cm. Museu Isabella Stewart (Boston). … 57
Figura 30. Auto-retrato (1629), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 42,8 cm x 33,0 cm. Coleção The Clowes Fund
(Indianápolis). ………. 58
Figura 31. Auto-retrato (1630), Rembrandt (1606-1669). Gravura.
Museu do Louvre (Paris). ... 59
Figura 32. Auto-retrato com cabelo encaracolado (1630), Rembrandt
(1606-1669). Gravura, 5,6 cm x 4,9 cm. Museu Casa de
Rembrandt (Amsterdã). ... 59
Figura 33. Auto-retrato franzindo as sobrancelhas (1630), Rembrandt
(1606-1669). Gravura, 7,2 cm x 6,0 cm. Museu do Louvre
(Paris). ... 60
Figura 34. Auto-retrato usando uma boina de pele (1630), Rembrandt
(1606-1669). Gravura, 6,2 cm x 5,2 cm. Museu Casa de
Rembrandt (Amsterdã). ... 60
Figura 35. Mendigo sentado numa ribanceira (1630), Rembrandt
(1606-1669). Gravura, 11,6 cm x 7,0 cm. Museu Casa de
Rembrandt (Amsterdã). ... 61
Figura 36. Auto-retrato com boina, rindo (1630), Rembrandt
(1606-1669). Gravura, 4,8 cm x 4,3 cm. Museu Casa de
Rembrandt (Amsterdã). ... 62
Figura 37. Auto-retrato boquiaberto (1630), Rembrandt (1606-1669).
Gravura, 5,1 cm x 4,6 cm. Museu Casa de Rembrandt
(Amsterdã). ... 62
Figura 38. Retrato de Rembrandt (1630), Jan Lievens (1607-1674).
Óleo sobre tela, 41,0 cm x 33,0 cm. Rijksmuseum
página
Figura 39. Auto-retrato (1630), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 15,0 cm x 12,2 cm. Museu Nacional de Estocolmo
(Suécia). ……….. 64
Figura 40. Auto-retrato (1630), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 69,7 cm x 57,0 cm. Galeria de Arte Walker (Liverpool). . 64
Figura 41. Auto-retrato (1630), Rembrandt (1606-1669). Gravura, 8,3
cm x 7,2 cm. Rijksmuseum (Amsterdã). ………. 65
Figura 42. Auto-retrato (1630), Rembrandt (1606-1669). Gravura, 6,5
cm x 5,4 cm. Museu Casa de Rembrandt (Amsterdã). ……… 65
Figura 43. Auto-retrato Rembrandt com cabelo cacheado (1630),
Rembrandt (1606-1669). Gravura, 9,0 cm x 7,2 cm. Museu
Casa de Rembrandt (Amsterdã). ………. 66
Figura 44. Auto-retrato usando uma boina de pele (1631), Rembrandt
(1606-1669). Gravura, 6,3 cm x 5,7 cm. Museu Casa de
Rembrandt (Amsterdã). ………. 66
Figura 45. Auto-retrato (1631), Rembrandt (1606-1669). Gravura. ... 67
Figura 46. Auto-retrato usando uma boina de pele (1631), Rembrandt
(1606-1669). Gravura, 6,2 cm x 5,6 cm. Museu Casa de
Rembrandt (Amsterdã). ... 67
Figura 47. Auto-retrato (1631), Rembrandt (1606-1669). Gravura, 5,0
cm x 4,2 cm. Museu Casa de Rembrandt (Amsterdã). ... 68
Figura 48. Auto-retrato com cabelo despenteado (1631), Rembrandt
(1606-1669). Gravura, 6,2 cm x 6,6 cm. Museu Casa de
Rembrandt (Amsterdã). ... 68
Figura 49. Auto-retrato (1631), Rembrandt (1606-1669). Gravura, 10,0
cm x 10,5 cm. Museu Casa de Rembrandt (Amsterdã). ... 69
Figura 50. Auto-retrato (1631), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 66,0 cm x 52,0 cm. Museu do Petit-Palais (Paris). ... 70
Figura 51. Auto-retrato (1632), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
página
Figura 52. Auto-retrato com boina e cachecol (1633), Rembrandt
(1606-1669). Gravura, 13,2 cm x 10,4 cm. Museu Casa de
Rembrandt (Amsterdã). ... 71
Figura 53. Tempestade no mar da Galiléia, detalhe (1633), Rembrandt
(1606-1669). Óleo sobre tela, 161,7 cm x 129,8 cm. Museu
Stewart Gardner Isabella (Boston – roubada em 1990). ... 72
Figura 54. Auto-retrato (1633), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela. Museu do Louvre (Paris). ... 73
Figura 55. Auto-retrato com bigode (1633), Rembrandt (1606-1669).
Óleo sobre tela, 70,0 cm x 53,0 cm. Museu do Louvre
(Paris). ... 73
Figura 56. Auto-retrato com sabre erguido (1634), Rembrandt
(1606-1669). Gravura, 12,4 cm x 10,2 cm. Museu Casa de
Rembrandt (Amsterdã). ... 74
Figura 57. Auto-retrato com boina plumada e sabre (1634), Rembrandt
(1606-1669). Gravura, 13,0 cm x 10,8 cm. Museu Casa de
Rembrandt (Amsterdã). ... 75
Figura 58. Auto-retrato (1634), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 80,5 cm x 66,0 cm. Museu Staatliche (Berlim). ... 76
Figura 59. Auto-retrato (1634), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 55,0 cm x 46,0 cm. Museu Staatliche (Berlim). ... 76
Figura 60. Auto-retrato de barba nascente (1634), Rembrandt
(1606-1669). Óleo sobre madeira, 57,0 cm x 44,0 cm. MASP (São
Paulo). ... 77
Figura 61. Auto-retrato com colarinho (1634), Rembrandt (1606-1669).
Óleo sobre tela, 67,0 cm x 54,0 cm. Galeria Uffizi (Florença). 78
Figura 62. Auto-retrato (1634), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 57,0 cm x 46,0 cm. Museu Staatliche (Berlim). ... 78
Figura 63. Auto-retrato (1635-1636), Rembrandt (1606-1669). Óleo
página
Figura 64. Auto-retrato como porta-estandarte (1636), Rembrandt
(1606-1669). Óleo sobre tela, 125,0 cm x 105,0 cm. Coleção
Rothschild (Paris). ……….. 80
Figura 65. Auto-retrato (1635-1638), Rembrandt (1606-1669). Óleo
sobre tela, 90,5 cm x 71,8 cm. Coleção privada (Inglaterra). . 80
Figura 66. Auto-retrato com Saskia (1636), Rembrandt (1606-1669).
Gravura, 10,4 cm x 9,5 cm. Museu Casa de Rembrandt
(Amsterdã). ... 81
Figura 67. Retorno do filho pródigo ao bordel (1636), Rembrandt
(1606-1669). Óleo sobre tela, 161,0 cm x 131,0 cm. Galeria de
Belas Artes (Dresden). ... 82
Figura 68. Auto-retrato como pastor (1636), Rembrandt (1606-1669).
Óleo sobre tela, 74,5 cm x 64,0 cm. Rijksmuseum
(Amsterdã). ... 83
Figura 69. Auto-retrato usando boina com pluma (1638), Rembrandt
(1606-1669). Gravura, 13,4 cm x 10,4 cm. Rijksmuseum
(Amsterdã). ... 83
Figura 70. Auto-retrato, apoiado num muro de pedra (1639),
Rembrandt (1606-1669). Gravura, 20,5 cm x 16,4 cm.
Coleção privada (Norton Simon Art Foundation, Pasadena). . 84
Figura 71. Auto-retrato (1639), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 120,7 cm x 88,3 cm. Gemäldegalerie (Dresden). ... 84
Figura 72. Auto-retrato (1639), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 80,5 cm x 62,8 cm. Museu do Louvre (Paris). ... 85
Figura 73. Auto-retrato (1640), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 65,0 cm x 52,0 cm. Coleção Wallace (Londres). ………. 86
Figura 74. Auto-retrato (1641), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 63,5 cm x 50,2 cm. Norton Simon Art Foundation
(Pasadena). ... 86
Figura 75. Auto-retrato a despedida de David e Jonathan (1642),
Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 73,0 cm x 61,0 cm.
página
Figura 76. Auto-retrato usando uma boina chata (1642), Rembrandt
(1606-1669). Gravura, 9,3 cm x 6,2 cm. Museu Casa de
Rembrandt (Amsterdã). ... 88
Figura 77. Auto-retrato (1642/3), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 72,2 cm x 53,3 cm. Museu Thyssen-Bornemisza
(Madri). ... 88
Figura 78. Auto-retrato (1643), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 70,5 cm x 58,0 cm. Coleção Real (Windsor). ... 89
Figura 79. Auto-retrato (1645), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 68,5 cm x 56.5 cm. Museu Staatliche (Berlim). ... 90
Figura 80. Auto-retrato, desenhando junto à janela (1648), Rembrandt
(1606-1669). Gravura, 16,0 cm x 13,0 cm. Museu Casa de
Rembrandt (Amsterdã). ... 91
Figura 81. Auto-retrato de corpo inteiro (1650-60), Rembrandt
(1606-1669). Gravura, 20,3 cm x 13,4 cm. Museu Casa de
Rembrandt (Amsterdã). ... 91
Figura 82. Auto-retrato (1652), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 112,1 cm x 81,0 cm. Museu Kunsthistorisches (Viena). . 92
Figura 83. Auto-retrato, Rembrandt (1606-1669). Gravura, 13,3 cm x
13,7 cm. Museu Staatliche (Berlim). ……….. 93
Figura 84. Retrato de Rembrandt (1654), Carel Fabritius (1622-1654).
Óleo sobre tela, 65,0 cm x 49,0 cm. Museu Boymans-van
Beuningen (Roterdã). ... 93
Figura 85. Auto-retrato (1654), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 72,0 cm x 58,5 cm. Museu Staatliche (Berlim). ... 94
Figura 86. Auto-retrato (1655), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 66,0 cm x 53,0 cm. Museu Kunsthistorisches (Viena). ... 95
Figura 87. Auto-retrato (1657), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 53,5 cm x 44,0 cm. Galeria Nacional da Escócia
(Edimburgo). ... 96
Figura 88. Auto-retrato (1658), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
página
Figura 89. Auto-retrato (1658), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 131,0 cm x 102,0 cm. Coleção Frick (Nova York). …... 97
Figura 90. Auto-retrato (1659), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 68,0 cm x 56,5 cm. Museu Staatsgalerie (Stutgart). ….. 98
Figura 91. Auto-retrato (1659) inacabado, Rembrandt (1606-1669).
Óleo sobre tela, 30,7 cm x 24,3 cm. Museu Granet
(Aix-en-Provence, França). ………... 98
Figura 92. Auto-retrato (1659), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 84,5 cm x 66,0 cm. Galeria Nacional (Washington). …... 99
Figura 93. Auto-retrato do artista com seu pincel (1660), Rembrandt
(1606-1669). Óleo sobre tela, 110,9 cm x 90,6 cm. Museu do
Louvre (Paris). …... 100
Figura 94. Auto-retrato (1660), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 77,5 cm x 66,0 cm. Museu Metropolitano de Arte (Nova
York). …... 100
Figura 95. Auto-retrato (1660), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 71,0 cm x 54,0 cm. Galeria Uffizi (Florença). …... 101
Figura 96. Auto-retrato (1661), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela. Museu do Prado (Madri). …... 102
Figura 97. Auto-retrato (1661), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 114,3 cm x 94,0 cm. Kenwood House (Londres). …... 102
Figura 98. Auto-retrato como Apóstolo Paulo (1661), Rembrandt
(1606-1669). Óleo sobre tela, 93,2 cm x 79,1 cm. Rijksmuseum
(Amsterdã). …... 103
Figura 99. Auto-retrato (1669), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
tela, 63,5 cm x 57,8 cm. Mauritshuis (Haia). …... 104
Figura 100. Auto-retrato como Zeuxius (1669), Rembrandt (1606-1669).
Óleo sobre tela, 82,5 cm x 65,0 cm. Museu Wallraf-Richartz
(Colônia). ... 105
Figura 101. Recorte de auto-retratos de Rembrandt em ordem
página
Figura 102. Recorte de auto-retratos de Rembrandt em ordem
cronológica de execução, de 1630 a 1631. ... 107
Figura 103. Recorte de auto-retratos de Rembrandt em ordem
cronológica de execução, de 1632 a 1636. ... 108
Figura 104. Recorte de auto-retratos de Rembrandt em ordem
cronológica de execução, de 1636 a 1654. ... 109
Figura 105. Recorte de auto-retratos de Rembrandt em ordem
cronológica de execução, de 1655 a 1669. ... 110
Figura 106. Recorte de auto-retratos em gravura de Rembrandt em
ordem cronológica de execução, de 1628 a 1631. ... 111
Figura 107. Recorte de auto-retratos em gravura de Rembrandt em
ordem cronológica de execução, de 1631 a 1648. ... 112
Figura 108. Recorte de auto-retratos de Rembrandt em ordem
cronológica de execução, de 1628 a 1634. ... 113
Figura 109. Recorte de auto-retratos de Rembrandt em ordem
cronológica de execução, de 1634 a 1652. ... 114
Figura 110. Recorte de auto-retratos de Rembrandt em ordem
INTRODUÇÃO
Para entender melhor os auto-retratos de Rembrandt, é importante conhecer
o período em que o artista viveu. O século XV foi caracterizado pela expansão
política e econômica e pelas transformações socioculturais das potências européias.
Neste período, as potências européias estavam expandindo-se de maneira
impressionante. A Inglaterra e a Holanda tinham colônias estabelecidas na América
do Norte que já rivalizavam com o Império da Espanha e de Portugal na América do
Sul e no Caribe. A comercialização entre a Europa e o Oriente aumentava graças às
especiarias das Índias Orientais.
No entanto, uma guerra civil acontecia na Inglaterra. Por volta de 1648, o rei
Carlos I foi executado e o exército parlamentarista, comandado por Oliver Cromwell,
tomou o poder. As províncias unidas dos Países Baixos se livraram da dominação
espanhola, tornando-se um dos países mais ricos do mundo por força de seu
império dos mares e da Companhia das Índias Orientais.
Em 1650, o exército russo invadiu as florestas da China, onde o domínio da
dinastia Ming estava em vias de terminar. Na mesma época, a ditadura militar
japonesa, baseada no poder dos Xóguns, expulsou todos os estrangeiros do Japão
e fechou suas fronteiras por mais de 200 anos.
Nesta ocasião, a maior parte do planeta já era conhecida, com exceção da
grande massa de terra no extremo sul, a Austrália, que ainda estava para ser
descoberta, e das regiões polares, que ainda não haviam sido mapeadas. Porém, os
holandeses já confeccionavam mapas com enorme eficiência, valendo-se do
guerra, visto que viajavam para várias regiões do mundo. Em 1650, Nova Amsterdã
também era conhecida como Nova York e tinha 1.500 habitantes (SPENCE, 1998).
Descartes descreveu Amsterdã como uma cidade em que “você pode comprar tudo
aquilo que desejar. Você é livre e sente-se seguro” (SPENCE, 1998, p. 4).
Os pais de Rembrandt foram Cornélia e Harmen Gerrits van Rijn. O senhor
van Rijn era um próspero moleiro, especializado em moer grãos de malte, e
fornecedor para a indústria de cerveja local. Dois moinhos destacavam-se na
paisagem vista da casa da família em Leiden. A cidade era um importante centro
têxtil e a universidade de Leiden começava a se tornar conhecida em toda a Europa.
Rembrandt nasceu em Leiden, no ano de 1606, e mudou-se estabelecendo
residência em Amsterdã em 1633, logo depois da morte de seu pai. Esta cidade era
próspera, cosmopolita e estava entrando no que se poderia chamar de sua idade de
ouro. Era a principal cidade da república holandesa e seu crescimento baseava-se
no comércio marítimo, particularmente no transporte da madeira e dos cereais
vindos dos portos bálticos.
A fundação da Companhia das Índias Orientais, em 1602, havia fortalecido
ainda mais o domínio holandês sobre o comércio e a navegação marítima. O
comércio de especiarias e de outras mercadorias do Oriente trouxe à cidade uma
enorme riqueza. Muitos habitantes de Amsterdã participavam de um autêntico
pôquer em sociedade, investindo em navios mercantes, porém, às vezes, perdendo
tudo quando a embarcação afundava.
As roupas dos burgueses de Amsterdã eram bem austeras. A maioria dos
retratos de Rembrandt mostra homens e mulheres abastados com roupas pretas,
colarinhos e punhos brancos. Algumas vezes, no entanto, podem ser vistos em suas
laços ousadamente decorativos nos sapatos. O uniforme da época era branco e
preto, mais ou menos como os ternos e os vestidos usados hoje em dia. Esse tipo
de vestimenta atravessou o Atlântico e chegou à América, sendo logo aceito pelas
colônias holandesas (SPENCE, 1998).
E esse era o ambiente em que Rembrandt vivia e trabalhava. Um documento
datado de 1° de novembro de 1642 o identificava como “Rembrandt van Rijn,
comerciante de Amsterdã” (SPENCE, 1998, p. 4). A cidade era habitada por pessoas
de diferentes culturas e religiões, como católicos, judeus, calvinistas e luteranos, os
quais eram livres para celebrar seus respectivos cultos, sem restrições. Os mais
ricos comerciantes de Amsterdã tinham formação universitária, conheciam muitas
línguas e eram apreciadores de arte.
A pintura européia foi dominada pelo realismo durante o século XVII. Mais
tarde, esse período receberia o nome de barroco. Os países católicos eram
influenciados pela arte italiana, repleta de movimento e de dramaticidade, ao passo
que os Países Baixos se espelhavam na natureza. No entanto, de forma geral, todos
os artistas retratavam as pessoas, no estilo naturalista, preocupados em reproduzir a
luz, as formas e as cores como as viam na vida real.
A arte nos Países Baixos floresceu, durante esse período, mais do que em
qualquer outro país. Assim, três dos grandes artistas daquele século viriam dali:
Peter Paul Rubens, que trabalhava em Antuérpia, cidade flamenga controlada pelos
católicos; Rembrandt, que trabalhava em Amsterdã; e Jan Vermeer, que trabalhava
OBJETIVO
A presente dissertação tem como objetivo registrar o envelhecimento de
Rembrandt por intermédio de seus auto-retratos, relacionando-os com sua trajetória
1 CONTEXTUALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE REMBRANDT
1.1 Uma família de artesãos nas margens do rio Reno (1606-1627)
Weedesteeg é uma rua encostada à muralha da cidade de Leiden. Ali veio ao
mundo, em 15 de julho de 1606, o oitavo e penúltimo filho do proprietário de um
conhecido moinho nas margens do rio Reno, e por isso chamado “van Rijn” (do
Reno). De origem católica, a família havia espontaneamente se convertido ao
calvinismo. Harmen e Cornélia escolheram para o recém-nascido o não freqüente
nome Rembrandt, mas talvez esperassem ter uma menina, a quem queriam dar o
nome da avó materna, Remigia. O nascimento ocorreu aos 17 anos de matrimônio
de um casal que já não era jovem: sempre pareceu a Rembrandt que os seus
progenitores estavam esmagados por uma bíblica velhice. Como era de costume, ao
nome próprio do menino acrescentaram o patronímico Harmenszoon (filho de
Harmen) e o apelido-sobrenome van Rijn. O conjunto Rembrandt Harmenszoon van
Rijn tornou-se altissonante (PECCATORI; ZUFFI, 2000).
As raízes do pintor estão ligadas à família de classe artesanal, como apontam
os ofícios desempenhados pelos irmãos de Rembrandt: o primogênito seguiu o
caminho do pai e fez-se moleiro; o outro foi padeiro, como o avô materno; e o
terceiro, sapateiro. De qualquer modo, a família dispunha de certos meios, o que
permitiu ao pequeno Rembrandt realizar o estudo médio na escola latina de sua
1.2 As pinturas históricas e delicadas em Leiden
A cidade de Leiden foi um dos mais importantes centros culturais da Holanda
do “século de ouro”, período de expansão comercial decorrente da navegação
marítima, quando a Companhia das Índias Orientais fortaleceu ainda mais o
comércio de especiarias e de outras mercadorias do Oriente gerando enorme
riqueza para a Europa (SPENCE, 1998).
Distante cerca de 40 quilômetros de Amsterdã, Leiden ainda hoje goza do
afeto de toda a nação em memória do terrível confronto espanhol de 1574, que foi
revidado com extrema coragem pelos habitantes locais. Os canais que atravessam
tal cidade são formados pelo velho Reno, um dos dois braços em que se divide o
grande rio ao chegar a seu intrincado delta. Em princípio do século XVII, a cidade
albergava cerca de 40 mil habitantes cercados por uma sólida muralha, sob cuja
proteção se encontrava uma dezena de moinhos. Sua riqueza residia principalmente
nas florescentes manufaturas têxteis e na intensa vida comercial do mercado, mas
Leiden era, sobretudo, a cidade da cultura, com uma brilhante tradição humanística
e artística.
Assim, precisamente em Leiden, desenvolveu-se no século XV uma notável
escola pictórica, talvez a mais importante de toda a Holanda. O artista de referência,
Lucas de Leiden, assim como Rembrandt, foi um grande pintor e um excelente
gravador, admirado até por Albreth Dürer, considerado o maior pintor alemão da
Renascença. A arte de Leiden, delicada, precisa, atenta à reprodução de cada
pormenor e inspirada principalmente em termos tradicionais da religião, durante mais
de um século foi ponto de referência para pintores, colecionadores e seus
admiradores. Enfim, deriva desta chamada “pintura delicada” de Leiden o estilo do
1.3 As opções de um principiante
No decurso dos anos 20 do século XVII, a pintura de toda a Europa era
dependente das notícias que chegavam de Roma. A arte revolucionária de
Caravaggio, artista que obtinha das luzes diagonais um surpreendente efeito de
realismo, confrontava-se com a rápida evolução expressiva do barroco, entendido
como suntuosa encenação de cor e animação. Também a arte holandesa se
ressentia, em parte, da influência italiana, mas a peculiaridade do mercado artístico
local, dirigido principalmente à classe burguesa e não à aristocracia ou à igreja,
favorecia soluções alternativas.
Entre 1621 e 1623, Rembrandt deixou a Universidade para se tornar aprendiz
de Jacob Isaacz van Swanenburgh, um pintor de Leiden. A formação de Rembrandt
teve lugar em um momento muito favorável e rico em estímulos e propostas: por um
lado, a grande pintura histórica inspirada em modelos italianos e na escola de
Anvers, dominada por Rubens; por outro, o gosto tão holandês pelas pinturas
médias e pequenas, de refinada execução, destinadas a decorar as casas e não às
coleções principescas. A religião calvinista e a presença de uma notável comunidade
judaica propiciavam, além disso, uma reflexão pessoal sobre a Bíblia.
1.4 O mestre Pieter Lastman e a Itália
A formação de Rembrandt foi concluída em 1624, com uma estadia de seis
meses em Amsterdã em companhia do pintor Pieter Lastman, que era famoso e foi
capaz de exercer influência decisiva sobre o seu genial aluno.
Depois de regressar da Itália, em 1610, Lastman inspirou-se claramente no
clássico de história, isto é, pintava cenas de cunho sagrado e mitológico destinadas
a um público de entendidos. O seu estilo, que se nos afigura demasiado sério e
solene, conheceu grande êxito graças aos gostos italianizados de uma parte do
público de Amsterdã.
Rembrandt estudava atentamente a pintura de Lastman, copiando, com
paciência, seus temas e composições. Desse modo, habituou-se a um desenho
preciso, às cenas de grande intensidade e ao encontro com modelos antigos, mas
acrescentou um dinamismo e um espírito que não estão presentes nos quadros de
Lastman, como pode ser observado comparando-se a Figura 1 com a Figura 2.
Figura 1. Burro de Balaão antes do anjo (1622), Pieter Lastman (1583-1633).
Coleção privada (Inglaterra).
Figura 2. Burro de Balaão (1626), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 63,0 cm x 46,5 cm. Museu Cognacq-Jay (Paris).
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA
2.1 Os primeiros passos de uma grande carreira (1627 a 1632)
Nos primeiros vinte anos de sua carreira, os retratos feitos por Rembrandt estavam sempre na moda, e ele vivia assoberbado com o número de encomendas. Apesar de prolífico no trabalho, era uma pessoa difícil de lidar. “Um quadro fica pronto”, ele dizia, “quando o pintor acha que está pronto”. Os clientes freqüentemente recorriam ao suborno para receberem seu retrato no prazo. Durante esse próspero período, Rembrandt pintava também cenas bíblicas e históricas em estilo barroco, obras extremamente detalhadas, com iluminação dramática.(STRICKLAND, 2002, p. 54).
2.2 A associação de Rembrandt com Jan Lievens
Após concluir o período de aperfeiçoamento que passara com Lastman,
Rembrandt regressou a Leiden com novas perspectivas profissionais. Em 1625, aos
19 anos, o caminho dele estava marcado. Juntamente com Jan Lievens (Figura 3),
um incipiente pintor, também de Leiden, um ano mais novo que ele e do mesmo
modo aluno de Lastman, Rembrandt abriu um estúdio profissional. Os dois jovens
pintores trabalhavam em estreita colaboração, quase brincando, a sobrepor estilos e
temas: utilizavam os mesmos modelos, copiavam-se mutuamente, entravam em
deliciosa competição e pintavam temas idênticos (Figura 4 e Figura 5).
Ambos combinavam a tradição delicada de Leiden com motivos italianizados.
O êxito, de momento, limitava-se ao público de sua cidade natal, mas a fama deste
nobre par de pintores, como os definiu o culto e influente Constantijn Huygens, não
tardaria a se espalhar (PECCATORI; ZUFFI, 2000), e naquela ocasião Rembrandt
Figura 3. Auto-retrato de Jan Lievens (1638), Jan Lievens (1607-1674). Óleo sobre tela, 96,2 cm x 77,0 cm. Galeria Nacional (Londres).
Fonte: OS GRANDES... (1991, p. 56).
Figura 4. São Paulo na cadeia (1627), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 72,8 cm x 60,3 cm. Staatsgalerie (Stutgart).
Figura 5. O apóstolo Paulo (1629), Jan Lievens (1607-1674). Óleo sobre tela. Kunsthalle (Bremem).
Fonte: PECCATORI; ZUFFI (2000, p. 23).
2.3 O humanista descobridor de talentos: Constantijn Huygens
A volta mais importante na carreira de Rembrandt e de seu sócio, Jan
Lievens, coincidiu com a visita ao seu estúdio de Constantijn Huygens. Secretário do
príncipe Frederico Enrique de Orange, hábil diplomata, viajante incansável, poeta de
considerável inspiração e estilo clássico, Huygens era um dos homens mais cultos e
influentes da Holanda. Sua opinião, em matéria de arte, era determinante. Recordou
em sua autobiografia, escrita em 1631, a visita em Leiden, por volta de 1628, aos
jovens pintores de modesta origem e praticamente desconhecidos. A impressão
deixada por eles foi profunda: Lievens pareceu-lhe mais despreocupado e rico em
criatividade, mas Rembrandt era dotado de uma superior finura no traço,
Desse modo, o destino dos dois jovens pintores estava traçado. Huygens
encomendou a Lievens seu próprio retrato (Figura 6), enquanto confiou a Rembrandt
o de seu irmão.
Figura 6. Retrato de Constantijn Huygens (1628), Jan Lievens (1607-1674). Óleo sobre tela, 99,0 cm x 84,0 cm. Rijksmuseum (Amsterdã).
Fonte: PECCATORI; ZUFFI (2000, p. 28).
Assim, durante alguns anos, a carreira de ambos seguiu, o que favoreceu a
mudança de Lievens para a Inglaterra e garantiu encomendas principescas a
Rembrandt. Por algum tempo, Constantijn Huygens atuou quase como “agente”
deles, propondo obras dos dois artistas a colecionadores internacionais. Ardente
defensor da cultura e da arte holandesa, Huygens atentou para o fato de que
Rembrandt e Lievens nunca haviam estado na Itália, apesar de suas obras poderem
ser comparadas, sem receio, às dos grandes mestres daquele país (PECCATORI;
3 REMBRANDT: ASCENSÃO E RUÍNA
3.1 Os anos dourados (1632 a 1642): a mudança de Rembrandt para Amsterdã
As palavras de elogio de Huygens, as visitas cada vez mais freqüentes dos
amantes da arte, os primeiros êxitos econômicos e o progressivo distanciamento do
ambiente familiar depois da morte do pai, em 1630, sugeriram ao jovem pintor,
Rembrandt, uma arriscada aventura. Após entrar em contato com o negociante de
arte de Amsterdã, Hendrick van Uylenburgh, Rembrandt investiu, em 1631, a
considerável soma de mil florins no comércio de obras de arte. Van Uylenburgh era
muito bem relacionado com uma clientela endinheirada e exigente, especialmente
no campo do retrato. Compreendendo a ambição de Rembrandt, ofereceu-lhe um
acordo particularmente vantajoso.
Assim foi que o jovem pintor deixou Leiden definitivamente em julho de 1632
e se mudou para Amsterdã. Van Uylenburgh deu-lhe hospedagem e um estúdio em
um bairro elegante da capital, atuando como intermediário entre Rembrandt e seus
clientes. Durante um breve período, o artista dedicou-se sobretudo ao retrato para se
dar a conhecer no mundo dos colecionadores, dos amadores e dos endinheirados
compradores de obras de arte da Holanda (PECCATORI; ZUFFI, 2000).
Ainda em 1632, enquanto se hospedava em casa de van Uylenburgh, pintou
sua grande obra, Lição de anatomia do Dr. Tulp (Figura 7), que é, provavelmente,
seu quadro mais famoso e mais revolucionário (BEZERRA, 2006). O corpo que
aparece no quadro é de um marginal que havia sido condenado à morte por ter
Figura 7. Lição de anatomia do Dr. Tulp (1632), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 169,0 cm x 216,5 cm. Mauritshuis (Haia).
Fonte: BROSS et al. (1998, p. 18).
3.2 A relação de Rembrandt e Saskia
Na casa de Hendrick van Uylenburgh, seu sócio no negócio de arte,
Rembrandt conheceu uma jovem de 20 anos, Saskia (Figura 8). Ela era uma parenta
próxima de van Uylenburgh que, ao ficar órfã de pai, deixou a província da Frísia
para ir morar em Amsterdã.
Entre o pintor e a moça, culta e tímida, iniciou-se uma maravilhosa história de
amor. Saskia e Rembrandt, desafiando a postura receosa do tutor e dos parentes
dela, se comprometeram oficialmente em 5 de junho de 1633, iniciando os
preparativos para o casamento. A mãe de Rembrandt dificultou bastante o
necessário consentimento. Finalmente, em 22 de julho de 1634, Rembrandt e Saskia
casaram-se. Para a boda, decidiram regressar à região de origem da moça. A
filho de moleiro, esse casamento constituiu, também, uma ascensão social. O casal
trocou afeto, alegrias e impulsos sensuais (PECCATORI; ZUFFI, 2000).
Figura 8. Saskia como Flora (1635), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 123,5
cm x 97,5 cm. Galeria Nacional (Londres).
Fonte: DELMASTRO (2001, p. 11).
3.3 Uma rápida ascensão
Graças ao seu casamento e aos expressivos rendimentos de sua atividade
como pintor e gravador, Rembrandt tornou-se, quase de repente, um homem rico e
membro da alta sociedade. Em 1635, aos 29 anos, pôde deixar a casa de van
Uylenburgh e mudar-se para uma casa senhorial no Sint Anthonisbreestrat, nas
margens do Amstel, época em que pintou o retrato mostrado na Figura 9. No mesmo
Figura 9. Auto-retrato com Saskia (1635), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 161,0 cm x 131,0 cm. Galeria de Belas Artes (Dresden).
Fonte: BOCKEMÜHL (2001, p. 47).
Nesse mesmo período, alugou um armazém e o reformou como ateliê para
poder receber um crescente número de alunos. Por causa de sua relação constante,
também epistolar, com Constantijn Huygens, seu nome circulava por toda a corte de
Haia, recebendo grandes encomendas senhoriais, nem sempre pagas com
regularidade. De maneira muito cuidadosa, Rembrandt evitava abraçar abertamente
uma profissão de fé determinada, o que lhe permitia pintar, sem problemas, clientes
calvinistas, católicos e judeus. O bem-estar alcançado desencadeou no artista uma
paixão até então controlada, a mania do colecionismo, na cosmopolita Amsterdã,
Em 1638 nasceu e morreu seu segundo filho, uma menina chamada Cornélia.
Em 1640 nasceu e morreu a segunda filha do casal, que também recebeu o nome
de Cornélia. Em 1641 nasceu um filho, Titus, que sobreviveu até a idade adulta.
3.4 Preparativos para uma obra-prima
Dez anos depois de Lição de anatomia do Dr. Tulp (Figura 7), Rembrandt
dispôs-se a pintar um novo retrato de grupo: A ronda noturna (Figura 10). A
encomenda foi muito prestigiosa e marcou, de maneira clara, o ápice da carreira do
mestre.
Figura 10. A ronda noturna (1642), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 359,0
cm x 438,0 cm. Rijksmuseum (Amsterdã).
Para enfrentar essa grande pintura, estudou e revisou todas as etapas de sua
formação, como a insuperável vivacidade dos retratos, a riqueza elaborada da
composição, o gosto pelo movimento e a densidade das cores que lembram a
pintura veneziana do renascimento. A ronda noturna constitui uma perfeita síntese
das escolhas estilísticas de Rembrandt. Como no caso de Lição de anatomia do Dr.
Tulp, o pintor seguiu uma tradição tipicamente local, que obteve uma interpretação
original e coerente. Conquanto estivesse perfeitamente integrado à cultura e aos
costumes holandeses, de que foi um representante consciente e satisfeito,
Rembrandt conseguiu confrontar-se com ilustres modelos estrangeiros sem temores
reverenciais, quer no tom, quer nas dimensões.
Realizada em 1642 e conservada no Rijksmuseum de Amsterdã, a grande
tela é considerada por muitos a obra mais célebre de Rembrandt e uma das mais
significativas do século XVII europeu. O título não reflete a ação representada que,
na realidade, tem lugar em pleno dia. Trata-se do retrato do grupo da Companhia de
Milícia Civil do capitão Frans Banning Cocq, destinado a embelezar a sede da
Guarda Civil de Amsterdã. Esta obra foi paga por 16 dos representados, com somas
que variaram segundo o destaque recebido na tela (PECCATORI; ZUFFI, 2000, p.
70).
3.5 Irremediavelmente para o precipício (1642 a 1657)
3.6 A morte de Saskia
A vida de Rembrandt inspirou vários romances e versões cinematográficas. O
episódio fundamental, a chave para se chegar ao grande mestre, teve lugar no ano
de 1642. Rembrandt atingiu o ápice da fama e do êxito econômico graças à obra
intitulada A ronda noturna. A sua estampa na nota de cem florins, os seus
numerosos alunos, as encomendas de obras que cresciam dia a dia e os elogios dos
críticos de arte evidenciavam seu prestígio. Mas, paralelamente a isso tudo, havia a
ameaça de uma nova desgraça, a mais grave de todas: durante os anos felizes de
casamento, Rembrandt teve de enterrar seus pais e três filhos mortos em tenra
idade. Saskia, após o nascimento de Titus, não conseguiu se recuperar, pois ao
esgotamento do parto sobreveio uma tuberculose (PECCATORI; ZUFFI, 2000). Após
meses de sofrimento, a 14 de junho de 1642 morreu, com apenas 30 anos, a mulher
de Rembrandt (Figura 11).
Figura 11. Último retrato de Saskia (1641), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre
madeira, 97,7 cm x 82,2 cm. Galeria de Belas Artes (Dresden).
A morte de Saskia não foi só uma grande tragédia pessoal para Rembrandt,
mas também o início de uma série de dificuldades na organização da vida familiar. A
sociedade holandesa confiava à mulher um papel muito importante, em especial com
o intuito organizativo, complementar ao econômico, o qual recaía sobre o marido. A
mulher tinha de administrar a economia doméstica, cuidar dos filhos e manter, com a
ajuda da criadagem, uma impecável limpeza da casa. A escolaridade entre as
mulheres permitia às senhoras holandesas uma boa cultura, ainda que sofressem
algumas limitações no que se referia a alguns títulos, autores e temas
desaconselhados. Na literatura holandesa do século XVII apareceram muitos livros
destinados expressamente ao público feminino, como, entre outros, um manual de
primeiros socorros e de medicina familiar escrito pelo Dr. Tulp, o médico retratado
em Lição de anatomia do Dr. Tulp, de Rembrandt (PECCATORI; ZUFFI, 2000).
3.7 Titus e Geertje
Para cuidar do pequeno Titus (Figura 12), que havia ficado órfão de mãe aos
nove meses, Rembrandt contratou uma governanta e ama-seca, Geertje Dircx, uma
camponesa da Zelândia que havia perdido o marido, um corneteiro.
Geertje ocupava-se com vigor das tarefas domésticas e, sendo analfabeta,
decidida, rude e sã, em suma, era a antítese de Saskia. Em breve, converteu-se em
amante do pintor. Os afetos de Rembrandt dividiam-se entre a ternura pelo pequeno
Titus e uma conduta privada que, em vez de ser irrepreensível, se tornava antes
escandalosa para os ambientes do calvinismo oficial. Rembrandt não freqüentava
mais a comunidade religiosa, gastava mais do que ganhava, realizava compras por
vezes extravagantes, tinha em casa animais exóticos e, sobretudo, mantinha uma
foi ficando gravemente comprometida na Holanda, ainda que os escritores de arte e
os colecionadores estrangeiros se interessassem cada vez mais por suas obras.
Figura 12. Titus (1658), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 67,3 cm x 55,2 cm. Coleção Wallace (Londres).
Fonte: BOCKEMÜHL (2001, p. 84).
Porém, apesar de a vida sentimental e familiar do pintor ter atingido certo
equilíbrio, sua relação com Geertje (Figura 13) acabou por se desfazer
Figura 13. Geertje Dircx (1643), Rembrandt (1606-1669). Museu Britânico (Londres).
Fonte: PECCATORI; ZUFFI (2000, p. 82).
Após a saída de Geertje, Rembrandt contratou Hendrickje Stoffels, em 1645,
como sua nova criada. Cerca de vinte anos mais jovem do que Rembrandt,
Hendrickje passou a ser seu modelo e, em estreita união com ele, manteve-se a seu
lado até morrer, em 1663. Testemunhando o seu amor, Rembrandt fez dela retratos
tão afetuosos quanto os de Saskia. Porém, não pôde legalizar sua união com a
jovem em decorrência de uma cláusula do testamento da primeira mulher segundo a
qual o pintor perderia o direito à sua parte no espólio caso contraísse segundas
núpcias (OS GRANDES..., 1991).
3.8 A ruína
Em virtude da recessão causada pela guerra contra a Inglaterra, os credores
pressionavam Rembrandt. O pintor conseguiu tranqüilizá-los, em 1650, graças a
descontrolou-se e, em 1653, ele pediu ajuda a Jan Six (Figura 14) e a outros amigos
(PECCATORI; ZUFFI, 2000).
Figura 14. Jan Six (1654), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 112 cm x 102
cm. Coleção Six (Amsterdã).
Fonte: PECCATORI; ZUFFI (2000, p. 89).
Ao colocar como garantia as suas próprias obras, conseguiu juntar o dinheiro
necessário para pagar Christoffel Thijssen, o ex-proprietário da casa de Sint
Anthonisbreestrat, que Rembrandt adquirira em 1639 (PECCATORI; ZUFFI, 2000).
Em 1654, Hendrickje (Figura 15) deu à luz uma menina e Rembrandt,
desafiando mais uma vez a sorte, pôs-lhe o nome de Cornélia, que duas vezes fora
fatal para as filhas que tivera com Saskia.
Jan Six, então, transferiu o crédito de Rembrandt a outros e o pintor
encontrou-se novamente em gravíssimas dificuldades, pois alguns clientes
Figura 15. Hendrickje Stoffels (1660), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 78,4 cm x 68,9 cm. Museu Metropolitano de Arte (Nova York).
Fonte: CABANNE (1991, p. 154).
Quando Rembrandt tentou transferir para Titus a propriedade da casa, o
instituto de órfãos opôs-se. Em julho de 1656 foi feito o inventário dos bens do
pintor, que constava de 363 lotes, entre eles coleções inteiras de desenhos,
gravuras e pinturas de grandes mestres italianos e flamengos. O conjunto foi
vendido, em setembro de 1656, por uma quantia irrisória, de cerca de 600 florins
(PECCATORI; ZUFFI, 2000).
3.9 Um homem solitário e sua arte (1658 a 1669)
Titus ocupava o coração de Rembrandt. O pintor era também pai de uma
menina, nascida no início de sua relação com Hendrickje Stoffels, mas Titus envolvia
chegou à idade adulta. Rembrandt observava com grato amor o crescimento do
rapaz: louro, educado e inteligente. Titus parecia frágil e o seu precoce fim seria uma
demonstração dramática de sua precária saúde (PECCATORI; ZUFFI, 2000).
Os belíssimos retratos que Rembrandt dedicou ao filho expressam um
sentimento de afeto e de proteção, como se o pai pintor quisesse abraçá-lo e
confortá-lo com a tinta e os pincéis. O sentimento era partilhado. O sorriso de Titus
deu coragem a Rembrandt em seus anos mais negros. Mesmo de um ponto de vista
material, transferindo todas as suas propriedades para o filho com a intenção de
declarar-se falido e escapar dos credores, a presença dele revelou-se fundamental
para Rembrandt. Em relação à pintura, tomou o posto de Saskia e inspirou as obras
mais comovedoras do artista (PECCATORI; ZUFFI, 2000).
3.10 A velhice de Rembrandt
Em 1660, para evitar problemas com o erário e com os credores, Rembrandt
registrou-se como falido e declarou-se empregado de Hendrickje e de seu filho Titus,
que formaram uma sociedade para o comércio de arte e lhe davam alimento e
hospedagem em troca de suas pinturas e gravuras. O valor dos quadros do artista
começou a subir, graças aos elogios obtidos em várias nações. Ele voltou a receber
encomendas públicas, mas continuava pobre e se viu obrigado a vender o jazigo de
Saskia. Naquela época, seu estilo voltou a ser cada vez mais a recordação de
Tiziano (PECCATORI; ZUFFI, 2000).
Em 1663, uma nova tragédia se abateu sobre Rembrandt: morreu Hendrickje
mulher do pintor. Rembrandt passou a viver em uma modesta casa de Rosengracht,
abandonando a comodidade da bela e espaçosa vivenda de Sint Anthonisbreestrat.
Em fevereiro de 1668, Titus casou-se com Magdalena van Loon e em
setembro do mesmo faleceu, deixando-a grávida da única neta de Rembrandt, Titia
van Rijn, que nasceu em março de 1669, poucos meses antes da morte de seu avô,
em 4 de outubro.
3.11 Auto-retratos: pinturas
Os auto-retratos de Rembrandt, quase cem no curso de 40 anos, são uma
exploração artística de sua própria imagem, que permaneceu única até van Gogh.
Seus auto-retratos vão desde o jovem de olhos rutilantes até o idoso contemplando
estoicamente seu próprio envelhecimento físico. Dentre esses, há vários retratos
luminosos do empreendedor rico e bem-sucedido, vestido em peles e ouro. Mais
tarde, a distinção entre luz e sombra tornou-se menos pronunciada, à medida que
ele passou a usar o chiaroescuro em uma investigação mais interna de seu ser
(STRICKLAND, 2002). Seus professores provavelmente o ensinaram essa palavra
italiana para a utilização de luz e sombra, de chiaroescuro. Com esta técnica,
Rembrandt realçou as expressões faciais, dando vivacidade e realismo às suas
pinturas e gravuras.
A comparação entre um auto-retrato inicial e um tardio mostra a mudança das
pinceladas finas para as espessas. No primeiro, mostrado na Figura 16, Rembrandt
tinha cerca de 23 anos e usava uma iluminação caravaggiesca, deixando um lado do
rosto imerso em sombra. O artista se retratou com uma caprichosa mecha na testa e
caprichos de luz e sombra (chiaroescuro) e empregou seu pincel como instrumento
para realizar cirurgia plástica artística.
.
Figura 16. Auto-retrato (1629), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 37,0 cm x
29,0 cm. Mauritshuis (Haia).
Já na Figura 17, o pintor tinha 63 anos e enfocou o interior do homem,
transmitido pela livre aplicação da tinta (STRICKLAND, 2002).
Figura 17. Auto-retrato (1669), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 49,2 cm x
41,0 cm. Museu Kunsthistorisches (Viena).
Fonte: HODGE (1995, p. 90).
Ao se fazer a análise da Figura 18, percebe-se que o rapaz levanta a cabeça
e madeixas desordenadas caem-lhe na testa e no pescoço. Ele tem os lábios
carnudos entreabertos e as sobrancelhas erguidas. O rosto é apanhado no raio de
luz que vem do lado esquerdo do quadro e bate no ombro do personagem. Por cima
da gola branca, a face e a ponta do nariz aclaram-se momentaneamente. Na
sombra, os olhos tornam-se atentos, perscrutadores e pousam no espectador,
cerca. Apesar do tamanho pequeno deste auto-retrato, o jogo das zonas claras e
escuras atinge uma grande intensidade. As zonas com degradês, as pinceladas
intempestivas, as esfoladelas mescladas com traços esfumados e com manchas de
cor dão o toque inimitável de Rembrandt (BOCKEMÜHL, 2001).
Figura 18. Auto-retrato (1630), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre madeira, 15,7 cm x 12,7cm. Alta Pinacoteca (Munique).
Na Figura 19, o homem vestido de pele, brocado e veludo encosta-se em uma
balaustrada, com o cotovelo avançado e, sobre o braço, apóia uma pesada estola de
tecido caro. Debaixo do gorro quadrado, o rosto, meio de perfil, transparece uma
melancolia distante. O olhar aproxima-se do espectador, sem, contudo, abandonar
uma certa reserva. O personagem, trabalhado com esmero, destaca-se de um fundo
neutro, apesar de claro em grande parte. A pose do modelo e a perfeição da técnica
pictórica lembram algumas obras de Tiziano e de Rafael. À direita da balaustrada
lê-se “Rembrandt, 1640” (BOCKEMÜHL, 2001).
Figura 19. Auto-retrato (1640), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 102,0 cm x
80,0 cm. Galeria Nacional (Londres).
Na Figura 20 observa-se que o velho enverga uma vestimenta e um
barretinho de veludo, cujo tom violeta se mistura com castanho. Tem as mãos
cruzadas na barriga e seus traços são serenos como os das pessoas que já viveram
muitos anos. Cheio de confidências e perguntas, seu olhar sereno demora-se no
espectador.
Figura 20. Auto-retrato (1669), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 86,0 cm x
70,5 cm. Galeria Nacional (Londres).
Fonte: FIELD (2003, p. 276).
Na paz do rosto mostrado acima se misturam resignação e espera, ceticismo
e confiança, insaciabilidade e plenitude. A fronte e o debrum branco do barretinho se
aclaram, sobressaindo do fundo que se perde numa obscuridade insondável. O
personagem parece, ao mesmo tempo, próximo e inacessível e a atmosfera que o
têmporas estão traçados com finura, ao passo que todos os contornos se dissipam,
como se não tivessem sido terminados. Simultaneamente, alcançável e incansável,
a cor da vestimenta surge ou furta-se. As cores e as formas não têm uma
consistência definitiva, ou não o têm mais do que os sentimentos do personagem.
Até mesmo o que faz deter o olhar escapa às definições e leva o espectador para
esferas nas quais as palavras são impotentes. Apesar da impressão de
inacabamento que se desprende da obra, a estrutura aberta reivindica uma
perfeição na qual o espectador desempenha papel direto e inteiro (BOCKEMÜHL,
2001, p. 7).
3.12 Auto-retratos: gravuras
Rembrandt é insuperável como criador de auto-retratos. As obras em pintura
continuaram até o fim de sua vida, mas as gravuras, com uma ou duas exceções,
cessaram em torno de 1640. A maioria dos auto-retratos usando esta técnica foi
realizada entre 1628 e 1630, quando o pintor vivia e trabalhava em Leiden. Todos
são pequenos e mostram apenas a cabeça ou, no máximo, o busto do artista.
Sentado diante do espelho, Rembrandt experimentava registrar uma série de
expressões faciais na matriz (Figura 21). Ele usava tais estudos como exercício para
figuras que deveriam expressar emoções específicas em composições maiores.
O artista também empregava gravuras para estudar os jogos de luz em sua
face. A maioria das impressões deste tipo está assinada com o monograma RHL
(Rembrandus Hermanni Leidensis), que ele utilizou até 1632. Depois disso,
geralmente assinava com seu nome por extenso: Rembrandt (SLOOTEN et al.,
Figura 21. Auto-retrato (1637), Rembrandt (1606-1669). Giz vermelho, 12,9 cm x 11,9 cm. Coleção Rosenwald (Washington).
4 MATERIAL E MÉTODO
Para a execução da presente dissertação foram empregadas:
• Revisão de literatura com ênfase nas publicações indexadas no Index
medicus;
• Visitas a museus e exposições para observação de obras de arte,
aquisição de cópias de boa qualidade e obtenção de material didático sobre o
assunto;
• Coletâneas de publicações de difícil acesso, como livros em edição
5 RESULTADOS
O processo de envelhecimento de Rembrandt pode ser observado por
intermédio da série de seus auto-retratos mostrada a seguir. Verifica-se que houve
mudança entre seu estilo inicial de pintar em comparação com a fase final de sua
arte. Inicialmente, vislumbra-se a presença da vaidade auto-retratada em pinturas
que não refletem sua verdadeira aparência física, mostrando o uso de roupas
luxuosas e escondendo sua calvície com boinas. Na parte final de sua vida, para um
Rembrandt maduro e velho o que importa é o lado psicológico, suas emoções e sua
verdade, sua aparência física não mais sendo relevante. Nessa etapa, o pintor se
auto-retratava como realmente era e suas melhores obras, como poderá ser
observado pelo leitor, foram realizadas na velhice.
Rembrandt é considerado um dos grandes gravuristas – se não o maior – de
todos os tempos (Figura 22). Sempre levou muito a sério seu trabalho gráfico, desde
a juventude em sua cidade natal, Leiden, até seus tempos áureos como artista
renomado em Amsterdã.
Na Figura 23 vê-se uma obra de grande liberdade expressiva com absoluta
originalidade técnica. Para reproduzir o efeito da luz sobre os cabelos crespos, o
pintor atritou a superfície pictórica com o cabo de um pincel, empregando a técnica
denominada chiaroescuro.
Os auto-retratos iniciais de Rembrandt na forma de gravura tinham os
objetivos de aperfeiçoamento pessoal e de divulgação de sua técnica, além de
serem uma forma barata de treinamento, por ele não ter de pagar modelos (Figura
Figura 22. Auto-retrato (1628), Rembrandt (1606-1669). Gravura, 6,6 cm x 3,3 cm. Casa de Rembrandt (Amsterdã).
Fonte: ESSENTIAL... (s.d.).
Figura 23. Auto-retrato (1628), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 22,6 cm x
18,7 cm. Rijksmuseum (Amsterdã).
Figura 24. Auto-retrato (1629), Rembrandt (1606-1669). Gravura, 12,7 cm x 9,4 cm. Casa de Rembrandt (Amsterdã).
Fonte: ESSENTIAL... (s.d.).
A Figura 25 mostra um auto-retrato da fase inicial da carreira de Rembrandt,
no qual ele utilizou um jogo de luzes para produzir sombra em sua hemiface
esquerda e, ao mesmo tempo, iluminar seus cabelos e sua hemiface direita
(chiaroescuro).
Neste retrato de Rembrandt, pintado por Jan Lievens e mostrado na Figura
26, fica demonstrado o lado vaidoso do artista na fase inicial de sua carreira, pois
percebe-se que, na realidade, ele não era tão “bonito” quanto se fez em seus
auto-retratos.
No ano de 1650 pintou diversos quadros, em sua maioria figuras isoladas. Na
Figura 25. Auto-retrato (1629), Rembrandt (1606-1669). Gravura, 12,7 cm x 9,5 cm. Museu Britânico (Londres).
Fonte: HODGE (1995, p. 12).
Figura 26. Retrato de Rembrandt (1629), Jan Lievens (1607-1674). Óleo sobre tela,
57,0 cm x 44,0 cm. Coleção privada.
Figura 27. Auto-retrato (1629), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 32,2 cm x 31,0 cm. Museu Nacional Germanisches (Nuremberg).
Fonte: FIELD (2003, p. 144).
No auto-retrato apresentado na Figura 28, Rembrandt está pronto para pintar
e diante dele há um imenso painel. O forte contraste entre luz e sombra
(chiaroescuro) torna dramática uma cena comum. Neste quadro, o cavalete e o
painel vazio não pareceriam tão grandes se a parte posterior estivesse iluminada
como a anterior; do mesmo modo, Rembrandt também não pareceria tão pequeno
se estivesse totalmente exposto ao sol.
Constantijn Huygens, um visitante de grande importância, esteve no ateliê de
Rembrandt em 1629, ano em que o artista pintou o auto-retrato mostrado na Figura
29.
Os auto-retratos iniciais de Rembrandt demonstram sua preocupação com a
própria aparência física, pois invariavelmente se retrata usando roupas caras e faz
Figura 28. O artista em seu estúdio (1629), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 25,0 cm x 32,0 cm. Museu de Belas Artes (Boston).
Fonte: SPENCE (1998, p. 21).
Figura 29. Auto-retrato (1629), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 89,5 cm x
73,5 cm. Museu Isabella Stewart (Boston).
Figura 30. Auto-retrato (1629), Rembrandt (1606-1669). Óleo sobre tela, 42,8 cm x 33,0 cm. Coleção The Clowes Fund (Indianápolis).
Fonte: ESSENTIAL... (s.d.).
Na Figura 31 e na Figura 32 pode-se observar Rembrandt jovem, ambicioso e
elegantemente vestido. O pintor utilizava traços espontâneos, tons profundamente
negros e inconfundíveis, o que fazia suas gravuras muito apreciadas pelos
colecionadores da época.
No ano de 1630, Rembrandt exercitou sua técnica artística executando
inúmeros auto-retratos. Durante este período de aprendizagem, o pintor estava
preocupado em expressar vários sentimentos por intermédio de suas obras, dentre
eles felicidade, surpresa, seriedade, medos e outras emoções, como pode ser
Figura 31. Auto-retrato (1630), Rembrandt (1606-1669). Gravura. Museu do Louvre (Paris).
Fonte: FIELD (2003, p. 48).
Figura 32. Auto-retrato com cabelo encaracolado (1630), Rembrandt (1606-1669).
Gravura, 5,6 cm x 4,9 cm. Museu Casa de Rembrandt (Amsterdã).
Figura 33. Auto-retrato franzindo as sobrancelhas (1630), Rembrandt (1606-1669). Gravura, 7,2 cm x 6,0 cm. Museu do Louvre (Paris).
Fonte: GENET (2002, p. 40).
Figura 34. Auto-retrato usando uma boina de pele (1630), Rembrandt (1606-1669).
Gravura, 6,2 cm x 5,2 cm. Museu Casa de Rembrandt (Amsterdã).