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20 | may-aug. 2017

Revista sobre as origens do pensamento ocidental Journal on the Origins of Western Thought

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Archai: Revista de Estudos sobre as Origens do Pensa- mento Ocidental é uma publicação quadrimestral da Cátedra UNESCO Archai: As Origens do Pensamento Ocidental.

É publicada no Brasil (Universidade de Brasília/Anna- blume) e em Portugal (Imprensa da Universidade de Coimbra) em versões impressa e eletrônica. 

A avaliação dos artigos submetidos é feita pela modali- dade blind-review.

Archai está catalogada no Web of Science

(Thomson Reuters/ESCI), L’Année Philologique, Philoso- pher‘s Index, DOAJ, Phil Brasil, Philpapers, Latindex, Cengage Learning, Google Schoolar, BASE, PKP Index no Portal de Periódicos da CAPES. Recebeu avaliação de fator de impacto 5.171 no Scientific Journal Impact Fac- tor e foi avaliada pelo recente Qualis CAPES com a nota máxima (A2) na área de Filosofia.

EDIÇÃO:

Imprensa da Universidade de Coimbra Annablume Editora

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imprensa@uc.pt URL:

http://www.uc.pt/imprensa_uc

VENDAS ONLINE:

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Annablume

PROJETO GRÁFICO: Rodolfo Lopes DIAGRAMAÇÃO: Linda Redondo

COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO: Maria João Padez de Castro

JORNALISTA RESPONSÁVEL: Carolina Pinto

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Infothes e Tesauro

Archai: Revista sobre as Origens do Pensamento Ocidental – Archai: Journal on the Origins of Western Thought, n.º 20 (may/aug. 2017).

Brasília, 2017 [Impressa e eletrônica].

Quadrimestral.

Título português / inglês ISSN 2179 -4960.

e -ISSN 1984 -249X.

DOI: https://doi.org/10.14195/1984 -249X_20 1. Filosofia. 2. História da Filosofia. 3. História Antiga.

4. Literatura. 5. Estudos Clássicos. 6. História do Pensamento Ocidental.

CDU 101 CDD 100

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA Rua da Ilha, 1

3000-214 Coimbra Tel.: (+351) 239 247 170 http://livrariadaimprensa.uc.pt http://www.uc.pt/imprensa_uc

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Televendas: (5511) 3539 0225 – Tel.: (5511) 3539 0226 vendas@annablume.com.br

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EDITORES PRINCIPAIS / PRINCIPAL EDITORS

Gabriele Cornelli (Universidade de Brasília, Brasil) – Editor Responsável – cornelli@unb.br

Rodolfo Pais Nunes Lopes (Universidade de Brasília, Brasil) – Editor Adjunto – rodolfolopes@unb.br

COMISSÃO EDITORIAL / EDITORIAL BOARD

Anna Marmodoro (University of Oxford, United Kingdom) - anna.marmodoro@philosophy.ox.ac.uk Barbara Sattler (University of Saint Andrews, United Kingdom) - bs21@st-andrews.ac.uk

Delfim Leão (Universidade de Coimbra, Portugal) - leo@fl.uc.pt

Dennys Garcia Xavier (Universidade Federal de Uberlândia, Brasil) – dennysgx@gmail.com Donald Morrison (Rice University, Houston, USA) - donaldm@rice.edu

Francesc Casadesus (Universitat de les Illes Balears, España) - fran.casadesus@uib.es Francesco Fronterotta (Università La Sapienza di Roma, Italia) - francescoips@gmail.com Giovanni Casertano (Università degli Studi di Napoli, Federico II, Italia) - casertan@unina.it Graciela Marcos de Pinotti (Universidad de Buenos Aires, Argentina) - grelmarcos@gmail.com Loraine de Fátima Oliveira (Universidade de Brasília, Brasil) – loraine@unb.br

Marcelo Carvalho (Universidade Federal de São Paulo, Brasil) - carvalho.marcelo@unifesp.br Maria Cecília Nogueira Coelho (Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil) – deltos@gmail.com Michael Erler (Universität Würzburg, Deutschland) - michael.erler@uni-wuerzburg.de

Miriam Campolina Peixoto (Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil) - mcdpeixotobh@gmail.com Oliver Renaut (Universitè Paris Ouest, Nanterre La Défense, France) - o.renaut@gmail.com

Phillip Horky (Durham University, United Kingdom) - phillip.horky@durham.ac.uk Richard McKirahan (Pomona College - Los Angeles, USA) - rdm04747@pomona.edu Sandra Rocha (Universidade de Brasília, Brasil) - sandralu@unb.br

COMISSÃO CIENTÍFICA / SCIENTIFIC COMMITTEE

Aldo Dinucci (Universidade Federal de Serjipe, Brasil) - aldodinucci@yahoo.com.br Anastácio Borges (Universidade Federal de Pernambuco, Brasil) - abaraujojr@uol.com.br

André Leonardo Chevitarese (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil) - andrechevitarese@yahoo.com.br.

Anna Motta (Freie Universität Berlin, Alemanha) - an.motta@gmail.com

Edrisi Fernandes (Universidade de Brasília, Brasil) - edrisi.fernandes@vicunha.com.br Fernando Muniz (Universidade Federal Fluminense, Brasil) - fernandomuniz@id.uff.br Fernando Rey Puente (Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil) - ferey@uol.com.br Fernando Santoro (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil) - fsantoro68@gmail.com Francisco Lisi (Universidad Carlos III de Madrid, España) - flisi@hum.uc3m.es

Franco Ferrari (Università degli Studi di Salerno, Italia) - fr.ferrari@unisa.it

Franco Trabattoni (Università degli Studi di Milano, Italia) - franco.trabattoni@unimi.it Hector Benoit (Universidade Estadual de Campinas, Brasil) - hbenoit@uol.com.br Henrique Cairus (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil) - hcairus@ufrj.br José Gabriel Trindade Santos (Universidade Federal do Ceará, Brasil) - jtrin41@gmail.com

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Luc Brisson (CNRS, Paris - France) - lbrisson@agalma.net

Marcelo Boeri (Universidad Alberto Hurtado, Chile) - marcelo.boeri@gmail.com

† Marcelo Pimenta Marques† (Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil) - marquess56@ufmg.br Marco Zingano (Universidade de São Paulo, Brasil) - mzingano@usp.br

Marcus Mota (Universidade de Brasília, Brasil) - marcusmotaunb@gmail.com

Maria Aparecida Montenegro (Universidade Federal do Ceará, Brasil) - mariamonte7@hotmail.com Markus Figueira (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil) - markusficus@gmail.com Noburu Notomi (Keio University, Japan) - notomi@hc.cc.keio.ac.jp

Pedro Paulo Funari (Universidade de Campinas, Brasil) - ppfunari@uol.com.br

Rodrigo Brito (Universidade Federal de Sergipe, Brasil) - www.rodrigobrito@gmail.com Thomas Robinson (University of Toronto, Canada) - tmrobins@chass.utoronto.ca Zélia de Almeida Cardoso (Universidade de São Paulo, Brasil) - zlvdacar@usp.br

COMITÊ DE REDAÇÃO / MANUSCRIPT COMMITTEE

Ália Rodrigues (Universidade de Brasília) – Coordenadora – archaijournal@unb.br Alexandre Schimel (Rio de Janeiro)

Gilmário Guerreiro da Costa (Brasília) Guilherme Motta (Rio de Janeiro) Jonatas Rafael Alvares (Rio de Janeiro) Renato Matoso (Rio de Janeiro)

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EDITORIAL

Rodolfo Lopes ...9

ARTIGOS / ARTICLES

Platão e a beleza ambígua da democracia (ii):

a tensão entre filosofia e democracia

Plato and democracy’s ambiguous beauty (ii):

the tension between philosophy and democracy

Alexandre Franco de Sá ...15 Parmenides as Psychologist – Part Two: DK 6 and 7

Nicola S. Galgano ...39

DOSSIÊ / DOSSIER Dossier: Ética Eudêmia Dossier: Eudemian Ethics

Raphael Zillig ...79 El Diagrama de Vicios Morales en Ética Eudemia II 3

The Diagram of Moral Vices in Eudemian Ethics II 3

Javier Echeñique ...93 EE II 2 1220a39–b6

Paulo Ferreira ...123 A respeito do caráter matemático – ou não – do método da Ética Eudêmia Regarding the mathematical character – or not –

of the Eudemian Ethics method

Fernando Gazoni ...141 Does Aristotle have a dialectical attitude in EE I 6? A negative answer

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Explanation and method in Eudemian Ethics I.6

Lucas Angioni ...191 O que é “verdadeiro, mas não esclarecedor” segundo a Ética Eudêmia

Eudemian Ethics on what is “true but not clarifying”

Raphael Zillig ...231 A doutrina da Justa Medida na Ética Eudêmia

The Doctrine of the Mean in the Eudemian Ethics

Inara Zanuzzi ...255 A busca do bem distintivo do homem - Ethica Eudemia 1217a18-40

The search for the distinctively human good – Ethica Eudemia 1217a18-40

André Luiz Cruz Sousa ...289

TRADUÇÃO / TRANSLATION Platão. Cartas: Carta I I

Plato. Letters: Letter I I

Gabriele Cornelli e Rodolfo Lopes ...319

RESENHAS / REVIEWS

Reseña: Angioni, L. (2014) (ed.).

Lógica e Ciência em Aristóteles. Campinas, Ed. Phi.

Manuel Berrón ...335 Rezension: Barbaric, Damir (2015). Chora.

Über das zweite Prinzip Platons. Attempto Verlag, Tübingen.

Felix Herkert ...343 Review: Fattal, M. (2016). Du bien et de la crise.

Platon, parménide et Paul de Tarse. Paris, L’Harmattan.

Pedro Paulo A. Funari ...355 Diretrizes para autores ...361

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Rodolfo Lopes Editor Assistente

Cátedra UNESCO Archai, Programa de Pós -Graduação em Metafísica da Universidade de Brasília

rodolfolopes@unb.br

Editorial

O vigésimo número da Revista Archai, o segundo deste ano de 2017, traz aos seus leitores uma novi- dade que, tanto quanto sabemos, se aplica à genera- lidade da produção académica nacional em Filosofia Antiga: um dossiê exclusivamente dedicado à Ética Eudêmia de Aristóteles. Além deste dossiê, a que dedicámos a esmagadora maioria das páginas deste número, contamos também com dois artigos, uma tradução e duas resenhas.

A secção de Artigos coloca à disposição dos leito- res a segunda parte do estudo de Alexandre Sá sobre a República de Platão, o qual resultou do minicurso que este especialista em filosofia política ministrou

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na Universidade de Brasília, no âmbito das ativida- des da Cátedra UNESCO Archai. Constitui, pois, para nós enorme satisfação ver assim documentada tal colaboração.

O segundo artigo é da autoria de Nicola Galgano, experiente pesquisador com o qual a nossa Cátedra já mantinha uma excelente relação de cooperação aca- démica. O texto, que corresponde também à segunda parte de um trabalho publicado no número anterior, propõe uma interessante análise do Poema de Parmé- nides a partir da sua fundamentação psicológica, ten- tando identificar naqueles versos problematizações sobre os processos mentais e cognitivos humanos.

O Dossiê, organizado e apresentado por Raphael Zillig é, como já dissemos, exclusivamente dedica- do à Ética Eudêmia de Aristóteles. Consiste em oito artigos de cujos conteúdos apresentamos apenas um breve resumo (e remetemos o leitor para a Apresenta- ção do dossiê, onde Zillig analisa, de modo mais deta- lhado, cada um dos contributos): o primeiro, de Javier Echeñique, oferece uma interpretação do diagrama de disposições morais apresentado em II.3; o segundo, da autoria de Paulo Ferreira, consiste numa tradução e comentário sistemático (em inglês) de II.2; o ter- ceiro, de Fernando Gazoni, ensaia a possibilidade de entrever na Ética Eudêmia um método matemático;

o quarto, escrito por Fernando Mendonça, se propõe a refutar a hipótese de que Aristóteles, na digressão metodológica de I.6, tenha em mente um procedi- mento dialético; o quinto, de Lucas Angioni, também dedicado àquela passagem (I.6), tenta harmonizar o método argumentativo de Aristóteles com os Segun- dos Analíticos; o sexto, de Raphael Zillig, é também

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11 sobre I.6, particularmente sobre os conceitos de ver-

dade e esclarecimento aplicados à investigação ética; o sétimo, da autoria de Inara Zanuzzi, tenta reconstruir uma teoria da justa medida a partir dos Livros II e III; finalmente, o oitavo, de André Sousa, procura exa- minar a discussão sobre o bem distintivo do homem, com base sobretudo em I.7.

Nas Traduções incluímos a Carta II de Platão, tradu- zida e apresentada por Gabriele Cornelli e Rodolfo Lo- pes, no seguimento do projeto conjunto dos autores, que consiste em verter para o português todas as cartas tradicionalmente incluídas no corpus Platonicum.

Na secção de Resenhas contámos com dois contri- butos, ambos a propósito de títulos publicados sobre Platão: Felix Herkert (em alemão) apresenta um livro de Damir Barbaric dedicado ao problema da chora no Timeu (Chora. Über das zweite Prinzip Platons);

Pedro Paulo Funari (em inglês) discute o texto de Mi- chel Fattal que estabelece um interessante elo teórico entre Parménides e Paulo de Tarso (Du Bien et de la Crise. Platon, Parménide et Paul de Tarse).

Que a leitura seja proveitosa.

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Galgano, N. (2017).

“Parmenides psycholo- gist – Part Two: DK 6 and 7.” p. 39-76

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VERDENIUS, W. J. (1964) Parmenides, some com- ments on his poem. Reimpressão de 1942, Amsterdam, Hakkert.

ZELLER, E. (1967). La filosofia de Greci nel suo sviluppo storico. Parte I, I presocratici. Volume III.

Eleati. 5a ed. Tradução italiana de MONDOLFO, R.;

atualização de REALE, G., Florença, La Nuova Italia.

Submitted in October 2015 and accepted for publication in January, 2016.

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dossiê | dossier

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Dossier: Ética Eudêmia

Dossier: Eudemian Ethics

ZILLIG, R. (2017). Dossier: Ética Eudêmia. Archai, n.º 20, may-aug., p. 79-92

DOI: https://doi.org/10.14195/1984 -249X_20_3

Este volume insere-se no movimento que há vári- as décadas tem dirigido a atenção dos intérpretes de Aristóteles para a Ética Eudêmia (EE). Por influên- cia de Schleiermacher ([1817] 1835) e Spengel (1841), chegou a prevalecer em tempos relativamente recentes a posição de acordo com a qual a EE não seria obra genuí- na de Aristóteles. Assim, ao defender em 1910 a então incomum tese da autenticidade da EE, Case observava que, na hipótese mais usual à época, essa obra teria sido escrita “não para, mas por Eudemo” (1910, p.512).

Trabalhos como o de Kapp (1912) fizeram mui- to para reverter a posição usualmente aceita quanto à

Raphael Zillig - Universidade Federal de Rio Grande do Sul (Brasil) rzillig@gmail.com

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autenticidade da obra1, mas ainda por muito tempo permaneceu dominante a opinião segundo a qual a EE seria filosoficamente inferior à Ética Nicomaqueia (EN). Alguns autores lograram atrair a atenção dos intérpretes para pontos de interesse filosófico na EE (como Allan, 1961) e a publicação da tradução comen- tada de Dirlmeier (1963), bem como a realização do 5º Symposium Aristotelicum (1969)2, dedicado à EE, con- tribuíram para mostrar a relevância filosófica da obra como um todo. No entanto, ainda em 1980 Irwin cons- tatava que “a maioria dos filósofos, incluindo aqueles seriamente interessados na teoria moral de Aristóteles, provavelmente falam da ‘ética de Aristóteles’ quando têm em mente a Ética Nicomaqueia” (1980, p.338).

Foi principalmente a partir da publicação de The Aristotelian Ethics (1978), de Anthony Kenny, que se tornou impossível ignorar a EE no âmbito dos estu- dos da ética aristotélica. Kenny não apenas procurou mostrar que a EE é uma obra autêntica de Aristóteles, mas, sobretudo, que se trata de um trabalho maduro, que não é inferior à EN do ponto de vista filosófico3. Para além dos inúmeros estudos que foram dedica- dos à EE desde a publicação de The Aristotelian Ethics, provavelmente o maior testemunho da importância que a obra ganhou aos olhos dos intérpretes como texto de interesse filosófico genuíno esteja na proli- feração recente de suas traduções. Em língua inglesa, por exemplo, até recentemente dispunha-se apenas de traduções antigas (Solomon, 1925 e Rackham, 1935) e da tradução de Woods ([1982] 1992), que contém somente os livros I, II e VIII. Nenhuma delas (e o mes- mo é provavelmente verdadeiro de qualquer tradução publicada antes de 2011) inclui os chamados “livros

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81 comuns”, que nos foram transmitidos como sendo

pertencentes tanto à EN, como à EE (trata-se de EN V = EE IV; EN VI = EE V; EN VII = EE VI). A publi- cação das traduções de Kenny (2011), Inwood e Wo- olf (2013) e Simpson (2013), todas contendo os livros comuns, mostra que a EE passou a ser vista como “um tratamento completo da felicidade e do bem humano”

que “merece ser lido e, de fato, estudado com o mesmo cuidado e atenção que nós rotineiramente devotamos à Ética Nicomaqueia (Inwood / Woolf, 2013, p. viii).

É visível, com isso, que deixou de ser consenso a opi- nião segundo a qual a EE seria um rascunho rudimen- tar da madura Ética Nicomaqueia (Case, 1910, p.512).

Nos últimos anos, diversos seminários, colóquios e grupos de pesquisa têm sido dedicados à EE no Brasil. Os trabalhos aqui reunidos, os quais passo agora a apresentar, expõem alguns dos resultados desse esforço coletivo.

Os dois primeiros artigos do volume envolvem-se, de um modo ou de outro, com uma situação atinen- te ao estado atual dos manuscritos da EE. O interesse historicamente restrito dos leitores de Aristóteles em relação à EE afetou a transmissão desse trabalho. Do interesse limitado, resultou um número relativamente baixo de cópias manuscritas que nos foram transmiti- das (Harlfinger, 1971, p.24). Como efeito disso, tem- -se a ocorrência de diversos trechos de caráter proble- mático ou duvidoso no texto atual da EE. As dúvidas quanto à autenticidade de um trecho ou passagem devem-se, muitas vezes, não apenas a razões filoló- gicas, mas também a questões doutrinárias ou argu- mentativas. Nessa perspectiva, El Diagrama de Vicios Morales en Ética Eudemia II 3, de Javier Echeñique,

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primeiro trabalho deste volume, dedica-se ao exame do quadro expositivo das disposições da alma contido em EE II 3. Nos manuscritos que nos foram transmiti- dos, o quadro comporta três colunas: as duas primei- ras contêm, respectivamente, os vícios por excesso e falta, ao passo que a terceira apresenta as virtudes. Em seu trabalho, Echeñique sustenta que a terceira coluna é espúria, correspondendo à adição indevida de um editor (motivado, provavelmente, pela leitura de EN II 7). O ponto que, em linhas gerais, já foi sustentado por outros autores, é aqui defendido a partir de uma tese acerca do papel metodológico do diagrama. De acordo com Echeñique, para responder adequada- mente a pergunta “que tipo de estado intermediário é a virtude de caráter e a que tipo de pontos médios ela diz respeito?” seria de se esperar que Aristóteles tomasse apoio em um diagrama contendo apenas as duas classes de vícios (a saber, os vícios por excesso e os vícios por deficiência).

O segundo trabalho deste volume, EE II 2 1220a39- b6, de Paulo Ferreira, ocupa-se também de uma situ- ação gerada pelo estado dos manuscritos que chega- ram a nós. Ferreira, no entanto, não está empenhado em propor emendas, mas em livrar o texto referido no título de seu trabalho das emendas desnecessárias que lhe foram impostas. Com efeito, o estado atual dos manuscritos da EE tornou o estabelecimento do texto tão complicado que resultou na proliferação de emendas em um nível indesejado. Para as sete linhas Bekker do trecho examinado no trabalho, o aparato crítico da edição de Walzer e Mingay contém dez li- nhas com o registro de emendas que foram propostas por diversos editores. Diante desse quadro, Ferreira

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83 procura mostrar que o texto é perfeitamente com-

preensível sem que se adote qualquer emenda.

Dentre as discussões geradas a partir do floresci- mento dos estudos voltados à EE nas últimas décadas, muitas dizem respeito à perspectiva metodológica associada à ética naquela obra. Com efeito, questões acerca da concepção eudêmia dos pontos de partida adequados à investigação ética, bem como dos pro- cedimentos que devem estabelecer seus resultados surgem naturalmente quando o leitor afeito ao trata- mento nicomaqueio de tais assuntos passa a dedicar- se à EE. Mesmo em uma primeira leitura é impossível não notar discrepâncias em relação à EN. O tratado eudêmio não contém, por exemplo, as observações sobre a relativa ausência de akribeia (“exatidão”) que, em função da natureza de seu objeto, deveria carac- terizar a investigação ética segundo a EN. Tampouco é explícita na EE a importância que a EN confere à experiência que o próprio pesquisador deve ter acerca dos assuntos práticos para que a investigação tenha sucesso. Ainda que características como essas não se- jam suficientes para demonstrar a existência de uma diferença profunda entre as duas obras no que diz res- peito ao método, elas certamente bastam para atrair a atenção dos intérpretes sobre o assunto.

A esse respeito, a discussão foi em grande me- dida pautada por Quasi-mathematical method in the Eudemian Ethics (1961), trabalho em que D. J. Allan defendia a posição segundo a qual a argumentação dos livros iniciais da EE estrutura-se de modo semelhante ao que se encontra nos tratados matemáticos da anti- guidade4. Essa posição torna a EE exótica em relação à concepção que foi predominante no século xx

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desde Burnet, para quem a “A Ética é e, pela natureza do caso, deve ser um trabalho dialético e não demon- strativo” (1900, p.xvii).

Na esteira do artigo de Allan, surgiram trabal- hos parcial ou integralmente dedicados ao exame da questão. Em alguns, a EE é decididamente retirada do alcance da posição tradicional que toma a dialética como método próprio da ética. Rowe, por exemplo, baseia em uma posição acerca da concepção eudêmia da racionalidade prática (a phronêsis) a tese segundo a qual “não há distinção radical entre a ética e as ciên- cias teóricas na EE” (1971, p.70). A questão, no en- tanto, não está encerrada. Se alguns autores recentes buscam aproximar o método da EE ao das ciências empíricas (Karbowski, 2015a; Devereux, 2015), há outros que tomam a EE como tratado mais marcada- mente dialético do que a EN (Zingano, 2007)5.

Quatro dos textos aqui publicados inserem-se na discussão atual sobre o método da ética na EE.

Em A respeito do caráter matemático – ou não – do método da Ética Eudêmia, Fernando Gazoni retoma as duas pontas do debate, introduzindo-se na discussão que Karbowski (2015c) travou com o texto seminal de Allan. O autor examina a discussão sobre o vocabulário empregado por Aristóteles na estruturação da argumentação em EE II 1 e conclui com Karbowski que não há razão para, em função do uso do vocabulário, atribuir características matemáticas (ou “quase-matemáticas”) ao método ali empregado. As razões que levam Gazoni a essa conclusão, no entanto, não são as mesmas de Karbowski. A boa compreensão do vocabulário, argumenta Gazoni, pode ser encontrada na base de seu

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85 uso comum entre os autores dos séculos iv e v A.C.

De fato, esse uso comporta nuances que são exploradas nos tratados matemáticos, mas que não são exclusivas desse contexto. Ao fim de seu trabalho, Gazoni discute um ponto que, a seu ver, não é bem explicado nem por Allan nem por Karbowski, a saber, as peculiaridades da passagem do tratamento que a eudaimonia recebe ao final do livro I para o tratamento que o tema recebe no início de EE II.

Também inserido no debate metodológico, o tra- balho Does Aristotle have a dialectical attitude in EE I 6? A negative answer, de Fernando Mendonça procu- ra mostrar que, diferentemente do que sustentam in- terpretações influentes, o método apresentado em EE I 6 não é de natureza dialética. Seu objetivo é atacar em particular a ideia segundo a qual o método apresen- tado naquele capítulo corresponde a uma concepção do chamado método dialético que está fortemente ba- seada em uma leitura de EN VII 1, 1145b2-7 e de Tópi- cos I 1 e 2. De acordo com a interpretação recusada, o método de EE I 6 teria exclusivamente endoxa como ponto de partida e procederia por meio da identifi- cação de inconsistências que seriam solucionadas por análise conceitual. Mendonça sustenta que nenhuma dessas características pode ser atribuída ao método de EE I 6, que faz uso de evidências empíricas para for- necer propriedades capazes de delimitar o objeto de estudo. Com isso, estaria dado o explanandum da pes- quisa que se desenvolve nos capítulos seguintes, para o qual caberia, então, encontrar as causas apropriadas.

Em Explanation and method in Eudemian Ethics I.6, Lucas Angioni dedica-se também ao principal texto metodológico eudêmio, EE I 6. Recusando, assim

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Fernando Gazoni, ‘A respeito do caráter ma- temático – ou não – do método da Ética Eudê- mia.’, p. 141-160

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151 princípios, mas se trata, de maneira semelhante ao caso

dos axiomas, de aceitar algo como verdadeiro, verdade, entretanto, cujos fundamentos passam imediatamente a ser examinados e cuja fundamentação se vê logo estabe- lecida. Melhor diríamos: trata-se de aceitar, da proposi- ção, sua pretensão à condição de verdade estabelecida, pretensão que, em seguida, passa a ser sumariamente examinada. Há, no gesto que se deixa expressar pelos imperativos, um convite à aceitação não problemática das proposições, gesto que, assim me parece, é o mesmo no caso dos axiomas dos Elementos8.

Quando passamos ao uso desses imperativos em ou- tros autores do século IV a.C., encontraremos a mes- ma nuance. Não é o outro o sentido quando Sócrates, no Mênon, de Platão, oferece sua primeira definição de figura: ἔστω γὰρ δὴ ἡμῖν τοῦτο σχῆμα, ὃ μόνον τῶν ὄντων τυγχάνει χρώματι ἀεὶ ἑπόμενον (‘seja isso para nós a figura, o único entre os seres ao qual sempre se segue a cor’). Tampouco é outro o sentido quando Aris- tóteles, no capítulo 24 do primeiro livro dos Analíticos Anteriores, propõe o seguinte ponto para exame: κείσθω γὰρ τὴν μουσικὴν ἡδονὴν εἶναι σπουδαίαν (‘seja esse o ponto de exame, se o prazer musical é nobre’). O que se propõe, em ambos os casos, é o exame da pretensão de verdade dessas proposições. Tanto a diferença de proce- dimento quanto a diferença epistemológica entre o uso dos imperativos de terceira pessoa na Ética Eudêmia e na matemática, que serviram como argumentos para Karbowski rejeitar a pretensão de Allan em ver no mé- todo da Ética Eudêmia filiação matemática, podem ser unificadas sob a visada comum de seu uso linguístico.

Que exista um fundo comum não significa, entre- tanto, que nos vejamos obrigados a reabilitar a tese de

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Fernando Gazoni, ‘A respeito do caráter ma- temático – ou não – do método da Ética Eudê- mia.’, p. 141-160

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Allan, mas significa que as diferenças apontadas por Karbowski não são tão relevantes assim. Em ambos os casos trata-se de aceitar a pretensão de verdade dos princípios que, como nos lembra Aristóteles, podem ser ditos de duas maneiras: aqueles que são mais claros para nós (de onde partimos em direção aos princípios) e aqueles que são mais claros por natureza (os próprios princípios, de onde derivamos propriedades e teoremas relativos aos objetas das disciplinas em questão)9.

Poderíamos, então, unificar o método da Ética Eu- dêmia e o método matemático sob uma rubrica co- mum? Sim, poderíamos, mas, levada a seus limites, a questão se torna apenas um problema de nomencla- tura. Aquém desses limites, entretanto, seria útil nos perguntarmos que utilidade haveria em aproximar os dois métodos. Allan parece apostar, ao atribuir ao mé- todo da EE filiação matemática, que estaríamos fla- grando um dispositivo oculto ou ao qual Aristóteles adere de maneira implícita10 e, nesse sentido, flagrar esse método é revelador. Além disso, se enxergarmos nessa adesão implícita a um método de estirpe ma- temática a figura de um ‘Aristóteles sistematizador’, como diz Allan, teremos motivos para defender a tese de que esse sistematizador é posterior ao Aristóte- les mais discursivo e elegante da Ética Nicomaqueia (Allan, 1961, p.317-318). Karbowski considera essa aposta equivocada. Ele considera suficiente a exposi- ção metodológica contida em EE I.611 para dar conta das características da argumentação que leva às defi- nições de eudaimonia e virtude moral. Não há nenhu- ma metodologia que deva ser flagrada a despeito de Aristóteles. Segundo Karbowski, Aristóteles recorre aos imperativos de terceira pessoa, em particular, e à

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153 declaração franca das premissas, em geral, para não

cair no erro que ele recrimina no seu capítulo meto- dológico, qual seja, confundir os princípios com as consequências que derivam deles12.

IV.

Quaisquer que sejam, entretanto, as causas por que Aristóteles faz o uso aberto de premissas, há um fato a respeito desses capítulos da Ética Eudêmia que não me parece encontrar explicação razoável tanto no es- quema de Allan quanto no esquema de Karbowski.

Refiro-me à clara cesura existente entre a argumenta- ção apresentada nos capítulos finais do livro I (EE I.7 e I.8) e o início do livro II.

Deve-se notar, inicialmente, que o uso dos impe- rativos de terceira pessoa é restrito ao livro II. Se esse uso está preconizado, de alguma forma, pelos precei- tos metodológicos de EE I.6, deve-se explicar porque eles são utilizados, e utilizados de forma intensiva, apenas a partir do livro II. Além disso, no início do livro II Aristóteles anuncia um novo início (μετὰ δὲ ταῦτ’ ἄλλην λαβοῦσιν ἀρχὴν περὶ τῶν ἑπομένων λεκτέον – 1218 b31 – ‘depois dissο tomando um ou- tro princípio, deve-se falar sobre o que se segue’). Esse

‘outro princípio’, de que se trata? Lembremo-nos que em EE I.7 também se anunciou um princípio, que to- maria como ponto de partida ‘aquilo que é primeiro’

(ἀπὸ τῶν πρώτων). Obviamente não podemos supor, a respeito do princípio anunciado no livro II, que se trata de outro princípio em direção ao qual se cami- nha, pois em ambos os casos estamos diante da pro- cura pela mesma definição de eudaimonia. Tampouco me parece que o preceito geral exposto em I.6, tomar

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como ponto de partida aquilo que é verdadeiro, mas está expresso de maneira não clara, e seguir em dire- ção ao que é verdadeiro e claro, seja capaz de explicar essa cesura13. Acrescente-se a isso o fato embaraço- so de que o ambiente argumentativo de EE I.7 e I.8 pode ser classificado, sem grandes pretensões nessa classificação14, como dialético. EE I.7 tem, logo no seu início, uma asserção cujo fundamento se encontra no acordo geral em torno dela: “de fato, há comum acor- do (ὁμολογεῖται δή - 1217 a21) que isto (ou seja, a eudaimonia) é o maior e melhor dos bens humanos”.

A partícula δή, é lícito supor, cumpre a mesma fun- ção em uma passagem semelhante na Poética (1447 a13), onde Aristóteles, tendo usado a mesma fórmula que precede esse acordo geral (ἀρξάμενοι ... πρώτον ἀπὸ τῶν πρώτων – ‘começando ... primeiramente pelo que é primeiro’) introduz uma asserção que seria bem aceita como uma verdade compartilhada15. E EE I.8 tem como programa refinar a noção de ‘o melhor’ (τὸ ἄριστον) por meio do exame de três ‘opiniões’ (δόξαι), uma das quais é claramente a opinião reputada de um sábio, Platão, ou de sua escola.

Esses são fatos que pedem explicações. Eu não tenho respostas que me pareçam satisfatórias para isso. Pos- so apenas avançar algumas tentativa preliminares, sem me preocupar muito se elas são exaustivas ou exclusi- vas. Quanto ao ‘outro princípio’ anunciado em EE II.1:

a. Pode ser que o ‘outro princípio’ se refira ao prin- cípio estabelecido no final do livro I, qual seja, que o melhor (τὸ ἄριστον) deve ser identificado com a finali- dade (τὸ τέλος). Assim, o início do livro II toma como novo principio a asserção mais clara ‘o maior dos bens humanos é a finalidade’ em substituição/continuação

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155 à asserção verdadeira, mas menos clara, ‘a eudaimonia

é o maior dos bens humanos’. Essa explicação tem a vantagem de integrar os dois capítulos finais do livro I ao capítulo inicial do livro II sob a égide dos preceitos anunciados em EE I.6, mas não explica a concentração dos imperativos de terceira pessoa apenas no livro II e a aparência dialética de EE I.7 e I.8.

b. Pode ser, por outro lado, que o ‘outro princípio’

anunciado no início de EE II.1 refira-se justamente a essa mudança entre um contexto de exame das opini- ões reputadas e a asserção um tanto quanto sumária de premissas e o rápido caminhar em direção à con- clusão. Deve-se entender, nesse caso, ‘outro princípio’

como ‘outra forma de encaminhar a pesquisa’. Mas não conheço outra passagem em que o termo ‘princí- pio’, que tem, no sistema aristotélico, um uso bastante marcado, tenha esse sentido.

c. Pode ser que esse ‘outro princípio’ deva ser lido do modo simples e direto, como se referindo ao novo princípio imediatamente exposto, que todos os bens são, ou externos, ou internos à alma, e que os internos são preferíveis aos externos (1218 b32-33). Por que, entretanto, há a necessidade de expor isso como um novo princípio e por que esse novo princípio recebe tratamento diferente dos princípios expostos em EE I.7 e I.8?

De qualquer forma, a questão mais relevante, no meu entender, é a diferença entre os dois capítulos fi- nais do livro I e o capítulo inicial do livro II quanto ao modo como Aristóteles encaminha seus argumentos.

Para isso eu vejo duas explicações possíveis e um fato para o qual eu gostaria de chamar atenção.

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1. Aristóteles usa o imperativo de terceira pessoa ὑποκείσθω no início do De sensu et sensibilia para se referir ao que foi dito ‘a respeito da alma’16. Igualmen- te, no início de EE II.1, Aristóteles faz referência aos

‘tratados externos’ (1218 b34). Talvez em ambos os casos tenhamos a introdução a uma discussão que já fosse familiar ao público visado e que, portanto, po- deria ser reapresentada de maneira sumária, sem um exame mais detalhado dos argumentos. Essa hipótese, entretanto, tem o inconveniente de trazer um motivo circunstancial, o público ao qual Aristóteles se dirige, como explicação para um fato do qual gostaríamos de extrair conclusões mais substanciais.

2. Não raro, os tratados aristotélicos apresentam uma cesura entre seu livro introdutório e o livro se- guinte. Encontramos isso na Physica e no De Anima, por exemplo, onde, depois de um livro inicial devota- do ao exame de opiniões alheias e teses concorrentes, o segundo livro segue rapidamente com a exposição da própria teoria aristotélica, sem que essa exposição siga-se como consequência necessária das discussões do livro inicial. Talvez estejamos aqui em presença de algo semelhante, ainda que a conclusão de EE I.8 quanto ao τέλος (telos) seja essencial na discussão que antecede e fundamenta a definição de eudaimonia.

Isso me leva a observar, e esse é o fato para o qual que gostaria de chamar a atenção, que a introdução do conceito de finalidade na Ética Eudêmia por meio da identificação de ‘o melhor’ (τὸ ἄριστον) ao ‘fim’ (τὸ τέλος), resultado específico de EE I.8, mas cuja pes- quisa já estava indicada em EE I.7, é feita de maneira bastante diferente na Ética Nicomaqueia. Ali, não se trata de eliminar outros dois candidatos ao summum

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157 bonum e ficar com o τέλος, mas de introduzi-lo dire-

tamente logo nas primeiras páginas do tratado. A im- portância dessa diferença, ao menos assim me parece, foi bastante obscurecida pela objeção que se costuma fazer ao raciocínio aristotélico exposto no início de EN I.2 (1094 a18-22). Se, entretanto, considerarmos esse raciocínio, não como uma tentativa frustrada da prova da existência do bem supremo, mas apenas como a explicitação de certas propriedades ligadas a ele e à maneira como esse bem supremo se relaciona com outros bens, poderemos reabilitar EN I.2 e ver sob nova luz ao menos essa diferença, em meio a tan- tas outras, entre os dois tratados. Mas isso exigiria ou- tra pesquisa e outro artigo.

Em suma, e de modo a concluir, não me parece fértil a ideia de que o método da Ética Eudêmia tenha filiação matemática, e nisso estou de acordo com Karbowski, mas não pelos motivos que ele apresenta. Sua satisfação com o método apresentado em EE I.6, por outro lado, parece-me titubear frente às exigências de explicação da cesura entre os livros I e II da Ética Eudêmia. Tentei fazer frente a essas exigências, mas mais precisaria ser feito, se é que uma resposta satisfatória é possível.

Notas

1 Textos originais, respectivamente: “phenomenological description of the Eudemian system” e “what really are the sig- nificant differences between the versions” (Allan, 1961, p.304).

2 Notable points here are the formal statement of the hypo- theses which will be required (II 1, 1218 b31-1219 a18), the fre- quent use of ὑποκείσθω, and the Euclidean way in which referen- ce is made to the assumptions or to the initial vague definitions.

3 Cf. Physica, Livro I, capítulo 1.

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4 Aliás, a favor de Allan deve-se reconhecer que a denomina- ção ‘método quase matemático’ pressupõe certa distância entre o alegado método da Ética Eudêmia e o método matemático estri- to, distância que o corpo do artigo, entretanto, não chega a escla- recer de todo e que o artigo de Karbowski dilata a fim de objetá- -lo. Note-se, também, que objeções do mesmo tipo foram feitas à tese já quando Allan apresentou seu paper em um colóquio em Louvain. A objeção parece que teve o seguinte teor: por que não dizer que o método aristotélico é apenas silogístico, sem atribuir a ele qualquer filiação matemática? (Allan, 1961, p.318, nota 6).

5 ὑποκείσθω (hypokeistho) 1218 b37, ἔστω (esto) 1219 a6, έχέτω (echeto) 1219 a 8, ἔστω (esto) 1219 a24.

6 Encontraremos um uso extensivo dos imperativos de ter- ceira pessoa ὑποκείσθω (hypokeistho) e ἔστω (esto) no capítulo 11 do livro II dos Analíticos Primeiros (mas aí se trata efetiva- mente de cadeias demonstrativas) e no capítulo 6 do Livro II dos Meteorologica, onde se procede a uma exposição/demons- tração por meio de um diagrama. Também encontramos esses termos presentes no capítulo 1 do sétimo livro da Política, mas aí eles não estão coordenados em uma cadeia argumentativa.

7 Poderíamos especular, se a nuance que proponho não é sutil demais para ser verdadeira, que a tradução de Irineu Bi- cudo talvez reflita, em algum sentido, o surgimento das geome- trias não euclidianas nos séculos xviii e xix. A partir de então, a ‘verdade’ dos axiomas de Euclides passou a competir com ou- tras ‘verdades’, de forma que não se tratava mais de reconhecer e aceitar a verdade dos axiomas, mas de aderir a ela.

8 As premissas são introduzidas, assim, não de forma precária, como seria o caso do raciocínio ‘por hipótese’, descrito no Mênon, de Platão. “Se a virtude é ciência, então ela pode ser ensinada”, “Se A, então B”, caso em que a verdade de B sempre será dependente da provisória verdade de A. Na Ética Eudêmia, as premissas são introduzidas de forma suficiente a sustentarem a conclusão pre- tendida: “é razoável aceitar A; aceitemo-lo; e disso decorre B”.

9 Veja-se Ética Nicomaqueia, 1095 b1-5.

10 “But there (isto é, na dedução da definição de eudaimo- nia e de virtude moral) emerges a fact to which he (isto é, Aris- tóteles) does not explicitly call attention, namely the fact that

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he sets before him a mathematical pattern of deduction” (Allan, 1961, p.307).

11 A tese se encontra mais desenvolvida em Karbowski, 2015a.

12 “If the current proposal is correct, Aristotle`s use of po- sits in the EE is primarily intended to prevent him from making a similar conflation of principles and theorems in the ethical realm” (Karbowski, 2015, p.385).

13 Para outra posição a respeito, veja-se a contribuição de Raphael Zillig a este volume.

14 Não quero me posicionar aqui sobre a grande polêmi- ca acerca do caráter dialético ou não dos tratados aristotélicos.

Para meu argumento, basta que se aceite ao menos certa ‘ambi- ência dialética’ em EE I.7 e I.8, ou nem isso: basta que se aceitem as distinções entre o modus operandi de EE I.7 e I.8 e EE II.1.

15 A estrutura se repete nas Refutações Sofísticas, em 164 a22-23. No lugar de δή, entretanto, temos μὲν οὖν.

16 τὰ μὲν οὖν εἰρημένα περὶ ψυχῆς ὑποκείσθω – 436 a5, que poderíamos traduzir, de maneira literal, como ‘estejam tomadas como premissas as coisas que foram ditas a respeito da alma’.

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Submetido em Agosto e aprovado para publicação em Outubro, 2016

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20 See Lesher (2010) for the uses of “saphôs” and cognates indicating accuracy or even the highest form of knowledge.

21 See Charles (2000, p.213-220), for the interdependence between explaining and defining in APo.

22 Zillig (2012, p.308-315), develops such an approach about the refinement in the definition of what eudaimonia is in EE I.7-8. See also Karbowski (2015b, p.206-7) and Mendonça (2017).

23 Zillig (2014, p.228), seems to go in a similar direction: the proposition that eudaimonia is the best of the human goods is true but not enlightening because its role as a principle in further specifications of what is good for us might be ineffective. Zillig suggests that the proposition is not enlightening because, being too vague and when accompanied by inadequate additional in- formation, it allows (in a level of further specification) an incor- rect application of the term to something that is not eudaimonia.

24 Aristotle sometimes uses the word “philosophos” and cognates to point to those who really love knowledge itself and thereby pursue the causes. See Parts of Animals 645a10 (also de Caelo 291b27).

25 For a different interpretation, see Woods (1992, p.59):

Aristotle is relying on the idea that good philosophers must comprehend that explanations are not needed for the principles.

26 I am grateful to Raphael Zillig and Fernando Mendonça for comments on a previous draft of this paper. I also thanks Raphael Zillig, Inara Zanuzzi, Rodrigo Guerizoli, Felipe Wein- mann and Breno Zuppolini for many discussions on Ethica Eu- demia I.6 and correlated issues. Discussions with Raphael Zillig and Fernando Mendonça about “the method of endoxa” have undoubtedly framed my mind on the issues developed in this paper, including when both have presented papers dealing with the same passage in Campinas and Porto Alegre.

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Submitted in August an accepted for publication in October, 2016

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Raphael Zillig - Universidade Federal de Rio Grande do Sul (Brasil) rzillig@gmail.com

O que é “verdadeiro, mas não esclarecedor” segundo a Ética Eudêmia

1

Eudemian Ethics on what is “true but not clarifying”

ZILLIG, R. (2017). O que é “verdadeiro, mas não esclarecedor” se- gundo a Ética Eudêmia. Archai, n.º 20, jan.-apr., p. 231-254.

DOI: https://doi.org/10.14195/1984 -249X_20_9

Resumo: Em Ética Eudêmia I 6, Aristóteles caracteriza o avanço da investigação ética como uma substituição progressiva do que é a) dito com verdade, mas não de modo esclarecedor pelo que é b) verdadeiro e esclarecedor. Usualmente, a passagem de a) para b) é interpretada como superação de uma primeira apreensão obscura e confusa do objeto de estudo por uma exposição mais acurada e confiável do mesmo. Neste trabalho, sustento que a compreensão do papel metodológico de a) depende de sua

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dissociação das noções de obscuridade e confusão. Trata-se antes de uma primeira apreensão indistinta (mas não confusa) do objeto de investigação. É em virtude de sua indistinção e não de obscuri- dade que se deve seu caráter insuficientemente esclarecedor.

Palavras-chave: método, ética, verdade, esclarecimento.

Abstract: In Eudemian Ethics I 6, Aristotle describes the pro- gress of the ethical investigation as a drift from a) what is true but not clarifying to b) what is true and clarifying. The drift from a) to b) is usually interpreted as the overcome of a first ob- scure and confused grasp of the subject by a more accurate and reliable account. In this paper, I claim that the understanding of the methodological role of a) depends upon its dissociation from the notions of obscurity and confusion. What is true but not clarifying should be rather understood as a first indistinct (but not confused) grasp of the subject. Its insufficiency as re- gards explanation is to be accounted on the base of its indis- tinctness and not on its supposed obscurity.

Keywords: method, ethics, truth, explanation.

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233 No início de Ética Eudêmia I 6, o desenvolvimento

da investigação ética é descrito como uma substitu- ição progressiva do que é dito com verdade, mas não saphôs pelo que é, além de verdadeiro, saphôs. Essa transição é caracterizada nos termos da exortação usual de proceder partindo do que é insuficientemente inteligível e avançar buscando o que é plenamente in- teligível. Usualmente, a transição é apresentada como passagem do que é verdadeiro mas não claro2 para o que é verdadeiro e claro, sendo interpretada nos ter- mos da superação de uma primeira apreensão obscura e confusa do objeto de estudo por uma exposição mais acurada e confiável do mesmo. Neste trabalho, pre- tendo dissociar a condição do que é dito com verdade mas não saphôs3 das ideias de obscuridade e confusão.

Como pretendo mostrar adiante, entendo que a ad- equada compreensão do papel metodológico das “as- serções AOΣ” (ou seja, asserções que são verdadeiras, mas não são ditas saphôs) beneficia-se dessa disso- ciação. Desejo sustentar que as asserções AOΣ devem ser antes associadas a uma apreensão indistinta – mas não confusa – do objeto. Trata-se de uma apreensão que caracteriza qualquer estágio da investigação em oposição às suas fases subsequentes. Com efeito, o de- senvolvimento de uma pesquisa é marcado por uma apreensão progressivamente mais acurada do objeto de estudo. Uma primeira abordagem que o apreende em suas linhas gerais torna-se insuficiente à medida que o investigador é confrontado com questões que requerem uma apreensão mais refinada do objeto.

Quero aqui sugerir que a condição do que é verdadei- ro mas não é dito saphôs caracteriza o estado de uma exposição que foi apropriadamente elaborada para as primeiras questões gerais da investigação e torna-se

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insuficiente para dar conta das demandas associadas à busca de um entendimento mais matizado do tópico de investigação. Desse modo, sustentarei que as asser- ções AOΣ não devem ser repelidas tão logo o investi- gador encontre um modo preciso de enunciar o que era apenas confusamente indicado por tais asserções.

Ao contrário, elas fornecem respostas adequadas para as primeiras questões gerais do investigador e, ao fazê-lo, formam a base para a obtenção das respostas às questões mais específicas.

A condição do que é verdadeiro mas não saphôs no contexto metodológico

Expressões como saphêneia e saphes (normal- mente traduzidas, respectivamente, por “clareza” e

“claro) são muito usadas por Aristóteles para fazer referência à precisão quanto a formulação e con- dições assemelhadas4. Nesse sentido, empenhar-se em tornar saphes uma expressão ou asserção pode corresponder, por exemplo, a tentar eliminar uma equivocidade ou a perguntar pelo sentido de um termo desconhecido. Esse sentido do que é saphes não é aquele que está associado ao advérbio saphôs na seguinte passagem metodológica fundamental da Ética Eudêmia:

[T1] “Deve-se tentar buscar a convicção acerca de todos esses assuntos por meio dos argumentos, empregando como testemunhos e exemplos o que é manifesto [phai- nomena]. Com efeito, o melhor é que seja manifesto que todos os homens concordam com o que será dito e, se não, ao menos que todos concordam de certo modo – o que, sendo conduzidos por argumentos, eles farão.

De fato, cada um possui algo apropriado em relação à

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Raphael Zillig, ‘O que é “verdadeiro, mas não esclarecedor” segun- do a Ética Eudêmia’, p. 231-254

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verdade, a partir do que é necessário provar de certo modo sobre esses assuntos. Com efeito, partindo do que é dito com verdade, mas não saphôs haverá também o saphôs aos que prosseguem, substituindo sempre o que habitualmente se diz de modo indistinto [sunkechume- nôs] pelo que é mais inteligível.” (EE I 6, 1216b26-35)5

No texto acima, a qualidade do que é dito de modo saphôs está associada à inteligibilidade, condição que não é obtida por mera precisão de expressão.

Para que um enunciado seja plenamente inteligív- el, ele deve apresentar as explicações apropriadas ao contexto. Posso estar plenamente ciente do que meu interlocutor pretende expressar e, ainda assim, encontrar no que ele diz algo de insatisfatório com relação às explicações relevantes. De fato, to saphes e expressões associadas são usadas em estrita conexão com explicação em vários pontos do corpus, como em De Anima II 2, 413a11-156, onde um enunciado definitório saphes é dito expressar não apenas o fato a ser explicado (o hoti), mas também a explicação relevante (a aitia). Nesse contexto, o termo saphes e seus cognatos têm sentido em alguma medida téc- nico. Se a tradução usual de saphes por “claro” corre- sponde bem ao sentido que está associado à precisão quanto a formulação, o mesmo não se dá no presente caso. Quando se pede ao interlocutor que torne mais claro o seu discurso, espera-se que ele elucide o que quis dizer. Uma vez que no contexto que agora nos interessa não há dúvida quanto ao sentido do dis- curso ou à intenção do interlocutor, traduzir saphes por “claro” desviaria o leitor da nuance relevante do termo. Desse modo, para captar adequadamente o matiz explanatório que o termo tem no contexto,

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Guidelines

1. General Guidelines

1.1. Articles may contain up to 50 thousand char- acters including spaces and reviews may contain up to 15 thousand characters. Articles must be accompa- nied by an abstract with at least 100 words and up to 250 words, in the original language (i.e. the language in which the article is written) and in English, as well as up to 5 keywords in the original language and in English. The title must be in the original language, fol- lowed by its English title.

1.2. The author must send the article or review by electronic means only, through the journal´s webpage, in A4 format, font Arial 11, in Word (doc., docx.), Rich Text (rtf.) or compatible format.

1.3. Articles with quotations in the Greek lan- guage must either use Unicode or transliterations of the words in Greek, according to the New Norms of Transliteration published in Archai Journal n.12,

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p.193 -194 and available at: http://periodicos.unb.br/

index.php/archai/article/view/10149/7457.

1.4. All submissions must be original and not pre- viously accepted for publication in a journal.

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2. Review

2.1. The review and selection of submissions are conducted by peers. The process of evaluation of the article is documented in the archives of the Archai journal. Texts submitted are forwarded by the Edito- rial Board to the Scientific Committee or to ad hoc readers. Texts are judged by their conformity to the journal´s editorial line, to the editorial norms and by the quality of the writing, both in terms of originality and relevance of the proposed themes and in terms of the critical and/or informative impact that they may have to the advance of the studies about the origins of Western thought.

3. Examples of citations

(in accordance with the norm NBR 10520 with ad- aptations)

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373 Citations in the Archai Journal follow the author-

-date system in the body of the text (never in the foot- notes), as shown in the following examples. In the case of classical works, follow the examples of item 3.5. Quotation of classic works.

3.1. Indirect citation – the essential element is the year of publication to which the citation refers.

Example: Irony would thus be an implicit form of shown heterogeneity, according to the classifica- tion proposed by Authier -Reiriz (1982).

3.2. Direct citation with less than three lines – should come in the text in parentheses, and should always include page numbers.

Example: “Democracy depends on citizens’ avail- ing themselves of the freedom to participate in rule (...)” (Schofield, 2006, p. 111).

3.3. Direct quotation with more than three lines – should come in a paragraph highlighted with the left margin indented by 4cm, single -spaced, Arial font size 10, and should always include page numbers.

Example:

That the soul is more similar to the Forms than it is to bodies does not establish how it is similar. And so it falls short of showing that it is similar in that both the soul and the Forms are indestructible or indissoluble (...). If the conclusion leaves open the possibility that the soul is nearly indestructible, then it is destructible after all, in which case the argument

Referências

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