Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
ISABEL TEIXEIRA DIAS DE BESSA* Revista de Historia das Ideias
Vol. 16 (1994)
ARQUITECTURA E MEMÓRIA DO ESTADO NOVO AO 25 DE ABRIL O Liceu Júlio Henriques / João III / José Falcão
de Coimbra
Ocorrem-me as palavras de Herculano: "Um grande edifício, fosse qual fosse o destino que o seu fundador lhe quisesse dar, é sempre e de muitos modos, um livro de História".
A Arquitectura ou o Teatro do Poder
Marques da Silva, com os Armazéns Nascimento do Porto, e Carlos Ramos, ao projectar o edifício da Havas, na Rua do Ouro, em Lisboa, aguarelada por Leitão de Barros, ao lado dos primeiros projectos de Pardal Monteiro, no começo dos anos 20, marcam o início, ainda pouco consciente, do que seria o novo ciclo da arquitec
tura "modernista" em Portugal.
Segue-se um período de silêncio. O grande surto das obras marcantes da arquitectura moderna surgem em plena agonia do regime republicano e ao longo dos primeiros anos do Estado Novo.
Os regimes fascistas fizeram surgir uma arquitectura própria, possuidora de traços perfeitamente definidos. Arquitectura que entrou em ruptura com toda uma evolução artístico-histórica ante-
* Mestranda de História da Arte, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
135
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt
Do Estado Novo ao 25 de Abril
rior, pela monumentalidade retórica, expressão do poder estatal;
pelo tradicionalismo arcaizante, exaltação dos valores nacionais.
Esta arquitectura, assim definida, não é criação de um modelo exclusivo dos regimes fascistas, mas antes um fenómeno espacial e temporal "que aparece ligado a sistemas políticos de índole totalitária'^1), surgidos na Europa, a partir da década de 20. É nesta linha perspéctica de pensamento que se situam alguns dos mais insignes historiadores da arquitectura moderna, como Bruno Zévi e Leonardo Benevolo(* 2).
O Estado, pelo seu cariz totalitário, controla todas as manifestações resultantes da actividade humana. A arquitectura, sendo uma arte colectiva, é um instrumento privilegiado e rentável de manipulação ideológica enquanto desenho, pela dimensão, pela durabilidade, pelo uso obrigatório enquanto obra construida(3). Seja um edifício, uma cidade, um jardim. A arquitectura é um veículo de propaganda por excelência (recordemos, a título de exemplo, os modelos arquitectónicos forjados a partir das directrizes tridentinas, meios privilegiados de propaganda catequético-doutrinária). Por isso mesmo, é condicionante do comportamento individual e colectivo(4).
A elaboração de modelos arquitectónicos no Estado Novo
"teve de esperar pela confluência de dois vectores: ao longo do
(') Nuno Teotónio Pereira e José Manuel Fernandes, "A Arquitectura do Fascismo em Portugal", in O Fascismo em Portugal (Actas do Colóquio), Lisboa, A Regra do Jogo, 1992, p. 534 ( Daqui em diante passamos a citar "A Arquitectura do Fascismo..."). O mesmo texto encontra-se publicado na revista Arquitectura, n° 139, 4a série, 1980.
(2) Bruno Zévi, "A crise do racionalismo arquitectónico na Europa", in História da Arquitectura Moderna, Lisboa, Arcádia, 1970 (Daqui em diante passamos a citar "A crise do racionalismo..."); cf. Leonardo Benevolo, "El compromiso político y el conflicto con los regimenes autoritarios", in Historia de la Arquitectura Moderna, Ed. Gustavo Gili, 1974; cf. Leonardo Benevolo, O
Último Capítulo da Arquitectura Moderna, Lisboa, Edições 70,1985.
(3) Nuno Teotónio Pereira e José Manuel Fernandes, "A Arquitectura do Fascismo...".
(4) Bruno Zévi, "A crise do racionalismo..."; cf. José Manuel Pedreirinho,
"Arquitectura e Fascismo em Portugal", Historia, n° 9, Jul. 1979; cf. José Manuel Pedreirinho, "A Arquitectura Portuguesa do Fascismo ao Estado Novo", Historia, n05 45, 46, 48, Jul.-Out. 1982; cf. Luís Reis Torgal, Historia e Ideologia, Coimbra, Minerva, 1989.
136