• Nenhum resultado encontrado

Psicol. Esc. Educ. vol.20 número3

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Psicol. Esc. Educ. vol.20 número3"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

http://dx.doi.org/10.1590/2175-3539/2015/02031057

Análise das Estratégias de Escrita de Crianças

Pré-Escolares em Português do Brasil

Renan de Almeida Sargiani

Universidade de São Paulo – São Paulo – Brasil

Ana Albuquerque

Universidade de São Paulo – São Paulo – Brasil

Resumo

Neste estudo tivemos três objetivos: 1) investigar as estratégias que pré-escolares usam para escrever palavras em português do Brasil; 2) analisar

os diferentes tipos de escrita e de letras usadas; e 3) criar critérios explícitos para classiicar as escritas das crianças e servir como parâmetros para pesquisas e práticas pedagógicas. Os participantes foram 38 crianças com idade média de 70.3 meses. As crianças foram avaliadas por um ditado de 15 palavras e tarefas de conhecimento de letras, consciência fonológica (silábica e fonêmica) e inteligência não-verbal. As escritas

foram digitadas e analisadas de acordo com critérios elaborados com base nas estratégias de escrita observadas. Os resultados mostraram que

a maioria das crianças utilizou predominantemente estratégias alfabéticas parciais, que reletem a aquisição e o uso do conhecimento de letras

e da consciência fonêmica.

Palavras-chave: Linguagem escrita; ortograia; alfabetização.

Analysis of Preschool Children

's Spelling

Strategies in Brazilian Portuguese

Abstract

In this study we had three objectives: 1) to investigate the strategies preschoolers use to write words in Brazilian Portuguese; 2) analyze the different types of writing and letters used; And 3) create explicit criteria for classifying children’s writing and it could serve as parameters for

research and pedagogical practices. The participants were 38 children with mean age of 70.3 months. The children were evaluated by a dictation of 15 words and tasks of letter knowledge, phonological awareness (syllabic and phonemic) and nonverbal intelligence. The writings were typed

and analyzed according to criteria elaborated based on the writing strategies observed. The results showed that most children predominantly used partial alphabet strategies, which relect the acquisition and use of letter knowledge and phonemic awareness.

Keywords: Written language; spelling; literacy.

Análisis de las Estrategias de Escritura de Niños Preescolares

en portugués de Brasil

Resumen

En este estudio tuvimos tres objetivos: 1) investigar las estrategias que preescolares usan para escribir palabras en portugués de Brasil; 2)

analizar los diferentes tipos de escritura y de letras usadas; y 3) crear criterios explícitos para clasiicar las escrituras de los niños y servir como parámetros para investigaciones y prácticas pedagógicas. Los participantes fueron 38 niños con edad media de 70.3 meses. Los niños fueron

evaluados por un dictado de 15 palabras y tareas de conocimiento de letras, consciencia fonológica (silábica yfonética) e inteligencia no-verbal.

Las escrituras fueron digitadas y analizadas de acuerdo con criterios elaborados con base en las estrategias de escritura observadas. Los resultados enseñaron que la mayoría de los niños utilizó predominantemente estrategias alfabéticas parciales, que relejan la adquisición y el uso

(2)

Introdução

Para ler e escrever em sistemas alfabéticos de es-crita (como é o caso do português, inglês e espanhol), os

aprendizes têm que compreender que grafemas (letras) nas graias representam fonemas (sons) nas pronúncias (Byrne

& Fielding-Barnsley, 1990; Rayner, Foorman, Perfetti, Pe-setsky, & Seidenberg, 2001) Durante o desenvolvimento da linguagem escrita, observam-se diferentes estratégias

utili-zadas pelos aprendizes, que demonstram suas tentativas de dominar o sistema alfabético. Buscando identiicar padrões

desenvolvimentais e explicar os mecanismos envolvidos na

aquisição da leitura e da escrita,teóricos em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem propuseram diferen -tes modelos de desenvolvimento da linguagem escrita com

explicações por vezes contraditórias (Ehri, 2005b, 2014;

Ferreiro & Teberosky, 1999; Pollo, Treiman, & Kessler, 2015) Com base em convergências desses modelos, neste estudo

objetivou-se examinar as estratégias que crianças pré-esco

-lares falantes de português do Brasil utilizam para escrever

palavras.

Uma teoria sobre o desenvolvimento da linguagem

escrita com grande inluência na América Latina é a chama -da Psicogênese -da Língua Escrita de Emília Ferreiro, que

conduziu a maior parte de seus estudos com falantes de

espanhol (Ferreiro & Teberosky, 1999; Ferreiro, 1990;

Ver-non & Ferreiro, 1999). Ferreiro foi particularmente inluente

por estender a abordagem piagetiana do desenvolvimento cognitivo para o desenvolvimento da linguagem escrita

(te-oria construtivista), propondo que as crianças, ao reletirem

sobre a linguagem escrita presente ao seu redor, constroem hipóteses conceituais sobre como a escrita funciona (Ferrei-ro & Tebe(Ferrei-rosky, 1999).

Na teoria psicogenética, o desenvolvimento da

lin-guagem escrita equivale a mudanças nas hipóteses con

-ceituais que as crianças constroem, passando por quatro estágios com características especíicas: pré-silábico, silá -bico, silábico-alfabético e alfabético. Para Ferreiro (1999),o

desenvolvimento ocorre por mudanças qualitativas nas hi

-póteses predominantes que caracterizam cada estágio. As crianças permanecem durante certo tempo em um estágio

governado por uma hipótese mais rudimentar até que

mu-dam em direção a uma hipótese mais evoluída.

O primeiro estágio é denominado pré-silábico, no

qual as crianças têm pouco conhecimento sobre o sistema

de escrita e suas hipóteses são bastante simples e distantes do real funcionamento do sistema alfabético de escrita (e.g. usam letras aleatórias). O segundo estágio é o silábico e é

caracterizado pela hipótese de que, para escrever palavras,

deve ser usada uma letra para representar cada sílaba (ex.

AAO para CAVALO); pode ser divido em dois sub-estágios:

1) silábico sem valor sonoro: uma letra para cada sílaba

ain-da que sem correspondência sonora (ex. VB para CASA);

e 2) silábico com valor sonoro: uma letra para cada sílaba

com correspondência sonora (ex. AA para CASA). No es

-tágio seguinte, silábico-alfabético, as crianças passam a

usar mais letras para escrever palavras, mas não todas. O

estágio alfabético é o último e é quando surgem as escritas convencionais (Ferreiro & Teberosky, 1999).

A existência de uma hipótese silábica no desenvolvi -mento da escrita tal como proposta por Ferreiro é questio-nada por diversos autores (Cardoso-Martins & Corrêa, 2008; Cardoso-Martins, 2013; Kamii, Long, Manning, & Manning, 1990; Pollo & cols., 2015; Treiman, Pollo, Cardoso-Martins, & Kessler, 2013). Kamii e cols. (1990), em um estudo

com-parando crianças falantes do inglês e do espanhol, não en -contraram evidências para um estágio silábico entre

crian-ças que falam inglês. Identiicaram o denominado estágio consonântico para o uso exclusivo de consonantes.

Ferreiro (1990) airmou que as escritas silábicas são

raras ou ausentes em inglês porque esse sistema tem mais palavras monossilábicas do que outras línguas como o

es-panhol. Tal airmação sugere que as escritas silábicas são um fenômeno signiicativo para línguas românicas, em que

a estrutura silábica é mais evidente. De fato, a maioria das evidências em favor da existência de um estágio silábico no desenvolvimento da escrita são oriundas de estudos

condu-zidos em línguas românicas e em crianças de 4 e 5 anos:

italiano (Pontecorvo & Zucchermaglio, 1988), português

europeu (Alves-Martins & Silva, 2006) e espanhol (Ferreiro

& Teberosky, 1999). Entretanto, Cardoso-Martins forneceu

evidências em vários estudos com crianças falantes do Por -tuguês do Brasil, que questionam a existência de um estágio

silábico e a primazia deste na compreensão do sistema al -fabético (Cardoso-Martins &Batista, 2005; Cardoso-Martins & Corrêa, 2008; Cardoso-Martins, 2013; Kessler, Pollo, Trei-man, & Cardoso-Martins, 2013).

Treiman e cols. (2013) testaram a frequência de ocorrência de escritas silábicas em Português do Brasil. Os

dados revelaram que a maioria das crianças produziu algu -mas escritas nas quais o número de letras combinava com

o número de sílabas, porém poucas crianças produziram signiicativamente mais escritas do que esperado ao nível

do acaso. Cardoso-Martins e Batista (2005) propuseram que a escrita silábica é o resultado da compreensão de que as letras representam pequenos segmentos sonoros e da tentativa de representar os sons que detectam na pronúncia

das palavras. As crianças se beneiciam, especialmente,

dos nomes das letras para representar os sons das palavras

(e.g., em CABELO, a graia KBO pode incluir implicitamente

os nomes das letras K, cá, e B, bê).

O conjunto de evidências apresentado por Car-doso-Martins (2013) sugere que não necessariamente as

crianças brasileiras passem por um estágio silábico. Tam

-bém identiicou que a teoria proposta por Linnea Ehri (1992, 1998, 2005a, 2005b, 2014), baseada em evidências de fa -lantes do inglês, parece mais apropriada para explicar o de-senvolvimento da linguagem escrita em português do Brasil. Na proposta de Ehri, a teoria conexionista de fases, o desenvolvimento da linguagem escrita ocorre por

mudan-ças graduais no conhecimento e no uso das relações entre

(3)

até ser substituída por uma mais avançada, caracterizando outro estágio (2005a). O termo fases é também mais l e- termo fases é também mais le -xível, pois permite a coexistência de várias estratégias em uma mesma fase. Embora uma predomine, é possível

continuar a usar estratégias menos avançadas para a leitura

de palavras novas ou pseudopalavras.

A diferença implícita entre estágios e fases é melhor

discutida por Siegler (1996), quando explora as metáforas subjacentes às teorias em Psicologia do Desenvolvimento.

A maioria das teorias do desenvolvimento psicológico adota,

implícita ou explicitamente, um modelo de escadas, no qual

as crianças se comportam de um determinado modo por um período de tempo até que progridem em direção a um modo mais avançado, como se subissem degraus em uma escada

(e.g. teoria de Piaget e teoria psicogenética de Ferreiro).

No entanto, Siegler argumenta que as crianças não utilizam

apenas uma estratégia para resolver problemas; elas testam várias possibilidades, umas mais efetivas do que as outras

em determinados momentos. Assim, o desenvolvimento é melhor caracterizado seguindo uma metáfora de ondas que se sobrepõem, em que várias estratégias coexistem, mas

uma delas predomina em determinados momentos do

de-senvolvimento. Algumas vezes é possível retornar a estraté

-gias menos avançadas para situações novas e logo retornar a estratégias mais avançadas. A teoria de Ehri se enquadra

melhor em um modelo implícito de ondas.

Embora as teorias de estágios tenham sido muito populares, especialmente para explicar o desenvolvimen-to cognitivo e da linguagem, os pesquisadores atuais têm

preferido modelos que expliquem as mudanças mais gra

-dualmente (Ross, Treiman, & Bick, 2004). A maioria das

evidências em favor desses modelos vem de pesquisas

sobre aritmética, em que, por exemplo, uma criança pode

resolver problemas de divisão de diferentes modos obtendo

o mesmo resultado. Outros estudos mostram que crianças

usam várias estratégias para escrever palavras e que es-colhem adaptativamente entre as estratégias, baseando-se

na diiculdade das palavras (Rittle-Johnson & Siegler, 1999).

Ehri (1997) discute que, para ler palavras, as pessoas

podem se valer de predição ou adivinhação, analogia, de

-codiicação ou leitura por memória (reconhecimento automa

-tizado). Para escrever palavras, as pessoas podem utilizar

processos muito semelhantes: memória, analogia ou

inven-ção, que seria o correspondente da decodiicainven-ção, mas que no começo, pode se assemelhar à adivinhação. Segundo

Ehri (2014), o modo mais eicaz para reconhecer e produzir palavras escritas é por memória, pois a graia já foi previa

-mente armazenada e permite a precisão e rapidez na leitura e escrita. O que permite isso é um processo de formação de conexões entre as letras na graia e os sons na pronúncia das palavras, denominado mapeamento ortográico.

Ehri (2005a, 2005b, 2014) identiicou quatro fases no

desenvolvimento da leitura: pré-alfabética; alfabética parcial; alfabética completa e alfabética consolidada. Paralelamente,

Ehri (1997) identiicou quatro fases correspondentes no de -senvolvimento da escrita: pré-comunicativa; semi-fonética,

nome da letra; fonética ou fonêmica; e transicional,

morfêmi-ca, com padrões de palavras. Essas fases reletem o conhe

-cimento e uso que os aprendizes fazem das relações entre letras e sons na direção do uso completo e convencional do

sistema alfabético de escrita.

Na fase pré-alfabética (logográica ou pré-comuni

-cativa), as crianças conhecem pouco sobre o sistema de

escrita e sobre como ele representa a fala, elas formam

conexões visuais, como a associação entre cores e formas no logo de marcas para reconhecer seu signiicado. Na fase alfabética parcial(semi-fonética), as crianças acumulam

mais conhecimentos sobre o sistema de escrita e passam

a utilizar conexões fonológicas parciais para ler e escrever

palavras, como a primeira e a última letra. Na fase alfabética

completa (fonêmica ou fonética) as crianças são capazes

de segmentar as palavras em seus fonemas constituintes e sabem as correspondências entre grafemas e fonemas, e

assim podem ler e escrever todos os sons das palavras. As crianças podem tentar representar sons que não são repre

-sentados ou não se ater a regras ortográicas. Na fase alfa

-bética consolidada (ortográica) as crianças aprendem mais sobre padrões ortográicos maiores, como sílabas, morfe

-mas e regras ortográicas, sendo assim capazes de ler e

escrever palavras polissilábicas mais rápida e corretamente.

A maioria dos estudos de Ehri discute o desenvolvi -mento da leitura, porém ela apresenta evidências de que a

relação entre leitura e escrita é muito estreita, o que justiica

sua ênfase na teoria do desenvolvimento da leitura (Ehri,

1997, 2014). Recentemente, a teoria de fases tem se con

-solidado apenas com os nomes reletindo o conhecimento

do sistema alfabético: pré-alfabética, alfabética parcial,

alfa-bética completa e alfaalfa-bética consolidada (Ehri, 2013, 2014). Considera-se que na Educação Infantil coexistem crianças com diferentes níveis de conhecimento de letras e de consciência fonêmica e é possível hipotetizar que es -sas se encontrem na fase alfabética parcial, porém em um intervalo entre as fases pré-alfabética e alfabética completa. Desse modo, objetivou-se investigar as estratégias que pré-es-colares usam para escrever palavras em português do

Bra-sil. Para tanto, hipotetizou-se que as escritas das crianças revelariam estratégias do mapeamento ortográico utilizado

por elas e que, portanto, seriam associadas à sua fase de

desenvolvimento da leitura. Ainda objetivou-se analisar os

tipos de escrita e de letras usadas nas diferentes palavras. Como demonstrado por Cardoso-Martins (Cardoso-Martins

& Batista, 2005), quando crianças brasileiras fazem “escri

-tas silábicas”, elas aparentam reletir mais a intenção de

representar fonemas do que as sílabas. Desse modo,

hipo-tetizou-se que as escritas revelariam mais o uso de pistas fonêmicas do que a contagem de sílabas. Além disso, os critérios usados para classiicar as escritas em cada fase nem sempre são explicitados pelos pesquisadores. Assim,

objetivou-se criar critérios explícitos com base em Ferreiro

e Ehri, para classiicar as escritas e servir como parâmetros

(4)

Método

Participantes

Trinta e oito crianças matriculadas em classes do último ano da Educação Infantil de uma escola particular

(n = 17) e uma escola pública (n = 21) foram incluídas na

amostra. A média de idade era de 70.32 meses (DP = 3.53) e a coleta de dados foi realizada no inal do semestre letivo. Somente as crianças autorizadas por meio de um Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido foram selecionadas.

Procedimento

Em uma sessão inicial com duração aproximada de 15 minutos, as crianças foram avaliadas individualmente em

seu conhecimento de nomes das letras e consciência

silábi-ca e fonêmisilábi-ca por meio do CONFIAS (Moojen & cols., 2007).

Na sessão seguinte foi aplicado individualmente o Teste

Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (Angelini, Alves,

Custódio, Duarte, & Duarte, 1999) para avaliar a inteligência

não-verbal. A habilidade de escrever palavras foi avaliada

em uma sessão de ditado, administrada individualmente por

um pesquisador treinado, com duração de 20 minutos.

Instrumentos

Tarefa de Conhecimento dos Nomes das Letras.

Nes-ta Nes-tarefa, o pesquisador apresentou 26 cartões impressos cada com uma letra do alfabeto em maiúscula. Os cartões

foram apresentados individualmente em ordem aleatória

e as crianças tinham que nomear as letras. Utilizaram-se apenas letras maiúsculas, pois a observação empírica de

pré-escolares sugere que há uma maior facilidade com elas

do que com as minúsculas. Atribuiu-se um ponto para cada

letra correta, em um escore máximo de 26 pontos.

Tarefa de Escrita de Palavras: As crianças foram soli -citadas a escrever da melhor maneira possível uma série de palavras ditadas pelo pesquisador (15 palavras compostas

por 2, 3 ou 4 sílabas),todas comuns ao vocabulário infan

-til (Pinheiro, 2006). As palavras foram: Faca, Zebra, Casa,

Dedo, Sino, Girafa, Cabelo, Cavalo, Sereia, Cereja,

Tartaru-ga, Telefone, Beterraba, Casamento, Detetive. As palavras escritas pelas crianças foram posteriormente digitadas e

analisadas por meio de um processador textual que permitiu

a contagem da frequência de ocorrência de graias e letras. Letras inventadas e não identiicáveis não foram contabiliza -das nas análises.

Além disso, analisaram-se as estratégias utilizadas pelas crianças nas escritas. Para tanto, criaram-se catego -rias inspiradas na teoria psicogenética de Ferreiro (1999)

e na teoria de desenvolvimento da leitura de Ehri (2014). As graias foram categorizadas de acordo com os critérios

descritos em seguida e usou-se a moda como medida para

classiicar as crianças na sua estratégia predominante. As escritas foram classiicadas por dois juízes treinados e as

dúvidas foram discutidas até que houvesse acordo.

1) Estratégia pré-alfabética: As escritas não revelam

correspondência fonológica entre as letras na escrita e os

sons na pronúncia. Consideraram-se garatujas ou graias

em que todas as letras não possuem correspondência fonológica com a palavra ou que usam números ou letras

inventadas (e.g. FMIOAGYZ ou 6MMW).

2) Estratégia silábica sem valor sonoro: As escritas

não revelam correspondência fonológica entre as letras na escrita e os sons na pronúncia, no entanto, há corres-pondência entre o número de letras usadas e o número

de sílabas da palavra. Consideraram-se graias em que há

correspondência entre o número de letras e o número de sí-labas da palavra, mas não há correspondência sonora entre

todas as letras escolhidas (e.g. AE para DEDO ou OUAN

para DETETIVE).

3) Estratégia silábica com valor sonoro: As escritas

revelam correspondência fonológica entre as letras na es-crita e os sons na pronúncia e há correspondência entre o número de letras usadas e o número de sílabas da palavra.

Consideraram-se graias em que há correspondência entre

o número de letras e o número de sílabas com

correspon-dência sonora entre todas as letras. As letras deveriam estar na ordem correta (e.g. AAUA para TARTARUGA).

4) Estratégia alfabética parcial: As escritas revelam

correspondência fonológica parcial entre as letras na escrita e os sons na pronúncia e não há correspondência entre o número de letras usadas e o número de sílabas da palavra.

Consideraram-se graias em que há uma letra isolada corre

-ta (a primeira consoante ou vogal) ou graias em que a maio

-ria das letras estão corretas fonológica ou ortograicamente. Aceita-se que as letras estejam fora da ordem correta ou que

exista troca de fonemas semelhantes(e.g. DTO para DEDO

ou KBLO para CABELO). Não se consideraram escritas silá

-bicas como alfabéticas parciais (e.g. KAO para CAVALO não é silábica, pois K representa dois fonemas /C/+/A/, portanto tem 4 sons e não apenas 3 - seria como CAAO).

5) Estratégia alfabética completa: As escritas reve -lam correspondência fonológica completa entre as letras na

escrita e os sons na pronúncia. Consideraram-se graias em

que todos os sons da palavra são representados por uma

letra apropriada, ainda que existam erros de ortograia ou troca de fonemas semelhantes (e.g. CAZAMENTO para CA

-SAMENTO ou JIRAFA para GIRAFA, ou CABLO para CABE

-LO). Aceitou-se o uso de duas letras com valores fonéticos semelhantes quando colocadas lado a lado sinalizando a dúvida entre a opção correta (e.g. CAFVALO para CAVALO). 6) Estratégia alfabética consolidada (ou ortográica): As escritas estão convencionalmente corretas. Considera

-ram-se graias corretas ortograicamente1.

1 A estratégia silábica sem valor sonoro poderia ser considerada pré-alfabética e a estratégia silábica com valor sonoro poderia ser

alfabética parcial. No entanto, optou-se pela separação dessas

(5)

Prova de Consciência Fonológica – Instrumento de

Avaliação Sequencial (CONFIAS). Esta prova é composta

por dois conjuntos de testes. O primeiro avalia a

consciên-cia silábica por meio de 9sub-testes: síntese, segmentação, identiicação de sílaba inicial, identiicação de rima, produ

-ção de palavra com a sílaba dada, identiica-ção de sílaba medial, produção de rima, exclusão, transposição. O segun

-do avalia a consciência fonêmica em 7sub-testes: produção de palavra que inicia com o som dado, identiicação de fone

-ma inicial, identiicação de fone-ma inal, exclusão, síntese, segmentação e transposição (Moojen & cols., 2007). Neste estudo utilizou-se a tarefa de identiicação silábica e fonê

-mica. Foi utilizada a pontuação bruta, contando um ponto para cada resposta correta, em um máximo de 4 pontos em

cada tarefa.

Teste Matrizes Progressivas Coloridas de Raven. É composto por 36 itens divididos em três séries de 12 itens, que exigem diferentes raciocínios e estão dispostos em

ordem de diiculdade crescente. Os itens são desenhos em

que uma das partes está faltando e o objetivo é encontrar

dentre algumas opções qual a alternativa que preenche a matriz corretamente. O teste está padronizado para a população brasileira (Angelini & cols., 1999). Neste estudo, optou-se por utilizar a pontuação bruta.

Resultados

Com o objetivo de identiicar as estratégias que

pré-escolares usam para escrever palavras em português

do Brasil, aplicou-se um ditado de palavras em crianças no último ano da Educação Infantil de duas escolas da cidade de São Paulo. Como medidas de controle utilizaram-se a

inteligência não-verbal, a consciência silábica, a consciên-cia fonêmica e o conhecimento de letras. Os resultados são

descritos na Tabela 1. Todas as crianças tiveram resultados

semelhantes e dentro da média esperada para a idade.

As escritas das crianças foram digitadas e tabula

-das em Excel. As pseudoletras foram assinala-das com um

asterisco e não contadas nas análises. Cada palavra foi

classiicada de acordo com uma das estratégias de escrita deinidas com base nas propostas de Ferreiro (Ferreiro & Teberosky, 1999) e de Ehri (2014). As estratégias de escrita e os critérios utilizados para identiicá-las foram descritos na seção de métodos, atendendo a outro objetivo deste estudo, qual seja, criar critérios explícitos para classiicar as escritas e servir como parâmetros para pesquisas e práticas peda -gógicas.

As escritas foram classiicadas em diferentes estraté -gias (pré-alfabética;silábica sem valor sonoro; silábica com

Características M DP

Sexo Fem. = 22; Masc. = 16

Idade em meses (mín. 63 – máx. 77) 70,32 3,53

Conhecimento de Letras (máx. 26) 20,61 4,84

Consciência Silábica (máx. 4) 2,18 1,16

% de Zero 5,26%

Consciência Fonêmica (máx. 4) 1,76 1,24

% de Zero 15,79%

Inteligência Não-Verbal (Raven) 15,13 4,51 Tabela 1. Características, Médias (M) e Desvio Padrão (DP) das crianças.

Frequência

Estratégia Predominante Bruta Percentual

Pré-Alfabética 9 23,70%

Silábica Sem Valor Sonoro 0 0%

Silábica Com Valor Sonoro 7 18,40%

Alfabética Parcial 15 39,50%

Alfabética Completa 1 2,60%

Alfabética Consolidada (Ortográica) 6 15,80%

Total 38 100%

(6)

valor sonoro; alfabética parcial;alfabética completa;

alfabéti-ca consolidada)por dois juízes treinados e as dúvidas foram discutidas até que houvesse acordo. Utilizou-se a moda - medida estatística para identiicação do valor mais frequente

da amostra - para determinar a estratégia predominante para

cada criança. Dessa forma, cada criança foi classiicada em

uma fase do desenvolvimento da escrita, que correspondia

à estratégia mais frequentemente utilizada para grafar as 15

palavras.

Na Tabela 2 está a distribuição das crianças por estra

-tégia predominante e é possível veriicar que elas variaram

desde o uso predominante da estratégia pré-alfabética até a estratégia alfabética consolidada. No entanto, assim como o esperado, a estratégia mais frequente foi a alfabética parcial,

considerando-se que essas crianças já conheciam letras e estavam no começo da aprendizagem da linguagem escrita.

Era esperado que usassem letras para representar palavras,

mas que não conseguissem fazer isso de forma completa.A estratégia alfabética parcial consiste na utilização de algu -mas letras para representar partes dos sons das palavras.

Uma diferença entre a proposta de Ferreiro e a pro

-posta de Ehri consiste na importância que Ferreiro confere

ao uso de estratégias silábicas no desenvolvimento da es-crita, enquanto Ehri interpreta que devido ao seu

conheci-mento limitado, as crianças apenas passam por uma fase em que tentam representar alguns dos sons que identiicam

nas palavras, mas não que se concentrem na tentativa de

representar as sílabas. Por esta razão consideramos sepa -radamente estratégias silábicas com e sem valor sonoro de

estratégias em que as crianças utilizavam letras para repre -sentar alguns sons, mas que não correspondiam exatamen-te ao número exato de sílabas.

Enquanto 15 crianças escreveram predominante

-mente usando estratégias alfabéticas parciais, sete crianças foram classiicadas como usando predominantemente estra

-tégias silábicas com valor sonoro. Além disso, nenhuma de -las apresentou a estratégia silábica sem valor sonoro como estratégia predominante, o que sugere que essa estratégia é rapidamente superada ou apenas ocasional. Nos casos

em que as crianças usavam o número de letras adequado

ao número de sílabas, mas apenas uma das letras era fono-logicamente correta, isso foi considerado como uma escrita alfabética parcial e não como uma escrita silábica com valor,

pois para essa classiicação seria necessário que todas as

letras correspondentes a cada sílaba estivessem corretas.

No mesmo sentido, não poderíamos classiicar esse tipo de graia como uma escrita silábica sem valor, uma vez que uma das letras era fonologicamente apropriada. Assim, op -tamos por considerar como uma escrita alfabética parcial,

pois era uma escrita em que as crianças já revelavam a ten -tativa de escrever sons que detectavam na pronúncia das palavras e a contagem de sílabas não era constante nas demais escritas. Dessa forma, isso poderia ter diminuído a expressão de estratégias silábicas, que consideraria apenas o número de letras correspondentes para representar as

sílabas sem considerar a apropriação fonológica. Todavia, ressaltamos que esses critérios não alteraram signiicativa

-mente os resultados obtidos, pois mesmo quando adotamos

um critério mais lexível, ainda assim nenhuma criança era classiicada como usando predominantemente a estratégia silábica sem valor e não foi alterado o número de crianças

que usavam predominantemente estratégias silábicas com

valor. Ademais, ressaltamos que essa escolha foi proposital

para manter a proposta original de Ferreiro e estabelecer

uma diferença entre as estratégias silábicas (com e sem va -lor) e a estratégia alfabética parcial, pois em essência as três estratégias englobam escritas rudimentares e incompletas, mas as estratégias silábicas seriam uma espécie de subes-tratégia da essubes-tratégia alfabética parcial, nas quais o número

de sílabas se tornaria signiicativo. Entretanto, conforme

os resultados observados neste estudo, que corroboram resultados semelhantes em estudos que testam a frequên-cia de escritas silábicas em falantes do português do Brasil (Cardoso-Martins & Batista, 2005; Cardoso-Martins, 2013; Treiman & cols., 2013), as hipóteses silábicas não parecem

ser relevantes o suiciente para que sejam consideradas como uma etapa decisiva em classiicações das estratégias utilizadas por crianças que estão aprendendo a escrever. De

tal modo, a estratégia silábica sem valor poderá ser incorpo-rada na estratégia pré-alfabética e a estratégia silábica com valor poderá ser incorporada na estratégia alfabética parcial.

Outra questão que chama a atenção é que apenas uma criança apresentou como predominante a estratégia

alfabética completa, o que pode se dever à escolha das

palavras utilizadas neste estudo. Como a estrutura silábica

consoante-vogal (CV) foi a mais utilizada para as palavras, é possível que as crianças tenham passado rapidamente por essa estratégia na direção da estratégia ortográica. Na Tabela 3 está a distribuição da frequência de estraté

-gias utilizadas por palavras. Palavras mais familiares (e.g., CAVALO;CABELO) foram classiicadas como alfabéticas

consolidadas, porém são muito frequentes. Estudos futuros

devem considerar graias complexas e palavras de baixa

frequência.

Em uma análise correlacional encontrou-se que há

correlação positiva e signiicante entre as habilidades de

consciência fonêmica e consciência silábica (r = .56, p =

.001), consciência silábica e estratégia de escrita (r = .41,

p = .011), consciência fonêmica e estratégia de escrita (r =

.42, p = 008) e conhecimento de letras e estratégia de escrita (r = .51, p = .001). Todas as correlações são moderadas e

o conhecimento de letras parece ser a habilidade que mais contribuiu para o desempenho em escrita. Ressalta-se, no

entanto, que a consciência fonológica talvez tenha sido menos expressiva, poisa tarefa utilizada permitiu pouca va

-riação e não avaliou a capacidade de segmentação, consi -derada como um dos melhores preditores de leitura e escrita (Ehri & cols., 2001).

Complementando a análise de correlação, uma aná

-lise de regressão linear múltipla foi conduzida para avaliar a estratégia predominante de escrita em função do conhe -cimento de letras, consciência silábica e consciência

(7)

analisadas foram consideradas signiicativamente predito -res independentes da estratégia predominante de escrita, F

(3,34) = 6,085, R2a= 0,292, p = 0,002. Contudo, a análise dos coeicientes de regressão e da sua signiicância estatís -tica revelou que dos três preditores considerados, apenas o

conhecimento de letras (β = 0,391, t (37) =2,595; p = 0,01) é preditor signiicativo da estratégia predominante de escrita. A análise de coeicientes de regressão ainda revelou que a contribuição da consciência fonêmica foi maior do que a con

-tribuição da consciência silábica para o uso de estratégias de escritas mais eicientes, mas essas contribuições não foram estatisticamente signiicantes.

Atendendo a outro objetivo deste estudo, que é anali -sar os tipos de escrita e de letras usadas, a análise qualitativa

das letras utilizadas pelas crianças nas escritas demonstrou

que a maioria era fonologicamente adequada. Nota-se que as trocas fonológicas ocorreram e destaca-se o uso da letra

H no lugar na sílaba /ka/ (e.g. HLO para CAVALO, HBO para CABELO e HSA para CASA), o que sugere o uso do nome da letra “agá” pronunciado inadequadamente. Esse é um fe -nômeno parecido ao do caso das trocas entre as consoantes /k/ e /g/, pois ambas são semelhantes no modo e ponto da

articulação, diferindo apenas em relação à vibração (sono

-rização) das cordas vocais quando o ar passa pela laringe

(Cardoso-Martins, 2013). Também ocorreram trocas entre

Pré-Alfab.

Siláb. Sem Valor

Siláb. Com Valor

Alfab.

Parcial

Alfab.

Comp.

Alfab.

Consolid. (Ortográf.)

Total

Cavalo 5 2 9 12 1 9 38

Girafa 5 3 9 17 1 3 38

Cabelo 7 1 9 13 0 8 38

Dedo 5 5 15 7 0 6 38

Casamento 7 2 1 24 2 2 38

Detetive 10 3 3 15 2 5 38

Casa 9 3 7 9 3 7 38

Tartaruga 9 5 2 20 0 2 38

Faca 7 8 8 7 1 7 38

Cereja 10 3 5 20 0 0 38

Telefone 8 2 2 19 3 4 38

Beterraba 7 1 2 21 6 1 38

Zebra 9 4 10 9 1 5 38

Sino 8 4 13 7 1 5 38

Sereia 7 3 6 16 5 1 38

Total - Bruto 113 49 101 216 26 65 570

Total - % 19,82 8,60 17,72 37,89 4,56 11,40 100% Tabela 3. Distribuição bruta e percentual das estratégias de escrita por palavras (itens).

letras como G por D como em DIRAFA para GIRAFA, em que se percebe uma intenção da criança em pronunciar o

fonema /j/. Observaram-se ainda trocas como B por D, D por T e F por V.

Discussão

Neste estudo tivemos três objetivos: 1) investigar as estratégias que pré-escolares usam para escrever palavras em português do Brasil; 2) analisar os tipos de escrita e de

letras usadas; e 3) criar critérios explícitos para classiicar as escritas e servir como parâmetros para pesquisas e práticas

pedagógicas. O terceiro objetivo foi o primeiro a ser

atingin-do, uma vez que dele dependiam os demais objetivos.

Estabelecemos, após exaustiva análise de estudos anteriores e das propostas de Ferreiro e de Ehri, os critérios necessários para determinar as possíveis estratégias

en-volvidas nas tentativas de escrita das crianças. Os critérios descritos na seção de métodos permitem analisar e classii -car outras escritas e não apenas as palavras usadas neste estudo, servindo como uma base para futuras pesquisas e para o trabalho de professores.

Ressaltamos que esses critérios ainda poderão ser

(8)

que os critérios para a análise de escritas silábicas sem valor

sejam incorporados na classiicação de escritas pré-alfabéti -cas e que os critérios para a escrita silábica com valor sejam incorporados aos critérios para a estratégia alfabética parcial.

Essa modiicação reduz as possibilidades de classiicações

das escritas em pré-alfabéticas, alfabéticas parciais,

alfabéti-cas completas e alfabétialfabéti-cas consolidadas (ou ortográialfabéti-cas), o que adere integralmente a proposta de Ehri (2014), tornando

--se uma classiicação mais simples e eiciente para análise

do desenvolvimento da escrita em português do Brasil, sem

prejuízos a caracterização desse percurso.

Endossamos nossa proposta ao discutir os demais

objetivos. Ao analisar as estratégias usadas por crianças

brasileiras pré-escolares quando escrevem palavras, obser-vamos que o conhecimento de letras e a consciência fonê-mica são os melhores preditores, assim como observado em

outros estudos (Barrera & Santos, 2014; Cardoso-Martins, 1995; Cardoso-Martins, 2013, Santos & Maluf, 2010). Ainda que em nosso estudo a contribuição da consciência fonê

-mica não tenha sido estatisticamente signiicante, a análise

de regressão linear múltipla mostrou que essa habilidade contribuiu independentemente mais do que a consciência silábica para o tipo de estratégia de escrita predominante.

As evidências em favor da proposta de Ferreiro su -gerem que a ocorrência de um estágio silábico no desen-volvimento da linguagem escrita é um fenômeno de línguas

românicas (Ferreiro & Teberosky, 1999; Ferreiro, 1990; Pon -tecorvo & Zucchermaglio, 1988; Vernon & Ferreiro, 1999). Entretanto, os resultados do presente estudo mostram que a

predominância do uso de estratégias silábicas em crianças

brasileiras pré-escolares é muito pequena, comparada com o uso da estratégia de escrita alfabética parcial, na qual a

interpretação é de que as crianças estão buscando repre

-sentar um ou mais sons que identiicam nas palavras e não

necessariamente as sílabas.

Os resultados do presente estudo são coerentes com a proposta de Cardoso-Martins (Cardoso-Martins & Batista, 2005; Cardoso-Martins, 2013) de que a escrita silábica é o

resultado da compreensão da criança de que as letras repre -sentam pequenos segmentos sonoros e da sua tentativa de

representar os sons que ela é capaz de detectar na pronún -cia das palavras. O uso de letras correspondentes ao núme-ro de sílabas parece ocorrer devido à estrutura das palavras

e à tentativa das crianças de representar os diversos sons parcialmente identiicados. Além disso, como observado na

Tabela 3, normalmente as escritas silábicas se relacionam com a estrutura das palavras, o que permite questionar se

as crianças realmente se preocupam com a contagem de

sílabas ou se a estrutura das palavras é que facilita a ocor-rência de escritas silábicas.

Algumas vezes, em línguas românicas,os nomes

das letras correspondem às sílabas, como por exemplo na

palavra “beterraba” em que os nomes das letras B (Bê) e T

(Tê) podem ser ouvidos na pronúncia das sílabas e o nome

da letra pode ser utilizado como tentativa de representar os

sons detectados na pronúncia, mas não necessariamente a

intenção de contar sílabas, como já evidenciado em estudos

anteriores (Cardoso-Martins & Batista, 2005). Evidência adi-cional foi encontrada neste estudo ao mostrar que a letra K

e H pode ser utilizada pelas crianças brasileiras no lugar da sílaba “cá”, pois, no português do Brasil, essa sílaba corres

-ponde ao nome da letra K. A letra H pode parecer não indicar o valor sonoro apropriado para representar “cá”. No entanto, a pronúncia do nome (“agá”), para algumas crianças pequenas que ainda estão desenvolvendo a articulação da fala, soa e é pronunciado como “acá”, o que ica evidente quando se ob

-serva que a mesma criança consistentemente escreveu, por exemplo: HCAO (CAVALO), HBO (CABELO), HSAO (CASA

-MENTO), HSA (CASA). Note-se que, no caso de HCAO, exis -te a dúvida entre a letra C ou H para representar a primeira

sílaba. Isso foi observado em quatro crianças deste estudo.

O conjunto de evidências apresentados aqui em coe-rência com estudos anteriores (Cardoso-Martins & Corrêa, 2008; Cardoso-Martins, 2013; Treiman & cols., 2013) mostra

que a predominância de estratégias de escrita silábicaé pe

-quena no desenvolvimento da escrita de crianças falantes do Português do Brasil e relete a compreensão de que se deve utilizar letras para representar segmentos sonoros e, em línguas românicas, as sílabas são os segmentos sono

-ros mais facilmente identiicados.

Outrossim, os resultados corroboram a eicácia do modelo de fases de Ehri (Ehri, 2005a, 2005b, 2014) para a

compreensão do desenvolvimento da linguagem escrita em

português do Brasil. A divisão do desenvolvimento em fases parece ser mais apropriada do que a classiicação em está -gios, o que é coerente com a proposta de Ehri, pois as

crian-ças utilizam múltiplas estratégias para escrever palavras, de

acordo com os conhecimentos que possuem. Quanto mais conhecem o sistema alfabético,mais se lembram da escrita das palavras e, consequentemente, escrevem melhor,

pre-dominando, assim, o uso de estratégias mais eicientes. A análise dos dados torna evidente que a familiari

-dade com algumas palavras permite às crianças escrever corretamente palavras como CASA, mesmo na fase alfabé

-tica parcial, mas são incapazes de notar que CASAMENTO partilha o mesmo início e utilizam pistas fonéticas e não mor

-fológicas como CAZAMENTO ou ainda mais rudimentares como KZAEO. Também se destaca que, devido à estrutura das palavras utilizadas, as crianças que já estavam mais avançadas foram classiicadas na fase ortográica. Porém, talvez o mesmo não se veriicasse com palavras irregulares

ou complexas.

Outro aspecto importante para a discussão é o fato de que a proposta de Ferreiro foca principalmente o desen-volvimento da habilidade de escrita, enquanto que a teoria de Ehri trata, sobretudo, do desenvolvimento da habilidade

de leitura. Pode-se questionar a adaptação da teoria de Ehri

para a análise de estratégias de escrita. No entanto, como Ehri (1997) discute, as habilidades de leitura e de escrita são dois lados da mesma moeda. Diversos estudos mostram

correlações muito fortes, acima de 70, entre as duas habili

-dades. A explicação para isso é o mapeamento ortográico,

pois ambas as habilidades (ler e escrever) são governadas

(9)

(letras) e fonemas (sons) (Ehri, 2014). A questão fundamen -tal que permite compreender o desenvolvimento da

lingua-gem escrita é a aquisição do mapeamento ortográico. As diferenças que ocorrem durante essa aprendizagem são manifestadas por diferentes estratégias que os aprendizes utilizam e que podem ser identiicadas como fases.

Limites, forças, implicações práticas e direções

para futuros estudos

Embora a amostra deste estudo seja pequena e restrita a apenas duas escolas, é possível estender os

resultados para populações maiores de Educação Infantil

considerando-se a escolha aleatória dos participantes, o

que aumentou a validade externa do estudo. Além disso, as tarefas de consciência fonológica foram pouco eicazes para distinguir as crianças, pois são medidas de sensibilidade fo -nológica (Stanovich, 1992). Outras medidas como tarefas de

segmentação são mais apropriadas para avaliar a consciên -cia fonêmica e relacionam-se melhor com desenvolvimento da escrita (Ehri & cols., 2001).

A operacionalização das estratégias descritas neste estudo permite que professores se beneiciem desse co -nhecimento para a sondagem de alunos e para uma melhor compreensão do processo de desenvolvimento da

habilida-de habilida-de escrita. Os critérios utilizados para a classiicação das

palavras fornecem indicadores apropriados para analisar as

escritas das crianças falantes de português do Brasil. Futu

-ros estudos devem considerar a ampliação das palavras da tarefa de escrita utilizada nesta investigação, considerando palavras mais complexas ou irregulares. Além disso, devem

ampliar o número de participantes e acompanhar os alunos

durante períodos, veriicando longitudinalmente o desenvol -vimento da escrita. Outros estudos podem também explorar

a relação entre as habilidades de leitura e de escrita.

Referências

Alves-Martins, M. & Silva, C. (2006). The impact of invented spelling on phonemic awareness. Learning and Instruction, 16(1), 41–56.

Angelini, A. L., Alves, I. C. B., Custódio, E. M., Duarte, W. F., & Duarte, J. L. M. (1999). Matrizes Progressivas Coloridas de Raven: Escala Especial. São Paulo, SP: Centro Editor de Testes e Pesquisa em Psicologia.

Barrera, S. D. & Santos, M. J. (2014). Inluência da Consciência Fonológica na Aprendizagem da Leitura e Escrita: O Que Dizem as Pesquisas Brasileiras. Em J. P. de Oliveira, T. M. S. Braga, F. L. P. Viana, & A. S. Santos (Orgs.), Alfabetização em países de língua portuguesa: pesquisa e intervenção (pp. 27–42). Curitiba: CRV.

Byrne, B. & Fielding-Barnsley, R. (1990). Acquiring the Alphabetic Principle : A Case for Teaching Recognition of Phoneme Identity.

Journal of Educational Psychology, 82(4), 805–812.

Cardoso-Martins, C. (1995). Sensitivity to Rhymes, Syllables,

and Phonemes in Literacy Acquisition in Portuguese. Reading Research Quarterly, 30(4), 808–828.

Cardoso-Martins, C. (2013). Existe um Estágio Silábico no Desenvolvimento da Escrita em Português?: Evidência de Três Estudos Longitudinais. Em M. R. Maluf & C. Cardoso-Martins (Orgs.), Alfabetização no Século XXI: Como se Aprende a Ler e a Escrever. Porto Alegres - RS: PEnso.

Cardoso-Martins, C. & Batista, A. C. E. (2005). O conhecimento do

nome das letras e o desenvolvimento da escrita: evidência de

crianças falantes do português. Psicologia: Relexão E Crítica,

18(3), 330–336.

Cardoso-Martins, C. & Corrêa, M. F. (2008). O desenvolvimento

da escrita nos anos pré-escolares : questões acerca do estágio

silábico. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 24(3), 279–286.

Ehri, L. C. (1992). Reconceptualizing the development of sight word

reading and its relationship to recoding. Em P. Gough, L. C. Ehri, & R. Treiman (Orgs.), Reading Acquisition (pp. 107–143). Hillsdale,

NJ-: Erlbaum.

Ehri, L. C. (1997). Learning to read and learning to spell are one and the same, almost. Em C. Perfetti, L. Rieben, & M. Fayol (Orgs.), Learning to Spell - Research, Theory and Practice Across Languages (pp. 237–269). Mahwah, NJ: Erlbaum.

Ehri, L. C. (1998). Grapheme-phoneme knowledge is essential for

learning to read words in English. Em L. C. Ehri & J. L. Metsala

(Orgs.), Word Recognition in Beginning Literacy (pp. 3–40).

Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates Inc Publishers.

Ehri, L. C. (2005a). Development of sight word reading: Phases and

indings. Em M. J. Snowling & C. Hulme (Orgs.), Science of reading: a handbook (pp. 135–154). Oxford, UK: Blackwell Publishing.

Ehri, L. C. (2005b). Learning to Read Words: Theory, Findings, and Issues. Scientiic Studies of Reading, 9(2), 167–188.

Ehri, L. C. (2013). Aquisição da habilidade de leitura de palavras e sua inluência na pronúncia e na aprendizagem do vocabulário.

Em M. R. Maluf & C. Cardoso-Martins (Orgs.), Alfabetização no século XXI: Como se aprende a ler e a escrever (pp. 49–81). Porto

Alegres - RS: Penso.

Ehri, L. C. (2014). Orthographic Mapping in the Acquisition of Sight

Word Reading, Spelling Memory, and Vocabulary Learning.

Scientiic Studies of Reading, 18(1), 5–21.

Ehri, L. C., Nunes, S. R., Willows, D. M., Schuster, B. V.,

Yaghoub-Zadeh, Z., & Shanahan, T. (2001). Phonemic awareness instruction helps children learn to read: Evidence from the National Reading

(10)

Ferreiro, E. (1990). Literacy development: Psychogenesis. Em

Y. Goodman (Org.), How children construct literacy: Piagetian perspectives (pp. 12–25). Newark, DE: International Reading

Association.

Ferreiro, E. & Teberosky, A. (1999). Psicogênese da Língua Escrita.

Porto Alegres - RS: Penso.

Kamii, C., Long, R., Manning, M., & Manning, G. (1990). Spelling

in Kindergarten: A Constructivist Analysis Comparing

Spanish-Speaking and English-Spanish-Speaking Children. Journal of Research in Childhood Education, 4(2), 91–97.

Kessler, B., Pollo, T. C., Treiman, R., & Cardoso-Martins, C. (2013).

Frequency Analyses of Prephonological Spellings as Predictors of

Success in Conventional Spelling. Journal of Learning Disabilities,

9(4), 317–330.

Moojen, S., Lamprecht, R., Santos, R. M., Freitas, G. M., Brodacz,

R., Siqueira, M., & Guarda, E. (2007). Consciência fonológica: instrumento de avaliação sequencial (2a ed.). São Paulo, SP~: Casa do Psicólogo.

Pinheiro, Â. M. V. (2006). Leitura e escrita: Uma abordagem cognitiva. São Paulo, SP: Pleno.

Pollo, T. C., Treiman, R., & Kessler, B. (2015). Uma revisão crítica de três perspectivas sobre o desenvolvimento da escrita. Estudos de Psicologia, 32(3), 449–459.

Pontecorvo, C. & Zucchermaglio, C. (1988). Modes of differentiation

in children’s writing construction. European Journal of Psychology of Education, 3, 371–384.

Rayner, K., Foorman, B. R., Perfetti, C. a, Pesetsky, D., & Seidenberg, M. S. (2001). How psychological science informs the teaching of reading. Psychological Science : A Journal of the American Psychological Society / APS, 2(2 Suppl), 31–74.

Rittle-Johnson, B. & Siegler, R. S. (1999). Learning to Spell: Variability, Choice, and change in Children’s Strategy Use. Child Development, 70(2), 332–348.

Ross, S., Treiman, R., & Bick, S. (2004). Task demands and knowledge inluence how children learn to read words. Cognitive

Development, 19(3), 417–431.

Santos, M. J. & Maluf, M. R. (2010). Consciência fonológica e

linguagem escrita: efeitos de um programa de intervenção. Educar Em Revista, 57–71.

Siegler, R. S. (1996). Emerging Minds:The Process of Change in Children’s Thinking. New York: Oxford University Press.

Stanovich, K. E. (1992). Speculation on the causes and consequences of individual differences in early reading acquisition. Em P. Gough, L. C. Ehri, & R. Treiman (Orgs.), Reading acquisition (pp. 307–

342). Hillsdale, NJ: Laurence Erlbaum.

Treiman, R., Pollo, T. C., Cardoso-Martins, C., & Kessler, B. (2013). Do young children spell words syllabically? Evidence from learners

of Brazilian Portuguese. Journal of Experimental Child Psychology,

116(4), 157–162.

Vernon, S. A.& Ferreiro, E. (1999). Writing development : A neglected

variable in the consideration of phonological awareness, Harvard

Educational Review, 69, 395-416.

Recebido em: 13/10/2015 Reformulado em: 25/05/2016

Aprovado em: 25/05/2016

Sobre os autores

Renan de Almeida Sargiani (sargiani@gmail.com)

Psicólogo, Mestre em Psicologia da Educação (PUC-SP) e Doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (IP-USP),

Pós-Doutorando em Psicologia no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP).

Ana Albuquerque (albuquerque.c.ana@gmail.com)

Psicóloga, Mestre em Psicologia da Educação (ISPA-IU), Pesquisadora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

No artigo:

SARGIANI, Renan de Almeida e ALBUQUERQUE, Ana. Análise das Estratégias de Escrita de

Crianças Pré-Escolares em Português do Brasil. Psicol. Esc. Educ. [online]. 2016, vol.20, n.3,

pp.591-600. ISSN 2175-3539. http://dx.doi.org/10.1590/2175-3539201502031057v

Onde se lê: Analysis of Strategies for Writing Pre-School Children in Brazilian Portuguese

Leia-se: “Analysis of Preschool Children's Spelling Strategies in Brazilian Portuguese”

Imagem

Tabela 1. Características, Médias (M) e Desvio Padrão (DP) das crianças.
Tabela 3. Distribuição bruta e percentual das estratégias de escrita por palavras (itens).

Referências

Documentos relacionados

As supervisões de estágio foram ministradas pela presente relatora, e a prática no estágio deu-se por meio da proposta da atuação da Psi- cologia Escolar como instrumento

Para lidar com as demandas atuais, é necessário que, desde a infância, seja estimulado o desenvolvimento de um repertório cada vez mais variado de habilidades sociais, entre estas

Vieira (2006) complementa esse conceito defendendo que a visão por processos de negócio tem como objetivo obter a estruturação dos processos de negócio da organização de acordo

No seu livro sobre o papel do narrador ou mestre numa sessão de RPG, “Robin's Laws of good game mastering”, Robin Law 9 aponta que a prática do RPG demanda uma produção por parte

Por fim, destacamos que esta recomendação para o elemento Atividades de Controle tem o potencial de, após verificado êxito de atuação dos controladores adstritos a cada

Como o predomínio de consumo energético está no processo de fabricação dos módulos fotovoltaicos, sendo os impactos da ordem de 50 a 80% nesta etapa (WEISSER,

Nesse cenário, as políticas e as práticas educativas a serem construídas para o campo na Amazônia devem ajudar a recolocar o sentido do trabalho em suas

Dessa forma, as culturas de milho e feijão implicam no reconhecimento do desenvolvimento de uma atividade econômica para garantir a vida e não necessariamente a produção voltada