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O DIREITO DE RETENÇÃO

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Academic year: 2021

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NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.

O DIREITO DE RETENÇÃO

ANA MARIA DOS SANTOS BATISTA ROBALO

Sumário: 1. Introdução. 2. Direito de retenção. 2.1. Conceito de direito de retenção. 2.2. Breve síntese histórica do direito de retenção. 2.3. Natureza jurídica do direito de retenção. 2.4. Pressupostos de admissibilidade do direito de retenção. 3. Casos especiais de admissibilidade do direito de retenção. 3.1.

Casos especiais do direito de retenção Código Civil. 3.1.1. O caso especial do direito de retenção previsto na alínea f), do n.º 1, do artigo 755.º, do Código Civil. 3.2. Casos especiais do direito de retenção fora do Código Civil. 3.3. Casos de retenção reconhecidos pela doutrina. 4. O direito de retenção quanto ao registo. 5. O direito de retenção nos casos em que o credor e o proprietário da coisa são pessoas diferentes. 6. O direito de retenção e a sua prevalência sobre a hipoteca. 7. O direito de retenção e os embargos de terceiros. 8. A relação do direito de retenção com o regime da insolvência. 9. A transmissão e extinção do direito de retenção. 10. Conclusões. 11. Referências bibliográficas.

“O Direito tem como Premissa maior à busca incessante do conhecimento e da verdade, utilizando-se da hermenêutica para encontrar na Lei e nos costumes da sociedade, as soluções para os conflitos da humanidade, proporcionando aos homens sabedoria e paz social. Vincula-se, a título de justificativa a essa busca frenética pelo conhecimento, uma aplicação mais justa e equilibrada da Lei e do Direito”.

Dinarte C. Fernandes Jr

1 - Introdução

O presente relatório insere-se no âmbito do Doutoramento em Direito, em Ciências Jurídicas, ministrado na Universidade Autónoma de Lisboa.

Esta Unidade Curricular tem como regência o Professor Doutor LUÍS MENEZES LEITÃO, tomando como tema central de discussão o “O direito de retenção”.

O principal objeto do nosso estudo encontra-se focado na análise de direito de retenção, compreendido no seu conceito, bem como o seu relacionamento com outros institutos.

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1 Começamos por fazer um estudo do direito de retenção, onde serão analisadas as suas características: conceito, evolução histórica, natureza jurídica e os seus pressupostos de admissibilidade, para que possamos entender melhor este instituto.

Feita esta abordagem procuraremos fazer uma abordagem aos casos especiais do direito de retenção no Código Civil, nomeadamente o caso especial do direito de retenção previsto na alínea f), do n.º 1, do artigo 755.º, passando pelos casos especiais de direito de retenção fora do Código Civil e os casos de retenção previstos pela doutrina.

Pretendemos abordar o direito de retenção quanto ao registo.

No âmbito do trabalho procuraremos delimitar a natureza do direito de retenção atribuída aos casos em que o credor e o proprietário da coisa são pessoas diferentes.

Seguidamente considera-mos importante analisar o regime do direito de retenção com outros institutos, nomeadamente a sua prevalência sobre a hipoteca; o direito de retenção e os embargos de terceiros e a relação do direito de retenção com o regime da insolvência.

Por fim fazemos uma breve referência ao processo de transmissão e extinção do direito de retenção

Para a realização do presente trabalho o método utilizado foi a consulta de documentos bibliográficos de autores portugueses, brasileiros e da internet.

2 – Direito de Retenção

2.1 - Conceito de direito de retenção

O direito de retenção encontra-se enunciado no artigo 754º e ss do CC1, que dispõe que “ O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”.

Este instituto encontra-se consagrado na lei como um verdadeiro direito real de garantia, conferindo ao credor que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas

1 CC abreviatura de Código Civil.

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2 também, de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela com preferência sobre os demais credores.2

Para Galvão Telles3, “o ius retentionis configura-se como uma garantia real indirecta, na medida em que visa dar maior consistência prática ao crédito, tornando mais viável a sua cobrança. É invocável contra terceiros e a sua eficácia é a de, por forma mediata ou oblíqua, estimular psicológica e economicamente ao pagamento voluntário mas, por outro lado, representa uma garantia real directa, consistente em o titular poder fazer-se pagar pela coisa retida com preferência sobre os restantes credores.”

Para o Supremo Tribunal de Justiça

O direito de retenção traduz-se no direito conferido ao credor, que se encontra na posse de coisa que deva ser entregue a outra pessoa, de não a entregar enquanto esta não satisfizer o seu crédito, verificada alguma das relações de conexidade entre o crédito do detentor e a coisa que deva ser restituída a que a lei confere tal tutela. (…) Trata-se de um direito real de garantia - que não de gozo -, em virtude da qual o credor fica com um poder sobre a coisa de que tem a posse, o direito de a reter, direito que, por resultar apenas de uma certa conexão eleita pela lei, e não, por exemplo, da própria natureza da obrigação, representa uma garantia directa e especialmente concedida pela lei.4

De referir, que nem todos os ordenamentos jurídicos consagram, como o nosso, um direito de retenção geral.

Existem ordenamentos jurídicos, nomeadamente o italiano e o espanhol, que consagram um numerus clausus de situações em que o direito de retenção é admissível.

Segundo Vaz serra5, isso deve-se, única e exclusivamente, ao facto de o direito de retenção ser uma garantia real oponível erga omnes que deve ter sempre um caracter excecional.

2 VARELA, Antunes, “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 6.ª reimpressão da 7ª ed. de 1997, Coimbra, 2011, p. 579.

3 Citado por CAMPOS, Isabel Menéres, “Duas questões sobre a efectividade prática da Hipoteca: a caducidade do arrendamento com a venda judicial e o conflito do direito do credor hipotecário com o direito de retenção”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Manuel Henrique Mesquita, Vol. I, Coimbra, 2010, p. 320.

4 Processo 05A2158, de 04/10/2005. Acedido em http://www.dgsi.pt/.

5 SERRA, Vaz, “Direito de Retenção”. BMJ, n.º 65, 1957, pp. 127.

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3 Na opinião de Antunes Varela6, “ o direito de retenção deixou claramente de ser, com o Código Civil de 1966, um puro meio de coerção (ou uma simples causa de preferência especial indirecta, para usar a terminologia expressiva de Paulo Cunha) e passou abertamente a revestir a natureza jurídica de um perfeito direito real de garantia, dotado até de eficácia excepcional, mercê das especiais raízes em que mergulha a sua origem”.

O direito de retenção constitui um instituto de Direito Civil, com uma função de garantia, que se exerce através de uma autodefesa: o devedor, ao mesmo tempo credor por uma relação creditória inerente à prestação que está obrigado a realizar, retém-na, até lhe ser efetuado o pagamento da prestação que, por sua vez lhe é devida pela outra parte contratante.

Neste sentido, podemos dizer que o direito de retenção é a faculdade concedida pela lei ao credor de poder conservar em seu poder a coisa alheia, que detém legitimamente, para além do momento em que já a deveria restituir se o crédito não existisse, e, normalmente, até a extinção deste. Dessa maneira, assume a função de incitar o devedor a cumprir a sua obrigação, ficando privado da posse do bem que lhe pertence enquanto não a satisfizer.

Nos termos dos artigos 758.º e 759.º do CC, o titular do direito de retenção encontra-se equiparado ao credor pignoratício ou hipotecário, consoante o direito seja uma coisa móvel ou imóvel, respetivamente.

O direito de retenção pode, assim, ter por objeto tanto coisas móveis como imóveis, contudo, pressupõe sempre a detenção da coisa que constitui a garantia do crédito.

2.2. Breve síntese histórica do Direito de Retenção

O instituto do direito de retenção lembra a velha pignoratio privada7,que correspondia a um instituto de Direito Romano que permitia ao devedor da entrega uma atuação direta sobre os bens do seu credor de forma a obter a satisfação do seu crédito,

6 VARELA, Antunes, “Emendas ao regime do contrato-promess”, in RLJ, 119º, n.º 3749, p. 226; 120º, n.º 3755, p. 35.

7 SERRA, Vaz, “Direito de Retenção”. BMJ, n.º 65, 1957, pp. 103 e ss.

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4 no caso de este último ser também devedor do primeiro8. Contudo, esta forma de fazer justiça, foi sendo limitada ao longo dos tempos, com a gradual afirmação e aceitação do princípio segundo o qual fazer justiça é uma das competências exclusivas do estado.

O Código Civil de 1867, não consagrava à figura do direito de retenção, nenhuma divisão especial, apenas se referia a esse instituto, em preceitos isolados e dispersos. Como consequência desse tratamento de natureza excessivamente casuística, o mesmo era admitido em certos casos e noutros não, mesmo que neste outros convergissem as mesmas razões que nos primeiros levavam à concessão desse direito, gerando, assim, alguma dificuldade, tanto à doutrina como à jurisprudência na fixação do seu regime.

Contudo, mesmo perante estas dificuldades criadas por aquele diploma legal, o direito de retenção apresentava-se como o direito, que assistia ao devedor, de deferir a entrega de uma coisa que tivesse na sua posse, como meio de levar o credor a cumprir uma obrigação em que se encontrava para com ele.

No entanto, o grande problema da determinação da natureza jurídica do direito de retenção residia, justamente, na determinação de quem podia ser oposto este direito.

Para Guilherme Moreira, o direito de retenção trata-se de um direito absoluto, e portanto oponível não só em relação ao devedor mas também a terceiros, sendo, portanto, o direito de preferência um consectário iniludível do jus retentionis9.

Com a entrada em vigor do código Civil de 1966, a lei tomou uma posição perentória na discussão existente relacionada com a natureza jurídica do direito de retenção. Neste sentido, no presente Código Civil, a qualificação do direito de retenção é de direito real de garantia.

2.3 – Natureza jurídica do direito de retenção

A natureza jurídica do direito de retenção encontra-se bem qualificada nos artigos 758.º e 759.º do CC, como uma garantia real das obrigações. Ou seja, o direito de retenção é reconhecido como o poder jurídico direto e imediato de uma pessoa sobre uma coisa, com todas as características de um direito real oponível erga omnes, uma vez

8 Neste sentido, VAZ SERRA, ob. Cit., p. 149, para quem o direito de retenção é “a forma modernizada do velho instituto da pignoratio”.

9 MOREIRA, Guilherme A., “Instituições do Direito Civil Português”, Vol. II (Das Obrigações), Coimbra: Coimbra Editora, 1925, pp. 497 e 498.

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5 que o credor passa a ter a posse da coisa, impelindo o cumprimento da obrigação pelo devedor.

O direito de retenção consiste na faculdade do credor se recusar a cumprir a sua obrigação de restituir uma coisa de outrem, enquanto não tiver sido ressarcido integralmente do seu crédito resultante de despesas feitas com a coisa, ou de danos por ela causados, bem como o pagamento do crédito resultante de uma atividade realizada, nos casos previstos por lei.

Trata-se de um instituto de natureza jurídica controversa, cujas consequências se refletem na multiplicidade do seu enquadramento teórico. Apesar da sua consagração generalizada como figura jurídica de fonte legal, tanto na doutrina como na jurisprudência sustentam-se posições irredutíveis quanto ao fundamento, função e efeitos jurídicos.

Assim, a posição preponderante na doutrina vai no sentido de configurar o direito de retenção como um instituto de âmbito geral, aplicável sempre que estejam reunidos determinados requisitos que a lei define.

Na prática, o direito de retenção depende essencialmente da posse ou da detenção legítimas da coisa, da reciprocidade de dois créditos e da existência de uma conexão entre o crédito e a coisa detida.

Quer seja considerado um direito real ou pessoal quer seja aceite como garantia direta ou indireta, como um simples meio de conservação patrimonial ou como uma exceção dilatória, o direito de retenção continua a explicar-se como um instrumento jurídico dotado de eficácia prática, nas diversas ordens jurídicas, independentemente da sua consagração como instituto de carácter geral ou excecional.

Sendo o direito de retenção uma verdadeira garantia real das obrigações, cujo exercício concede ao retentor uma preferência pelo produto da venda judicial da coisa sobre que incide, compreendemos que somente as coisas corpóreas poder ser objeto de retenção, não sendo permitido, a retenção do exercício de direitos.10

Contudo, o regime do direito de retenção não é uniforme, a sua aplicação depende da natureza dos bens sobre a qual incide.

10 PACHECO, António Faria Carneiro, “O Direito de Retenção na Legislação Portuguesa”, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1911, p. 163.

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6 Neste contexto, nos termos do artigo 758.º do CC, se o direito de retenção recair sobre coisas móveis, a lei determina a aplicação do regime do penhor, relativamente aos direitos e obrigações do retentor, com exceção à substituição ou reforço de garantia.

Como consequência, da aplicação, ex vi legis , o regime do penhor ao direito de retenção sobre coisas móveis, vai originar que o retentor tenha preferência aos demais credores, conforme o artigo 666.º do CC, o qual, nos termos dos artigos 670.º a 673.º, goza dos direitos e está sujeito às obrigações do credor pignoratício, sem prejuízo, do disposto na parte final do artigo 758.º, podendo executar a coisa retida em termos paralelos ao da execução do objeto empenhado, conforme artigo 675.º do CC. São ainda aplicáveis ao direito de retenção o constante nos artigos 692.º e 694.º a 699.º do CC (ex vi do disposto no artigo 678.º do CC).

Relativamente aos casos de direito de retenção sobre coisas imóveis, nos termos do artigo 759.º, n.º 1 do CC, a lei admite ao retentor enquanto não proceder à entrega da coisa retida, a faculdade da executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, bem como ser pago com preferência aos demais credores do devedor, contudo, nos termos do n.º 2, da mesma disposição, se sobre a mesma coisa imóvel existir concorrência entre o direito de retenção e uma hipoteca, o direito de retenção prevalece, mesmo que esta tenha sido anteriormente registada. Poderá ainda existir concorrência entre o direito de retenção e um privilégio imobiliário, sendo que, nesta situação, o privilégio tem preferência sobre o direito de retenção, ainda que esta garantia seja anterior, conforme o estipulado no artigo 751.º do CC.

Uma vez que a coisa móvel retida se encontra na posse do credor, é compreensível que nos ternos do n.º 3, do artigo 759.º do CC, se determine que “ Até à entrega da coisa são aplicáveis, quanto aos direitos e obrigações do titular da retenção, as regras do penhor, com as necessárias adaptações”. Assim, deve ser tido em conta que, apesar do artigo 759.º, n.º 3 não excluir expressamente a matéria da substituição ou reforço da garantia, à semelhança do que sucede com o artigo 758.º, é do entendimento de alguns autores que ela não se aplica à retenção de coisas imóveis.11

Será importante referir, que o direito de retenção deve ser alegado na contestação para ser reconhecido na sentença. Pode o devedor, ainda, na execução para

11 Vide, COSTA, M. J. Almeida “Direito das Obrigações”, 11.ª ed., revista e atualizada, Coimbra, Almedina, 2008, p. 982.

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7 entrega de coisa certa constante de título executivo extrajudicial, conforme artigo 621.º, do Código Civil, deduzir embargos de retenção por benfeitorias.

Contudo, a questão de saber se o direito de retenção sobrevive á venda executiva, tem sido objeto de alguma discussão na doutrina. José Lebre de Freita entende que os direitos reais de garantia caducam todos com a veda executiva12, sem exclusão do direito de retenção. Esta posição também predomina em grande parte da jurisprudência, embora o Código Civil Português seja equívoco relativamente a esta questão.

2.4 - Pressupostos de admissibilidade do direito de retenção

Como já foi demonstrado, o direito nacional regula o jus retentionis em dois níveis: uma cláusula geral, prevista no artigo 754.º do Código Civil e uma série de casos especiais de direito de retenção, especialmente no artigo 755.º, do Código Civil.

Na conjugação dos artigos 754.º, 755º e 756.º, do Código Civil, apuramos que o direito de retenção se apresenta genericamente por meio de pressupostos, designadamente:

a) A obrigação do devedor de entregar uma coisa suscetível de penhora;

Este primeiro pressuposto resulta, desde logo, da própria natureza do direito de retenção, ou seja, o seu exercício depende, além do mais, da detenção de uma coisa. Em bom rigor e nos termos legais apenas tem direito de retenção aquele que esteja

“obrigado a entregar certa coisa”, conforme artigo 754.º, do Código Civil, o que necessariamente pressupõe que a coisa se encontre em poder do detentor. A coisa deve ser certa, estando vedada a retenção de coisa incerta.

Neste sentido, se o retentor deixar de ter a posse material da coisa, porque, por exemplo, procedeu à entrega voluntária da coisa detida a quem tinha direito a recebê-la, neste caso o seu direito extingue-se, conforme artigo 761.º, do Código Civil. De referir, que apenas a entrega voluntária da coisa detida origina a cessação do direito de

12 FREITAS, José Lebre de, “A Acção Executiva - Depois da Reforma da Reforma”, 5.ª Ed., Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 335.

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8 retenção, uma vez que, se a coisa tiver saído da esfera do retentor contra a sua vontade, este pode lançar mão das ações possessórias conforme referem os arts. 670.º al. a), 758.º e 759.º n.º 3, ainda que seja contra o próprio dono da coisa, caso em que, reavendo a detenção, recomeça o seu exercício do direito de retenção.13

A coisa detida terá necessariamente de ser um bem alheio.

Por último, exige-se a obrigatoriedade da coisa ser suscetível de penhora, conforme 756.º, al. c) do mesmo preceito legal. Sendo o direito de retenção uma garantia real, só pode ser objeto da mesma, as coisas suscetíveis de penhora, assim, se qualquer pessoa estiver obrigada a entregar algum dos bens constantes dos artigos 822.º (Bens absoluta ou totalmente impenhoráveis) e artigo 823.º (Bens relativamente impenhoráveis), do Código de Processo Civil. Nesta situação, não pode ser exercido o direito de retenção, uma vez que a coisa retida impenhorável será impossível de se constituir sobre ela qualquer garantia.

b) Que seja simultaneamente titular de um crédito sobre a pessoa a quem esteja obrigado a entregar essa coisa, crédito deve ser exigível, ainda que com base na perda do benefício do prazo, mas não necessariamente líquido;

Perante o referido pressuposto verificamos que para o detentor adquirir o direito de retenção, é necessário que o credor do direito à entrega da coisa detida seja sujeito passivo de uma relação creditícia cujo credor é o obrigado à entrega.

Nos termos do artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil “ O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”, ou seja, em regra, o direito de retenção só pode ser exercido no caso de vencimento do crédito, podendo o vencimento ser desencadeado pelo credor, no caso das obrigações puras. Ou nos termos do artigo 805.º, n.º 2, al. a), do mesmo preceito legal, se a obrigação tiver prazo certo, ou seja o prazo tenha sido convencionado pelas

13 Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06.04.2000, CJ, Ano XXV, Tomo II, p. 131.

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9 partes. Contudo, neste último caso, ocorre a perda do benefício do prazo, caso venha a ocorrer a insolvência ou diminuição das garantias prestadas, conforme o artigo 780.º do Código Civil (perda do benefício do prazo), ou a não realização de uma prestação nas dívidas a prestações, conforme artigo 801.º do mesmo diploma “ Se a prestação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”, tornando o crédito imediatamente exigível permitindo consequentemente ao credor o direito de retenção, conforme artigo 757.º, n.º1 do Código Civil “ O devedor goza do direito de retenção, mesmo antes do vencimento do seu crédito, desde que entretanto se verifique alguma das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo”.

Contudo, o direito de retenção não fica prejudicado com a iliquidez do crédito garantido, conforme artigo 757.º. n.º 2 “O direito de retenção não depende da liquidez do crédito dos respetivo titular”, uma vez que a eficácia do direito de retenção como garantia não depende da determinação exata do montante do crédito, sendo essa liquidez uma circunstância comum na suposição de danos causados pela coisa.

c) Que exista uma conexão causal entre a coisa e o crédito a ser recebido.

O Código Civil determina também como pressuposto do direito de retenção, a obrigatoriedade de haver uma conexão causal entre a coisa e o crédito a ser recebido.

Sendo que, essa conexão entre a coisa e o crédito pode resultar de vários fatores, nomeadamente pode resultar de despesas feitas pela coisa ou danos por ela causados, como por exemplo:

 Quem efetuar a reparação de um veículo e a oficina, não recebe o valor contratado pelo serviço prestado, poderá reter o referido veículo;

 Quando resultar um acidente entre veículos, em que o acidentado poderá reter o veículo daquele que deu causa ao acidente para garantir o pagamento dos prejuízos causados;

 Quem efetuar benfeitorias numa coisa, conforme artigo 1273.º, do Código Civil (Benfeitorias Necessária e Úteis), tem direito de a reter até ser reembolsado das mesmas;

 Quem sofrer danos resultantes de ação de animal pertencente a outrem pode retê-lo até ser indemnizado pelos danos causados;

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10

 Essa conexão causal pode ainda ser estabelecida pelo fato da detenção da coisa resultar de uma relação legal ou contratual, à qual a lei atribua como garantia esse direito, como percebemos no artigo 755.º, do Código Civil, que são os chamados casos especiais, onde não há, necessariamente, uma relação direta do crédito e da coisa, conferindo esse direito ao transportador, albergueiro, mandatário, gestor de negócios, depositário, comodatário e beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve na tradição da coisa;

Perante estes casos o Supremo Tribunal de Justiça manifestou-se afirmando que

O direito de retenção traduz-se no direito conferido ao credor, que se encontra na posse de coisa que deva ser entregue a outra pessoa, de não a entregar enquanto esta não satisfizer o seu crédito, verificada alguma das relações de conexidade entre o crédito do detentor e a coisa que deva ser restituída a que a lei confere tal tutela – arts.

754.º e 755.º Código Civil.

Trata-se de um direito real de garantia - que não de gozo -, em virtude da qual o credor fica com um poder sobre a coisa de que tem a posse, o direito de a reter, direito que, por resultar apenas de uma certa conexão eleita pela lei, e não, por exemplo, da própria natureza da obrigação, representa uma garantia direta e especialmente concedida pela lei.

Assim, desde que o credor tenha um crédito relacionado, nos termos legalmente previstos, com a coisa retida, reconhece-se-lhe o direito de garantia, válido erga omnes e atendível no concurso de credores. Com efeito, o retentor não pode opor-se à execução, singular ou universal, movida por outros credores, mas é-lhe assegurada a posição preferencial que legitima a recusa em abrir mão da coisa até ao pagamento do seu crédito, faculdade que não desaparece pela acidental circunstância de o devedor se tornar insolvente e/ou haver um processo de falência (cfr. CALVÃO DA SILVA,

"Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória", 339 e ss.; VAZ SERRA, "Direito de Retenção", in BMJ 65º- 103 e ss.)14.

14 Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, Processo 05A2158, “Direito de Retenção”, Lisboa 04 de Outubro de 2005, n.º 4.2.

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11 Assim, para o exercício do direito de retenção, é necessário uma conexão lógica entre a coisa e o crédito, motivo pelo qual a coisa passa a vincular-se e tornar- se garantia do crédito, oponível, inclusive, erga omnes.

d) Não aquisição, com conhecimento do retentor, por meios ilícitos da detenção da coisa que se deveria entregar, nem a realização de má-fé das despesas das quais tenha resultado o crédito

Nos termos do artigo 756.º, al. A) e b), o direito de retenção não poderá ser exercido quando a detenção da coisa tenha sido adquirida por meios ilícitos, com o conhecimento do retentor, ou a constituição do crédito tenha resultado de despesas efetuadas de má-fé. Neste sentido, Menezes Leitão defende que

Temos assim um pressuposto geral do direito de retenção que é a não atuação de má-fé por parte do retentor, podendo essa má-fé resultar, quer da aquisição ilícita da coisa, com o conhecimento do retentor, quer da própria constituição do crédito fazendo despesas em coisa que se sabia não lhe pertencer. A má-fé é aqui entendida em sentido subjetivo, como a consciência da ilicitude da aquisição da coisa ou da lesão do credor em face da realização da despesa15.

Esse é um pressuposto geral, que decorre do próprio direito de retenção. Uma vez que não se pode beneficiar o retentor que age de maneira ilícita ou de má-fé, sob pena de se violar os princípios primordiais do Direito. Ou seja, aquele que realiza benfeitorias numa coisa que sabe não ser de sua propriedade, e as faz sem autorização do seu proprietário legítimo, não tem, depois, direito a reter essa coisa enquanto não for pago pelos acréscimos ou melhoramentos realizados. Igualmente, aquele que, de maneira Ilícita tem na sua posse a coisa, não poderá proceder à sua retenção.

e) Não prestação de caução suficiente pela outra parte

O direito de retenção surge como uma garantia provisória, cessando se a outra parte prestar caução suficiente, conforme artigo 756.º, al. d), do CC. A caução poderá

15 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, “Garantia das Obrigações”, p. 212, 4.ª Edição, 2012, Almedina.

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12 ser prestada ela formas referidas no artigo 623.º do CC que determina “ Se alguém for obrigado ou autorizado por lei a prestar caução, sem se designar a espécie que ela deve revestir, pode a garantia ser prestada por meio de depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, ou por penhor, hipoteca ou fiança bancária”.

Verificamos assim, que se encontra incluída a fiança, caso em que ocorrerá a substituição de uma garantia real por uma garantia pessoal16.

3. Casos especiais de admissibilidade do direito de retenção

3.1. Casos especiais do direito de retenção no Código Civil

Para além do regime geral preceituado para o direito de retenção, no artigo 754.º do CC, o legislador, nos termos do artigo 755.º do CC, prevê os casos especiais de retenção, relacionados com uma relação legal ou contratual, onde não há, necessariamente, uma relação direta do crédito e da coisa. Trata-se, de uma série de

16 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, “Garantia das obrigações”, 4ª Edição, Almedina, 2012.

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13 casos especiais em que determinadas pessoas ficam munidas com o direito de retenção, uma vez que em alguns deles “não existe” ou se “dilui” a conexão objetiva entre a coisa detida e o crédito do detentor do artigo 754.º do CC.

Neste sentido, nos termos do disposto no artigo 755.º, n.º 1 do CC, gozam ainda do direito de retenção, o transportador, o albergueiro, o mandatário, o gestor de negócios, o depositário, o comodatário e o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido.

A estas situações especiais, podemos juntar outras constantes no Código Civil, nomeadamente a norma constante do art.º 1323 n.º 4, que atribui o direito de retenção ao achador da coisa. Em todos estes casos, o devedor da entrega, quando se encontra provido do direito de retenção, tem toda a legitimidade de se recusar a restituir uma coisa que tem na sua posse material, até ser pago o que, em razão da coisa detida, lhe é devido pelo titular do direito à entrega.

3.1.1. O caso especial do direito de retenção previsto na alínea f), do n.º 1, do artigo 755.º, do Código Civil

Dos casos especiais, previstos nas diversas alíneas do n.º1, do artigo 755º do CC, ao contrário da conexão objetiva entre o crédito e a coisa (debitum cum re iunctum), que constitui o alicerce básico do direito de retenção17, há lugar a direito a retenção apenas com base na simples origem comum dos dois créditos.

De entre esses casos especiais, destaca-se, por ter sido, “bastante criticado na doutrina a atribuição do direito de retenção ao beneficiário do contrato-promessa que obteve a transmissão (art.º 755º, nº 1 f), pelo facto de por em causa a garantia hipotecária”18.

O direito de retenção geral, constante do artigo 754.º do CC, é diferente, do direito de retenção preceituado na alínea f), do n.º1, do artigo 755.º do CC.

O legislador, na alínea f), do n.º1, do artigo755.º do CC, imputa o direito de retenção ao “ (…) beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa

17 COSTA, Almeida, “Direito das Obrigações”, 12.ª ed. revista e atualizada, Coimbra, 2009, p. 346.

18 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, “Garantia das Obrigações”, 4ª Edição, Almedina, 2012, anotação 557, p. 209.

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14 coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442.º.”

Como refere Salvador da Costa19, podemos apontar como pressupostos do direito de retenção a favor do beneficiário da promessa, os seguintes:

 A tradição da coisa objeto do contrato prometido;

 O não cumprimento definitivo imputável ao promitente da alienação;

 A existência do crédito do beneficiário resultante do não cumprimento definitivo.

Fazendo uma análise dos referidos pressupostos, verificamos que no primeiro requisito, a norma não materializa devidamente o conceito de tradição.

O legislador, na alínea f), do n.º1, do artigo 755.º do CC, quando se refere à tradição da coisa, deixa em aberto a questão de saber se basta uma mera tradição simbólica ou se, ao contrário, terá de acontecer a tradição material.

A "tradição" a que se refere a alínea f), n.º 1, do artigo 755.º do CC, tem que ser a mesma que se verifica e exige para o corpus na aquisição derivada da posse, atribuindo ao adquirente a possibilidade de exercer uma relação material com e sobre o objeto; e compõe-se (no corpus da posse e também aqui, na alínea f), do n.o 1, do artigo 755.º do CC, e forma-se através de dois elementos: um negativo, o abandono do anterior possuidor; e outro positivo, a apprehensio, ou entrega ao novo possuidor.

Como a posse é constituída por dois elementos, o corpus e o animus, a tradição da coisa confere apenas o corpus, ou seja, o elemento material da posse, nomeadamente o domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efetivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse exercício.

Pires de Lima e Antunes Varela20 são da opinião, que “o contrato-promessa, só por si, não é susceptível de transferir a posse ao promitente-comprador. Se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus

19 Cfr. Ac. do STJ de 24.06.2001, Revista n.º 1776/04-2.ª Secção, citado por COSTA, Salvador, “O concurso de credores – Sobre as várias Espécies de Concursos de Credores e de Garantias Creditícias”, 4.ª ed., Coimbra, 2009, p. 219.

20 LIMA, Pires de; VARELA, Antunes, “Código Civil Anotado”, Vol. III, reimpressão da 2.ª ed., Coimbra, 2010, p. 6.

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15 possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário.”21

Segundo Fernando Morais, torna-se, assim, imperativo que o promitente- comprador com traditio pratique atos de efetiva apreensão material da coisa prometida, em nome próprio, ou seja, intervindo sobre a coisa como se fosse sua.22

No mesmo sentido, Manuel Rodrigues defende, que "a tradição dos imóveis exige, em 1.º lugar, que o vendedor abandone ao comprador o gozo da coisa ou do direito" e "em 2.º lugar, a prática de actos que traduzam os poderes materiais que se podem exercer sobre as coisas.” Na opinião do autor, “por este modo se estabelece a relação material positiva entre o novo titular da posse e a coisa possuída. (...) Donde a posse, em tal caso, só se adquire porque o adquirente exerceu sobre o prédio qualquer acto material que denuncia um poder sobre ele, embora sem as qualidades exigidas para constituir uma posse unilateral (...) "23

Neste contexto, por exemplo, o facto da mera entrega das chaves do prédio ou da fração ao promitente-comprador, não é suficiente para que se dê por verificada a tradição para efeitos de invocação do direito de retenção24.

21 Em anotação ao Ac. do STJ de 2 Novembro de 1989, in RLJ, 128.º, 1995/1996, p.146, Antunes Varela expressa, ainda, que “o promitente-comprador investido prematuramente no gozo da coisa, que lhe é concedido na pura expectativa da futura celebração do contrato prometido, não é possuidor dela, precisamente porque, sabendo ele, como ninguém, que a coisa pertence ainda ao promitente-vendedor e concedido na pura expectativa da futura celebração do contrato prometido, não é possuidor dela, concedido na pura expectativa da futura celebração do contrato prometido, não é possuidor dela, precisamente porque, sabendo ele, como ninguém, que a coisa pertence ainda ao promitente-vendedor e só lhe pertencerá a ele depois de realizado o contrato translativo prometido, não pode agir seriamente com a intenção de um titular da propriedade ou de qualquer outro direito real sobre a coisa”

22 MORAIS, Fernando de Gravato, “Contrato-Promessa em Geral, Contrato-Promessa em Especial”, Almedina, Coimbra, 2009, p.245.

23 RODRIGUES, Manuel, “A Posse, Estudo de Direito Civil Português”, 3.ª ed., Lisboa, 1980, p. 216

24 Cfr Ac. do STJ, processo 07A2627, de 18.9.2007 (MÁRIO CRUZ), constatou-se que “no contrato- promessa aqui em presença, mesmo podendo haver corpus com a traditio da coisa – consubstanciada na alegada entrega da chave –, faltar-lhe-ia o animus – porque o promitente comprador é o primeiro a reconhecer que ainda só pagou o sinal e que a parte restante do preço só será paga no acto da escritura, dizendo, inclusive, que a marcação desta se prevê para breve. Sabe assim que a coisa ainda lhe não pertence e que o imóvel só supostamente passará a ser seu após o cumprimento integral da prestação que sobre ele impende, com a realização da escritura, o que significa saber perfeitamente que sobre o imóvel

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16 Relativamente aos demais pressupostos do direito de retenção a favor do beneficiário da promessa, nomeadamente o incumprimento definitivo imputável ao promitente-vendedor, a doutrina tem defendido, que para o promitente-comprador poder invocar o direito de retenção, não basta que o promitente-vendedor se encontre em situação de simples mora, sendo antes exigida uma situação de incumprimento definitivo.25

O incumprimento pode exibir três modalidades de não cumprimento das obrigações quanto ao efeito ou resultado produzido:

 A falta de cumprimento ou incumprimento definitivo;

 A mora;

 E o cumprimento defeituoso ou imperfeito.

Normalmente, a mora do devedor não permite, com exceção, da existência de uma cláusula convencionada em contrário, a resolução imediata do contrato, a não ser que se transforme em incumprimento definitivo, conjugando os artigos 801º, 802º e 808º, nº 1, todos do CC. Essa alteração poderá acontecer nos seguintes casos: venha a surgir a impossibilidade de realizar a prestação; se o credor em consequência da mora, perder o interesse na mesma, ou, em consequência da inobservância do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor ao devedor.

Quando do incumprimento do contrato-promessa, a lei permite ao contraente não faltoso: a execução específica, nos termos do artigo 830.º do CC, no caso da simples mora, e a resolução do contrato, nos termos do artigo 801.º, n.º2 do CC, para o caso do incumprimento definitivo.

Caso o promitente vendedor não consiga demonstrar o incumprimento definitivo do contrato-promessa, facilmente se perceberá que a invocação do direito de retenção pelo beneficiário da promessa que obteve a tradição da coisa, não tem sentido útil, uma vez que o promitente-vendedor não está obrigado a entregar a mesma, por se manter válido e eficaz o contrato-promessa.

ainda não actua como se dono já fosse mas como tendo autorização dele para aí praticar os actos materiais em causa”.

25 Antunes Varela defende que com a entrada em vigor do DL n.º379/86, de 11 de Novembro, o promitente-comprador não faltoso, goza do direito de retenção sobre a coisa traditada logo que, entrando a contraparte em mora, venha requerer a restituição do prédio nos termos do artigo 442.º do CC, e consequentemente pôr fim ao contrato.

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17 Neste sentido, o direito de retenção previsto no artigo 755.º, n.º1, alínea f) do CC, não faz sentido na mora, hipótese em que o promitente-adquirente que obteve a tradição da coisa, não está obrigado a entregar a coisa a que se refere o contrato prometido.

É aceite quer pela doutrina26, quer pela jurisprudência27, que o crédito emergente do contrato-promessa é o que tem, na sua base, o incumprimento definitivo daquele.

Contudo, tem-se questionado, “se tal crédito apenas existe se tiver havido sinal passado ou não”.28

Para Gravato Morais, tal como grande parte da doutrina29, considera que o direito de retenção subsiste independentemente de ter existido a prestação de sinal ou prestação de convenção indemnizatória. Na opinião do autor, só assim se compreenderia o valor da ampla remissão efetuada da alínea f), do n.º1, do artigo 755.º do CC, para o artigo 442.º do CC.

Com uma opinião diferente, Menezes Leitão30, interpretando, restritivamente o artigo 755.º, n.º 1, alínea f), do CC, sustenta que o direito de retenção “só tem conexão com o direito ao aumento do valor da coisa ou do direito, que é o único crédito resultante do não cumprimento que tem uma relação directa com a coisa a reter (…) ”.

26 Nomeadamente, SILVA, Calvão da, ob. cit., p. 124-125.

27 Cfr. Acórdão de 02.11.1989 (FERNANDES FUGAS): “I – O contrato-promessa de compra e venda de bens imóveis não pode, em princípio ser resolvido pelo promitente vendedor com fundamento na falta de pagamento, embora parcial, atempado (…), já que a mora do devedor, representando um simples retardamento da prestação por causa imputável ao devedor, só dá ao credor o direito de exigir o cumprimento da obrigação e a indemnização pelos danos causados (art. 804.º do CC)”, in BMJ, 391.º, 1989, p. 538.

28 MORAIS, Gravato, ob. cit., p. 233.

29 Entre outros, PRATA, Ana, “O Contrato-Promessa e o seu regime civil”, 2.ª reimpressão da edição de 1994, Coimbra, 2006, p. 888. Defende a autora que, “ (…) não obstante a remissão do artigo 755.º, n.º1, alínea f), para o artigo 442.º, não parece indispensável [para que possa haver direito de retenção, que os promitentes tenham acordado um sinal], pois, como se viu, nem dele depende o direito de indemnização calculada no valor da coisa a que se refere o artigo 442.º, nem a ele faz referência o artigo 755.º, n.º1, alínea f), o que significa, dado o necessário pressuposto da “traditio rei”, que o direito de retenção, garantindo sempre o direito indemnizatório de que esta é requisito, garantirá qualquer outro crédito indemnizatório fundado no incumprimento, seja ele o da indemnização calculada nos termos gerais, seja o de pena convencional, seja mesmo o de indemnização por benfeitorias realizadas pelo “accipiens” na coisa”.

30 LEITÃO, Menezes, “Direito das Obrigações”, Vol. I, 9.ª ed., Coimbra, 2010, p. 253.

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18 Segundo este autor, o direito de retenção do promitente-comprador com traditio só existe, na circunstância de este optar por uma indemnização pelo aumento do valor da coisa, emergindo apenas caso em que tenha sido prestado sinal.

Em nossa opinião, concordamos com a proposta formulada por Menezes Leitão, uma vez que não havendo prestação de sinal, a tradição será uma mera condescendência, não competindo penalizar o promitente-vendedor. Assim, no caso em concreto, o direito de retenção só terá em vista o ressarcimento dos créditos referidos no artigo 442.º do CC, que são, apenas, o da restituição do sinal em dobro ou o do aumento do valor da coisa e não o crédito geral indemnizatório.

Contudo, como foi referido, não tem sido este o entendimento preferido pela maioria da doutrina. Quer, pela explanação dos pressupostos de aplicação do direito de retenção ao caso específico consagrado na alínea f), do n.º1, do artigo 755.º do CC, uma vez que indubitavelmente se entende que o regime legal consagrado é claramente lesivo para os restantes titulares de garantias reais sobre o imóvel, nomeadamente o titular de uma hipoteca.

Neste contexto, foram vários os autores que discordaram deste regime, para Calvão da Silva “ (…) o facto do direito de retenção prevalecer sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente (art. 759.º, n.º2), poderá também acabar por virar a norma protectora (art. 442.º, n.º3) [actual alínea f), do n.º1, do art. 755.º] contra o promitente-comprador (abstractamente) protegido, engendrando rarefacção da traditio rei hipotecada, por imposição das instituições de crédito aos construtores”31.

Antunes Varela foi mais além, chamando a atenção para o facto do crédito garantido pela retenção ser, muitas vezes, de montante geralmente elevado, atraiçoando, por ausência de registo, as instituições de crédito que se certificaram antes da concessão do crédito da inexistência de outros direitos reais.

Perante estes factos, o Tribunal Constitucional, no seu Ac. 356/04, de 19.05.200432, pronunciou-se relativamente à constitucionalidade da norma prevista no artigo 755.º, n.º1, alínea f) do CC, inevitavelmente articulada com o disposto no artigo 759.º, do mesmo diploma legal.

31 SILVA, Galvão da, ob., cit., p. 252.

32 2ª Secção do Tribunal Constitucional, Proc. nº 606/2003, relatora Maria Fernanda Palma.

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19 No referido Acórdão, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 755.º, n.º1, alínea f) do CC, uma vez que foi entendimento que a norma em apreço

(…) opera meramente uma ponderação adequada do interesse das instituições de crédito, detentoras de créditos hipotecários, na protecção da confiança inerente ao registo predial e do interesse dos consumidores na protecção da confiança relativa à consolidação de negócios jurídicos, notando-se que os mesmos respeitam, em muitos casos, à aquisição de habitação própria permanente.”

Foi considerado pelos relatores, que “(…) a contenção dos princípios da confiança e da segurança jurídica associados ao registo predial, que resulta da atribuição da preferência ao direito de retenção sobre a hipoteca registada anteriormente, tem a sua justificação na prevalência para o legislador do direito dos consumidores à protecção dos seus específicos interesses económicos (…)”.

Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça, também se pronunciou várias vezes33, pela não inconstitucionalidade material das normas do artigo 442.º, n.º2 do CC e alínea f), do n.º1, do artigo 755.º do CC, considerando que as mesmas não violam os princípios da proporcionalidade, da proteção da confiança e segurança do comércio jurídico imobiliário e do direito de propriedade privada, conforme os artigos 2.º, 18.º, n.º1 e 62.º, da Constituição da Republica Portuguesa.

Em nossa opinião, apontamos algumas críticas, em virtude da solução prevista na alínea f), do n.º1, do artigo 755.º do CC ter surgido num contexto socioeconómico próprio, cujo objetivo tem sido subvertido e colocado ao serviço do devedor negligente.

O legislador com a introdução desta norma, ao conceder um direito de retenção especial atribuído ao promitente-adquirente, tendo como intenção reequilibrar a situação que o desfavorecia, veio criar um novo desequilíbrio, desta vez à custa de um terceiro, o credor hipotecário, que resultou do facto do artigo 759.º, n.º2 do CC, não fazer qualquer distinção quanto à modalidade de direito de retenção que deve prevalecer em absoluto sobre a hipoteca.

33 Cfr. o Ac. do STJ de 29.01.2003 (Ferreira de Almeida); Ac. do STJ de 30.01.2003 (Nascimento Costa);

Ac. do STJ, de 20.11.2003 (Moitinho de Almeida); Ac. do STJ de 14.02.2006 (João Camilo); e Ac. do STJ de 18.09.2007 (Fonseca Ramos), todos in www.dgsi.pt.

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20 Ao atribuir o direito de retenção sempre que exista tradição da coisa objeto do contrato prometido, o legislador criou no titular de uma mera expectativa de aquisição de um direito real, uma tutela mais ampla de que ao próprio titular desse direito.

Na maioria dos casos de retenção, os débitos pelos quais a coisa responde, representam uma pequena parte do valor da própria coisa, ao contrário da retenção do promitente em que os débitos representam um valor muito aproximado do valor dela.

Neste sentido, para Sérgio Castanheira

“tendo em conta que normalmente estão em jogo avultadas quantias monetárias e que se trata de uma garantia oculta, no sentido de não ser perceptível, na maioria das vezes, ao terceiro adquirente de boa-fé,” a consagração do direito de retenção, no caso aqui em análise, colide “não só com a lógica do mercado de circulação dos imóveis, como também com a segurança jurídica e protecção das expectativas de terceiros”34.

Assim, em nossa opinião, a (in) constitucionalidade constante da alínea f), do n.º1, do artigo 755.º do CC, só se coloca, quando o regime previsto no n.º2 do artigo 759.º do CC se estende a essa disposição legal, criando uma solução injusta e excessiva.

A doutrina com vista a minimizar os efeitos provenientes da aplicação do n.º2, do artigo 759.º, ao direito de retenção consagrado no artigo 755.º, n.º1, alínea f), ambos do CC tem apontado várias soluções.

Menezes Leitão35 foi um dos autores que se debruçou sobre este assunto, ao despoletar a questão da facilidade de manipulação do regime jurídico do direito de retenção, por forma a defraudar a garantia hipotecária.

Este autor defende que a alínea f), do n.º1, do artigo 755.º do CC, deve ser interpretada restritivamente, considerando que o promitente-comprador apenas tem direito de retenção para garantia dos créditos previstos no artigo 442.º do CC, ou seja, no caso específico, ao direito ao aumento do valor da coisa, e somente nos casos de ter sido acordado a estipulação de sinal.

Para Menezes Leitão, “o artigo 755.º, n.º1, alínea f) não atribui direito de retenção, em caso de tradição da coisa, a todo e qualquer crédito resultante do não

34 CASTANHEIRA, Sérgio Nuno, “Direito de Retenção do Promitente-Adquirente, in Garantia das Obrigações”, Publicação dos Trabalhos do Mestrado, Coimbra, 2007, p. 504.

35 LEITÃO, Menezes, “Direito das Obrigações”, Vol. I, ob. Cit. P. 244.

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21 cumprimento imputável á outra parte, uma vez que, se assim fosse, não faria sentido a inclusão, no texto legal, da expressão “nos termos do artigo 442.º”.36

Segundo Menezes Leitão, não tendo sido estipulado sinal, a entrega da coisa deve ser vista como um ato de mera tolerância que, na sua opinião, não justifica a atribuição do direito de retenção.

Na mesma linha de pensamento, Galvão Telles sustenta que só nos casos de haver acordo de sinal se pode operar o direito de retenção.

Na opinião deste autor, existindo contrato-promessa em que não tenha havido sinal mas tenha havido tradição da coisa, o incumprimento por parte do promitente da alienação ou constituição dá ao credor o direito a exigir, a título indemnizatório, o valor atual do direito não transmitido ou constituído, descontado o preço convencional estipulado.37

L. Pestana de Vasconcelos38, também defende uma interpretação restritiva da alínea f), do n.º1, do artigo 755.º do CC, contudo, baseia-se noutras razões, nomeadamente o afastamento do âmbito do direito de retenção os promitentes adquirentes que não sejam consumidores.

Para concluir, na nossa opinião, a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 755.º, n.º 1, alínea f) do CC, não se coloca. Esta questão só se coloca, quando o regime previsto no artigo 759.º, n.º 2 do CC, se alarga a essa norma legal, originando uma solução injusta e excessiva.

3.2. Casos especiais do direito de retenção fora do Código Civil

Fora do Código Civil encontramos casos especiais de direito de retenção, nomeadamente os seguintes:

a) O direito de retenção do transportador, nos termos do artigo 21.º do D.L. 352/86, de 21 de Outubro39 “O transportador goza do direito de retenção sobre a mercadoria transportada pela garantia dos créditos emergentes do transporte” e artigo 14.º do D.L. 239/2003, de 4 de

36 LEITÃO, Menezes, “Direito das Obrigações”, Vol. I, ob. Cit. P. 253.

37 TELLES, Inocêncio Galvão, “Direito das Obrigações”, reimpressão da 7.ª ed., Coimbra, 2010, p.154.

38 VASCONCELOS, L. Miguel Pestana de, “Direito das Garantias”, 2.ª ed., Coimbra, 2013.

39 Estabelece disposições quanto à reformulação do direito comercial marítimo.

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22 Outubro40 “O transportador goza do direito de retenção sobre as mercadorias transportadas como garantia de pagamento de créditos vencidos de que seja titular relativamente a serviços de transporte prestados”.

b) O direito de retenção atribuído a advogado, nos termos do artigo 96.º, n.º 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei 15/ 2005, de 26 de janeiro, que estipula que “ O advogado, apresentada a nota de honorários e despesas, goza do direito de retenção sobre os valores, objetos ou documentos referidos no número anterior, para garantia do pagamento dos honorários e reembolso das despesas que lhe sejam devidos pelo cliente, a menos que os valores, objetos ou documentos em causa sejam necessários para prova do direito do cliente ou que a sua retenção cause a este prejuízos irreparáveis”.

c) O direito de retenção do agente comercial, nos termos do artigo 35.º do D.L. 178/86, de 3 de julho41, que determina que “Pelos créditos resultantes da sua atividade, o agente goza do direito de retenção sobre os objetos e valores que detém em virtude do contrato”.

3.3.Casos de retenção reconhecidos pela doutrina

Nos casos de retenção por reconhecimento da doutrina encontramos o direito de retenção pelo empreiteiro42.

A possibilidade de exercer o direito de retenção por parte do empreiteiro tem originado alguns desacordos, quer na doutrina, quer na jurisprudência, relativamente às disposições previstas no Código Civil de 1966, especialmente após a verificação das duas revisões do diploma. Podemos verificar, que a versão constante do anteprojeto de Vaz Serra, nomeadamente no previsto no Artigo 759.º, alínea c) do CC

40 Estabelece o regime jurídico do contrato de transporte rodoviário nacional de mercadorias.

41 Regulamenta o contrato de agência ou representação comercial.

42 En quanto o don o da obr a não pagar o pr eço da empr eitada, goza o empr eiteir o do dir eito de r eten ção das ch aves d o pr édio, que àquele dever ia entr egar uma vez con cluída a obr a (STJ, 19 -11-1971: BMJ, 211.º -297, e RIJ, 105.º -279, com an otação con cor dan te de Vaz Serr a.

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23 estabelecia que “O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção nos casos seguintes: (…); c) quando os dois créditos se fundem na mesma relação jurídica (…).”. Assistimos á alteração desta versão na 2.ª revisão ministerial, com a eliminação da menção prevista na alínea c). Como consequência da supracitada alteração, assistimos a uma redução da possibilidade do exercício do direito de retenção, passando apenas a estarem abrangidos por esse direito os créditos indicados no atual Artigo 754.º do CC e não os créditos que estivessem entre si numa relação de conexão fundada na mesma relação jurídica.

A partir daquela revisão, o crédito do empreiteiro, encontrando-se identificado com o preço e analisado numa relação de conexão com o crédito do dono de obra na entrega da mesma, com esse fundamento, encontra-se excluído da possibilidade de exercício do direito de retenção. Após o momento em que foi eliminada a referência expressa aos créditos que se encontrem fundados numa mesma relação jurídica, outrora constante no Artigo 759.º, alínea c) do CC, não se pode defender a manutenção da admissibilidade do exercício do direito de retenção do empreiteiro pelo crédito no pagamento do preço. O preço sobre o qual foi efetuada a empreitada não se encontra identificado, para efeito da sua previsão no Artigo 754.º do CC, com as despesas efetuadas com a obra ou com os danos por esta causados. Assim, não se estando expressamente previsto, não seria admissível ao empreiteiro exercer o direito de retenção sobre a obra.

Contudo, embora possa ser admitido o exercício do direito de retenção no âmbito da celebração de contratos de empreitada (quando devidamente e exclusivamente previsto pelas partes no âmbito da sua liberdade contratual), a verdade é que, sendo o preço o crédito que o empreiteiro detém sobre o dono de obra e não constituindo este qualquer despesa ou dano causado com a coisa ou por sua causa, não poderá aquele exercer o direito de retenção sobre a obra, nos termos previstos no Art.º 754.º do Código Civil.

Em nossa opinião o direito de retenção do empreiteiro, não é fator gerador de possibilidade de exercício do direito de retenção (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/05/1984), em virtude deste ser uma garantia excecional do credor exclusivamente aplicável nos casos previstos na lei. Somos da opinião, que não deve merece acolhimento, o argumento que vê no Art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 201/1998 de 10 de Julho (“O construtor goza do direito de retenção sobre o navio para garantia dos créditos emergentes da sua construção”) a fundamentação para a admissibilidade

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24 do exercício do direito de retenção pelo empreiteiro. Independentemente de, nesta situação, se estar perante um caso de empreitada, tal facto, não é manifestamente suficiente para fazer aplicar analogicamente o direito de retenção a casos exclusivos, não previstos no Artigo 754.º do CC.

4 - O direito de retenção quanto ao registo

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25 O direito de retenção resulta diretamente da lei43, pelo que, as partes não podem proceder à sua criação através de negócio jurídico, e a sua eficácia não depende de registo.

O direito de retenção nunca está sujeito a registo, mesmo quando recaia sobre bens a ele sujeitos. Contudo, apesar de não estar sujeito a registo, goza de uma publicidade específica resultante da posse da coisa pelo retentor, que permite que os outros se apercebam da garantia. Por outro lado, trata-se de uma garantia acessória, na medida em que pressupõe um crédito garantido, cuja vicissitude acompanha, sendo igualmente indivisível, nos mesmo termos da hipoteca (artigo 696.º) e do penhor (artigo 678.º), por cujo regime se rege pelos artigos 758.º e 759.º do Código Civil.44

Pensamos que terá todo o interesse aclarar esta sujeição da publicidade, uma vez que um dos princípios gerais dos direitos reais é o princípio da publicidade.

O princípio da publicidade significa que os factos jurídicos relativos aos direitos reais devem ser dados a conhecer ao público em geral. Sendo que essa publicidade se pode efetuar por diversas formas.

A forma mais comum de assegurar a publicidade dos direitos reais é a posse.

Como sustenta Menezes Leitão “A posse desempenha uma função importante para assegurar a publicidade dos direitos reais, principalmente no caso das coisas móveis não sujeitas a registo. A lei atribui mesmo ao possuidor a presunção da titularidade do direito (art. 1268.º, n.º 1)45, na medida que se pressupõe até prova em contrário, que a realidade possessória coincide com a realidade substantiva”46.

5. O direito de retenção nos casos em que o credor e o proprietário da coisa são pessoas diferentes

43 COSTA, Salvador da, “O Concurso de Credores”, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2005, p. 214.

44 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, “Garantia das obrigações”, 4ª Edição, 2012, p. 210, Almedina.

45 Artigo 1268, n.º 1, do Código Civil “ O possuidor goza da presunção da titularidade do direito exceto se existir, a favor de outrem, presunção formada em registo anterior ao início da posse”.

46 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, “Direitos Reais”, p. 29, 2009.

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26 Neste ponto abordamos, o exercício do direito de retenção nos casos em que o credor ao receber a coisa não é o legitimo proprietário da coisa retida, mas, no entanto, entregou-a ao sujeito que se encontra numa situação de devedor da entrega da mesma.

Podemos visualizar com certa clareza o caso proposto, por exemplo no caso do motorista que leva o carro do patrão à oficina, sem conhecimento deste, e no momento do cumprimento da obrigação, após terem sido consertados os respetivos danos no carro, o legitimo proprietário diz que não autorizou o conserto e por consequência não irá realizar o pagamento.

Neste caso, poderíamos fazer a seguinte questão: o dono da oficina podia reter o veículo, uma vez, que realizou de boa-fé as despesas com o automóvel ou será que deverá entregar o carro ao seu legitimo proprietário?

Nesta situação, o cerne da questão prende-se com o facto se essa entrega quer seja voluntária ou involuntária, irá ter como consequência a extinção do direito de retenção do devedor da coisa, uma vez que, o direito de retenção é extinto com a entrega da coisa.

Para a defesa do direito de retenção, serão usadas as ações destinadas à defesa da posse, inclusive contra o legítimo proprietário. Nesse sentido, encontramo-nos perante um aguamento suficiente para nos baseara-mos na tese de que o direito de retenção, exercido contra pessoa diferente da que entregou a coisa, no caso, o legitimo proprietário poderá ser exercido.

Porém, será que nesses casos, onde o credor e proprietário da coisa são pessoas diferentes, haverá a possibilidade do exercício do direito de retenção?

Segundo Vaz Serra

(…) à primeira vista, pareceria que não se poderia ter verdadeira garantia sobre a coisa, se esta se obteve de pessoa diversa do proprietário; como opor a este o direito que se recebeu de outrem destituído do poder de concedê-lo? (…) o raciocínio exposto repousa totalmente sobre o pressuposto da garantia obtida do devedor; ao contrário, a retenção existe por um facto próprio do credor; (…) não importa já que se analise em relação a quem surgiu este crédito: a figura do devedor desaparece, e fica só o facto de que a despesa se fez com a coisa, nela se incorporou (…); seja quem for o proprietário da coisa, aproveita com a despesa feita (…). Aqui, a relação creditória, em

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27 consequência da utilidade considerada realmente na coisa, toma a figura de obligatio ob rem.47

6 – Direito de retenção e a sua prevalência sobre a hipoteca

47 SERRA, Adriano Paes da Silva Vaz. “Direito de Retenção”, em Boletim do Ministério da Justiça, nº 65, 1957. P. 178 e 179.

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