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O REQUERIMENTO INICIAL

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TRIBUNAL ARBITRAL DE CONSUMO

Proc. Nº 1164/2016 I - RELATÓRIO

O REQUERIMENTO INICIAL

I – Requerente, identificada nos autos, intentou a presente acção contra duas Requeridas, ambas igualmente identificadas nos autos, nos termos constantes da petição inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzida.

II – Em síntese, diz a requerente que:

i. As requeridas prestam um serviço público essencial, cujo resultado consiste no fornecimento de energia eléctrica.

ii. A requerente é consumidora do serviço de energia eléctrica prestado na sua habitação, sita no Porto;

iii. No dia 24/02/2016, das 20 horas às 22 horas, verificou-se na habitação da requerente uma interrupção no fornecimento de energia eléctrica.

iv. Esta interrupção verificou-se em toda a zona envolvente da habitação da requerente.

v. Após a reposição do fornecimento de energia eléctrica, a requerente verificou que a sua placa de fogão instalada na habitação não funcionava

vi. sendo certo que, antes da interrupção do fornecimento de energia eléctrica, a placa estava em perfeito funcionamento, sendo hora de jantar e estando a requerente a cozinhar.

vii. Perante isto, a requerente contactou um técnico para reparar a placa.

viii. Porém, após várias diligências, o técnico não conseguiu reparar a placa e informou a requerente que, como não existiam peças de substituição, a única solução seria comprar uma nova.

x. A requerente contactou telefonicamente a 1ª requerida no dia 15/03/2016, denunciando o sucedido.

xi. A 1ª requerida aconselhou a requerente a reclamar por escrito, para o mail edp.online@edp.pt, o que esta também fez.

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xiii. Quanto à 1ª requerida, esta nunca respondeu a requerente.

xiv. O cumprimento defeituoso da obrigação da 1ª requerida em fornecer energia eléctrica de forma ininterrupta, causou à Requerente danos que se consubstanciam no facto de deixar de funcionar, de forma irremediável, a sua placa de fogão.

xv. Para a aquisição de uma nova placa, a requerente terá de despender uma quantia nunca inferior a 399,99 €, ou seja, o equivalente ao preço de compra da placa danificada.

xvi. Valor este de que pretende ser indemnizada.

III – Em conclusão, a requerente pede que sejam condenadas as Requeridas solidariamente a pagarem à requerente uma indemnização no valor de 399,99 €. IV – Com a petição inicial a Requerente juntou os documentos de fls. 5 a 7, e indicou prova testemunhal.

V

-

A Requerente subscreveu declaração de aceitação de que o o presente conflito

seja submetido à decisão deste Tribunal Arbitral (fls. 9).

A CONTESTAÇÃO

I – Regularmente citadas, cada uma das requeridas apresentou contestação, alegando a segunda Requerida (a fls. 15-20), no essencial, que:

1) A 2ª Requerida exerce, em regime de concessão de serviço público, a atividade de distribuição de energia eléctrica em alta e média tensão, sendo ainda concessionária da rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão no concelho do Porto.

2) A Requerente celebrou com o comercializador aqui 1.ª Requerida um contrato de fornecimento de energia eléctrica à instalação a que se refere na sua Petição. 3) Essa instalação corresponde ao local de consumo número 3232966 e situa-se no

Porto.

4) Por força do contrato de fornecimento celebrado entre a Requerente e a 1ª Requerida, a 2ª Requerida abastece de energia eléctrica o local de consumo identificado, em regime de baixa tensão normal, através de uma instalação trifásica e a uma potência de 10,35 KVA.

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6) A montante deste PTD está a linha de média tensão denominada 510, que provém da subestação da Boavista.

7) Esta linha de média tensão fornece de energia eléctrica 2.454 instalações, entre as quais a instalação da Reclamante.

8) A rede de baixa e de média tensão são ambas do tipo subterrâneo, o que significa que os cabos estão enterrados no solo.

9) Quer a rede de média tensão, quer o PTD PRT 0541, quer ainda a rede de baixa tensão encontravam—se em condições normais de exploração, dentro do seu tempo de vida útil.

10) Com efeito, o Posto de Transformação PRT 0541 está equipado com fusíveis do tipo APC (alto poder de corte), sendo objecto de acções de fiscalização e de manutenção periódicas.

11) O PTD está também dotado de transformadores média tensão/baixa tensão que impedem a propagação para a rede eléctrica de baixa tensão de eventuais defeitos verificados ao nível das tensões simples na linha eléctrica de média tensão.

12) Já a linha de média tensão S10 está equipada com equipamentos de protecção que evitam a propagação de eventuais fase-fase e fase-terra.

13) A linha está ainda equipada com descarregadores de Sobretensão (designados pela abreviatura DST) que eliminam e evitam a propagação de eventuais sobretensões que possam ocorrer verificadas na linha, protegendo a rede eléctrica e todas as instalações particulares situadas a jusante.

14) A Requerente fundamenta a sua pretensão na ocorrência de uma interrupção no fornecimento de energia eléctrica" verificada no dia 24.02.2016.

15) Pelas 20:10 horas, do dia 24.02.2016, a linha de média tensão S10 foi afectada por um incidente que ficou registado sob o número 6761309,

16) Este incidente teve origem na rede de média tensão, e afectou todas as instalações servidas pela linha S10, num total de 2.454, entre as quais a instalação da Reclamante.

17) Este incidente foi provocado por uma avaria súbita e imprevisível no cabo subterrâneo da linha de média tensão, situado no troço compreendido entre o posto de seccionamento PRT0455 e o posto de seccionamento PRT0904 .

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19) a 2ª Requerida nada podia fazer para prever ou evitar a ocorrência desta avaria, que foi provocada pela normal exploração e funcionamento da rede.

20) Ademais, por se tratar de uma rede subterrânea, não existe forma de prever a avaria dos cabos subterrâneos.

21) Tendo em conta que os cabos em causa estavam dentro do tempo médio de vida útil previsto ― fixado em cerca de 30 anos — nada havia a fazer para prever a avaria ocorrida.

22) Nenhuma censura merece a 2ª Requerida, uma vez que não violou qualquer regra técnica ou de segurança.

23) Este incidente levou ao accionamento das protecções instaladas na rede, que colocaram a linha de média tensão fora de serviço.

24) Assim, em consequência do incidente versado nos autos, verificou-se uma interrupção de energia eléctrica, com origem na rede de média tensão e com repercussão ao nível da rede de baixa tensão.

25) A 2ª Requerida procedeu à resolução do incidente e repôs o fornecimento de energia a todas as instalações, incluindo a instalação da Requerente.

26) O referido incidente teve como única consequência a interrupção de fornecimento de energia na rede de baixa tensão.

27) Essa interrupção foi despoletada pelo funcionamento dos mecanismos de proteção existentes na linha de média tensão S10, que actuaram perante a ocorrência do incidente.

28) O incidente gerou um defeito que foi imediatamente detectado e isolado pelos mecanismos de protecção instalados na rede.

29) Esses mecanismos de protecção, que actuam de forma remota e automática, desligaram a linha de média tensão S10, retirando-a de serviço e levando à interrupção do fornecimento.

30) Por isso, a instalação da Requerente foi afectada — tão simplesmente — pela interrupção do fornecimento de energia.

31) assim, inexiste qualquer sobretensão ou elevação de tensão fora dos limites regulamentares.

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33) nomeadamente, não é adequado a provocar a alegada avaria da placa de fogão da requerente.

34) A interrupção do fornecimento de energia eléctrica nestas circunstâncias produz nos equipamentos ligados à rede um efeito semelhante àquele que ocorre quando se desliga um simples interruptor.

35) No caso versado nos autos, a tensão nominal de referência na instalação da Requerente, fixada em 230 volts, simplesmente oscilou entre 230 volts e 0 volts, situação que não configura qualquer variação anormal de tensão na instalação de consumo da Requerente.

36) Todos os equipamentos ligados à rede de fornecimento de energia eléctrica são concebidos de forma a suportar este tipo de variação de tensão, desde que se encontrem devidamente instalados, dimensionados e dentro do seu tempo útil de vida.

37) Caso sejam demonstrados os danos alegados pela Requerente, os mesmos terão sido provocados por defeito da instalação particular ou por antiguidade do equipamento e nunca por causa da ocorrência versada nos autos.

38) A Requerente foi a única — no total de 2.454 instalações afectadas – a reclamar a existência de danos em equipamentos ligados à rede.

39) E, de todos os equipamentos ligados à rede, a Reclamante apenas refere danos na placa do fogão.

40) O revela que a causa da alegada avaria está casualmente relacionada com equipamento e não com o incidente na linha de média tensão.

41) A montagem dos transformadores média tensão/baixa tensão no posto de transformação PRT 0541 impede a propagação para a rede de baixa tensão de eventuais defeitos verificados ao nível das tensões simples de média tensão. 42) A 2ª Requerida ignora a existência, natureza e valor dos danos alegados pela

Requerente, e impugna todos os factos que estejam em contradição com a presente Contestação bem como os documentos juntos pela Requerente.

43) A 2ª Requerida conclui pugnando pela improcedência da acção. Por sua vez, a 1ª Requerida alegou (a fls. 26-26v), no essencial, que:

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de comercializador de electricidade, nenhuma competência ou responsabilidade tem na exploração da rede eléctrica de baixa tensão que serve a área de residência da requerente.

2) A actividade de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, compete apenas ao Operador da Rede de Distribuição de Energia Eléctrica, a aqui 2ª Requerida. 3) Não vislumbra a empresa primeira requerida qualquer facto alegado na p.i. que lhe

respeite e que lhe caiba impugnar, razão pela qual não tem interesse directo em contradizer o requerente.

4) Pelo que a empresa primeira requerida carece de legitimidade passiva nestes autos. 5) Conclui pugnando pela absolvição da 1ª Requerida do pedido.

III – Com a respectiva contestação, 2ª Requerida juntou os documentos de fls. 21 a 22 e indicou prova testemunhal, e a 1ª Requerida não juntou documentos nem indicou prova testemunhal.

TRAMITAÇÃO SUBSEQUENTE

O caso em apreciação é, quanto a ambas as Requeridas, de arbitragem necessária, nos termos do disposto no nº 1 do art. 15º da Lei nº 23/96, de 26 Julho, segundo o qual «Os litígios de consumo no âmbito dos serviços públicos essenciais estão sujeitos a arbitragem necessária quando, por opção expressa dos utentes que sejam pessoas singulares, sejam submetidos à apreciação do tribunal arbitral dos centros de arbitragem de conflitos de consumo legalmente autorizados».

Tendo-se frustrado a tentativa de conciliação (fls. 29), realizou-se a audiência de julgamento, como consta da respectiva acta (fls. 33-34), à qual não compareceu a 1ª Requerida conforme antecipadamente informado pela mesma (fls. 26v).

No decurso da audiência de julgamento, a Requerente juntou os documentos de fls. 31-32, em relação aos quais a 2ª Requerente se pronunciou nos termos constantes de fls. 37, e a 1ª Requerida, notificada daqueles documentos, nada disse.

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II - QUESTÕES A DECIDIR

Atento o pedido formulado e os factos alegados pelo Requerente, bem como a excepção de ilegitimidade passiva e o restante alegado pela Requerida, cumpre analisar e decidir as seguintes questões:

a) se a 1ª Requerida é parte ilegítima na presente acção;

b) se à Requerente assiste o direito a exigir da 2ª Requerida, e, no caso da referida excepção de ilegitimidade passiva ser julgada improcedente, da 1ª Requerida, o pagamento de indemnização no montante de € 399,00.

III – FUNDAMENTAÇÃO

A – DOS FACTOS

Com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade:

a) A 2ª Requerida exerce, em regime de concessão de serviço público, a actividade de distribuição de energia eléctrica em alta e média tensão, sendo ainda concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão no concelho do Porto. b) A 1ª Requerida é comercializador de electricidade, fornecendo-a a utentes do serviço

de electricidade.

c) Em data não concretamente apurada, a Requerente contratou com a 1ª Requerida o fornecimento, por esta, de electricidade, em regime de baixa tensão normal, ao local de consumo constituído pela habitação da Requerente sita no Porto.

d) O fornecimento de electricidade, por parte da 1ª Requerida enquanto comercializador, no âmbito do contrato referido em c), iniciou-se em data não concretamente apurada anterior a 24.02.2016, sendo o referido local de consumo abastecido de electricidade pela 2ª Requerente enquanto ditribuidor.

e) Em 24.02.2016, mantinha-se em vigor o contrato referido em c).

f) Em 24.02.2016, das 20 horas às 22 horas, verificou-se a interrupção no fornecimento de energia eléctrica à habitação da requerente referida em c).

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h) Aquando do início da interrupção do fornecimento de energia eléctrica referida em f), a placa de fogão da habitação da Requerente referida em c) estava ligada e a ser utilizada pela Requerente para cozinhar.

i) A placa de fogão referida em h), era uma placa de vitrocerâmica, a gás, da marca “Fagor”, de modelo não concretamente apurado, a qual tinha já um tempo de uso de entre 10 a 15 anos.

j) Apesar de se tratar de uma placa a gás, a placa de fogão referida em h) não podia funcionar em caso de falta de electricidade na tomada onde estava ligada.

k) Na sequência do referido em f), quando foi reposto o fornecimento de energia eléctrica à referida habitação da Requerente, esta verificou que a dita placa de fogão não funcionava.

l) Atento o referido em k), a Requerente contactou um técnico com vista à reparação da dita placa de fogão.

m) Não obstante o referido em l), o técnico não procedeu à reparação, alegando que não era possível por o componente avariado estar descontinuado.

n) Atento o referido em m), em Março de 2016 a Requerente contactou a 1ª Requerida denunciando o referido em f) e h).

o) Na sequência do referido em n), a Requerente recebeu uma comunicação (constante do documento de fls. 6 e que aqui se dá por reproduzido), por correio electrónico, remetida pela 2ª Requerida, em que declinava a responsabilidade desta pelo dano relatado pela Requerente.

p) Na sequência do referido em f) e h), além da mencionada placa de fogão, nenhum outro electrodoméstico da dita habitação da Requerente deixou de funcionar.

q) Atento o referido em l) e m), a Requerente comprou uma nova placa de fogão, marca “AEG”, modelo “HK634200”, pelo preço de € 399,00.

r) A rede que alimenta o local de consumo referido em c), provém do Posto de Transformação de Distribuição (PTD), a montante do qual está a linha de média tensão que provém da subestação da Boavista.

s) A linha de média tensão referida em r) fornece de energia eléctrica cerca de 2454 instalações, entre as quais o local de consumo referido em c).

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tensão, de eventuais defeitos verificados ao nível das tensões simples na linha eléctrica de média tensão.

u) Pelas 20:10 horas, do dia 24.02.2016, a linha de média tensão referida em r) foi afectada por um incidente, com origem na rede de média tensão, e que afectou todas as instalações servidas pela linha de média tensão referida em r), entre as quais a instalação da Requerente referida em c).

v) O incidente referido em u) foi provocado por uma avaria súbita e imprevisível no cabo subterrâneo da linha de média tensão, decorrente de a a sua cobertura e isolamento terem sofrido perfuração, por causas não humanas não concretamente apuradas. w) O incidente referido em v) levou ao imediato e automático accionamento das

protecções instaladas na rede, com a consequente interrupção do fornecimento de energia eléctrica no circuito subsequente, e, assim, deixando privada de energia eléctrica a linha de média tensão referida em r) e, consequentemente, todas as instalações servidas por aquela linha de média tensão, entre as quais a instalação da Requerente referida em c).

x) A 2ª Requerida procedeu à resolução do incidente referido em u) e v).

y) Após o referido em x), a 2ª Requerida repôs o fornecimento de energia eléctrica às instalações afactadas, incluindo a da habitação da Requerente referida em c).

z) Durante o referido em f) e até ao referido em x), a habitação da Requerente referida em c) esteve privada do fornecimento de electricidade.

aa) O referido em f), h), x) e y) não é adequado a provocar o referido em k).

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se não provados os seguintes factos:

i. Qual o preço de mercado que custava, quando era nova, a placa de fogão referida em h), i) e k).

ii. Que, aquando do referido em f), g), x), y), para além da instalação da Requerente referida em c), em alguma das restantes instalações referidas em s) e u) tenha ocorrido a avaria de electrodomésticos ligados a tomada eléctrica.

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iv. Que o referido em k) tenha resultado e sido causado por variações anormais e fora dos limites regulamentares de tensão da electricidade fornecida à habitação da Requerente referida em c).

MOTIVAÇÃO:

Os factos considerados provados resultaram da apreciação conjugada dos documentos constantes dos autos, das declarações prestadas pela Requerente em sede de audiência de julgamento, do depoimento das testemunhas, e dos factos admitidos por acordo ou confissão.

Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos, e do funcionamento das regras sobre o ónus da prova.

B – DO DIREITO

Em primeiro lugar cumpre apreciar a excepção de ilegitimidade (neste caso, passiva) suscitada pela Requerida.

Lançando mão dos conceitos que a ciência ou a técnica jurídico-processualista elaboraram, e aplicando, por analogia, o regime previsto no Código de Processo Civil, «(...) o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer» (art. 30º, nº 1, Cód. Processo Civil), sendo que tal interesse em contradizer exprime-se pelo prejuízo que advenha da procedência da acção (art. 30º, nº 2, Cód. Proc. Civil). Acresce que, «Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor» (art. 30º, nº 3, Cód. Proc. Civil); no caso em apreciação, nenhuma disposição especial tem aplicação com prevalência àquela disposição supletiva sobre quem é considerado titular de interesse relevante para efeitos da legitimidade processual dos sujeitos da relação controvertida.

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danos à Requerente, consubstanciados no facto de deixar de funcionar, de forma irremediável, a placa de fogão da habitação da Requerente.

Mediante tal configuração da relação material controvertida, e tendo em conta as possíveis soluções de direito em abstracto – designadamente, quanto à responsabilidade do prestador de serviço, pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso, perante o utente do serviço (com quem contratou o fornecimento do mesmo), independentemente da eventual existência ou não de direito de regresso do prestador de serviço em relação a outro fornecedor ou ao distribuidor – afigura-se que a 1ª Requerida tem interesse directo em contradizer, atenta a utilidade derivada da procedência da presente acção arbitral.

Pelo exposto, consideramos que a 1ª Requerida tem interesse em contradizer na presente acção, e, consequentemente, entendemos não proceder a excepção de ilegitimidade passiva suscitada pela Requerida, considerando-se, ao invés, que a

Requerida tem legitimidade processual passiva, e é parte legítima na presente acção.

Passemos, pois, à apreciação do mérito da acção.

Da apreciação da prova produzida e dos factos dados como provados, resulta que a requerente é uma consumidora final de energia eléctrica, em regime de baixa tensão, na sua habitação sita no Porto, já que esta é abastecida de energia eléctrica pela 2ª Requerida, na sequência e por causa de contrato de fornecimento de energia eléctrica celebrado entre a Requerente um comercializador de energia eléctrica (in casu, a 1ª Requerida).

Em 24.02.2016, aquando da ocorrência dos factos que integram a causa de pedir, cabia à Requerida, no âmbito da sua actividade empresarial, a distribuição da energia eléctrica (comercializada pelo comercializador com quem o Requerente contratou) que era fornecida à mencionada habitação do requerente, sendo que a electricidade que era fornecida àquela habitação era exclusivamente fornecida pela Requerida.

Importa ter em conta que, no actual quadro jurídico nacional, no sistema eléctrico é

necessário distinguir a

produção

, o

transporte

, a

distribuição

e a

comercialização

de

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TRIBUNAL ARBITRAL DE CONSUMO

Efectivamente, com a liberalização do sector procedeu-se à

separação da actividade

de comercialização da actividade de distribuição

. O fornecimento de energia eléctrica foi juridicamente separado da actividade de distribuição.

O Decreto-Lei 29/2006, de 15 de Fevereiro – que transpôs para a ordem jurídica nacional os princípios da Directiva n.º 2003/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho que estabeleceu regras comuns para o mercado interno da electricidade, e que foi ulteriormente alterado e republicado em anexo ao Deceto-Lei nº 78/2011, de 20 de Junho – estabelece as bases gerais da organização e

funcionamento do

sistema eléctrico nacional

(SEN), bem como as bases gerais

aplicáveis ao exercício das actividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade e à organização dos mercados de electricidade (cfr. art. 1 do referido diploma).

Para efeitos daquele diploma legal, entende-se por «SEN» o conjunto de princípios, organizações, agentes e instalações eléctricas relacionadas com as actividades abrangidas por aquele diploma legal no território nacional (cfr. art. 10º); são enumerados como intervenientes no «SEN» os constantes do artigo 14º do mesmo diploma legal, nos quais se incluem, entre outros, o operador da rede de transporte de electricidade, os operadores das redes de distribuição em Baixa Tensão, e os consumidores de electricidade (cfr. art. 14º), entendendo-se como tal os clientes finais de electricidade (cfr. art. 6º, nº 1).

O art. 3/

n)

do decreto-lei em referência define a «Distribuição» como sendo «

a

veiculação de electricidade em redes de distribuição de alta, média e baixa tensões

para entrega ao cliente, excluindo a comercialização

», sendo o «Distribuidor» a «

entidade titular de uma concessão de distribuição de electricidade

» (alínea

o)

do mesmo normativo).

Nos termos do seu art. 4 «

o exercício das actividades de produção e de

comercialização de electricidade processa-se em regime de livre concorrência

» (nº 4),

enquanto «

o exercício das actividades de transporte e de distribuição de electricidade

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No art. 43º sublinha-se que a «

actividade de comercialização de electricidade é

separada juridicamente das restantes actividades

», resultando do art. 42, nº 3, que o «

exercício da actividade de comercialização de electricidade consiste na compra e

venda de electricidade para comercialização a clientes finais ou outros agentes, através

da celebração de contratos bilaterais ou da participação em mercados organizados

».

Também no Decreto-Lei nº 172/2006, de 23 de Agosto, se distingue a

«Distribuição» - ou seja, «

a transmissão de electricidade em redes de distribuição de

alta, média e baixa tensão para entrega ao cliente, mas sem incluir a comercialização»

sendo esta «a compra e venda de electricidade a clientes, incluindo a revenda

».

Ora, a Requerida, é a empresa que exerce a actividade de Operador de Rede de Distribuição no território continental de Portugal, sendo titular da concessão para a exploração da Rede Nacional de Distribuição (RND) de Energia Eléctrica em Média Tensão (MT) e Alta Tensão (AT), e das concessões municipais de distribuição de energia eléctrica em Baixa Tensão (BT).

Quanto às empresas de comercialização de electricidade elas são responsáveis pela gestão das relações com os consumidores finais, incluindo a facturação e o serviço ao cliente.

Em suma, no quadro jurídico em vigor, existe uma rede de relações jurídicas na qual se entrecruzam as actividades dos sujeitos que se movimentam no sector

eléctrico,

produzindo

,

transportando, distribuindo, comercializando e consumindo

electricidade.

O

produtor

relaciona-se com o

operador da rede de transporte

, com o

comercializador

e até com o

utente

(vulgarmente denominado consumidor final). O operador da rede de transporte, para além da relação que estabelece, a montante,

com o produtor (cuja produção recebe), relaciona-se, a jusante, com os

operadores

das redes de distribuição

. O operador da rede de distribuição em AT e MT, para além do vínculo que o conexiona com o transportador, relaciona-se com os operadores das redes de distribuição em BT. Estes, por seu turno, relacionam-se juridicamente com os

comercializadores

e até com o

utente

. O

comercializador

, por fim, acha-se envolvido em relações jurídicas com o distribuidor, o produtor e o utente.

Tendo em consideração o seu

objecto

principal, as relações jurídicas de que são

sujeitos os vários intervenientes no sector eléctrico reconduzem-se a uma de duas

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(de par, acessoriamente, com a

prestação de serviços

de gestão e conservação da

rede de cujo uso se trata), ora a própria

electricidade

. Na primeira modalidade,

integram-se, sobretudo, as relações jurídicas em que um dos sujeitos é um dos operadores de rede (relações que podem ter, do outro lado, outro operador de rede, um produtor, um comercializador ou um consumidor). À segunda modalidade reconduzem-se as relações entre quem compra e entre quem vende (ou revende) a electricidade.

A

fonte

das relações jurídicas que assim se estabelecem entre os vários sujeitos que agem no mercado da electricidade é, em regra, de natureza contratual. No caso do contrato de uso de rede celebrado entre o comercializador e o operador de rede, pode considerar-se tratar-se de um contrato a favor de terceiro (art. 443º, nº 1, Cód. Civil), sendo o terceiro o utente, “consumidor final” da electricidade. Tal qualificação afigura-se ajustada ao que resulta do disposto no art. 10º, nº 1, do Regulamento da Qualidade do Serviço do Setor Eléctrico (RQSSE), segundo o qual «os operadores das redes são responsáveis pela qualidade de serviço técnica, perante os clientes ligados às redes independentemente do comercializador com quem o cliente contratou o fornecimento». Trata-se, porém, de um contrato a favor de terceiro que incorpora um elemento específico e diferenciador, que o afasta do figurino geral do instituto: o promissário (também) responde pelo cumprimento das obrigações do promitente. É precisamente esta a solução adoptada no art. 9º, nº 1, RQSSE: «Os comercializadores e os comercializadores de último recurso respondem pelos diversos aspetos da qualidade de serviço junto dos clientes com quem celebrem um contrato de fornecimento, sem prejuízo da responsabilidade dos operadores das redes com quem estabeleceram contratos de uso das redes e do direito de regresso sobre estes, nos termos estabelecidos no RARI, no RRC, no Artigo 58º, Artigo 59º e no Artigo 60º».

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energia eléctrica – e não o comercializador que contrata com o utente (consumidor final) – que cabe a ligação de cada instalação dos utentes (consumidores finais) à rede, e que detém a propriedade dos instrumentos de medição de consumo de energia eléctrica em cada local de consumo, tal como lhe cabe igualmente obter a periodicamente a leitura daqueles instrumentos de medição e registar as leituras que cada utente lhe comunique, ou, ainda, receber os pedidos ou as denúncias de avarias na rede de distribuição de energia eléctrica.

Acresce que, nos termos do artigo 57º, nº 1, do citado Decreto-Lei 29/2006, «

As

actividades de transporte, de distribuição e de comercialização de electricidade, bem

como as de operação logística de mudança de comercializador e de gestão de

mercados organizados, estão sujeitas a regulação, sem prejuízo do disposto nos

números seguintes

». Em virtude de tal regulação, é imposta às entidades do Sistema Eléctrico Nacional (SEN) de Portugal Continental que, nos serviços que prestam, cumpram os padrões mínimos de qualidade, de natureza técnica e comercial, estabelecidos no Regulamento da Qualidade de Serviço aprovado pelo Despacho nº 5255/2006, da Direcção-Geral de Geologia e Energia (publicado no Diário da República, II Série, de 8 de Março de 2006), cujos poderes de regulação estão previstos no artigo 57º, nº 2, do mencionado Decreto Lei nº 29/2006, de 15 de Fevereiro.

Estão abrangidas pelas disposições daquele Regulamento, entre outras, o operador da rede de transporte, os operadores da rede de distribuição, os comercializadores, e os clientes (cfr. art. 2º, nº 2, do Regulamento), sendo que, para efeitos do mesmo

Regulamento considera-se

cliente

a «pessoa singular ou colectiva que, através da

celebração de um contrato de fornecimento, compra energia eléctrica para consumo próprio» (art. 3º, nº 2/c) Regulamento).

Mais genericamente, a Lei nº 23/96, de 26 de Julho – que consagra regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do

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1º, nº 4) e estabelece que «

a prestação de qualquer serviço deverá obedecer a

elevados padrões de qualidade

(...)» (art. 7º).

Acresce que os serviços públicos essenciais visam interesses muito específicos por parte dos utentes e que deverão ser acautelados. Daí que se possa entender que, relativamente a tais serviços, vigoram vários princípios/deveres que actuam na esfera dos serviços públicos para salvaguarda e prossecução dos interesses dos utentes; um desses princípios/deveres é o da continuidade (da prestação do serviço), e que consiste na exigência de que o serviço seja prestado continuadamente, sem interrupção.

No entanto, compreensivelmente, esse princípio da continuidade admite excepções que a própria lei consagra. Assim, há situações em que ocorre a suspensão a prestação do serviço, umas por vontade e actuação do próprio prestador de serviço, e outras não desejadas nem provocadas pelo prestador do serviço, mas sim decorrentes de avaria, de intervenção de terceiros ou de facto natural imprevisível e/ou inelutável para o prestador de serviço.

Ora, «

A prestação do serviço não pode ser suspensa sem pré-aviso adequado, salvo

caso fortuito ou de força maior

» (art. 5º, nº 1, Lei nº 23/96). No caso em apreciação, a suspensão da prestação do serviço prestado pela Requerida ao Requerente foi causada por caso fortuito (concretamente, a avaria súbita e e imprevisível no cabo subterrâneo da linha de média tensão, decorrente de a a sua cobertura e isolamento terem sofrido perfuração, por causas não humanas não concretamente apuradas (cfr. v) dos factos provados).

Ora, o distribuidor de energia eléctrica é responsável pela entrega da energia

eléctrica aos clientes ligados às suas redes e pelas

questões de âmbito técnico

relacionadas com o fornecimento de energia eléctrica

.

É o que resulta do citado Regulamento da Qualidade de Serviço, cujo art. 9º dispõe:

(17)

TRIBUNAL ARBITRAL DE CONSUMO

2 — O operador da rede de transporte e os operadores das redes de distribuição

devem manter vigilância sobre a evolução das perturbações nas respectivas

redes

».

Para além disso, no caso em apreciação, constata-se que o contrato de fornecimento de energia eléctrica celebrado entre a 1ª Requerida e a Requerente, foi celebrado entre entre um profissional (a 1ª requerida) e um consumidor (a requerente), e, consequentemente, constitui um contrato de prestação de serviço de consumo e é fonte de uma relação jurídica de consumo – sujeita às regras da Lei nº 24/96, de 31 de Julho de 1996 (Lei de Defesa do Consumidor) – entendendo-se como tal o acto pelo qual o consumidor obtém de um profissional um produto ou serviço que visa satisfazer uma necessidade pessoal ou familiar.

Desse modo, no caso concreto, na relação jurídica estabelecida entre Requerente e 1ª Requerida, aquela é de qualificar igualmente como consumidor nos termos gerais do artigo 2º, nº 1, da Lei nº 24/96 (Lei de Defesa do Consumidor).

Nos termos do art. 12º, nº 1, Lei de Defesa do Consumidor, «

O consumidor tem

direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do

fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos

».

A obrigação de indemnizar (por parte das Requeridas), que a Requerente, através da presente acção, pretende demonstrar, necessitaria de ter, como um dos pressupostos constitutivos essenciais – independentemente da modalidade de responsabilidade civil que pudesse estar em causa –, um nexo de causalidade entre os

factos invocados e o dano alegado pela Requerente, pois «

A obrigação de

indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria

sofrido se não fosse a lesão

» (art. 563º Cód. Civil).

(18)

TRIBUNAL ARBITRAL DE CONSUMO

Consequentemente, e desde logo por falta do pressuposto nexo de causalidade, não se constitui a obrigação de indemnizar por parte de qualquer das Requeridas e, consequentemente, não pode proceder o pedido da Requerente.

Diga-se, no entanto,

a latere

, que ainda que, porventura, se constituísse aquela

obrigação de indemnizar, o montante de indemnização adequado para reparar o dano alegado pela requerente não poderia ser, como peticionado, o montante correspondente ao preço de aquisição de uma nova placa de fogão – mesmo que igual ao preço (que não foi demonstrado nem apurado) que custava, em nova, a placa de fogão que avariou –, mas sim o correspondente ao valor venal da placa que avariou, considerando o seu tempo de uso (entre 10 a 15 anos).

IV – DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos:

a) julgo improcedente a excepção de ilegitimidade passiva suscitada pela 1ª Requerida;

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