• Nenhum resultado encontrado

O COMPORTAMENTO MOTOR À LUZ DA EPISTEMOLOGIA DE KUHN

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O COMPORTAMENTO MOTOR À LUZ DA EPISTEMOLOGIA DE KUHN"

Copied!
22
0
0

Texto

(1)

O COMPORTAMENTO MOTOR À LUZ DA EPISTEMOLOGIA DE KUHN

Cássio de Miranda Meira Jr.

1. Introdução

Thomas Kuhn escreveu uma das obras mais influentes sobre como a ciência avança (A

estrutura das revoluções científicas, 1962) e ficou famoso por popularizar o termo paradigma. Mais do que descrever como a ciência deve ser, Kuhn descreve a ciência como

ela é (Horgan, 1999): o processo de evolução do conhecimento ocorre de modo descontínuo, em saltos, e não de modo contínuo, linear. Para sustentar sua visão sobre a ciência, Kuhn se vale não só da lógica sobre a avaliação de teorias, mas também de aspectos históricos, sociológicos, psicológicos e políticos do “fazer” ciência.

A epistemologia de Kuhn inaugura uma fase pós-positivista da Filosofia da Ciência (Barbosa de Oliveira, 2002). As idéias sobre as quais Kuhn se apóia (nem sempre para criticar positivamente) originam-se do positivismo lógico, corrente cujas teses principais são o cientificismo, o empirismo, o racionalismo, o tecnicismo e o naturalismo.

Kuhn elaborou um sistema para descrição da ciência – baseado em etapas de pré-ciência,

ciência normal, crise e revolução – que pode ser aplicado a vários campos de investigação

(2)

O objetivo deste texto é apresentar a epistemologia de Kuhn e aplicá-la ao campo de investigação “Comportamento Motor”. Nesse sentido, primeiramente, será feita uma breve exposição das origens do pensamento kuhniano (corrente epistemológica do positivismo lógico); em seguida, será apresentada a epistemologia de Kuhn, à luz da qual, finalmente, a evolução do Comportamento Motor será analisada.

2. A corrente epistemológica do positivismo lógico

A origem do positivismo lógico tradicional remonta aos séculos XVIII e XIX. Positivismo refere-se ao conjunto de idéias que consideram a ciência como o conhecimento supremo (Saint-Simon, Condorcet, Comte). Uma tese fundamental do positivismo é o empirismo, que considera o conhecimento do verdadeiro a posteriori, por meio da experiência que os sentidos proporcionam a respeito das coisas conhecidas (Locke, Spencer, Mill, Hume, Mach e Russel). A lógica é a ciência a priori das leis necessárias do pensamento e trata dos argumentos, os quais, compostos por premissas e conclusão, são raciocínios usados para convencer (Aristóteles, Frege, Russel e Wittgenstein). O papel da lógica é o de ajudar a pensar clara e objetivamente, expressar-se nítida e exatamente, e raciocinar corretamente, avaliando adequadamente os enunciados e os argumentos (Abbagnano, 1982; Lalande, 1999).

Na linha do tempo, logo após o positivismo lógico tradicional, segue-se a fase positivista-popperiana, já no início e metade do século XX. Seus maiores representantes foram o

Círculo de Viena (Schlick, Neurath, Carnap, Hahn, Feigl, Gödel, entre outros) e Karl

Popper. O Círculo de Viena estabeleceu como missão defender o caráter racional do empreendimento científico. Para esse grupo de pensadores, enunciados científicos proporcionam conhecimento, pois estão assentados sobre evidências observacionais, diferentes dos argumentos metafísicos, baseados em tradição, autoridade, emoção, etc. A Metafísica é fortemente atacada pelos positivistas lógicos, como forma de conhecimento sem sentido: as proposições que não podem ser verificadas empiricamente estão fora do

status da ciência. A verificação, segundo essa visão, é, portanto, a medida de significação

(3)

o teste de teorias, ou seja, estabelecer um critério determinado para avaliá-las, qual seja, o critério da verificabilidade (Hahn, Neurath & Carnap, 1986; Hempel, 1970).

O Círculo de Viena defendia o desenvolvimento da ciência como a soma de novas evidências observacionais ao conjunto de evidências já existentes, ou seja, uma concepção

empirista – as proposições da ciência são elaboradas de modo universal e são redutíveis a

proposições observacionais singulares. Assim, a ciência indutiva é racional porque indica ao pesquisador a probabilidade de sua teoria ser verdadeira. O Círculo de Viena acreditava que toda observação fosse neutra. Segundo eles, o procedimento para formular ou descobrir uma teoria (contexto da descoberta) não é importante para sua aceitação. Todavia, quando propostas, as teorias devem passar por testes experimentais que confirmam ou não as relações lógicas entre os enunciados científicos (contexto da justificação). Pouco importa, de acordo com essa visão, o contexto da descoberta: tanto faz o modo pelo qual o pesquisador pensa, com o que está motivado e tampouco como age na prática. Até hoje, as teses filosóficas positivistas-lógicas (sobretudo, o tecnicismo, o cientificismo e o naturalismo) estão impregnadas na condução da atividade científica, assim como na educação científica e no imaginário popular sobre ciência (Adorno, 1983; Horkheimer, 1983).

(4)

testes até o momento são importantes porque passam a fazer parte do conhecimento de base, ou seja, são verdades provisórias.

Na epistemologia popperiana, a irrefutabilidade não é uma virtude para uma teoria, mas um vício. Uma teoria refutável é um triunfo, não só porque possui beleza intelectual, mas também porque leva à descoberta do fato que a refuta, e, assim, estimula a realização de pesquisas. As teorias robustas são aquelas mais corroboradas, isto é, as que resistem mais tempo ou mais vezes à refutação. Popper (2000 [1959]) afirma que jamais se pode conceber uma teoria científica como definitivamente verdadeira; a existência de apenas um caso refutador torna a teoria falsa e a única opção é abandoná-la. Assim, a garantia da verdade de proposições universais não pode nunca ser estabelecida, mas tão-somente a certeza de sua falsidade – por exemplo, um metal não se dilatar quando aquecido. O objetivo da ciência, para Popper, não é o de atingir verdades eternas, mas produzir teorias cada vez mais próximas da verdade, isto é, mais verossímeis - a verdade é apenas um ideal regulador. Quanto maiores forem as tentativas de explicar uma teoria, esta fica mais vulnerável à refutação: teorias altamente refutáveis são altamente improváveis antes de serem testadas. Então, quando teorias competem, a menos provável deve ser testada em primeiro lugar. A ciência popperiana, logo, desenvolve-se ao longo de um processo de contínua derrubada e substituição de teorias, por meio da retificação de erros.

3. A epistemologia de Kuhn: o pós-positivismo

De certa forma, Kuhn rompe com a linha de pensamento até então colocada e inaugura uma fase pós-positivista porquanto sua concepção epistemológica considera fatores históricos, sociológicos, psicológicos e até políticos como determinantes na avaliação de teorias.

(5)

fracassos ou dos períodos de desenvolvimento e disputas em torno de concepções concorrentes. Para ele, a evolução do conhecimento científico se dá de modo descontínuo, em saltos ou cortes epistemológicos (Kuhn 1977, 1979a).

Para estabelecer sua epistemologia, Kuhn usa os conceitos-chaves de paradigma, ciência

normal, quebra-cabeça, anomalia e incomensurabilidade. A evolução do conhecimento,

segundo ele, ocorre de forma descontínua, com exceção da fase paradigmática ou ciência normal. O padrão básico da epistemologia de Kuhn é apresentado na FIGURA 1. A fase pré-paradigmática, também chamada de pluri-paradigmática ou pré-ciência, grosso modo, é o estágio inicial de uma ciência, em que não há um modelo único de pesquisa; várias “escolas” competem, cada qual tentando defender seus fundamentos e atacar os fundamentos das outras (por exemplo, a alquimia foi uma etapa pré-paradigmática da química).

FIGURA 1 – Padrão básico da epistemologia de Kuhn.

Ciência normal (Paradigma 1) • valores 1 generalizações simbólicas 1 axiomas 1 exemplares 1 Aperfeiçoamento

do Paradigma 1 significativas 1 Anomalias

Crise Revolução

(resolução das anomalias 1) Resolução Não Resolução

(6)

Na ciência normal ou fase paradigmática, ocorre o domínio de uma “escola” sobre as outras. Um determinado ponto de vista conquista a adesão da maioria dos pesquisadores e um consenso começa a se estabelecer – nesse ponto, a maturidade da disciplina científica se evidencia. Apenas um paradigma perdura e resiste por um período de tempo, até “convivendo” com quebra-cabeças. Nessa fase, as questões de filosofia não são lembradas e, pelo contrário, até atrapalham a formação do “pesquisador normal”. Ao adotarem um paradigma, os pesquisadores são “obrigados” a seguirem um conjunto de regras que darão suporte à sua prática científica. O paradigma dita as regras do “jogo” e demarca os objetivos a serem atingidos - por exemplo, quais estruturas são formadas com a prática de movimentos, que tipo de partículas formam o mundo ou qual a interpretação para a queda de uma pedra. Segundo as regras estabelecidas, o pesquisador é uma pessoa que organiza as peças ou soluciona quebra-cabeças. Para Kuhn (2000 [1962, 1970]), a natureza é muito complexa para ser explorada ao acaso, mesmo de maneira aproximada; entretanto, há algo que indica onde e por que procurar: o paradigma. Kneller (1980) interpretando a epistemologia kuhniana, afirma que um paradigma consiste de quatro elementos: 1) generalizações simbólicas: esboços de leis que produzem diferentes leis específicas quando aplicadas a diferentes situações; 2) pressupostos metafísicos: axiomas que não podem ser testados empiricamente; 3) valores: qualidades apreciadas numa teoria; e 4) exemplares: modelos de solução de problemas que servem como guias para a resolução de problemas reais.

(7)

paradigma não impede descobertas importantes. Se o paradigma fosse abandonado na primeira refutação, como defendia Popper, várias possibilidades de exploração propostas pelo paradigma seriam descartadas, o que seria prejudicial ao desenvolvimento científico. O paradigma somente começa a ser questionado com veemência quando da identificação de anomalias significativas (essenciais ou contra-exemplos), quais sejam, a discrepância significativa entre o esperado e o obtido, o acúmulo de anomalias sem resolução, as anomalias que impedem uma aplicação prática, a persistência de uma anomalia por um longo período de tempo ou a anomalia que sempre aparece na aplicação de testes diferentes. Como conseqüência, o paradigma é questionado, gerando desconfiança sobre o uso das técnicas, bem como sensação de insegurança profissional. Dá-se, então, início a uma orientação diversificada na prática científica, deflagrando uma fase de crise.

Momento fértil para a análise filosófica2 da ciência, a fase de crise caracteriza-se pelo surgimento de outras idéias que tentam resolver as anomalias da fase anterior. A questão é descobrir o que faz da anomalia algo mais do que um novo quebra-cabeça da ciência normal. A crise pode ser resolvida de três formas (Kuhn, 1979b): a) resolução das anomalias sem alterações significativas no paradigma; b) convivência com as anomalias, as quais não interferem na resolução de outros problemas; ou c) substituição do paradigma por outro capaz de resolver as anomalias – caracterizando a fase de revolução. Se o pesquisador acredita no paradigma, tenta resolver a anomalia sem alterá-lo significativamente, isto é, modifica ou adiciona hipóteses auxiliares e mantém-se na ciência normal; se não mais acredita no paradigma, tenta resolver a anomalia noutro paradigma emergente, adotando uma postura revolucionária.

(8)

observáveis - não influenciados por paradigmas - de conceitos teóricos, não-observáveis. A posição de Kuhn é instrumentalista: um paradigma é apenas uma ferramenta para produzir previsões precisas e não tem relação com a verdade. Paradigmas não são verdadeiros ou falsos, mas eficientes ou não eficientes (Kuhn, 1977; 1979c). Segundo a tese kuhniana da

incomensurabilidade, é impossível justificar racionalmente a preferência por um

paradigma; a escolha entre paradigmas rivais não pode ser orientada pelo conteúdo deles (ou seja, por processos lógicos ou experimentais) porque paradigmas são incomensuráveis: a nova maneira de ver o mundo consiste numa redefinição do campo de trabalho. Adotar um novo paradigma significa: a) adotar teorias, leis, métodos e padrões científicos novos, b) redefinir conceitos e enunciados, e c) alterar a interpretação dos fenômenos e os critérios para selecionar problemas relevantes e as técnicas para resolvê-los. À luz do novo paradigma, problemas antigos tornam-se obsoletos e são, portanto, abandonados. Logo, numa revolução científica, não somente há ganhos, mas também perdas na capacidade de explicação e previsão (kuhn-loss): o paradigma novo explica alguns fatos que o antigo não explicava e, da mesma forma, o paradigma antigo continua explicando fatos que o novo não explica. Cada paradigma atribui pesos diferentes aos critérios de avaliação de teorias ou os interpretam de maneira diferente. Ademais, a própria escolha desses critérios não pode ser justificada objetivamente por algum algoritmo lógico. Por isso, Kuhn (1977, 1979a) afirma que a aceitação de um novo paradigma não se deve a recursos lógicos ou a evidências experimentais, mas à capacidade de convencimento, persuasão, e marketing da comunidade que defende o novo paradigma. A aceitação seria ou uma “conversão” de novos adeptos ou uma conseqüência da extinção natural dos defensores do paradigma antigo. O pesquisador persuadido julga intelectualmente que o paradigma novo é superior ao ora estabelecido, embora não seja preciso simpatizar com ele. Por outro lado, o pesquisador convertido sente-se à vontade para lidar com o paradigma novo e passa a ver o mundo em função dele.

(9)

sentido dentro de um quadro conceitual corrente, o paradigma; para Popper, existem regras permanentes para avaliá-las.

Embora Masterman (1979) tenha identificado 21 sentidos do termo paradigma1, o mais difundido é o seguinte: “realizações científicas universalmente conhecidas que durante algum tempo fornecem bases para uma comunidade científica”. O próprio Kuhn (1977, 1979c), depois de afirmar que preferia o uso de paradigma no sentido mais estrito (como referencial teórico de manuais científicos), admitiu a perda de controle sobre o uso do termo.

Não raro, Kuhn é acusado de relativista (Lakatos & Musgrave, 1979; Weinberg, 1998). Entretanto, ele próprio, em várias ocasiões, defendeu-se desse rótulo, afirmando que a prática científica é o critério de racionalidade, e introduzindo o conceito de valor (Kuhn, 1977), relacionado à avaliação de teorias. Para ele, os principais valores que sustentam a ciência são: precisão (exatidão), consistência, alcance, simplicidade e fecundidade. Deduzidos dos anteriores ainda podem ser listados: poder explicativo, plausibilidade, capacidade de resolver problemas e poder preditivo. É óbvio que a introdução do conceito de valor está longe de ser definitiva, mas é uma idéia bastante importante para resolver o problema do estabelecimento de um critério de avaliação de teorias. Algumas limitações dessa idéia são: a) os valores não são unânimes por parte da comunidade científica e podem ser interpretados de forma diferente - os pesquisadores podem concordar com o valor, mas não na aplicação dele (por exemplo, dois pesquisadores podem concordar que a precisão seja importante, mas o que é preciso para um pode não ser para outro); b) a oposição de um valor a outro: o paradigma pode ser mais simples, porém menos preciso; e c) a atribuição de pesos aos valores: a comunidade científica pode divergir quanto à importância de cada valor.

1 MASTERMAN (1979) identificou, nos 21 sentidos empregados por Kuhn, três grandes classes de paradigmas: 1) paradigmas

(10)

A tese de incomensurabilidade – ou seja, o fato dos paradigmas serem incomparáveis - reforça o cunho relativista atribuído a Kuhn. Contudo, tal tese foi revista (Kuhn, 1977) e, segundo sua nova versão, nem todos os conceitos mudam no novo paradigma, porquanto a incomensurabilidade é apenas local, isto é, a mudança de sentido afeta apenas um subgrupo de termos, com os paradigmas mantendo interseções empíricas que podem ou não ser comparadas.

O viés relativista do modelo teórico de Kuhn estimulou um debate importante para a Filosofia da Ciência contemporânea: a existência ou ausência de critérios para avaliar teorias/paradigmas. A primeira tese (existência de critérios) é defendida pela corrente racionalista (Lakatos, 1979, 1998; Lacey, 1998) e a segunda (ausência de critérios) é representada pela corrente relativista (Feyerabend, 1977, 1979).

4. A epistemologia de Kuhn e o Comportamento Motor

Os estudos em Comportamento Motor têm mostrado fases peculiares ao longo da história, as quais podem ser ilustradas à luz da epistemologia kuhniana. A fase pré-paradigmática (pré-ciência) se estendeu de 1890 a 1960. O primeiro período dessa fase pode ser identificado de 1890 a 1926, ao longo do qual ocorreu a definição e exploração do objeto de estudo da área, a formulação de princípios de integração óculo-manual e acurácia no posicionamento de membros (Woodworth, 1899) e a identificação de leis de prática durante a aprendizagem do código Morse e de habilidades datilográficas (Bryan e Harter, 1897). Outros avanços também foram documentados na área, porém enfatizando o aspecto neurofisiológico, tais como, a descoberta de propriedades de contração muscular e a identificação de receptores sensoriais (Thomas & Thomas, 2002).

(11)

conforme a recompensa). Essa idéia foi a pedra de toque para que se teorizasse sobre aprendizagem ao longo do século XX. Nesse período, que perdurou até 1939, ainda podem ser destacados os seguintes avanços: aumento na sofisticação experimental, emergência de várias formulações teóricas, estudos com aspectos temporais do movimento em ambientes industriais com a finalidade de tornar os movimentos do trabalhador industrial mais eficientes (ênfase econômica, ou seja, o aumento da produção), início do interesse de profissionais da Educação Física/Esporte (desenvolvimento de testes de capacidade e relação de escores dos testes com a aprendizagem motora – McCloy, 1934, 1937), formulação de teorias de aprendizagem, estudo do desenvolvimento motor e aprofundamento de conhecimentos em neurofisiologia (Adams, 1987).

De 1940 a 1966, transcorreu a última etapa de pré-ciência em Comportamento Motor, envolvendo os anos de guerra e a etapa pós-guerra. Durante esse período, os seguintes fatos merecem destaque: interesse na seleção e treinamento de pilotos de avião e operadores de máquinas de guerra, aumento no número de publicações (manutenção de programas de pesquisa para a guerra patrocinados por verbas das agências governamentais), avanço no estudo das diferenças individuais (Fleishman & Hempel, 1955, 1956), emergência de mais teorias de aprendizagem (relação fadiga-descanso na aprendizagem de habilidades motoras), início de pesquisas com estrutura de prática (Adams, 1987), início de estudos em ergonomia (interação homem-máquina), enraizamento da abordagem de processamento de informações, estudos de antecipação e

timing e a formulação da lei da troca velocidade-precisão (Fitts, 1954). No final desse

período, o interesse dos psicólogos pela área diminuiu, ao mesmo tempo em que aumentou o interesse de profissionais da Educação Física/Esporte. Os avanços em neurofisiologia abrangeram os mecanismos relacionados aos músculos e à medula espinal, o aprofundamento dos conhecimentos sobre receptores sensoriais, a nova teoria sobre funcionamento dos músculos - muito embora esses achados tenham sido subjacentes a processos neurais de movimentos simples (Schmidt & Lee, 1999).

(12)

década em 1960 por ocasião da primeira teoria consistente em Comportamento Motor formulada por Henry & Rogers (1960), que desencadeou desdobramentos importantíssimos na área. Resumidamente, a “teoria da banda de memória” (memory-drum theory) atestava que o tempo de reação é mais lento para movimentos mais complexos por causa do maior tempo de processamento requerido.

(13)

como periféricos no controle de movimentos, interferindo em maior ou menor grau dependendo do tipo de movimento - lento ou balístico. Ao final, as duas teorias foram, em certo grau, acomodadas na teoria de esquema motor. De certo modo, essa anomalia já prenunciava o surgimento de um período de crise. Outros fatores podem ser citados como indicadores dessa fase de ciência normal da área: a consolidação da perspectiva teórica do processamento de informações, a criação de uma sociedade internacional de Comportamento Motor (NASPSPA), a inclusão de disciplinas de Aprendizagem Motora e Controle Motor nos currículos de graduação e pós-graduação, a publicação dos primeiros livros-textos da área e a criação de periódicos específicos.

(14)

proporção de 2:1; de 1996 a 1999, com uma proporção de 3:1; de 2000 a 2004, novamente de 2:1); recentemente, a proporção continuava em 2:1, com leve tendência a um aumento nas publicações na Abordagem Motora, sugerindo um novo equilíbrio (Tani, Freudenheim, Meira Júnior & Corrêa, 2004). Além disso, pode-se perceber que, em outros periódicos que contêm seções de comportamento motor, a quantidade de artigos na Abordagem Motora é similar ao número de artigos publicados na Abordagem da Ação (Human Movement

Science, Journal of Sports Sciences) ou até maior (Journal of Human Movement Studies, Perceptual and Motor Skills, Research Quarterly for Exercise and Sport).

Quadro 1: Principais diferenças entre a abordagem motora e a abordagem da ação (adaptado de Abernethy & Sparrow, 1992).

Temas de conflito Abordagem Motora Abordagem da Ação

Teorias-base Processamento de informações Modelos computacionais Modelos cognitivos e representacionais Sistemas dinâmicos Abordagem ecológica Termodinâmica Idéias de Bernstein Origens filosóficas Metáfora homem-máquina Separação entre organismo e

ambiente

Realismo ecológico Sinergia entre organismo e

ambiente

Controle de movimento Hierárquico de cima para

baixo

Heterárquico de baixo para cima

Estrutura de controle Programas motores Estruturas coordenativas

Representação central Presente Ausente

Papel do músculo Subserviente aos comandos

centrais

Determinado pela dinâmica e forma do movimento

Relação com a percepção Percepção precede a ação Acoplamento percepção e

ação Explicação sobre a aprendizagem Aumento de estratégias de processamento de informação

Aumento da sintonia entre aspectos invariantes e controle em condições de variabilidade Papel da memória sobre a

aprendizagem

Fundamental Mínimo

(15)

parece ocorrer na área de Comportamento Motor é esta última hipótese, ou seja, a Abordagem Motora coexiste com a Abordagem da Ação. Essa situação de coexistência também pode ser explicada pela epistemologia de Lakatos (1979, 1998), segundo a qual a ciência mantém-se crítica pela competição entre programas de pesquisa (paradigmas ou, no caso em questão, abordagens) rivais, os quais expõem suas fraquezas recíprocas através dos seus êxitos próprios. Cada programa de pesquisa possui um núcleo rígido, ou seja, um conjunto de leis ou princípios fundamentais considerados irrefutáveis, os quais, do ponto de vista metodológico, mantêm-se constantes pela comunidade científica que trabalha no programa de pesquisa. Ainda, o programa de pesquisa possui um cinturão protetor, que são hipóteses auxiliares ou condições iniciais protetoras do núcleo contra refutações. Em vez de desprender um axioma do núcleo rígido, o pesquisador adiciona uma hipótese auxiliar. Para Lakatos, os programas de pesquisa embrionários devem ser respeitados e podem levar décadas para tornarem-se aceitos. Não existe, portanto, segundo essa visão, racionalidade instantânea porque nenhum princípio deve ser abandonado de imediato, assim como a avaliação de um programa de pesquisa só pode ser realizada retrospectivamente. Segundo, Tani (1995), essa situação de coexistência é apropriada para explicar um fenômeno multifacetado como o Comportamento Motor.

5. Considerações finais

(16)

tão simples assim em virtude das profundas diferenças conceituais e filosóficas que existem na base dessas abordagens (Abernethy & Sparrow, 1992). De qualquer forma, se não uma reconciliação, uma possível aproximação poderia ser esperada caso algumas posições radicais fossem abandonadas, como, por exemplo, a negação de qualquer forma de representação por parte da abordagem da ação (Schmidt, 1988). Na realidade, essa tendência tem se fortalecido mais recentemente (van Ingen Schenau, van Soest, Gabreels & Horstink, 1995; Latash, 1993; Summers, 1992), com a aceitação da existência de alguma forma de representação por parte dos defensores da Abordagem da Ação (Beek, Peper & Stegeman, 1995; Michaels & Beek, 1995; Schöner, 1996).

Apesar dessa situação ainda indefinida no que se refere ao futuro da controvérsia, pode-se constatar que a Abordagem da Ação tem tido mais sucesso nos campos de Controle Motor e Desenvolvimento Motor, especialmente em tarefas motoras cíclicas e movimentos filogeneticamente determinados – Kelso (1995) e Thelen & Smith (1994) são exemplos de obras que sintetizam achados nesses dois campos de investigação. Já no campo da Aprendizagem Motora, a Abordagem Motora não tem encontrado muita resistência (Barela & Barela, 2001; Michaels & Beek, 1995), exceção feita aos estudos de Zanone & Kelso (1992a, 1992b) e Kelso e Zanone (2002).

Parece que a fase de crise em Comportamento Motor, com a coexistência entre as duas abordagens rivais, perdurará ainda por mais alguns anos. A fase revolucionária da área ainda está por vir.

Referências

Abbagnano, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982.

(17)

Adams, J.A.. A closed-loop theory of motor learning. Journal of Motor Behavior, 3, 111-150, 1971.

Adams, J.A. Historical review and appraisal of research on the learning, retention, and transfer of human motor skills. Psychological Bulletin, Lancaster, v.101, p.41-74, 1987.

Adorno, T.W. Introdução à controvérsia sobre o positivismo na Sociologia Alemã. In: Civita, V. (coord.) Os pensadores/Textos escolhidos/Adorno. pp. 109-189, São Paulo: Nova Cultural, 1999.

Barbosa de Oliveira, M. Sobre o significado político do positivismo lógico. Crítica Marxista, 14, p. 73-84, 2002.

Barela, J.A. & Barela, A.M. O contexto da aprendizagem motora: perspectivas teóricas e desafios metodológicos na abordagem dos sistemas dinâmicos. In M.G.S. Guedes (Ed.), Aprendizagem motora: problemas e contextos. Lisboa: Edições FMH, 2001.

Beek, P.J. & Meijer, O.G. On the nature of the motor-action controversy. In O.G. Meijer & K. Roth (Eds.), Complex movement bevaviour: the motor-action controversy. Amsterdam: North-Holland, 1988.

Beek, P.J., Peper, C.E. & Stegeman, D.F. Dynamical models of movement coordination. Human Movement Science, 14, 573-608, 1995.

Bryan, W.L. & Harter, N. Studies in the physiology and psychology of telegraphic language. Psychological Review, 4, 27-53, 1897.

Colley, A.M. Learning motor skills: integrating cognition and action. In A.M. Colley & J.R. Beech (Eds.), Acquisition and performance of cognitive skills. Chichester: Wiley, 1989.

Colley, A.M. & Beech, J.R. Grounds for reconciliation: some preliminary thoughts on cognition and action. In A.M. Colley & J.R. Beech (Eds.), Cognition and action in skilled behaviour. Amsterdam: North-Holland, 1988.

Feyerabend, P.K. Contra o método. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977.

(18)

Fitts, P.M. The information capacity of the human motor system in controlling the amplitude of movement. Journal of Experimental Psychology, Washington, v.47, p.381-391, 1954.

Flesihman, E.A.; Hempel, W.E. The relationship between abilities and improvement with practice in a visual discrimination reaction time. Journal of Experimental Psychology, 49, 301-311, 1955.

_____. Factorial analysis of complex psychomotor performance and related skills. Journal of Applied Psychology, 40, 96-104, 1956.

Hahn, H.; Neurath, O.; Carnap, R. A concepção científica do mundo – O Círculo de Viena. Cadernos de História e Filosofia da Ciência, v.10, p.5-20, 1986. [tradução do panfleto original (1929) Wissenschaftiche Weltauffassung der Wiener Kreis. In: Neurath, O. Wissenschaftliche Weltauffassung, Sozialismus und logische Empirismus. Frankfurt: Ed. Rainer Hegselmann, 1979, pp.81-101]

Hempel, C.G. Filosofia da ciência natural. Rio de Janeiro, Zahar, 1970.

Henry, F.M.; Rogers, D.E. Increased response latency for complicated movements and a 'memory drum' theory of neuromotor reaction. Research Quarterly, Reston, 31, p.448-458, 1960.

Horgan, J. O fim da ciência: uma discussão sobre os limites do conhecimento científico. São Paulo, Companhia das Letras, 1999.

Horkheimer, M. Teoria tradicional e teoria crítica. In: Civita, V. (coord.) Os pensadores/Textos escolhidos /Horkheimer. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

Keele, S.W. Movement control in skilled motor performance. Psychological Bulletin, Lancaster, v.70, p.387-403, 1968.

Kelso, J.A.S. Contrasting perspectives on order and regulation in movement. In J. Long & A. Baddeley (Eds.), Attention and Performance, v. IX, Hillsdale NJ, Lawrence Erlbaum, 1981.

_____. The process approach to understanding human motor behavior: an introduction. New Jersey, Lawrence Erlbaum Associates, 1982.

(19)

Kelso, J.A.S.; Holt, K.G.; Rubin, P.; Kugler, P.N. Patterns of human interlimb coordination emerge from the properties of non-linear, limit cycle oscillatory processes: theory and data. Journal of Motor Behavior, Washington, v.13, p.226-261, 1981.

Kelso, J.A.S.; Southard, D.; Goodman, D. On the coordination of two-handed movements, Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, Washington, v.5, p.229-238, 1979.

Kelso, J.A.S. & Zanone, P. Coordination dynamics of learning and transfer across different effector systems. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, 28, 776-797, 2002.

Kneller, G.F. A ciência como atividade humana. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.

Kugler, P.N.; Kelso, J.A.S.; Turvey, M.T. On the concept of coordination structures as dissipative structures: I. Theoretical lines of convergence. In G.E. Stelmach & J. Requin (Eds.), Tutorials in Motor Behavior, Amsterdam, Elsevier Science, 1980.

_____. On the control and co-ordination of naturally developing systems. In J.A.S. Kelso & J.E. Clark (Eds.), The Development of Movement Control and Co-ordination, Chichester, Wiley, 1982.

Kuhn, T.S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo, Perspectiva, 1996. [dos originais The Structure of Scientific Revolutions, 1962 (1º ed.) e 1970 (2º ed.)]

_____. The essential tension: selected studies in scientific tradition and change. Chicago, The University of Chicago Press, 1977.

_____. A função do dogma na investigação científica. In: Deus, J. D. (org.) A crítica da ciência: sociologia e ideologia da ciência. pp. 53-80. Rio de Janeiro: Zahar, 1979a.

_____. Lógica da descoberta ou Psicologia da pesquisa? In: Lakatos, I. & Musgrave, A. (orgs.) A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. pp. 5-32. São Paulo: Cultrix, 1979b.

_____. Reflexões sobre os meus críticos. In: Lakatos, I. & Musgrave, A. (orgs.) A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. pp. 285-332. São Paulo: Cultrix, 1979c.

(20)

Lakatos, I. O falseamento e a metodologia dos programas de pesquisa científica. In: Lakatos, I. & Musgrave, A. (orgs.) A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. pp. 109-243. São Paulo: Cultrix, 1979.

_____. História da ciência e suas reconstruções racionais e outros ensaios. Lisboa: Edições 70, 1998.

Lakatos, I.; Musgrave, A. (Orgs.) A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. São Paulo: Cultrix, 1979.

Lalande, A. Vocabulário técnico e crítico da Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 1999.

Latash, M. Control of human movement. Champaign, Illinois: Human Kinetics, 1993.

Masterman, M. A natureza de um paradigma. In: Lakatos, I. & Musgrave, A. (orgs.) A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. pp. 72-108. São Paulo: Cultrix, 1979.

McCloy, C.H. The measurement of general motor capacity and general motor ability. Research Quarterly, Reston, v.5, Supplement, p. 46-61, 1934.

_____. An analytical study of the stunt type test as a measure of motor educability. Research Quarterly, Reston, v.8, p. 46-55, 1937.

Michaels, C. & Beek, P. The state of ecological psychology. Ecological Psychology, 7, 259-278, 1995.

Meijer, O.G. & Roth, K. Complex movement behaviour: the motor-action controversy. Amsterdam: North-Holland, 1988.

Paillard, J. Development and acquisition of motor skills: a challenging prospect for neuroscience. In M.G. Wade & H.T.A. Whiting (Eds.), Motor development in childresn: aspects of coordination and control. Dordrecht: Martinus Nijhoff, 1986.

Pew, R.W. Toward a process-oriented theory of human skilled performance. Journal of Motor Behavior, 2, 8-24, 1970

Popper, K.R. Conjecturas e refutações: o progresso do conhecimento científico. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1972. [do original Conjectures and Refutations, 1963]

(21)

Schmidt, R.A. A schema theory of discrete motor skill learning. Psychological Review, 82, 225-260, 1975.

Schmidt, R.A. Motor and action perspectives on motor behaviour. In O.G. Meijer & K. Roth (Eds.), Complex movement behaviour: the motor-action controversy. Amsterdam: North-Holland, 1988.

Schmidt, R.A.; Lee, T.D. Motor control and learning: a behavioral emphasis. 3ed. Champaign (IL): Human Kinetics, 1999.

Schöner, G. Recent developments and problems in human movement science and their conceptual implications. Ecological Psychology, 7, 291-314, 1996.

Summers, J.J. Motor programs. In D.H. Holding (Ed.), Human skills (2nd. ed.). Chichester: Wiley, 1989.

Summers, J.J. Movement behaviour: a field in crisis? In J.J. Summers (Ed.), Approaches to the study of motor control and learning. Amsterdam: North-Holland, 1992.

Tani, G. Hierarchical organization of an action programme and the development of skilled actions. Unpublished Technical Report. Sheffield: University of Sheffield, Department of Psychology, 1995.

Tani, G., Freudenheim, A.M., Meira Júnior, C.M. & Corrêa, U.C. Aprendizagem motora: tendências, perspectivas e aplicações. Revista Paulista de Educação Física, 18, 55-72, 2004.

Thelen, E. & Smith, L.B. A dynamic systems approach to the development of cognition and action. Cambridge, Massachusetts: MIT Press/ Bradford Books, 1994.

Thomas, J.R.; Thomas, K.T. Comportamento Motor. In: Hoffman, S.J.; Harris, J.C. (Orgs.). Cinesiologia: o estudo da atividade física. pp. 207-237, Porto Alegre, Artmed, 2002.

van Ingen Schenau, G.J., van Soest, A.J., Gabreels, F.J.M. & Horstink, M.W.I.M. The control of multi-joint movement relies on detailed internal representations. Human Movement Science, 14, 511-538, 1995.

(22)

Weinberg, S. The revolution that didn’t happen. The New York Review, October, 8, 1998.

Zanone, P. & Kelso, J.A.S. Learning and transfer as dynamic paradigms for behavioral change. In G.E. Stelmach & J. Requin (Eds.), Tutorials in motor behavior II. Amsterdam: North-Holland, 1992a.

Zanone, P. & Kelso, J.A.S. The evolution of behavioral attractors with learning: nonequilibrium phase transitions. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, 18, 403-421, 1992b.

Referências

Documentos relacionados

Sabe-se que muitas mulheres sofrem violência doméstica e muitas estudantes que estão dia a dia na instituição superior apanham antes e depois de irem estudar, pois seus cônjuges

d) Cotação: em reais, com quatro casas após a vírgula. f) Local de entrega : Unidade CIA.METROPOLITANO DE SAO PAULO-METRO, localiz a da à AVENIDA FRANCISCO DE PAULA

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

[r]

Muitos apostaram no desaparecimento da pequena produção, que a presença do capital no campo seria avassaladora como já havia previsto Lenin (1973) e Kautsky (1968), mas

Conflitos e Convergências da Geografia 2 Capítulo 14 147 do Hospital das Clínicas (AHC), no que diz respeito ao problema de saúde apresentado pelos usuários na internação

Além disso, quando nos deparamos com uma adaptação de um romance para o teatro, tanto para quem faz este processo dramatúrgico, como para quem faz sua leitura (do texto ou do

Rode o comando de selecção de temperatura no sentido dos ponteiros do relógio para a posição ‘•••’ (3 pontos) (para uma qualidade de vapor óptima, não utilize as