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A ARETÉ NA ILÍADA: A EXCELÊNCIA COMO IDEAL ARISTOCRÁTICO

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A ARETÉ NA ILÍADA: A EXCELÊNCIA COMO

IDEAL ARISTOCRÁTICO

The Areté in the Iliad: the excellence of aristocratic ideal

COSTA JUNIOR, C. L. J.

Recebimento: 01/11/2012 – Aceite: 14/12/2012

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo tecer algumas considerações

sobre o conceito de virtude ou excelência (areté) e sua relação com a cultura aristocrática e heróica apresentada na Ilíada de Homero. A ética dos heróis homéricos se constitui e consagra no combate e na vida guerreira, caracterís-ticas intrínsecas apenas aos aristoi, os “melhores” e aos deuses do Olimpo. A rígida moral homérica torna-se, assim, um meio que identifica e consolida a posição de uma classe nobre frente aos soldados comuns, geralmente retratados como personagens medíocres, a exemplo de Térsites. Aquiles, Odisseu e Heitor representam, entre outros, os heróis aristocráticos por excelência do mundo homérico e o modelo de virtude guerreira que eleva o herói à honra e à glória.

Palavras-chave: Ilíada. Areté. Aristocracia. Ética.

ABSTRACT: This paper aims to present some considerations on the concept

of virtue or excellence (areté) and its relationship with the aristocratic heroic culture present in Homer’s Iliad. The ethics of homeric heroes constitutes and focuses on the combat and warrior life, characteristics intrinsic to the aristoi, the “best” and the gods of Olympus. The rigid Homeric moral becomes a way that identifies and consolidates the position of a noble class before ordinary soldiers, often portrayed as mediocre characters, such as Thersites. Achilles, Hector and Odysseus represent, among others, the aristocratic heroes per ex-cellence of the Homeric world and the model of virtue that elevates the hero warrior to honor and glory.

Keywords: Ilíad. Areté. Aristocracy. Ethics.

Introdução

Os poemas de Homero integram um conjunto de obras escritas que podem ser consideradas as mais importantes na

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ponto de o poeta ter sido considerado por muitos “o educador da Hélade” (PLATÃO, 2010), ao estabelecer uma ética que seria seguida pelos gregos em épocas posteriores. De acordo com Plutarco, o rei macedônio Alexandre considerava a Ilíada o grande manual da virtude militar de sua época (PLU-TARCO, 2009).

A análise dos poemas homéricos nos permite, portanto, conhecer os valores e a ética dos gregos do período Arcaico, par-ticularmente, os do mundo da aristocracia guerreira. Para este fim, o contexto bélico da Ilíada representa a melhor opção, já que é neste conflito entre gregos e troianos que a aristocracia demonstra toda sua destreza no manejo de armas e seu ideal de excelência que os tornam seres sobre-humanos. A tra-dução consultada para o presente trabalho é a de Haroldo de Campos, publicada pela editora Benvirá.

A Areté como fundamento da

ética aristocrática

Os poemas homéricos se caracterizam por uma rígida ética guerreira, na qual reis e heróis combatem, tendo como conceitos norteadores a honra (timé) e a virtude ou excelência (areté). O guerreiro homérico luta e morre visando, sobretudo, a Kléos, a glória, consagrada no conto dos poetas e bardos (GABRECHT, 2009).

O heroísmo dos personagens de Homero se caracteriza na busca da excelência no manejo das armas e na destreza em combate, marcas distintivas da aristocracia (aristoi, “os melhores” palavra derivada de areté). Na perspectiva do helenista alemão Werner Jaeger, a areté em Homero possui um sentido bastante amplo, designando não apenas a excelência humana, mas algo relativo à força e à capacidade, marcas também próprias dos deuses (JAEGER, 2011).

No último caso, a areté divina e sua im-portância são reveladas no seguinte diálogo de Aquiles: “os deuses dão escuta a quem se curva aos deuses” (HOMERO, 2010, p. 43). Assim como os aristoi, os senhores do Olimpo também medem constantemente seu valor, como afirma Hera em um tom de ameaça a Zeus: “Mas convém respeitares meus trabalhos. Sou deusa, temos a mesma origem. Cronos, mente-sutil, gerou-me, filha mais velha...” (HOMERO, 2010, p. 149).

Pierre Vidal-Naquet aponta para a con-dição peculiar das personagens femininas presentes nos poemas homéricos. Neles, com raras exceções, como Helena ou Andrômaca, as mulheres são pouco numerosas (VIDAL-NAQUET, 2002, p. 78), e em quase nada in-fluenciam no decorrer da narrativa. Entretan-to, as mulheres homéricas, por serem nobres, também são dotadas de areté. Esta excelência feminina pode vir a ser perdida na hipótese de a mulher ser reduzida à escravidão, pos-sibilidade que atormenta o guerreiro troiano Heitor em relação à sua esposa Andrômaca:

A dor futura deles [dos troianos] [...] não me acabrunha tanto, quanto imaginar-te cativa de um aqueu, arnês-de-bronze, e em prantos arrastada, do dia livre expulsa para Argos, reduzida a bordar às ordens de uma estranha, ou buscar água à fonte Hiperéia e a Masseide, mesmo a contra-gosto, amarga, dura sina. E vendo-te a chorar alguém dirá: É a viúva de Héctor, o mais forte entre os guerreiros de Tróia, doma corcéis, que em torno de Ílion combatiam. (HOMERO, 2010, p. 259)

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Segundo Jaeger, a areté para a mentalida-de grega se avaliava nas aptidões humanas (JAEGER, 2011), e, no caso de Homero, a guerra é seu lugar privilegiado. Ainda de acordo com Werner Jaeger:

A arete é um atributo próprio da no-breza. Os gregos sempre consideraram a destreza e a força incomuns como base indiscutível de qualquer posição dominante. Senhorio e arete estavam inseparavelmente unidos (JAEGER, 2011, p. 26).

Assim sendo, é lugar-comum no texto homérico as qualificações como “o melhor dos aqueus” (Aquiles) ou “o aqueu melhor” (Agamêmnon). Os melhores, portanto, de-vem sua superioridade à areté, característica inata e dom dado pelos deuses: “O valor que apregoas é favor divino.” (HOMERO, 2010, p. 41). Ela é o que diferencia o nobre do comum, o herói dos nãoheróis. Para Moses Finley:

“Guerreiro” e “herói” são sinônimos, e uma cultura guerreira organiza-se a volta destes dois temas fundamentais: a coragem e a honra. A coragem é a virtude essencial do herói, a honra seu objetivo essencial. (FINLEY, 1988, p. 108)

O historiador prossegue sua análise con-siderando que o código dos heróis forma um todo sem ambiguidades, algo posto fora de discussão. As opiniões podem variar, prin-cipalmente quando relativas à condução da guerra, mas em nenhum dos casos há uma longa discussão ou questionamento. (FIN-LEY, 1988). Dessa forma, não há um herói que paute suas ações de forma diferenciada do modelo ético encontrado em Homero, sejam eles gregos ou troianos.

A aristocracia, portanto, é composta ape-nas pelos melhores e mais virtuosos. Ela é uma classe social que se caracteriza por ser rigidamente fechada e hierarquizada, como atesta Moses Finley:

Uma profunda clivagem social marcava o mundo dos poemas homéricos. Acima da linha divisória, os aristoi, literalmente “os melhores”, nobres hereditários, que possuíam a maior parte das riquezas e todo o poder, [...]. Abaixo, encontra-vam-se todos os outros, a multidão que nenhum termo técnico definia coletiva-mente. O fosso que separava estes dois estratos raramente era transposto, salvo por efeito de acasos devidos a guerra e às rapinas. (FINLEY, 1988, p. 51).

A classe nobre é a única a ter direitos e prerrogativas no que se refere às decisões. A ágora, espaço nobiliárquico por excelência em Homero, é onde, em conselho, reis e guerreiros de alta estirpe reúnem-se para de-liberar sobre os assuntos da guerra. No Canto II, Homero apresenta a única voz contrária às prerrogativas da nobreza, a do soldado Térsites, o mais peculiar dos personagens e oriundo do povo comum:

Filho de Atreu, de que reclamas, que te falta? Tendas plenas de bronze, repletas de escravas, fina flor, que os Aqueus te dão a primazia de escolha, quando às mãos nos tomba uma cidade.

Careces de mais ouro, que um troiano doma-corcéis, te traga de Ílion, resgate do filho, apresado por mim ou presa de outro Aqueu? (HOMERO, 2010, p. 79).

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Nessa perspectiva, a helenista francesa Claude Mossé afirma que a beleza física que irradia do corpo do herói, cuidada através de óleos e unguentos, constitui o corolário da moral guerreira. Helena, ao sentar ao lado de Príamo no alto da torre, distingue os líderes aqueus pelo seu porte (MOSSÉ, 1984). A beleza e o refinamento da armadura e das armas de bronze complementam a panóplia do guerreiro e são características que distin-guem os heróis/aristoi dos soldados comuns:

O esplendor que dimana do corpo do herói [...] vem antes do fulgor do bron-ze de que se reveste, do faiscar de suas armas, da sua couraça, do seu capacete, da chama que emana dos seus olhos, do irradiante ardor que o consome (MOSSÉ, 1988, p. 48).

As armas devem ser proporcionais ao va-lor do herói em questão, e Aquiles representa muito bem esta perspectiva. No Canto XVIII, Hefestos forja novas armas para o herói, a pedido de Tétis. A subsequente descrição das novas e belas armas produzidas pelo deus torna evidente a posição hegemônica de Aquiles diante dos demais personagens. Suas armas serão, posteriormente, disputadas por Odisseu e Ajax.

A aristocracia guerreira de Homero também consolida seu status nobiliárquico, através do uso de carros de guerra fartamente ornamentados, privilégio restrito apenas aos heróis e reis que, por meio deles, são trans-portados ao campo de batalha. O rei troiano Príamo assim se dirige para sua cidade: “Subiu, segurou as rédeas. Antenor [o con-dutor] galga a biga magnífica e posta-se ao seu lado. Voltam os dois a Ílion” (HOMERO, 2010, p. 137).

A nobreza também se diferencia pelo brio e pela coragem demonstrada em campo de batalha, em oposição à soldadesca, sempre inclinada a fugir do combate, como mostra o seguinte diálogo em que Odisseu repreende

um guerreiro em fuga após um desastrado combate: “Homem de deus, acalma-te e cala-do escuta a voz cala-dos que mais valem: ruim de guerra, sem garra, inútil na luta, imprestável no aviso” (HOMERO, 2010, p. 79).

O soldado Térsites, mencionado ante-riormente, também defende a retirada e a volta para casa, representando, dessa forma, a covardia e a indignidade de uma fuga, algo impensável aos heróis e à sua conduta guer-reira. Por esse motivo, Térsites é esbofeteado por Odisseu, humilhando-o diante de todos. Outra característica relativa a Térsites e sua baixa condição é o nome de seu pai não ser citado (VIDAL-NAQUET, 2002), costume comum em toda a obra de Homero e que identifica a origem nobre do aristoi, questão de grande relevância abordada mais adiante.

A riqueza e sua justa divisão são um dos elementos que conduzem a discórdia entre o Atreide, Agamêmnon e Aquiles, o melhor dos aqueus. O prêmio, o espólio recebido, finalizado o combate, considerando a palavra grega géras, privilégio, é um direito dos he-róis e dos nobres, de forma que sua partilha torna-se, portanto, uma questão crítica. Aga-mêmnon, por ser rei e a liderança suprema em campo, recebe, naturalmente, quantias consideráveis de todo o saque realizado pelos guerreiros. O Atreide, ao tomar o prêmio de Aquiles, também visa a reforçar sua posição de liderança entre os gregos.

A nobreza também tem por direito dispor de suas escravas como concubinas, a exemplo de Agamêmnon no Canto I, em relação a Cri-seida, filha do sacerdote de Apolo, capturada em meio à guerra e seu prêmio de batalha: “nunca a libertarei, até que fique velha em Argos, no meu paço, além, longe da pátria, nos trabalhos do tear, ou servindo-me ao leito” (HOMERO, 2010, p. 31-33).

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desviando o foco do guerreiro na luta. Em sua avidez pelo espólio, os aqueus são advertidos por Néstor, o conselheiro mais importante do Agamêmnon: “Que ninguém se retarde pi-lhando os espólios para levar às naus o quanto possa. Vamos primeiro liquidar o inimigo.” (HOMERO, 2010, p. 237). O saque também cumpre uma função religiosa, já que algumas parcelas costumam ser dedicadas aos deuses. Os nobres, desse modo, demonstram seu res-peito para com os deuses, que os auxiliam e tomam partido na luta.

A trama inicial da Ilíada começa, no Can-to I, com o insulCan-to perpetrado por Agamenon a Aquiles, na qual o Atreide toma o prêmio, a jovem Briseida, do Peleide. A disputa em torno de Briseida conduz ao afastamento de Aquiles da guerra, assim como a troca de ameaças entre os dois aqueus. Assim o guerreiro alerta Agamêmnon de seu compor-tamento inadequado:

Investes na impostura, ó ávido de ga-nhos!

Como pode um aqueu percorrer teus caminhos,

Porfiado em seguir-te, combatendo homens?”

(HOMERO, 2010, p.39)

A ofensa de Agamêmnon a Aquiles põe em evidencia que a areté e a honra são as mais importantes e definitivas noções que pautam a conduta dos heróis. A reação de Aquiles é compreensível sob essa perspectiva ética, pois a areté homérica se constrói na feroz competição entre os heróis, sejam eles gregos ou troianos. Moses Finley assim caracteriza a busca pela honra no mundo de Homero:

A honra é por essência exclusiva, ou pelo menos hierárquica. Se cada um atingir igual honra, então não há honra para ninguém. Por esta razão, o mundo de Ulisses era, necessariamente, ferozmente

competitivo: cada herói esforçava-se por superar os outros. (FINLEY, 1988, p. 112).

Em tal mundo onde a competitividade determina a honra e a reputação do herói, a ofensa tem consequências desastrosas. Aqui-les praticamente desaparece da narrativa até a morte de seu amigo Pátroclo. Agamêmnon, preocupado com a falta que um guerreiro como Aquiles pode provocar no decurso da guerra, tenta em vão reconciliar-se com o herói, oferecendo todas as recompensas que um rei pode oferecer, mas ele recusa, pois isso não é o suficiente para reparar o ultraje cometido:

Odeio as dádivas vindas de sua mão. Valem menos do que um pêlo. Dez, vinte vezes mais me desse do que tem, [...] nem mesmo assim persuadiria o Atreide meu coração, enquanto não pagasse a ofensa, ânimo abrasiva áscua em meu peito. (HOMERO, 2010, p. 351).

Como observa Ana Gabrecht, Aquiles não luta por bens materiais, e sim, pela honra. Assim sendo, a restituição da honra não pode ser compensada com nenhum tipo de riqueza material. (GABRECHT, 2009).

O delicado equilíbrio entre os heróis pode ser facilmente rompido. O perjúrio de Agamêmnon em lhe tomar o prêmio fere di-retamente a areté de Aquiles que, em sua ira, afasta-se do combate. Heitor também paga com a própria vida sua afronta a Aquiles ao matar Pátroclo.

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Sarpédon, conselheiro dos lícios, por que vir aqui agachar-se de medo, tu, homem não afeito a batalhas? És um pseudo-filho de Zeus que porta o escudo. Estás abaixo, muito abaixo dos que outrora Zeus gerou, heróis como Héracles, meu pai, coração-de-leão, ânimo fogoso. (HOMERO, 2010, p. 215).

A noção de areté é partilhada por todos, seja aqueus ou troianos. Na perspectiva da ética, portanto, torna-se difícil diferenciá-los, já que ambos os lados pautam-se pelas mes-mas normes-mas de conduta. Heitor assim resume sua perspectiva de virtude em relação ao seu recém-nascido filho:

Ó Zeus, ó celestes numes, daí-me que meu filho seja como eu, insigne entre os Tróicos e que reine um dia – em valor e vigor igual a mim – sobre Ílion. (HO-MERO, 2010, p. 261).

Da mesma forma que os gregos, Héctor espera que seu filho siga seu exemplo e, como ele, demonstre publicamente sua areté, em meio à batalha, conquistando os “despojos sangrentos de mortos, troféus de guerra, para o júbilo da mãe.” (HOMERO, 2010, p. 261).

A areté homérica não permite atos de covardia ou hesitação diante do inimigo. Claude Mossé aponta que buscar o combate é uma atitude própria do herói homérico (MOSSÉ, 1984), e Diomedes exemplifica essa questão claramente na Ilíada. O Canto IV é inteiramente dedicado a gesta do herói, que, insuflado por Atena, combate incessan-temente os troianos, em uma atitude quase suicida, quando aconselhado a recuar:

Não me venhas com essa arenga de fuga. É inútil. Minha estirpe não se esquiva da luta, nem se agacha. Tenho o vigor costumeiro. Despenho subir ao carro. Parto a pé à peleja. Não deixa Atena que me assalte o medo. (HOMERO, 2010, p. 193).

Diomedes reitera sua posição de aristoi, e diante dos inimigos não cede, mesmo que isso o leve à morte certa. No duelo com Menelau, Páris, o raptor de Helena, é repreendido por seu irmão Heitor por sua covardia:

Hão de estar gargalhando os gregos com seus longos cabelos. Persuadiram-se eles que eras belo na forma, bom de guerra; és frouxo, pusilânime. (HOMERO, 2010, p. 121).

Na constante rivalidade entre as excelên-cias dos heróis, Aquiles acusa Agamêmnon de não se envolver pessoalmente na luta com os troianos, pondo em questão a coragem (e, portanto, a areté) do rei:

Olho de cão e coração de cervo! Bronco de vinho! Nunca ousaste, armado, com teu povo enfrentar um combate, nem seguiste os bravos na luta de embosca-das. Tens pavor a morte. (HOMERO, 2010, p. 43).

A morte citada por Aquiles é outra carac-terística intrínseca ao herói de Homero, pois a Moira está sempre à espreita, e no caso de Aquiles, este é o destino ao qual está fadado desde o nascimento em sua busca pela glória na guerra troiana.

O helenista francês Jean Pierre Vernant discorre sobre a questão no artigo “A bela

morte e o cadáver ultrajado” e sua

carac-terização nos poemas de Homero. Vernant considera que os heróis, na plenitude de sua natureza viril de machos corajosos, estão condicionados a um modo de morrer em combate, na juventude, conferindo ao guer-reiro morto todo o conjunto de qualidades, prestígios e valores que tanto foram buscados durante a vida (VERNANT, 1977).

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manter sua areté intacta. Jean Pierre Vernant considera que:

A bela morte também é a morte gloriosa,

eukleès thanatós. Ela eleva o guerreiro

desaparecido ao estado de glória por toda a duração dos tempos vindouros; e o fulgor dessa celebridade, kléos, que adere doravante a seu nome e à sua pes-soa, representa o termo último da honra, seu extremo ápice, a areté realizada. (VERNANT, 1977, p. 32)

O autor prossegue sua argumentação afirmando que a bela morte representa a consagração definitiva da areté, a qual deixa de ter que se medir de forma sem fim com a areté de outrem, de ter que se por à prova pelo confronto e pela rivalidade (VERNANT, 1977).

Considerações Finais

Para finalizar, pode-se concluir que os heróis aristocráticos de Homero estão inseri-dos em um mundo fortemente hierarquizado e competitivo, no qual a afirmação pessoal do herói e sua reputação dependem do re-conhecimento alheio, devendo, pois, a areté ser obrigatoriamente pública e reconhecível diante de seus pares, os aristoi. Este paradig-ma ético é muito importante mesmo para as épocas posteriores da Grécia, já que Homero fornecerá o modelo a ser seguido ou ques-tionado pelos demais gregos. A aristocracia homérica, portanto, encontra na guerra e nos valores guerreiros, a fundamentação de sua posição hegemônica.

O herói aristocrático homérico encontra-se em uma posição intermediária entre os indivíduos comuns e os deuses. Dessa for-ma, sua conduta encontra-se limitada pela vontade dos deuses, e no caso de Aquiles, seu destino é ter uma vida breve e cheia de percalços, motivo de grandes lamentos por parte de Tétis: “Ai de mim! Te criei nutrido de infortúnio: Sem lágrimas, sem dor, assim eu te quisera sentado junto às naves, pois te es-preita a Moira, tens vida breve.”(HOMERO, 2010, p. 55).

A morte do herói homérico (Moira) re-presenta, nessa perspectiva, a consagração definitiva da moral guerreira. Após uma vida de infortúnios e de rivalidade constante, a “bela morte” (kalós thánatos) concretiza a

areté do guerreiro. Pode-se compreender,

desse modo, uma concepção de memória, e mais importante, sua preservação como a finalidade última do ideal aristocrático. Para Vernant: “O que o herói perde [...] ao renunciar à longa vida para escolher a pronta morte, ele o torna a ganhar cem vezes mais na glória de que fica aureolada, por todos os tempos vindouros, sua personagem de defun-to” (VERNANT, 1977, p. 40-41). Conclui-se, portanto, que a areté, adquirida em vida por meio do esforço e do aprimoramento na arte da guerra (aristeia), também é uma medida para a eternidade vindoura. Essa é a razão de ser do guerreiro homérico e seu dever enquanto aristoi. Assim sendo, fazem sentido as palavras de Sófocles, no encerramento da tragédia Édipo Rei: “Guardemo-nos de chamar um homem feliz, antes que ele tenha transposto o termo de sua vida sem ter conhe-cido a tristeza” (SÓFOCLES, 2009, p. 104).

AUTOR

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REFERÊNCIAS

FINLEY, M. I. O mundo de Ulisses. Lisboa: Presença, 1988.

GABRECHT, Ana. A celebração da moral heróica na Ilíada de Homero. Nuntius Antiquus, Belo Horizonte, dez. 2009. Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/nuntius/data1/arquivos/004.12-Gabrecht147-161.pdf.> Acesso em: 01 de jun. de 2012.

HOMERO. Ilíada. Tradução de Haroldo de Campos. São Paulo: Benvirá, 2010. Vol. I JAEGER, Werner. Paidéia – A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2011. MOSSÉ, Claude. A Grécia Arcaica de Homero a Ésquilo. Lisboa: Edições 70, 1984.

PLATÃO, A República. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.

PLUTARCO. Alexandre e César. Tradução de Júlia da Rosa Simões. Porto Alegre: L&PM, 2009. SÓFOCLES. Édipo Rei. Tradução de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2009.

VERNANT, J. P. A bela morte e o cadáver ultrajado. 1977. Disponível em: <http://www.fflch.usp. br/df/site/publicacoes/discurso/pdf/D09_A_bela_morte.pdf>. Acesso em: 06 de jun. 2012.

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