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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARCOS ALAN DEMIKOSKI A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS

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MARCOS ALAN DEMIKOSKI

A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS

Florianópolis 2019

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MARCOS ALAN DEMIKOSKI

A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Danielle Espezim dos Santos, Dra.

Florianópolis 2019

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Prof Candida de Oliveira Tasso, Esp. Universidade do Sul de Santa Catarina Universidade d

ranca, Msc.

Espezim dos Santos, Dra. Florian6polis, 28 dejunho de 2019.

Este Trabalho de Conclusao de Curso foi julgado adequado a obtencao do titulo de bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

A PARTICIPACAO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO MUNICIPAL DE FLORIANOPOLIS

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Florian6polis, 28 de junho de 2019.

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideol6gico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Sul de Santa Catarina, a Coordenacao do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de Conclusao de Curso.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em

caso de plagio comprovado do trabalho rnonografico.

A PARTICIP A<;A.O POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO MUNICIPAL DE FLORIANO POLIS

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“Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo.” (Karl Marx).

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso versa sobre os instrumentos de fomento à participação social no processo legislativo municipal de Florianópolis. Busca-se estudar a evolução histórica das relações da sociedade civil brasileira, suas ferramentas participativas na tomada de decisões públicas e a conexão da participação popular com os ideais de um modelo de Estado Democrático de Direito, da mesma maneira que propõe-se uma sugestão de alteração do Regimento Interno da Câmara Municipal de Florianópolis em uma perspectiva de abertura à participação. No intuito de alcançar o mencionado objetivo, utiliza-se como método de abordagem o pensamento dedutivo e de natureza qualitativa, viabilizado por intermédio do método do procedimento monográfico e das técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, com base em obras, artigos, dissertações e teses do campo das ciências jurídicas, políticas, sociológicas e da administração pública, bem como em leis federais e municipais. Conclui-se com a apresentação da sugestão de alteração do Regimento Interno, destacando a ampliação da transparência, da accountability e da efetividade do processo legislativo municipal, da mesma maneira que cumpre com duas das metas estipuladas pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável que visam garantir uma tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa nas decisões do Poder Legislativo Municipal.

Palavras-chave: Democracia. Processo legislativo municipal. Participação popular. Objetivos do desenvolvimento sustentável.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 9

2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA SOCIEDADE CIVIL BRASILEIRA ... 11

2.1 BRASIL COLÔNIA ... 11 2.2 BRASIL IMPERIAL ... 14 2.3 PRIMEIRA REPÚBLICA ... 18 2.4 ERA VARGAS ... 21 2.5 REPÚBLICA POPULISTA ... 24 2.6 DITADURA MILITAR ... 25 2.7 NOVA REPÚBLICA ... 27

3 PARTICIPAÇÃO DA CIDADANIA NOS PROCESSOS DE DECISÃO ... 31

3.1 O ESTADO DE DIREITO ... 31

3.2 A PARTICIPAÇÃO POPULAR ... 35

3.3 O CONTEXTO LOCAL ... 40

4 PROCESSO LEGISLATIVO PARTICIPATIVO EM FLORIANÓPOLIS ... 49

4.1 O PROCESSO LEGISLATIVO MUNICIPAL ... 49

4.2 A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO MUNICIPAL ... 52

4.3 PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DO REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA ... 55

5 CONCLUSÃO ... 67

REFERÊNCIAS ... 69

APÊNDICES ... 76

APÊNDICE A – PROJETO DE RESOLUÇÃO DA CÂMARA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS ... 77

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1 INTRODUÇÃO

Nos dias que correm, observa-se uma desmoralização da política, uma grande ausência de interesse por tudo o que é público, exacerbadas privatizações das relações sociais e uma monstruosa anomia das instituições estatais.

Para superar essa angústia brasileira contemporânea que nos faz lembrar o ditado popular, segundo o qual “nada está tão ruim que não possa piorar um pouco mais”, faz-se necessário o fomento ao senso comunitário com a ampliação das ferramentas da democracia participativa.

No âmbito do processo legislativo municipal, entende-se necessário a existência de ferramentas jurídico-políticas de participação popular em Florianópolis, cidade onde reside o presente autor inspirado pelo seu cenário político, verifica-se que as possibilidades de interação do povo com a Câmara Municipal são ainda muito limitadas.

Uma das formas de aprimoramento da confiança da população, traduzindo-se em legitimidade na tomada de decisões por agente públicos, tem sido a aplicação dos fundamentos da democracia participativa no processo de elaboração das leis.

Neste contexto, o objeto do presente estudo é a participação popular no processo legislativo da mesma maneira que o problema desta pesquisa é: qual seria a melhor proposta jurídica afim de ampliar a participação popular no processo legislativo municipal de Florianópolis?

Procura-se, neste trabalho, a construção de uma ciência que faça algum sentido, bem como produza reflexos positivos na comunidade local, em consonância com as demandas de um processo legislativo municipal participativo. Na execução, faz-se uma abordagem dedutiva, pois parte-se da análise de um contexto maior de democracia e participação popular para justificar a relação com a prática legislativa local, no que tange à técnica empregada na coleta de dados utiliza-se dos procedimentos da pesquisa bibliográfica, documental, bem como da análise de dados secundários extraídos de outras pesquisas cujas abordagens são aderentes à temática aqui tratada.

Para entender os fenômenos e teorias que orientam o processo legislativo municipal brasileiro, resgatam-se os conceitos de democracia, cultura política e capital social na sociedade civil dentro de seu contexto histórico-social.

Como pressupostos deste trabalho, adota-se o entendimento de que a abordagem do conhecimento relacionado ao processo legislativo não deve ser limitada a uma metodologia jurídico-positivista, pois é imprescindível a integração com outras metodologias,

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como a da fenomenologia e da teoria crítica para que haja possibilidade, mesmo que dentro das limitações racionais do pesquisador, de construir um conhecimento mais sólido do que está por trás daquilo que é o processo legislativo municipal brasileiro.

A relação entre os subcampos do direito, da teoria política e da administração pública que envolve o processo legislativo é ambígua, uma vez que todos possuem heranças filosóficas em comum e que não podem ser analisadas de forma isolada.

Deste modo, o primeiro capítulo deste trabalho visa compreender a construção histórica, política e jurídica do processo legislativo democrático brasileiro. No segundo capítulo busca-se expor os atuais meios de participação da cidadania nos processos de decisão política municipal. E por fim, replicar a proposta do processo legislativo participativo das “novas medidas contra a corrupção” de forma a cumprir com duas das metas dispostas nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas no Município de Florianópolis.

Espera-se que as propostas aqui apresentadas suscitem novas reflexões sobre a necessidade de ampliação dos meios de participação popular, bem como subsidiem a formulação e o fortalecimento da política municipal de desenvolvimento sustentável em Florianópolis.

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2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA SOCIEDADE CIVIL BRASILEIRA

Para entender os fenômenos e teorias que orientam o processo legislativo municipal brasileiro, faz-se necessário resgatar os eventos históricos e suas interações com os conceitos de democracia, cultura política e capital social na sociedade civil. Por conseguinte, este capítulo, far-se-ão recortes históricos para tentar-se compreender a construção histórica, política e jurídica do processo legislativo municipal brasileiro.

2.1 BRASIL COLÔNIA

O primeiro recorte abrange a chegada dos portugueses em território brasileiro, em 22 de abril de 1500, até 16 de dezembro de 1815 quando o Príncipe Dom João VI eleva o Brasil à categoria de Reino.

O município no Brasil-Colônia reproduziu a organização, atribuições políticas, administrativas e judiciais do modelo de município português, que foram regidas pelas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, com sua expansão e autonomia limitada pela centralização do poder nas Capitanias e pelo pouco auxílio de seus donatários (MEIRELLES, 2017).

Destaca-se que em Portugal, vigorava o estatuto da pureza de sangue que limitava o acesso a cargos públicos, eclesiásticos e a títulos honoríficos aos chamados cristãos velhos de famílias que já seriam católicas há pelo menos quatro gerações, tais limitações remontam às Ordenações Afonsinas, que excluíam os descendentes mouros e judeus; as Ordenações Manuelinas que estenderiam as restrições também aos descendentes de ciganos e indígenas e; as Ordenações Filipinas que acrescentariam à lista de exclusão os negos e os mulatos (MATTOS, 2004, p. 14).

O estatuto da pureza de sangue, apenar de sua base religiosa, construía uma estigmatização baseada na ascendência de caráter proto-racial que era usada para garantir privilégios e a honra da nobreza formada por cidadãos velhos, no mundo dos homens livres (MATTOS, 2004, p. 14-15).

Para Oliveira (2010, p. 19), havia clara tarefa de centralização da figura do poder na figura do monarca com a utilização das estruturas jurídicas, via-se uma procura em reforçar a supremacia do Rei também no campo jurídico.

Neste período visualizava-se que a lei funcionava como a vontade concreta do monarca, era pacífico a ideia de que “a força da lei fosse a força do Príncipe, toda e qualquer

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violação à regra estatal era, antes de mais nada, desafio à própria ordem jurídica e à sua auctoritas” (OLIVEIRA, 2010, p. 19-20).

O Estado era considerado um amálgama de funções em torno do rei, pois não havia divisão de poderes ou funções, neste sentido, o papel da justiça real era diverso, absorvendo atividades políticas e administrativas, ao mesmo tempo que coexistia com outras instituições judiciais, como a justiça eclesiástica e a da Inquisição (WEHLING, 2004, p. 15).

Ou seja, a norma jurídica representava apenas mais um elemento de poder do monarca, haja vista as normas possuírem um simbolismo de coerção moral, assim:

A soberania afiançada pelos diversos elementos simbólicos, exibia um folclore do poder, que procurava exercer sobre os súditos uma verdadeira coerção moral e por vezes permitia que até os príncipes notoriamente frágeis e inseguros exercessem desmedido poder, com bases exclusivamente nesses ícones de autoridade transcendental (OLIVEIRA, 2010, p. 20).

Este simbolismo da lei como fator de coerção moral e fonte de poder centralizada no monarca foi importado de Portugal para o Brasil, Gabriel Cohn (2012), destaca que modelo de Estado Português diferenciava-se em muito dos outros modelos de soberania e poder estatal apresentados em outros países europeus na mesma época.

Verifica-se que essa distinção entre o modelo português dava-se principalmente devido a ausência de autonomia política dos feudos naquele território e nas relações patrimonialistas de organização de poder, assim:

Na ausência de corpos intermediários dotados de autonomia política como os feudos, a experiência histórica portuguesa se dá mediante um desdobramento peculiar da forma patrimonialista de organização de poder. Nesta o mandatário detém a propriedade da riqueza e governa mediante funcionários que são extensão da casa. A revolução de 1385 em Portugal nem concentrou tudo na figura real nem assegurou o poder de uma classe (que no caso seria algo como uma burguesia comercial). Embora comerciantes e financistas tivessem se beneficiado, um novo ator emergiu para ocupar posição vantajosa na estrutura social de poder que se constituía: o dos peritos nas leis e nas técnicas de mando. Associados num grupo que se revelava indispensável ao governo do rei-proprietário, seus integrantes assentaram as bases para a moldagem de um ente social capaz de se reproduzir indefinidamente, mediante a aplicação de um princípio de aglutinação interna e diferenciação externa consoante uma concepção de honra associada ao pertencimento ao grupo. (FAORO, 2012, p. 4)

Ante o exposto, o modelo das relações sociais na organização da sociedade civil portuguesa eram de cunho patrimonialista, por consequência aquela sociedade era estratificada de acordo com cada honraria social nos moldes do estatuto do sangue, essa estratificação condicionada a honrarias sociais não foi observada no restante das sociedades europeias, lá o poder era distribuído de forma distinta e geralmente concentrada na autonomia política e organização do feudo (FAORO, 2012, p. 04)

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Percebe-se que a tese de Faoro (2012) baseava-se na ideia de que em Portugal não houve uma descentralização feudal, como no restante da Europa, ao contrário, houve uma centralização do poder na realeza que escolhia a dedos quem iria conceder honrarias sociais que abriam portas para a celebração de negócios com o Reino, havia um compartilhamento de poder político e econômico do rei para com seus amigos.

Após a chegada dos portugueses no Brasil, observa-se que essa estrutura de compartilhamento de poder e estratificação social foi replicada. Além do mais, cabe-se destacar que a sociedade civil brasileira em formação, assim como em Portugal, também era fortemente influenciada pelo cristianismo.

Andion e Serva (2004, p. 16) observam que as primeiras organizações sem fins lucrativos no Brasil foram as Santas Casas de Misericórdia que eram mantidas pela igreja católica e contava com o apoio da Coroa Portuguesa na prestação de serviços de saúde aos menos favorecidos, as irmandades e as ordens terceiras, além de outras instituições religiosas não católicas.

Quer dizer que nesse período, a concepção de “sociedade civil se via atrelado às ideias de filantropia e caridade”, onde todos os pobres que representavam a maior parte da população, eram “percebidos não como cidadãos portadores de direitos, mas como “objetos da bondade de seus benfeitores” (ANDION; SERVA, 2004, p. 16).

Em suma, observa-se que o período colonial demonstra que as leis eram atreladas a vontade concreta do monarca, o Estado não possuía uma divisão organizacional clara e a sociedade era estratificada em forma de honrarias, onde somente aqueles considerados “cidadãos honrados e de bem” eram os agraciados de poder político e econômico advindo dos negócios de coalizão com o reino.

Naquela sociedade havia uma interação entre diferentes etnias e diferentes estatutos jurídicos (homem livre, indígenas em semi-servidão ou escravidão, escravos africanos, libertos), todos aqueles em situação de escravidão possuíam o status jurídico de propriedade, sem qualquer reconhecimento de sua personalidade jurídica e cidadania (WEHLING, 2004, p. 182).

O Império Português, como sociedade do antigo regime, entendia como desígnios divinos as hierarquias sociais, do divino direito do rei à pureza de sangue da nobreza formada por cristãos velhos. Assim todos os súditos do rei tinham seu lugar social e nele eram pelo rei protegidos. Fazer parte do Império significava tornar-se católico através do batismo; nesse sentido a escravidão dos bárbaros era bem vinda, se fosse o único caminho para servir ao rei e

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a verdadeira fé. Isto era válido para a escravidão africana ou para a indígena legalizada através da guerra justa (MATTOS, 2004, p. 15).

Ressalta-se que a legislação portuguesa em relação à escravidão, tanto na metrópole, quanto nas colônias, era profundamente imprecisa e instável. Entende-se que o problema estava no confronto entre os fundamentos cristãos da sociedade e a realidade objetiva da escravidão, sustentada por interesses de consumidores, como os proprietários rurais coloniais e fornecedores, como os empreendimentos comerciais negreiros que se consolidaram no Atlântico nos séculos XVII e XVIII (WEHLING, 2004, p. 182).

Em Santa Catarina, a província de desterro é fundada por Dias Velho em 1675, estabeleceu-se uma colônia de imigrantes dos Açores incentivados e subsidiados pela Coroa Portuguesa com o objetivo de sanear o excesso de população dos Açores e a necessidade de manter uma força militar no cone sul (SACHET; SACHET, 1997, p. 40).

Constata-se que a sociedade civil era insipiente e muito ligada à noção de caridade advindo da religião cristã, nesse contesto, possivelmente, todo e qualquer benefício social era interpretado como benesse do monarca para com aqueles não honrados o suficiente para ter uma posição social de destaque, nem todos tinham a prerrogativa de ter o reconhecimento de sua condição humana, tampouco de sua cidadania.

2.2 BRASIL IMPERIAL

Este período abrange a proclamação da independência do Brasil por Dom Pedro II, em 07 de setembro de 1822, até a proclamação da República Brasileira, em 15 de novembro de 1889, por intermédio de um golpe de Estado político-militar.

Em tal período Angelo (2015, p. 31) aponta que “o então príncipe regente D. Pedro, que comandou o processo de Independência, tinha forte personalismo e era adepto da centralização administrativa”. Isso posto, entende-se que o forte personalismo e centralização de poder que não divergiam dos monarcas anteriores que comandavam o Brasil colonial, as relações patrimonialistas permaneciam e a lei era usada para reforçar e expressar as vontades do príncipe regente.

Verifica-se que a sociedade manteve-se estratificada da mesma maneira onde poucos tinham o status de “cidadão” reconhecido, desse modo:

[...] nem todas as pessoas eram consideradas habilitadas a exercer e a discutir a política, e uma parcela ainda menor tinha direito a eleger os representantes; os “habilitados” desfrutavam de poder político e/ou econômico, ao contrário das camadas menos favorecidas da sociedade, as quais, uma vez privadas de recursos

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para se instruírem e convivendo em ambientes supostamente pouco convidativos ao diálogo construtivo e à articulação política, não teriam – no entendimento dos agentes – capacidade de decisão, e deveriam ser “tuteladas”. (ANGELO, 2015, p. 32)

Os eventos que culminara naquilo que se chamou independência do Brasil, segundo Falchetti (2010, p. 46), foi resultado de um “encontro” entre a elite política, que desejava implementar seu projeto de nação, e uma elite econômica, que desejava assegurar as condições comerciais adquiridas após a promoção do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarves.

Com a outorga da Constituição Política do Império do Brasil, em 25 de março de 1824, os povos indígenas, “assim como no período da América portuguesa, continuaram como “tutelados”, de condição jurídica indefinida, e sequer foram mencionados na Constituição” mantinha-se um posicionamento “de “civilizar” o índio, desta vez sob a lógica de um país que também se queria “civilizado” nos padrões europeus” (ANGELO, 2015, p. 41).

A Constituição de 1824 naturalizou todos os nascidos em Portugal que aqui permaneceram após a independência e que tivessem aderido à “causa do Brasil” que era marcada por uma linguagem racial, na qual a origem africana era esgrimida como marca de discriminação pelo “partido português e absolutista” e como signo da identidade brasileira pelo povo nas ruas, jogando “cabras” contra “caiados”, “brasileiros pardos” contra “branquinhos do reino” (MATTOS, 2004, p. 19).

Ademais, por intermédio da Constituição Imperial de 1824, apesar do interesse centralizador governamental do regime monárquico, foram criadas as Câmaras Municipais com eleição de vereadores, porém a municipalidade era subordinada aos presidentes das Províncias de forma administrativa e política. Os municípios eram apenas uma divisão territorial sem autonomia financeira na gestão de seus interesses e influência política, as câmara eram entendidas como corporações administrativas (MEIRELLES, 2017).

Angelo (2015, p. 46) observa que desse período histórico pode-se extrair que a “preocupação era a de manter a unidade do território nacional” e o “compromisso com o liberalismo econômico” do monarca que manteve a sua “atuação centralizadora e pessoal” por meio da invenção jurídica de um Poder Moderador.

Entretanto, Falchetti (2010, p. 46) ressalta que “embora fossem inspirados por ideais liberais, a elite política, por si só, representavam um traço de continuidade em relação a Portugal e à antiga ordem social”. Pois, segundo a autora, “o projeto de nação que se firmava

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conservava a escravidão e a monarquia como elementos de sustentação da proposta de unidade territorial”.

Para a elite política a unidade territorial exigia a consolidação de um Estado forte e centralizado e a monarquia era o elemento de integração política e social. Para os escravocratas a unidade territorial assegurava a manutenção da escravidão, protegendo-os das revoltas abolicionistas regionais. (FALCHETTI, 2010, p. 46)

Nos primeiros anos do período regencial, proliferavam os pasquins exaltados, todos lutando pela igualdade de direito entre os cidadãos brasileiros independentemente da cor, garantida na Constituição, tais grupos afirmavam que “não há mais que escravos ou cidadãos”, e, portanto, “todo cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis e militares, sem outra diferença que não seja a de seus talentos e virtudes” (MATTOS, 2004, p. 20).

Em síntese, observa-se que o poder que foi descentralizado pelo monarca, ficou nas mãos dos grandes proprietários de terras, pois “o projeto de Estado-nação brasileiro teria de contemplar os interesses políticos e econômicos dos grandes proprietários rurais, aos quais seria concedida capacidade de articulação e considerável poder de decisão”. (ANGELO, 2015, p. 46)

Esses grandes proprietários rurais produziam bens, na ampla maioria, como no período colonial, destinados à exportação, a maior força da economia era a agrícola, nesse sentido a essência da formação do Estado-Nação Brasileiro era a produção de bens com baixo valor agregado, ou melhor:

Se vamos à essência de nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. E com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economias brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura, bem como as atividades do país (PRADO JUNIOR, 2000, p. 20).

Neste período, constata-se que o foco do Estado se mantinha focado na ocupação e exploração de território agrícola assim como no período colonial, já os países europeus passavam por um processo de fabricação de produtos com maior valor agregado, chamava-se revolução industrial.

Havia a percepção de que o Estado brasileiro foi uma forma de internalizar os centros de decisão política e de instrumentalizar o predomínio das elites nativas dominantes, numa forte confusão entre público e privado” (FERNANDES, 1987, p. 33).

Quando pela primeira vez se definiu uma cidadania brasileira em 1822, o Brasil comportava uma das maiores populações escravas das Américas, juntamente com a

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maior população afrodescendente do continente. Havia a concepção de que a adoção da opção por uma monarquia constitucional de base liberal, traria o reconhecimento de que todos os homens eram cidadãos livres e iguais. Porém, a instituição da escravidão permaneceu inalterada, garantida que era pelo direito de propriedade reconhecido pela nova Constituição (MATTOS, 2004, p. 07).

Além das tensões mobilizadas por pessoas livres e pelos indígenas tutelados, as revoltas escravas foram muito importantes no Brasil desse período [...]. A Monarquia Constitucional do Brasil chancelou a escravidão diante da crescente necessidade de mão de obra e do consenso dos grandes proprietários de que essas “mercadorias africanas” eram de fundamental importância para o bom desenvolvimento das unidades de produção que possuíam. (ANGELO, 2015, p. 41)

Tal situação, é apontada como uma distorção típica do processo de emancipação política do Brasil, que teria se feito sob a égide do Príncipe português e sob o controle de proprietários de escravos. Assim, a manutenção da escravidão contrastava com a ideologia liberal na chamada geração independência (MATTOS, 2004, p. 07-08).

Visualiza-se que a sociedade civil brasileira dessa época aceitava em sua composição somente a figura do homem, branco, cristão, rico proprietário de terras, bem como democracia, a tomada de decisões conjuntas entre esses privilegiados.

De forma abrangente, nesse período ocorreram algumas manifestações populares que continham um caráter descentralizador e separatista, porém essas manifestações acabaram sendo massacradas pelas forças da legalidade (GOHN, 1995 apud FALCHETTI, 2010, 47).

As alianças construídas eram tênues e contraditórias devido à diversidade das lutas entre os segmentos sociais, pois os pequenos proprietários ou comerciantes almejavam diminuição dos impostos e liberdade de comercialização; os soldados queriam o aumento do soldo; os padres e religiosos queriam o fim das restrições e perseguições pombalinas a seus trabalhos; os índios queriam a liberdade de sua cultura; e os negros alforriados queriam oportunidade de trabalho (GOHN, 1995 apud FALCHETTI, 2010, 47).

Há de se ponderar que:

[...] embora as estratégias de luta fossem eficazes, faltava um projeto político-social articulado que fundamentasse tais ações. De outro lado, a não unidade das ações facilitava o desmonte das lutas mediante a repressão e a manipulação das massas durante as manobras das elites locais pelo poder”, bem como segundo ela “a fragilidade e dificuldade de organização popular, próprias da época, canalizavam as lutas para a questão da “nação”, onde eram protagonizadas pelas elites agrárias que

tinham mais acesso às novas doutrinas e concepções de sociedade. (FALCHETTI,

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Ou seja, sem a articulação de um projeto político social, houve clara manipulação dos interesses das elites dominantes para que sua agenda fosse atendida prioritariamente em detrimento daqueles menos assistidos.

Resumidamente, entende-se que o período imperial foi conhecido como um período de implementação da ideologia liberal estritamente vinculada ao viés econômico, enquanto que a estratificação social permanecia latente entre os homens velhos cristãos ricos considerados cidadãos e o restante da população que não possuía reconhecimento estatal de suas demandas, muito menos possuíam poder de influenciar decisões do regente.

2.3 PRIMEIRA REPÚBLICA

Aqui aborda-se o início da primeira República Brasileira, em 15 de novembro de 1889, até o golpe de 1930, que depôs o então presidente da república Washington Luís, em 24 de outubro de 1930.

Observa-se que a proclamação da República, em 1889, foi resultado de um “novo consenso entre as elites política e econômica”, que desta vez tinha por objetivo “à descentralização e à autonomia regional”. Ou seja, seguia um esquema coronelista, “todas as mediações políticas passavam pelas oligarquias”, cujo poder era exercido a partir das unidades político-administrativas regionais (FALCHETTI, 2010, p. 48).

No que se refere aos direitos civis, pouco foi acrescentado pela Constituição de 1891, o mesmo se pode dizer dos direitos políticos, pois as inovações republicanas referentes a franquia eleitoral resumiram-se em eliminar a exigência de renda, mantendo a de alfabetização (CARVALHO, 2012, p. 43).

Ou seja, mesmo com a proclamação da República, o povo não fez parte da formulação e configuração do Estado, visualiza-se que o poder local se instaurou por meio de acordos entre oligarquias com base no sistema coronelista, bem como nas trocas de apoio político por verbas, votos e cargos. (FALCHETTI, 2010, p. 48)

Durante a vigência da Constituição de 1891, havia a previsão legal, no artigo 68, sobre a organização dos Municípios, sendo que “os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.” (BRASIL, 1891).

Entretanto, apesar da previsão, na prática o hábito da centralização que vinha da constituição anterior, o fenômeno do coronelismo, e a ausência de coesão social e

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emancipação política da população, transformaram os municípios em feudos políticos de propriedade particular do coronel, que era eleito ou nomeado pelo representante do estado, sendo assim, o coronelismo reprimiu a liberdade municipal e desvirtuou o sistema eleitoral para dominação do governo local (MEIRELLES, 2017).

Sobre o distanciamento entre as normas legais e práticas, destaca que “no país onde impera a lógica do favor, as elites apropriam-se de ideais trazidos dos países centrais para desenhar instituições formais modernas, enquanto que as relações sociais são regidas por práticas clientelistas” (SCHWARZ, 1977 apud FALQUETTI, 2010, p. 49).

O espírito das mudanças eleitorais republicanas era o mesmo de 1881, quando foi introduzida a eleição direta, pois o processo indireto permitia razoável nível de participação no processo eleitoral, em torno de 10% da população total, enquanto que eleição direta reduziu este número para menos de 1 %. Com a Republica houve aumento pouco significativo para 2% da população na eleição presidencial de 1894. Percebera-se que, no caso brasileiro, a exigência de alfabetização, introduzida em 1881, era barreira suficiente para impedir a expansão do eleitorado. O Congresso Liberal de maio de 1889 já o dissera abertamente ao aceitar como indicador de renda legal o saber ler e escrever. Por trás desta concepção restritiva da participação estava o postulado de uma distinção nítida entre sociedade civil e sociedade política (CARVALHO, 2012, p. 43-44).

Nesse período Falchetti (2010, p. 48) aponta que “a persistência do trabalho escravo teria retardado a constituição de uma força política mais contundente, característica do movimento operário e, consequentemente, houve um retardo da construção da cidadania”.

Para Fernandes (1987, p. 193) o trabalho nasce “fadado a articular-se, estrutural e dinamicamente, ao clima de mandonismo, do paternalismo e do conformismo, imposto pela sociedade existente”.

O patrimonialismo implica que grupos dominantes se apoderem dos bens públicos, tratando-os como patrimônio privado, eles ocupam os aparelhos do Estado, controlam grandes projetos, negociando-os com empresas privadas e cobrando propinas, seja pela mediação ou pelo superfaturamento (BOFF, 2018, p. 29).

Os acontecimentos políticos eram representações em que o povo comum aparecia como espectador ou, no máximo, como figurante. Ele se relacionava com o governo seja pela indiferença aos mecanismos oficiais de participação, seja pelo pragmatismo na busca de empregos e favores, seja, enfim, pela reação violenta quando se julgava atingido em direitos e valores por ele considerados extravasantes da competência do poder. Em qualquer desses casos, uma visão entre cínica e irônica do poder, a ausência de qualquer sentimento de

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lealdade, o outro lado da moeda da inexistência de direitos. A lealdade era possível em relação ao paternalismo monárquico, mais de acordo com os valores da incorporação, não em relação ao liberalismo republicano (CARVALHO, 2012, p. 163).

Com a economia voltada para a agro exportação e o Estado estruturado conforme os interesses da elite agrária, não havia intervenção estatal na questão social. “A política social da oligarquia consistia no estimulo à imigração de braços para a lavoura do café e na repressão. [...] Nessa realidade e com essa ideologia, a oligarquia faz encalhar todos os projetos de leis relativos à legislação social” (FALEIROS, 1980, p. 126-127 apud FACHETTI, 2010, p. 48)

Nesse período, a greve geral de 1917, o anarco-sindicalismo, a fundação do partido comunista e o Movimento Tenentista. Tais movimentos vão, no final da década de 20, se constituir como uma força política “anti-estatal”, se contrapondo ao regime vigente e, ao mesmo tempo, exigindo uma maior atenção por parte do Estado. Nesse sentido, percebe-se nessa fase da história que, inicialmente, a mobilização da sociedade civil tem uma forte ligação com a esfera religiosa, assumindo um caráter de filantropia e de caridade para com os pobres (ANDION; SERVA, 2004, p. 16).

A Republica, ou os vitoriosos da Republica, fizeram muito pouco em termos de expansão de direitos civis e políticos. O que foi feito já era demanda do liberalismo imperial. Pode-se dizer que houve até retrocesso no que se refere a direitos sociais. Algumas mudanças, como a eliminação do Poder Moderador, do Senado vitalício e do Conselho de Estado e a introdução do federalismo, tinham sem dúvida inspiração democratizante na medida em que buscavam desconcentrar o exercício do poder. Mas, não vindo acompanhadas por expansão significativa da cidadania política, resultaram em entregar o governo mais diretamente nas mãos dos setores dominantes, tanto rurais quanto urbanos. O Império tornara-se um empecilho ao dinamismo desses setores, sobretudo os de São Paulo. O Estado republicano passou a não impedir a atuação das forças sociais, ou, antes, a favorecer as mais fortes (CARVALHO, 2012, p. 45-46).

Em suma, observa-se que o Brasil neste período esteve à mercê do domínio e dos interesses da elite política que era representada pelos grandes proprietários de terras que cultuavam um liberalismo econômico, porém desconsiderando as desigualdades sociais, o peso das tradições escravistas e coloniais se mantinham com toda a força como dogmas sociais, impossibilitando o desenvolvimento das liberdades civis e ao criando grande descrédito e desconfiança da população com relação aos reais interesses daqueles que mantinham relações com o governo.

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2.4 ERA VARGAS

Este período engloba a pós deposição de Washington Luís, em 24 de outubro de 1930, até o fim do governo provisório de José Linhares, em 01 de janeiro de 1946, que substituiu Getúlio Vargas após sua renúncia, em 29 de outubro de 1945.

Após o movimento armado liderado pelos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul fomentarem em 1930 o golpe de estado que pôs fim ao período conhecido como República Velha, a Constituição de 1934 teve como reflexo os ideais sociais-democráticos que sobressaiam-se na opinião pública, fato que propôs a criação de rendas próprias municipais para a execução dos serviços públicos locais (MEIRELLES, 2017).

Com a Constituição de 1937, resultante de um novo golpe de estado em 10 de outubro de 1937, além da imediata revogação da consolidação do recém criado regime três anos antes, feriu a autonomia municipal por meio dos artigos 26 e 27 ao cassar a eletividade dos prefeitos e manter somente a dos vereadores, porém as câmaras permaneceram dissolvidas e os prefeitos eram escolhidos pelos governadores dos estados. Este período de concentração de poderes no executivo e total bloqueio a ideia de representação popular local ficou conhecido como Estado Novo (MEIRELLES, 2017).

Para combater o clientelismo e patrimonialismo, fez-se a primeira reforma do Estado Brasileiro, uma reforma burocrática, que orientou-se pelas teorias de Max Weber, sobre a essência desse novo modelo, a burocracia destaca-se:

Como é amplamente sabido, ele salientou que a racionalidade formal e instrumental (Zweckationalität) é determinada por uma expectativa de resultados, ou “fins calculados” (Weber, 1968, p. 24). A racionalidade substantiva, ou de valor (Wertrationalität), é determinada independentemente de suas expectativas de sucesso” e não caracteriza nenhuma ação humana interessada na “consecução de um resultado ulterior a ela” (Weber, 1968, p. 24-5). Nessa conformidade, Weber descreve a burocracia como empenhada em funções racionais, no contexto peculiar de uma sociedade capitalista centrada no mercado, e cuja racionalidade é funcional e não substantiva, esta última constituindo um componente intrínseco ao ator humano. (RAMOS, 1981, p. 05)

Assim, Ramos (1981) observa que no Brasil com a introdução do modelo burocrático de Weber, entendido como o mais eficiente mecanismo organizacional, ao modelo de Estado, até então, patrimonialista, cria-se uma vinculação estatal à lógica racional funcional, com o objetivo de hierarquizar o poder, reduzir as disfunções sociais e criar confiança para com o governo que passaria a adotar critérios técnicos para suas decisões políticas.

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Weber buscava melhorar a eficiência. E além se ser um valor em si mesmo, a eficiência tem outra vantagem. Ela é impessoal, e portanto justa. Ao separar a administração das políticas, aplicando o exame científico ao desenho do melhor processo de trabalho, e empregando organizações burocráticas para implementar esses processos, o governo garantiria não só que as políticas fossem justas, mas que sua implementação também o fosse (BEHN, 2014, p.08)

No modelo burocrático, há uma primazia da lei, por consequência, “as decisões devem ser justificadas em termos jurídicos. A necessidade de justificativa legal reduz o espaço de pura discricionariedade” (VIEIRA, 2008, p. 201).

A burocracia de Weber distinguia-se por ser uma organização hierárquica, onde trabalhavam pessoas indicadas, com credenciais e especialidades, que teriam obrigações regulares e oficiais, que elas executavam como se fossem “curadores”, aplicando regras racionais deforma impessoal, sobre uma jurisdição específica (BEHN, 2014, p.13).

Foi criado, em 1938, o Departamento Administrativo do Serviço Público - DASP com o intuito de racionalizar a administração brasileira, em linhas gerais, pretendia-se racionalizar a administração de materiais, revisar estruturas organizacionais, aplicar métodos administrativos nos procedimentos, implantar a carreira estruturada em torno do mérito e o orçamento integrado ao planejamento (MATIAS-PEREIRA, 2008).

Uma outra grande medida de Vargas na seara social foi a regulamentação do direito sindical em 1931, trazendo as organizações sindicais das classes operárias para as asas do Estado, ofertando a elas um status consultivo e de colaboração com o poder público, assim:

[...]Com o referido Decreto, as associações operárias passavam a transitar sob a órbita do Estado, inserindo-se num movimento de “oficialização de classes” para fins de titularidade a um benefício social (Moraes Filho, 1978). Apesar de o Decreto 19.770 instituir a sindicalização como facultativa, ela se tornava, na prática, compulsória, visto que somente os sindicalizados poderiam gozar dos benefícios da legislação social. É nesse ponto controverso da legislação trabalhista e sindical que se constituirá a amarração entre os sindicatos e o seguro social [...] O caráter compulsório (dissimulado) da filiação sindical encontrava justificativa na baixa ou quase nula sindicalização verificada entre os trabalhadores situados fora dos principais centros industriais do país. (LANZARA, 2018, p. 475-776)

Quando Vargas vincula o acesso a alguns recém criados benefícios sociais à obrigação da sindicalização ele empodera as instituições sindicais, porém, ao mesmo tempo, cria uma relação de dependência dessas organizações da sociedade civil para com a organização estatal.

Segundo Andion e Serva (2004, p. 17) na era Vargas houve a tentativa de implementação de um modelo de estado de bem-estar social, com uma valorização social de

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cunho populista e clientelista, e a sociedade civil é vista como um “braço do estado”. Além do que, a era Vargas traz consigo o estabelecimento das bases institucionais de uma democracia nos moldes das sociedades fordistas da época, estabelecendo direitos trabalhistas, um sistema de ensino público, o sufrágio universal e a constituição de 1946.

Essas iniciativas, que refletem a tentativa de instauração de um Welfare State brasileiro, serão acompanhadas da criação de grandes instituições paraestatais mediadoras entre o Estado e a sociedade (especialmente a esfera econômica) tais como o SESI – Serviço Social da Indústria, o SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial e a LBA – Legião Brasileira de Assistência. Além disso, são criados os principais sindicatos, federações e confederações que congregavam trabalhadores por empresa, região ou setor de atividade. Percebe-se então o fortalecimento dos movimentos sociais tradicionais (ANDION; SERVA, 2004, p. 17).

Nessa etapa histórica há também uma busca de profissionalização da assistência social, com a criação de cursos e valorização dessa função na esfera pública. Entretanto, a concepção que está por trás dessa valorização do social é clientelista e populista, características da ideologia do governo autoritário de Getúlio Vargas. A igreja manteve o seu papel na assistência social, sendo a sua atuação agora complementada pela “solidariedade administrativa” do Estado. Este, por sua vez, tinha como estratégia atrelar as iniciativas autônomas nascentes da sociedade civil brasileira à ação do Estado, tutelando-as a serviço do fortalecimento do governo. Percebe-se, neste caso, que a sociedade civil é vista como um “braço do estado” voltado para a execução de políticas sociais, e estas ainda são desenvolvidas a partir de uma concepção clientelista e filantrópica. Os cidadãos (muitas vezes confundidos com os trabalhadores) ainda são percebidos como beneficiários da assistência religiosa ou pública. Desta forma, a sociedade civil é compreendida muito mais como “objetivação das estruturas e da ação do Estado” do que como um ator político relevante (ANDION; SERVA, 2004, p. 17).

Assim, a Era Vargas trouxe a primeira grande reforma administrativa do Estado, a reforma burocrática, visando quebrar com o ciclo vicioso do patrimonialismo, bem como aumentar a confiança da sociedade para com o governo. Adotou-se a lógica da racionalidade instrumental privilegiando comportamentos relativos à eficiência para justificar a tomada de decisões políticas do poder executivo. Criou-se novos laços entre a sociedade civil e a organização estatal, estruturas foram criadas para fornecer acesso a população a melhorias em relação a sua qualidade de vida, houve um claro aumento das funções vinculadas ao fomento da organização do Estado em contrapartida.

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2.5 REPÚBLICA POPULISTA

Aqui visualiza-se o fim do governo provisório de José Linhares, em 01 de janeiro de 1946, até o golpe militar que depôs o então presidente eleito democraticamente João Goulart, em 31 de março de 1964.

Após a deposição do regime ditatorial pelo movimento das forças armadas em 1945, e pela superação dos ideais totalitários evidenciados na Segunda Guerra Mundial, ressurge no Brasil o ideal democrático. Na assembleia nacional constituinte de 1946, formada pela primeira vez por comissões da representação dos partidos nacionais, proporcionalmente ao número dos seus deputados e senadores, a descentralização do executivo viu-se necessária, ganhando, assim, o municipalismo pois houve uma distribuição de competências e poderes políticos, administrativos e financeiros de forma equitativa entre a União, Estados e Municípios. Pela primeira vez a autonomia municipal passou a ser exercida de direito e de fato nas administrações locais (MEIRELLES, 2017).

Neste período histórico verifica-se um aumento do processo de industrialização da economia que nos anos 50, redefiniu a estrutura de classes do país, reestruturando as instituições políticas oligárquicas dominadas pelas antigas aristocracias rurais e consolidando o advento de um novo proletariado de origem rural: massa urbana recém-chegada do campo, vivendo nas periferias dos centros urbanos industriais e sem vínculos simbólicos, políticos ou organizativos com a antiga classe operária formada no início do século XX (BRAGA; SANTANA, 2009, p. 298).

Observa-se que uma das principais características do fenômeno populista é o tipo de vínculo “carismático” estabelecido entre as massas urbanas e o líder político. Esse fato supõe a utilização de um diversificado sistema de técnicas políticas utilizadas para construir o consentimento das classes trabalhadoras ao projeto político populista, além de garantir a adesão das classes médias urbanas (IANNI, 1978, apud BRAGA; SANTANA, 2009, p. 298).

Por conseguinte em tal período houve uma continuidade do crescimento do tamanho do Estado de bem-estar social e a formação de uma nova classe média brasileira e a reestruturação das instituições políticas com a participação do proletariado atraído do campo para os grandes centros urbanos. Esse foi um curto período de democracia que durou entre a segunda metade dos anos 50 até o início dos anos 60.

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2.6 DITADURA MILITAR

Este recorte temporal compreende o regime instaurado no qual o Brasil esteve sob o comando de governos militares, em 01 de abril de 1964, até quando assume a presidência José Sarney, em 15 de março de 1985, devido ao falecimento de Tancredo Neves.

Com o advento da Constituição de 1967 e sua emenda constitucional de 1969, manteve-se o regime federativo e a autonomia estadual e municipal, porém com um reforço nos poderes do executivo e centralização das suas normas (MEIRELLES, 2017).

Neste período adveio a segunda grande reforma administrativa, a implantação de um modelo gerencialista, inspirado na ideologia neoliberal, objetivando um processo de descentralização administrativa e a possibilidade de terceirização de algumas atividades públicas, vide o Decreto-lei nº 200/1967:

Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.

[...]

§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução. (BRASIL, 1967)

Os militares começam a começa a introduzir os fundamentos da administração privada dentro do modelo híbrido burocrático/patrimonialista existente. O Brasil é governado por um regime de exceção, há uma diminuição de direitos civis e centralização estatal da gestão social, esse novo período de autoritarismo é caracterizado por dois momentos interdependentes e fundamentais para a compreensão da composição da chamada sociedade civil brasileira (ANDION; SERVA, 2004, p. 17-18).

Além do mais, a reforma administrativa realizada em 1967, durante o governo militar, representa uma tentativa de romper com a rigidez do modelo burocrático implantado por Vargas, tentando implantar um modelo operacionalmente mais dinâmico e funcionalmente descentralizado. A reforma preconizada pelo Decreto-lei 200 criou estruturas administrativas mais autônomas, mas também ampliou a intervenção do Estado no domínio econômico, pois recomendava não só a descentralização e a autonomia da Administração indireta, mas também a terceirização (MATIAS-PEREIRA, 2008).

Há um recrudescimento da tutela do Estado nas questões civis, através da instauração do regime militar e, com ele, das estruturas hierarquizadas e centralizadas para a gestão do social, tais como o INPS – Instituto Nacional de Previdência Social, o BNH –

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Banco Nacional de Habitação, o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização, entre outros. Além disso, a ditadura faz com que muitas das iniciativas sociais que não pertenciam ao aparato governamental fossem consideradas clandestinas. Os mecanismos de comunicação civil com as esferas superiores da vida pública foram estrangulados (partidos, mídia, etc.), assim o movimento sindical que constituía no passado a coluna vertebral das mobilizações populares, foi violentamente reprimido. Em suma, reduziu-se ao mínimo a participação cívica no Estado e nas empresas. Por outro lado, é nessa mesma época que começam a florescer em diferentes partes do Brasil movimentos sociais de um novo tipo, paralelamente à criação de diversas ONG’s - organizações não governamentais (ANDION; SERVA, 2004, p. 17-18).

Embora a reforma proposta pelo Decreto-Lei 200 tenha conseguido qualificar e remunerar melhor o pessoal e tenha avançado um pouco na adoção de técnicas gerenciais, ela teve problemas, como a multiplicação dos órgãos da Administração indireta – às custas da Administração direta, que continuou marcada pelo patrimonialismo. Outros problemas incluem a incapacidade de introduzir o sistema de mérito como princípio organizador da burocracia, o problema da estabilidade no setor público, a incapacidade de relacionar a descentralização ao desempenho e a dificuldade de instituir princípios de controle que pudessem se associar ao planejamento (REZENDE, 2004).

Apesar da repressão política perpetrada pela ditadura militar, paradoxalmente observa-se a formação de uma espécie de base do que poderíamos chamar de uma sociedade civil brasileira, caracterizada pela pluralidade de ideais e de práticas, pela multiplicidade de identidades coletivas, pela automobilização e autocriação de grupos e de redes. A esse ponto, o movimento começava a engendrar a sua própria institucionalização, desembocando mais tarde na fundação de um grande número de organizações formais, bem como no estabelecimento de leis que buscavam concretizar no espaço público a legitimação de seus ideais. Numa visão geral, o movimento como um todo tinha como foco a ampliação do político através de um processo de ressignificação das práticas da democracia representativa, no qual a sociedade civil surge como alternativa para a ação política (ANDION; SERVA, 2004, p. 19).

Denhardt (2012) observa que a partir dos anos 80, após a reforma gerencial em vários Estados que incorpora a lógica e os mecanismos que regem as empresas privadas e tendo como base a concepção de proporcionar maior agilidade, eficiência e qualidade aos serviços públicos, o cidadão passa a ser visto como um cliente.

Já no que tange à participação popular, verifica-se que ela toma a dimensão central da agenda das políticas sociais estabelecidas no início dos anos 1980, pois a exclusão

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dos cidadãos da formulação e implementação das políticas públicas era um dos pontos enfatizados pelos críticos do padrão de proteção social até então presente no país, cuja reversão era considerada crucial para garantir maior universalização e equidade às políticas sociais. Propostas de reforma de diversos setores da política social, como educação, saúde, habitação, assistência social e cultura, incluíram, a partir de então, como um de seus componentes centrais, a participação popular, entendida como condição para o exercício pleno de direitos de cidadania. Somente assim, entendia-se, as políticas sociais poderiam deixar de ter um caráter a um só tempo excludente e paternalista (FARAH, 2001, p. 136-137).

Este período foi de retorno ao regime de exceção que rompeu com o curto período democrático anterior, foi uma fase regada de autoritarismo e supressão dos direitos civis, em contrapartida, as organizações da sociedade civil e movimentos sociais florescem em resposta contrária ao militarismo, bem como reforçam a necessidade de ressignificação das práticas da democracia representativa. Clama-se por um modelo de estado democrático e participativo.

2.7 NOVA REPÚBLICA

Este período envolve a posse de José Sarney, em 15 de março de 1985, até o período contemporâneo.

O ano de 1985 constitui um marco decisivo na história recente do país: após vinte e um anos, desfaz-se a ditadura militar e as instituições democráticas voltam a prevalecer. Em seguida a um período de transição que durou até 1988, uma nova Constituição foi elaborada, restabelecendo as bases legais para o exercício pleno da democracia (ANDION; SERVA, 2004, p. 19).

A Nova República, era nova no que se refere ao direito de escolher governantes, mas muito velha nas práticas eleitorais, na relação personalista entre eleitor e representante, na irresponsabilidade dos eleitos, no trato inapropriado da coisa pública por parte dos detentores de cargos executivos e legislativos (MATTA et al, 1992, p. 98).

Em seguida a adoção da nova Constituição, uma série de mecanismos vêm sendo criados no sentido de promover a descentralização da ação governamental, como também de atualizar as normas jurídicas face ao reconhecimento de direitos antes negados. Assim é que um processo de municipalização da gestão pública foi desencadeado, concedendo maiores poderes aos municípios; a criação de Conselhos Municipais em várias áreas de interesse público tais como educação, saúde, ambiente, cuidados com a infância promovem a participação da sociedade civil na resolução de questões antes restritas somente à intervenção

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da burocracia estatal; a adoção do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como do Estatuto do Idoso legitima os direitos específicos dessas parcelas da população (ANDION; SERVA, 2004, p. 19).

Desde o início do processo de redemocratização no Brasil tem havido um fortalecimento da ideia de ampliação da participação da cidadania nos processos de decisão política e na fiscalização dos gestores públicos tais esforços têm visado reverter o crescente processo de desintegração social, resultado, entre outros fatores, da diminuição do Estado como fruto da adoção de uma perspectiva neoliberal que desestruturou a sociedade sem gerar uma contrapartida criativa que possibilitasse articular um espaço comum sob novas regras. (BAQUERO, 2003, p. 83).

Foi no período redemocratização que práticas manifestaram-se por um repertório democrático de ação coletiva pelas associações voluntárias brasileiras, dentre elas, as práticas tais como organização de abaixo-assinados, convocação de autoridades estatais, demonstrações em frente a edifícios públicos e organização de assembleias de base (AVRIZER, 2012, p. 389).

Abrucio (1998) observa que a Constituição forneceu maiores poderes políticos e administrativos aos municípios, porém essa autonomia não foi efetivada em aumento proporcional no bolo tributário, os municípios, ainda dependem em grande parte das transferências de recursos de outras esferas de governo.

Entretanto, ainda hoje, as cidade não consegue transfonar sua capacidade de participação comunitária em capacidade de participação cívica. A atitude popular perante o poder ainda oscila entre a indiferença, o pragmatismo fisiológico e a reação violenta. O conluio da ordem com a desordem, da lei com a transgressão, outrora tipificado no uso de capoeiras nas eleições, continua em plena vigência através do acordo tácito entre autoridades e banqueiros do jogo do bicho. A Cidade, a Republica e a Cidadania continuam dissociadas, quando muito perversamente entrelaçadas, o esforço de associá-las segundo o modelo ocidental tem-se revelado tarefa de Sísifo. Já e tempo talvez de se fazer a pergunta se o caminho para a cidadania não deve ser outro. Se a Republica não republicanizou a cidade, cabe perguntar se não seria o momento de a cidade redefinir a Republica segundo o modelo participativo que lhe e próprio, gerando um novo cidadão mais próximo do citadino (CARVALHO, 2012, p. 164).

Uma perversa contradição cinde o Brasil de cima abaixo: a injusta distribuição de renda. Sendo um país continental e de infraestrutura industrial desenvolvida, o perfil da

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distribuição de renda é o dos pequenos países como a Guatemala, Honduras e Serra Leoa (BOFF, 2018, p. 23-24).

Segundo relatório do Banco Mundial, o Brasil é o país com o maior grau de concentração de renda do mundo. Os 10% mais ricos têm quase a metade da renda (48%), e os 20% mais pobres detêm apenas 2%. Nosso 1% dos mais ricos é mais aquinhoado proporcionalmente do que o 1% mais rico dos Estados Unidos e Inglaterra. Segundo dados do Ipea de 2016, é apenas 0,05% da população que ostenta essa escandalosa opulência (BOFF, 2018, p. 24).

Boff (2018) enumera que o Brasil precisa encontrar soluções para quatro problemas históricos, sendo eles o genocídio indígena, o passado colonial, a escravidão e o patrimonialismo e a corrupção.

Como consequência do genocídio indígena temos dificuldade em dificuldade em conviver com o diferente, entendendo-o como desigual, pois o índio ainda não é considerado plenamente gente. Por consequência suas terras são tomadas pelo avanço do agronegócio e muitos são assassinados. Diante disso chegam a cometer suicídio. Há uma tradição de intolerância e desprezo pelas nações indígenas (BOFF, 2018, p. 25).

Considerando que todo o processo colonialista é violento, uma vez que implica invadir terras, submeter os povos, obrigá-los a falar a língua do colonizador, assumir as formas políticas do outro e submeter-se totalmente a ele. As consequências no inconsciente coletivo do povo dominado são sempre baixar a cabeça e ser levado a pensar que somente o estrangeiro é bom. Desenvolveu-se um “complexo de vira-lata”, não crendo nas próprias forças e tentando imitar os modelos vindos dos países ricos, considerados os definidores dos destinos do mundo. A nós caberia nos afiliar a eles como força dependente e agregada. Dessa forma, criaram-se obstáculos para a construção de uma identidade própria e um projeto de nação autônoma e soberana que tem algo para oferecer para o devir da humanidade (BOFF, 2018, p. 26-27).

Sobre a consequência da escravidão, cabe lembrar que em torno de 4-5 milhões de africanos foram trazidos pra cá como “peças” a serem negociadas no mercado e servirem como escravos domésticos. Negamos-lhes humanidade, criaram-se instituições da Casa Grande e da Senzala em que Gilberto Freyre deixou claro que não se trata apenas de uma formação social patriarcal, mas de uma estrutura mental que penetrou nos comportamentos das classes senhoriais e depois dominantes. Eles perduram até hoje nas classes abastadas, que costumam, para salvaguardar privilégios, segurar o povo na posição de senzala. Como consequência cria-se a mentalidade de que não precisamos respeitar o outro; ele está aí para nos servir. Se lhe pagamos o salário é porque a lei trabalhista nos obriga; mas no fundo, não é

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tido como direito, pois escravos sempre trabalharam de graça. Os descendentes da Casa Grande roubam o tempo dos de baixo (negros, pobres, marginalizados). Ganham com sua exploração, ampliando o seu próprio capital social e cultural (com cursos de idiomas e pós graduação, viagens ao exterior) e condenando filhos e filhas da escravidão e da pobreza à própria reprodução biológica de sua miséria. (BOFF, 2018, p. 27).

O quarto problema a ser superado pela organização social brasileira é o patrimonialismo e a corrupção impede a possibilidade de execução de uma política integradora dos excluídos, diminuindo a perversa desigualdade social e humanizando as relações sociais para tornar a sociedade menos malvada, mais justa e digna. (BOFF, 2018, p. 30).

Observa-se que a democracia no Brasil é incipiente, e suas instituições possuem grandes distorções herdadas dos regimes autoritários passados. Faz-se necessário uma emancipação cultural do povo para que os ideais democráticos possam permear o consciente e a vontade coletiva.

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3 PARTICIPAÇÃO DA CIDADANIA NOS PROCESSOS DE DECISÃO

Nesta parte, busca-se resgatar os conceitos dos autores clássicos sobre o Estado de Direito e a participação da cidadania, bem como conectar com os fatos históricos que podem influenciar a aplicabilidade desse ideal na seara brasileira contemporânea.

Mostra-se necessário destacar os atuais meios de participação da cidadania nos processos de decisão política em nível municipal.

3.1 O ESTADO DE DIREITO

Entende-se que o Estado é uma organização artificial da sociedade civil de corpo político. O Estado de Direito para Hobbes (2004) e para Rousseau (2011) nasce com a ficção de um marco histórico da criação de um contrato social, ambos os autores, apesar de terem diferentes concepções sobre como seria o Estado de Natureza, visualizavam que a sociedade não é natural e foi instituída a partir da conveniência dos seres humanos em organizarem-se para viverem juntos. A ficção da celebração do contrato social serviu para separar a transição entre o Estado de Natureza e o Estado Civil evidenciando a conexão entre direito e Estado.

Os movimentos revolucionários liberais que geraram o sistema constitucional democrático representativo professavam o culto da lei. A base do sistema, a supremacia da lei permanece reconhecida como fundamental nos regimes constitucionais pluralistas (FERREIRA FILHO, 2012, p. 43).

Para os positivistas o direito é um conjunto de leis, ou melhor, de normas positivas. De modo que seria direito tudo aquilo que o governante ordenasse na forma de lei. Entretanto, o primado da lei nos regimes constitucionais pluralistas, como o brasileiro, é inspirado no primado do direito, ou seja, do justo, como tal considerado, num dado momento, por determinada comunidade (FERREIRA FILHO, 2012, p. 33).

Para Oliveira (2010, p. 16) o Estado de direito não é um modelo absoluto de relação política, tampouco resulta de uma síntese ou “evolução” que partiu de primitivas organizações para desembocar no que hoje vivenciamos; nem deve ser considerada a “única” ou a “melhor” forma dos indivíduos se relacionarem em sociedade.

O contrato social é a expressão de uma tensão dialética entre regulação social e emancipação social que se reproduz pela polarização constante entre vontade individual e vontade geral, entre o interesse particular e o bem comum (SANTOS, 1998, p.04).

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O Estado de Direito é uma fórmula inventada na Europa e deve ser vista como “uma construção cultural, não um produto natural”, mais do que isso “esse conceito foi criado por uma parte da humanidade caracterizada pela convicção de representar integralmente a humanidade e pela consequente intenção de se impor sobre ela valendo-se, juntamente com outros mecanismos, da instituição política do Estado” (CLAVERO, 2006, p. 641 apud OLIVEIRA, 2010, p. 17).

A ideia de Estado de Direito tem sido quase unanimemente defendida em nossos dias. Ela tem servido como um ideal extremamente poderoso para aqueles que têm lutado contra o autoritarismo e o totalitarismo nas duas últimas décadas e é considerada por muitos como um dos principais pilares de um regime democrático. Para os defensores de direitos humanos, o Estado de Direito é visto como uma ferramenta indispensável para evitar a discriminação e o uso arbitrário da força (VIEIRA, 2008, p. 186).

Apensar de não haver um consenso dentre os doutrinadores sobre o que seria Estado de Direito, observa-se haver um entendimento de que essa forma de organização política tem origem no contexto político europeu a partir do século XVIII, trazendo uma ideia homogênea de que “caberia ao Estado, e somente ao Estado estabelecer as regras jurídicas de convivência entre os cidadãos” (OLIVEIRA, 2010, p. 17).

Afirma-se que a partir das Revoluções Burguesas, no campo político, a relação entre indivíduo e sociedade teria sofrido uma significativa mutação, especialmente no que tange à forma com que o poder estatal era imposto. A norma jurídica, nesse contexto, mostrou-se um aparato útil e maleável na legitimação das forças de poder (OLIVEIRA, 2010, p. 18).

Observa-se uma disputa, neste período histórico, “pelo monopólio do poder, inclusive no campo do direito”, a incumbência de centralizar o poder na figura do monarca teve contribuições das estruturas jurídicas. Inclusive, foi no absolutismo europeu que ocorreu a promoção da reunião de normas com o objetivo de clarear as regras que deveriam ser seguidas, bem como reforçar a supremacia do monarca no campo jurídico, exemplo disso foram as Ordenações Manuelinas, Afonsinas e Filipinas em Portugal (OLIVEIRA, 2010, p. 18).

A lei “figura como parte de uma fenomenologia do concreto; aparece como aspecto tangível, uma manifestação terrena e palpável da vontade do monarca”, admitia-se que a “força da lei fosse a força do Príncipe”, nesse sentido, “toda e qualquer violação à regra estatal, era, antes de mais nada, desafio à própria ordem jurídica e à sua auctoritas.” (OLIVEIRA, 2010, p. 19-20).

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