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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO MARIANA NOGUEIRA PAIVA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

MARIANA NOGUEIRA PAIVA

LIMITES E ALCANCE DA AÇÃO CONTROLADA

EM UMA INVESTIGAÇÃO DE CRIME ORGANIZADO

(2)

MARIANA NOGUEIRA PAIVA

LIMITES E ALCANCE DA AÇÃO CONTROLADA

EM UMA INVESTIGAÇÃO DE CRIME ORGANIZADO

Trabalho de conclusão do Curso de Direito para

obtenção do título de Bacharel em Direito da

Universidade Federal do Ceará

Professor Orientador: Samuel Miranda Arruda

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MARIANA NOGUEIRA PAIVA

LIMITES E ALCANCE DA AÇÃO CONTROLADA

EM UMA INVESTIGAÇÃO DE CRIME ORGANIZADO

Monografia apresentada como elemento dos requisitos para

obtenção do título de Bacharel em Direito da Universidade

Federal do Ceará, submetida à aprovação da banca

examinadora composta dos seguintes membros:

________________________________________________

Professor Orientador Samuel Miranda Arruda

________________________________________________

Professor Lino Edmar Menezes

________________________________________________

Professor Daniel Maia

(4)

DEDICATÓRIA

(5)

AGRADECIMENTOS

A Deus, por estar sempre ao meu lado, guiando meus caminhos, abençoando-me e me encorajando nos momentos mais difíceis.

Aos meus pais, Francisco Vandick Pereira Paiva e Maria das Graças Nogueira e Silva, exemplos de força e superação, pelo amor e carinho ofertados.

À minha irmã, Melina Nogueira Paiva, pelo seu companheirismo e pela sua compreensão.

Ao meu querido Sávio Moreira Torquato, pelo incentivo na concretização dos meus projetos e, sobretudo, pela dedicação em me fazer feliz.

A todos os meus amigos, que tive a felicidade de conhecer e que, de alguma forma, contribuíram para a realização deste sonho, especialmente a Ana Luiza Noronha Lima e ao Jan Dennis Araújo Clementino, pelas angústias e conquistas divididas.

À minha família, que sempre torceu pelo meu sucesso e sempre esteve disposta a ajudar. A todos os amigos da Procuradoria da República no Ceará, os quais tornaram o meu estágio um excelente aprendizado, tanto jurídico quanto pessoal.

Ao professor Samuel Miranda Arruda, pela orientação e atenção, sem as quais não seria possível a realização deste trabalho.

Aos professores Lino Edmar Menezes e Daniel Maia, por terem aceitado, com prontidão, participar da banca examinadora da monografia.

(6)

O fim do Direito é a paz; o meio de atingi-lo, a luta. O Direito não é uma simples idéia, é força viva.

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SUMÁRIO

RESUMO, 9 ABSTRACT, 10 INTRODUÇÃO, 11

1. CRIME ORGANIZADO, 13 1.1. Conceito, 13

1.1.1. A Convenção de Palermo, 14 1.2. Características, 16

1.3. Meios Investigativos e de Prova instituídos pela Lei 9.034/1995, 18

1.3.1. Acesso a Dados, Documentos e Informações Fiscais, Bancárias, Financeiras e Eleitorais, 19

1.3.2. Captação e Interceptação Ambiental de Sinais Eletromagnéticos, Óticos ou Acústicos, 22

1.3.3. Infiltração de Agentes, 23 1.3.4. Delação Premiada, 27 1.4. Combate ao Crime Organizado, 29 2. AÇÃO CONTROLADA, 32

2.1. Flagrante, 32 2.1.1 Espécies, 32

2.2. Conceito de Ação Controlada, 34

2.3. Ação Controlada na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), 36 2.4. Desnecessidade de Autorização Judicial, 39

2.5. Ação Controlada e Entrega Vigiada no Plano Internacional, 41 3. CRIMES COMETIDOS NO CURSO DA AÇÃO CONTROLADA, 44

3.1. Início e Fim da Ação Controlada, 44

3.2. Bens Jurídicos Tutelados pelo Direito Penal, 45 3.2.1. O que são Bens Jurídicos?, 45

3.2.2. Bens Jurídicos no Direito Penal, 46

3.2.3. Bens Jurídicos Tutelados contra o Crime Organizado, 48 3.3. Princípio da Proporcionalidade, 50

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(9)

RESUMO

(10)

ABSTRACT

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INTRODUÇÃO

Basta ligar a televisão, acessar a internet ou ler os jornais e revistas para perceber que as ações do crime organizado estão se tornando sempre mais ousadas e estruturadas.

Quando se menciona “crime organizado”, lembra-se do comércio de drogas e armas em morros ou favelas e de facções criminosas atuantes dentro de presídios, com estatuto próprio, divisão de tarefas e hierarquia, a exemplo do PCC (Primeiro Comando da Capital), do CV (Comando Vermelho) e da ADA (Amigos dos Amigos). Entretanto, o crime organizado é bem mais ofensivo à comunidade, pois também pode contaminar o Poder Público e, ainda, não respeita os limites estabelecidos pelas fronteiras nacionais e internacionais.

Entre os diversos e múltiplos conceitos jurídicos, econômicos e políticosociais do crime organizado, há um consenso. A existência de tal modalidade criminosa é demonstração de um poder paralelo não legitimado pelo povo e que ocupa lacunas deixadas pelas deficiências do Estado Democrático de Direito; é, ainda, a demonstração da falência do modelo estatal de repressão à macrocriminalidade, que, no dia-a-dia, vem mostrando um Estado anêmico.

A grande questão é como prevenir, controlar e reprimir o crescimento do crime organizado. Em um ponto, não há discordância: o combate ao crime organizado é uma tarefa árdua, pois, afinal, as organizações criminosas possuem um alto poder de corrupção e de intimidação, entre outras características.

O presente trabalho irá tratar do crime organizado como pano de fundo, explicando o seu conceito e toda a discussão que lhe envolve. Também tratará de suas características e dos instrumentos que podem ser utilizados na sua investigação, bem como de outras formas de combater essa conduta que se propaga de diversas formas em nossa sociedade.

Devido às suas peculiaridades, o Estado, tentando conter essa avalanche de criminalidade, editou a Lei 9.034/1995 para disciplinar, de maneira mais específica, essa conduta que cada vez mais se dissemina e causa medo a todos os brasileiros.

Além disso, a República Federativa do Brasil participa de inúmeras Convenções que possuem como objetivo a contenção das mais variadas facetas em que o crime organizado pode se transfigurar.

(12)

internacionais também preveem essa técnica de investigação, em decorrência do seu alto grau de eficácia.

O combate às organizações criminosas precisa de mecanismos diferenciados, e a ação controlada é um desses meios. Ela tem o seu conceito muito bem definido no art. 2º, II, da Lei 9.034/1995. Porém, na prática, não há nenhuma regulamentação ou limitação, deixando-se seu alcance ao alvedrio das autoridades responsáveis pela investigação ou persecução penal.

Sabe-se que, no Direito Penal e no Processo Penal, não há margem para o subjetivismo, em razão da vinculação ao princípio da estrita legalidade. A falta de qualquer regulamentação pode dar ensejo a arbitrariedades e ao abuso de autoridade na busca desenfreada de provas e informações.

Além do conceito da ação controlada, o trabalho abordará as críticas feitas a esse instituto, sua importância no âmbito internacional, suas características, enfim, as discussões pertinentes.

A questão que será posta em xeque nesse trabalho de monografia é: se, durante o período em que as organizações criminosas estiverem sob a ação controlada e, obviamente, sob a observação e o acompanhamento policial, vierem a cometer outros delitos, deverão as autoridades intervir ou deixar que os crimes cometidos no ínterim de dita ação se consumem? Ou seja, quais são os limites e o alcance da ação controlada?

Para responder essa indagação, será indispensável analisar o que, de fato, se pretende salvaguardar. Assim, haverá um direcionamento no estudo sobre os bens jurídicos que deverão ser tutelados.

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1. CRIME ORGANIZADO

1.1. Conceito

A conceituação de crime organizado se faz necessária, pois, no Brasil, os órgãos do Sistema de Justiça não sabem como combater o crime organizado – embora pareçam evidentes os âmbitos da sua atuação. Além disso, o Ministério Público, por exemplo, não tem como enquadrar juridicamente os atos que, porventura, tenham sido praticados por organizações criminosas.

O art. 1º da Lei 9.034/1995 (com redação dada pela Lei 10.227/2001) estabelece:

Art. 1o Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.

Como se percebe, com o advento da Lei 10.217/2001, estão delineados, perfeitamente, três figuras diversas:

a) quadrilha ou bando1; b) associação criminosa2; c) organização criminosa.

O crime de bando ou quadrilha, previsto no art. 288 do Código Penal, e o de integrar associação criminosa, descrito no art. 35 da Lei 11.343/2006 e no art. 2° da Lei 2.889/1956, são plurissubjetivos e incriminam, de forma excepcional, o mero ato preparatório, consubstanciado na associação, reunião ou congregação estável de agentes com o fito de cometer crimes. Os crimes de quadrilha ou bando e de associação criminosa são autônomos e independem da prática de qualquer outro delito. Pune-se a mera associação, tendo em vista a periculosidade presumida.

Legalmente, corrigiu-se o defeito que levava a confusão, pois não se sabia se o legislador desejaria vincular, estreitamente, a organização criminosa aos delitos de quadrilha ou bando, ou se essa organização criminosa que se busca conceituar teria configuração autônoma. No entanto, a falta de cuidado na elaboração da lei deixou a participação em organização criminosa sem punição. Na prática, a confusão continua.

1 Art. 288 do CP: Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes.

2 Art. 35 da Lei 11.343/2006: Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei.

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Como bem assevera o Prof. Luiz Flávio Gomes:

Agora, o que se entende por organização criminosa? Não existe em

nenhuma parte do nosso ordenamento jurídico a definição de organização criminosa. Cuida-se, portanto, de um conceito vago, totalmente aberto, absolutamente poroso. Considerando-se que (diferentemente do que ocorria antes) o legislador não ofereceu nem sequer a descrição típica mínima do fenômeno, só nos resta concluir que nesse ponto, a Lei (nº 9.034/95) passou a ser letra morta. Organização criminosa, portanto, hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, é uma alma (uma enunciação abstrata) em busca de um corpo (de um conteúdo normativo, que atenda o princípio da legalidade) 3.

Conforme o autor, usar definição meramente doutrinária ofende o princípio da reserva legal, e, assim, a lei de combate ao crime organizado somente pode ser aplicada aos crimes de quadrilha ou bando e de associação criminosa, já previstos em lei; porém, quanto às chamadas organizações criminosas, ainda não, pois não se sabe o que significam. Por essa razão, as normas referentes à organização criminosa seriam inaplicáveis, dado que são atinentes a algo que ainda não existe.

Todavia, essa discussão tende a ser mitigada, pois a Convenção de Palermo, mais conhecida como Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, de novembro de 2000, foi incorporada pelo nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto 5.015/2004 e traz consigo a definição e os meios de combate ao crime organizado.

1.1.1. A Convenção de Palermo

A Convenção de Palermo é o ato normativo internacional mais abrangente no combate ao crime organizado transnacional, que prevê medidas e técnicas especiais de investigação na prevenção, controle e combate à criminalidade organizada. Outros três tratados internacionais foram adotados pela ONU para, em conjunto e integrados com a Convenção de Palermo, alavancar a iniciativa mundial contra a crescente investida da criminalidade organizada transnacional, uniformizar e balizar o procedimento das autoridades encarregadas da aplicação da lei.

Essa convenção aborda os tipos penais de grupo criminoso organizado, corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução de justiça, traz as recomendações gerais, âmbito de aplicação, vigência, protocolos adicionais, cooperação jurídica internacional, confisco de bens, treinamento e investigação.

Assim, ela veio completar o art. 1º da Lei 9.034/1995, nos seguintes termos: grupo estruturado de 3 ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o

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propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

As infrações graves ou sérias são aqueles crimes para os quais a legislação nacional preveja a pena máxima igual ou superior a quatro anos.

Com isso, apesar de o conceito ser um pouco vago, pois exige que esteja formada “há algum tempo”, sem, contudo, delimitar o tempo necessário, a tendência é que acabe a restrição quanto à incidência da Lei do Crime Organizado.

Nesse diapasão, vale colacionar o posicionamento da jurisprudência que ratifica a importância de referida Convenção para a aplicação da lei estudada:

HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. INCISO VII DO ART. 1.º DA LEI N.º 9.613/98. APLICABILIDADE. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONVENÇÃO DE PALERMO APROVADA PELO DECRETO LEGISLATIVO N.º 231, DE 29 DE MAIO DE 2003 E PROMULGADA PELO DECRETO N.º 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA A PERSECUÇÃO PENAL. 1. Hipótese em que a denúncia descreve a existência de organização criminosa que se valia da estrutura de entidade religiosa e empresas vinculadas, para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante variadas fraudes – mormente estelionatos –, desviando os numerários oferecidos para determinadas finalidades ligadas à Igreja em proveito próprio e de terceiros, além de pretensamente lucrar na condução das diversas empresas citadas, algumas por meio de “testas-de-ferro”,

desvirtuando suas atividades eminentemente assistenciais, aplicando seguidos golpes. 2. Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98, que não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração do crime de lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1.º da Lei n.º 9.034/95, com a redação dada pela Lei n.º 10.217/2001, c.c. o Decreto Legislativo n.° 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004. Precedente. 3. O recebimento da denúncia, que se traduz em mera admissibilidade da acusação diante da existência de sérios indícios de autoria e materialidade, mostra-se adequado, inexistindo a alegada inépcia, porquanto preenchidos todos seus pressupostos legais. 4. Nesta fase inaugural da persecução criminal, não é exigível, tampouco viável dentro do nosso sistema processual penal, a demonstração cabal de provas contundentes pela acusação. Esse grau de certeza é reservado para a prolação do juízo de mérito. Este sim deve estar calcado em bases sólidas, para eventual condenação. 5. Mostra-se, portanto, prematuro e temerário o acolhimento do pedido da defesa de trancamento da ação penal, de maneira sumária, retirando do Estado, de antemão, o direito e, sobretudo, o dever de investigar e processar, quando há elementos mínimos necessários para a persecução criminal. 6. Ordem denegada4. (Grifo nosso)

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Entretanto, o Supremo Tribunal Federal demonstra que esse posicionamento poderá ser modificado, pois o Ministro Marco Aurélio, relator do Habeas Corpus 96007, ainda pendente de julgamento, sinalizou no sentindo da não aplicação do conceito supracitado.

1.2. Características

O conceito de crime organizado (grupo estruturado de 3 ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material) não revela a exata ideia da periculosidade que tal conduta pode causar à sociedade.

Brilhantemente, o Prof. Luiz Flávio Gomes5 cita e explica as características:

a) Previsão de acumulação de riqueza indevida: não é necessário que a riqueza seja efetivamente reunida, basta a previsão do seu acúmulo, o intuito do lucro ilícito ou indevido;

b) Hierarquia estrutural: a organização consiste sempre em uma ordem hierarquizada, em um poder disposto de modo vertical, dentro do qual ocorre um estreitamento cada vez maior, até se chegar ao comando central (forma piramidal). É comum, nessas organizações, que os agentes das mais baixas posições desconheçam quem são os superiores de seu chefe imediato, o que torna mais difícil a identificação dos líderes;

c) Planejamento de tipo empresarial: a organização deve ter a forma de recrutamento e pagamento de pessoal, programação de fluxo de caixa e estrutura contábil bem parecida com a de uma empresa legal. Aparentemente, funciona como uma empresa lícita e possui quase todas as características desta, dificultando a investigação;

d) Uso de meios tecnológicos sofisticados: as organizações possuem meios de telecomunicação, comunicação por satélites, gravadores capazes de captar sons a longa distância e uma série de outros recursos avançados que nem mesmo o Estado detém;

e) Divisão funcional de atividades: há uma especialização de atividades, nos moldes de organizações paramilitares. Os integrantes são recrutados, treinados e incumbidos de funções específicas, como se fossem soldados; f) Conexão estrutural com o Poder Público: agentes do Poder Público passam a fazer parte da organização ou por ela são corrompidos, tornando-se complacentes com suas atividades. É comum tais organizações contribuírem maciçamente em campanhas eleitorais, criando fortes vínculos de mútua dependência com líderes governamentais. Cria-se, assim, uma barreira na qual o Estado não consegue penetrar;

g) A ampla oferta de prestações sociais: trata-se do chamado fenômeno do clientelismo. A negligência do Estado e das elites proporciona o surgimento de uma imensa camada de miseráveis, vivendo abaixo da condição de pobreza. Pessoas sem esperança e sem perspectivas que, por assim serem, nada têm a perder e tudo a ganhar. Aproveitando-se dessa situação de miséria humana, as organizações criminosas passam a atuar como prestadores de serviços sociais, em substituição ao Estado ausente. Surge um

5 GOMES, Luiz Flavio; CERVINI, Raúl.

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“Estado” dentro do Estado, o que permite a essas organizações obter

legitimação popular e camuflar-se no meio da imensa multidão sem rosto; h) Divisão territorial das atividades ilícitas: as organizações passam a atuar em territórios delimitados, que são as suas áreas de influência. Essa divisão, às vezes, ocorre pelo confronto; às vezes, pelo acordo;

i) Alto poder de intimidação: as organizações conseguem intimidar até mesmo os poderes constituídos. Infundem medo e silêncio em toda a sociedade e, com isso, garantem a certeza da impunidade;

j) Real capacidade para a fraude difusa: aptidão para lesar o patrimônio público ou coletivo por meios fraudulentos, dificilmente perceptíveis (prática de crime do colarinho branco ou criminalidade dourada);

l) Conexão local, regional, nacional ou internacional com outras organizações: em geral, as organizações estão interligadas, constituindo um poder invisível, quase indestrutível. (Grifo nosso)

O citado professor ressalta que não é necessário estarem presentes todas as características supramencionadas, bastando existir pelo menos três para que se configure a estrutura de organização criminosa.

Nota-se que não é em vão que o tipo penal é chamado de “crime organizado”. Esse, muitas vezes, tem sua disposição semelhante a uma empresa e visa à acumulação de poder econômico. Estima-se que o mercado do crime organizado movimenta mais de 1/4 (um quarto) do dinheiro em circulação no mundo6.

Necessita-se, consequentemente, que o lucro obtido ilicitamente seja legalizado, incidindo-se, então, no crime de lavagem de dinheiro, auxiliando-se dos paraísos fiscais, tais como Panamá, Ilhas Cayman, Uruguai, Ilhas Virgens Britânicas, Andorra, entre outros.

Outra peculiaridade do crime organizado é a criminalidade difusa, pois não existem vítimas individuais, conhecidas, determinadas, configurando-se isso como obstáculo à reparação dos danos causados pelas organizações criminosas, uma vez que, no momento em que se descobre a infração, os danos são imensos e irreparáveis, restando ao Poder Público o rastreamento dos valores ilicitamente auferidos, tarefa essa de difícil concretização, frente à morosidade, à dificuldade e aos resultados mínimos.

Os criminosos também possuem um alto poder de intimidação em face da sociedade, fazendo vigorar a lei do silêncio, logo os crimes cometidos são de difícil apuração, pois, afinal, ninguém viu nada, ninguém sabe nada.

Pode também acontecer que o próprio grupo criminoso preste serviços sociais onde há um vácuo estatal, fazendo surgir um “Estado paralelo”, com regras e leis próprias. Tome-se, por exemplo, as milícias (organizações paramilitares armadas), que se compõem para cometer práticas ilegais. Geralmente, trata-se de grupos formados em comunidades urbanas de baixa

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renda, como conjuntos habitacionais e favelas, com o alegado propósito de combate ao crime narcotráfico, as quais se mantêm, porém, com recursos financeiros provenientes da venda de (ilusória) proteção à população carente e de pirataria comercial na rede de informação7, de modo que a mercantilização de proteção, mesmo que aparente, tornou-se uma nova atividade entre os brasileiros.

Os avanços nas tecnologias de comunicação abriram novas perspectivas a uma criminalidade altamente sofisticada. Registra-se um aumento das fraudes através da internet, que tem sido cada vez mais utilizada pelos grupos criminosos. Além disso, as tecnologias de comunicação tornam as organizações criminosas mais flexíveis e dinâmicas – o correio eletrônico tornou-se-lhes uma ferramenta essencial que anula os problemas causados pelo tempo e pela distância. A adaptação das leis a estas novas tendências é lenta, enquanto, pelo contrário, o crime organizado tende a adaptar-se e adotar rapidamente os frutos do progresso tecnológico, devido aos avultados lucros que obtém das suas atividades ilícitas.

Outra grande mácula que essa conduta deixa na sociedade é o alto poder de corrupção, uma vez que esse é direcionado a várias autoridades das três esferas estatais, atingindo não apenas as instâncias formais de controle do Direito (Polícia Judiciária, Ministério Público e Poder Judiciário), mas também as altas esferas do Poder Executivo, além dos integrantes do Poder Legislativo. Assim, a cooptação de agentes estatais cria uma sensação de “segurança” nos criminosos, na medida em que contribui para a continuidade das ações delituosas e para o agravamento do problema da impunidade.

Essa criminalidade, desvinculada de um espaço geográfico fechado, espraia-se por vários locais, atingindo até um caráter supranacional, e se distancia, nitidamente, dos padrões de criminalidade que tinham sido, até então, objeto de consideração penal. Logo não se sabe ao certo o lugar de sua realização, mostrando-se complicada a identificação de seus atores.

Por todas essas características é que a Lei 9.034/1995 previu meios específicos para que tais ações sejam investigadas e combatidas, pois suas nuanças merecem uma especial atenção do Poder Público.

1.3. Meios investigativos e de prova instituídos pela Lei 9.034/1995

A Lei 9.034/1995, modificada pela Lei 10.217/2001, indica novos procedimentos de investigação e de formação de prova no combate à criminalidade organizada. A lei em estudo introduziu, no aparato policial, a ação controlada; o acesso a dados, documentos e

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informações fiscais, bancários, financeiros e eleitorais; a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos e seu registro e análise; e a figura do agente infiltrado.

A aplicação da delação premiada, apesar de já ter sido tratada em várias outras leis (Leis 7.492/1986, 8.072/1990, 8.137/1990, 9.269/1996 e 9.613/19999), também foi prevista no art. 6º da Lei em estudo, por ser este um meio investigativo e de prova de grande importância no combate à criminalidade organizada.

Permite a Lei, em seu art. 2º, a utilização desses procedimentos de investigação e formação de provas em qualquer fase da persecução criminal, tanto na fase de inquérito policial, quanto na fase judicial, sendo observados a ampla defesa e o contraditório. Capez demonstra preocupação com a possibilidade de esses procedimentos serem usados na fase judicial, pois possuem natureza nitidamente inquisitiva, sendo certo que “ao estendê-los até a fase recursal, a norma permitiu que procedimentos de caráter inquisitorial prosseguissem durante o desenrolar do processo acusatório, restringindo, desse modo, o exercício do contraditório e da ampla defesa”8.

Considerando a inegável evolução que a legislação em tela representou para efeito de política criminal, não obstante as inúmeras críticas recebidas, serão explanados, a seguir, esses meios investigativos e de prova.

1.3.1. Acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais

O art. 2º, III, da Lei 9.034/1994 prevê o acesso a dados, documentos e informações fiscais (dados relativos à renda da pessoa física ou jurídica), bancárias (dados concernentes a contas mantidas em bancos e sua respectiva movimentação), financeiras (dados ligados às aplicações no mercado financeiro) e eleitorais (cadastro do eleitor constante no Tribunal Regional Eleitoral), no caso de atividades envolvendo o crime organizado.

O mencionado dispositivo é extremamente relevante, pois as organizações criminosas manipulam vultosos valores originados do lucro ilícito de suas atividades, sendo esse um dos pontos mais frágeis na cadeia de ações desse tipo de criminalidade. Portanto, é imprescindível o acesso a esse tipo de informação para o seu efetivo combate. “Da mesma forma, o acesso às informações prestadas pelos investigados ou acusados perante o Fisco tem colaborado para a

8 CAPEZ, Fernando.

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apuração do fenômeno, pois não raras vezes sua evolução patrimonial está diretamente relacionada com seu enriquecimento ilícito”9.

Esse tipo de informação está relacionado com a intimidade e a vida privada das pessoas e recebe a devida proteção, como garantia fundamental, no art. 5º, X, da Constituição Federal de 1988. Segundo esse inciso, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, sendo assegurada a indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação”. Contudo, tal garantia não é absoluta e a “sua proteção pode ceder diante do interesse público relevante e maior a exigir a divulgação dos dados individuais, desde que, entretanto, assegurados o devido processo legal e todas as garantias de preservação da vida privada”10. Nesse sentido, veja-se o que dispõe a jurisprudência do Superior Tribunal de

Justiça:

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. PEDIDO DE QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. DIREITO NÃO-ABSOLUTO À INTIMIDADE. INDÍCIOS DE AUTORIA. VERDADE REAL. DEFERIMENTO. JUÍZO DE VALOR SOBRE A PROVA PRETENDIDA. RECURSO DESPROVIDO.

I - É certo que a proteção ao sigilo bancário constitui espécie do direito à intimidade, consagrado no art. 5º, X, da Constituição, direito esse que revela uma das garantias do indivíduo contra o arbítrio do Estado. Todavia, não consubstancia ele direito absoluto, cedendo passo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de um interesse público superior. Sua relatividade, no entanto, deve guardar contornos na própria lei, sob pena de se abrir caminho para o descumprimento da garantia à intimidade, constitucionalmente assegurada.

II - Tendo o inquérito policial por escopo apurar a existência do fato delituoso, completa deve ser a investigação criminal, em prestigio ao princípio da verdade real ínsito ao direito processual penal.

III - É impossível exercitar, ab initio, um juízo de valor a respeito da

utilidade do meio de prova pretendido, tendo em vista que ele pode ser válido ou não diante do contexto de todas as provas que efetivamente vierem a ser colhidas11.

O inciso III do art. 2º da Lei em estudo não indicou se deveria haver autorização judicial para esse tipo de acesso, dando a entender que a autoridade policial teria autonomia para efetuar tal procedimento probatório. No entanto, não parece adequado permitir o acesso a informações de maneira tão arbitrária, quando a própria Constituição Brasileira as elenca como garantia individual. Concorda com esse posicionamento Luís Flávio Gomes12:

A lei não estabeleceu explicitamente a prévia autorização judicial para o acesso a tais dados, documentos e informações. Dá a entender que a

9 GOMES, Luiz Flavio; CERVINI, Raúl. Op. cit., p. 106. 10 Idem, ibidem, p. 106.

11 AgRg no Inq 187/DF, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, STJ, Corte Especial, julgado

em 21/08/1996, DJ 16/09/1996, p. 33651. 12 GOMES, Luiz Flavio; CERVINI, Raúl.

(21)

autoridade policial poderia, sponte sua, colher tais informações ou

documentos. Na verdade, assim não devemos interpretar tal dispositivo (particularmente no que diz respeito aos dados fiscais, bancários e financeiros). Nem sequer o Ministério Público, em princípio, está autorizado a tanto. O ponto de partida para o real entendimento do assunto está no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, que diz: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. (Grifo original)

Com o advento da Lei Complementar 105/ 2001, pôs-se um fim nessa questão, pois em seu art. 1º, § 4º, estabelece-se a autorização judicial para a quebra do sigilo quando necessária para a apuração da ocorrência de qualquer ilícito em qualquer fase do inquérito ou do processo legal, especialmente no crime praticado por organização criminosa (art. 1º, § 4º, IX). O juiz, ao decretar a quebra do sigilo bancário, fiscal ou financeiro, deverá motivá-la devidamente (art. 93, IX, da Constituição da República) e atentar para alguns aspectos, como: a viabilidade da medida, sua real necessidade diante do caso concreto e a especificação do seu alcance (quais pessoas serão atingidas pela quebra do sigilo, quais contas ou aplicações financeiras serão violadas, quais instituições financeiras deverão fornecer as informações e sobre qual período recairá a violação).

Com relação à requisição do Ministério Público para esse tipo de informação, a Constituição (art. 129, VI) confere-lhe poderes requisitórios diretos, ou seja, sem necessidade de determinação judicial. A Lei Orgânica do Parquet (Lei Complementar 75/1993) também previu, em seu art. 8º, §2º, que “nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido”.

Nota-se, também, que a Lei Complementar 105/2001 previu, expressamente, em seu art. 5º, a possibilidade de quebra de sigilo bancário e fiscal por autoridades tributárias, ao dispor que o “Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços”. Por analogia, parece incompatível que o Parquet não possa requisitar tais informações sem a autorização judicial.

Há, também, na jurisprudência, várias decisões com o entendimento de que o Ministério Público pode quebrar sigilo bancário sem intervenção judicial. Segue abaixo decisão do STF, com esse posicionamento:

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instruir procedimentos administrativos de sua competência. 2. Solicitação de informações pelo Ministério Público Federal ao Banco do Brasil S/A, sobre concessão de empréstimos, subsidiados pelo Tesouro Nacional, com base em plano de governo, a empresa do setor sucroalcooleiro. 3. Alegação do Banco impetrante de não poder informar os beneficiários dos aludidos empréstimos, por estarem protegidos pelo sigilo bancário, previsto no art. 38 da Lei nº 4.595/1964, e ainda, ao entendimento de que o dirigente do Banco do Brasil S/A não é autoridade, para efeito do art. 8º, da LC n.º 75/1993. 4. O poder de investigação do Estado é dirigido a coibir atividades afrontosas à ordem jurídica e a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas. A ordem jurídica confere explicitamente poderes amplos de investigação ao Ministério Público – art. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e §2º, da Lei Complementar nº 75/1993. 5. Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público,, informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado em defesa do patrimônio público. Princípio da publicidade, ut art. 37 da Constituição. 6. No caso concreto, os empréstimos concedidos eram verdadeiros financiamentos públicos, porquanto o Banco do Brasil os realizou na condição de executor da política creditícia e financeira do Governo Federal, que deliberou sob a forma de subvenção econômica ao setor produtivo, de acordo com a Lei nº 8.427/1992. 7. Mandado de Segurança indeferido13.

1.3.2. Captação e interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos

O inciso IV do art. 2º da Lei 9.034/1995 permite que seja realizada a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos e o seu registro e a sua análise, mediante circunstanciada autorização judicial, limitando sua aplicação à apuração da criminalidade organizada e aos crimes praticados por quadrilha ou bando.

O termo “captação” significa que há a colheita de determinados dados, feita por um interlocutor em relação ao outro. Por causa do direito à intimidade, principalmente quando a conversa ocorre em ambiente privado ou quando uma das partes envolvidas pede sigilo à outra, torna-se indispensável que haja autorização judicial para que essa prova possa ser considerada lícita em juízo. O termo “receptação” significa que um terceiro colhe dados referentes à comunicação feita por outras pessoas, colhendo a conversa ou informação alheia, registrando-a ou gravando-a de alguma forma. Nesse caso, também é necessária a autorização judicial, em face do direito à intimidade, para que a prova seja lícita, desde que em ambiente

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privado. Não havendo autorização judicial, deve-se aplicar o princípio da proporcionalidade para solucionar o conflito. Dessa maneira, leciona Fernando Capez 14:

Interceptação ambiental é a captação da conversa entre dois ou mais interlocutores, por um terceiro que esteja no mesmo local ou ambiente em que se desenvolve o colóquio. Escuta ambiental é essa mesma captação feita com o consentimento de um ou alguns interlocutores. A gravação é feita pelo próprio interlocutor. Se a conversa não era reservada, nem proibida a captação por meio de gravador, por exemplo, nenhum problema haverá para aquela prova. Em contrapartida, se a conversação ou palestra era reservada, sua gravação, interceptação ou escuta constituirá prova ilícita, por ofensa ao direito à intimidade (CF, art. 5º, X), devendo ser aceita ou não de acordo com a proporcionalidade dos valores que se colocarem em questão. No caso de investigação de crime praticado por quadrilha ou bando e por associação criminosa, desde que haja prévia, fundamentada e detalhada ordem escrita da autoridade judicial competente, toda e qualquer gravação e interceptação ambiental que estiver acobertada pela autorização constituirá prova válida. Não existindo prévia ordem judicial, a prova somente será admitida em hipóteses excepcionais, por adoção ao princípio da proporcionalidade pro societate. Assim, será aceita para fins de evitar condenação injusta ou para

terminar com uma poderosa quadrilha de narcotráfico ou voltada à dilapidação dos cofres públicos.

Com a sofisticação dos recursos tecnológicos e a grande variedade de aparelhos e equipamentos postos ao alcance de um grande número de pessoas, esse novo meio de investigação e prova se tornou extremamente útil e necessário, diante dos amplos recursos utilizados pelo crime organizado.

1.3.3. Infiltração de agentes de polícia ou de inteligência

Essa técnica de investigação e de obtenção de prova consiste, basicamente, na ação de um agente do Estado infiltrar-se em uma organização criminosa, mediante prévia autorização judicial, integrando-a como se fosse um de seus membros. Participando de suas atividades no dia-a-dia, poderá ter uma visão privilegiada de seu funcionamento e, portanto, municiará o Estado com informações úteis para o seu combate.

As vantagens dessa técnica são evidentes. A cadeia de atividades dessas organizações serão intimamente reveladas, permitindo que ilícitos criminosos não conhecidos pelas autoridades sejam descobertos. Haverá acesso a membros em vários escalões, dos mais importantes aos “laranjas”, usados para despistar as investigações. Conhecer-se-á o modo de agir da organização criminosa, seus bens, a possível existência de agentes dos três poderes do Estado nela envolvidos, informações quanto à forma de lavagem de dinheiro etc. A doutrina aponta três características básicas dessa técnica:

14 CAPEZ, Fernando.

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A dissimulação, ou seja, a ocultação da condição de agente oficial e de suas

verdadeiras intenções; o engano, posto que toda a operação de infiltração

apóia-se numa encenação que permite ao agente obter a confiança do suspeito; e, finalmente, a interação, isto é, uma relação direta e pessoal entre

o agente e o autor potencial15. (Grifo nosso)

A infiltração de agentes estava prevista no inciso I do art. 2º do projeto de Lei 3.516/1998, que foi promulgado e sancionado, dando origem à Lei 9.034/1995, mas foi vetado pelo Presidente da República à época. Dois foram os motivos para o seu veto: a infiltração independia de autorização do Poder Judiciário e a concessão expressa de autorização para que o agente infiltrado pudesse cometer crimes estando inserido na organização. A exclusão de antijuridicidade desses crimes constitui-se de extrema importância para que essa técnica seja colocada em prática.

Com o advento da Lei 10.217/2001, que introduziu o inciso V ao art. 2º da Lei 9.034/1995, a infiltração de agente voltou a fazer parte dos meios processuais no combate à criminalidade organizada. Dispõe-se ali que é procedimento de investigação e formação de prova a “infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial”.

Portanto, de acordo com a Lei em estudo, a infiltração policial exige autorização prévia judicial devidamente circunstanciada, contrariando a tendência dos países da Europa e dos Estados Unidos, onde a autorização é efetivada pelo Ministério Público. “Efetivamente, como a situação ocorrerá na fase pré-processual, e sendo o Promotor de Justiça o verdadeiro Diretor das investigações, mais lógico, como na legislação européia, seria que a ele se entregassem a determinação e o controle das infiltrações dos agentes” 16.

Alberto Silva Franco17 aponta que o critério da necessidade também deverá ser observado para a autorização da infiltração policial, ou seja, “a autorização só poderá ser concedida quando as finalidades da investigação não possam ser alcançadas por outro meio, o que ressalta uma vez mais a excepcionalidade do procedimento investigatório”.

Questão da mais alta relevância no que concerne ao agente infiltrado é a exclusão de antijuridicidade ou ilicitude dos crimes por ele eventualmente perpetrados no seio da organização criminosa. Em relação às condutas de formação de quadrilha ou bando (art. 288

15 GOMES, Luiz Flavio; CERVINI, Raúl. Op. cit., p. 153.

16 MENDRONI, Marcelo Batlouni.

Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. São

Paulo: Atlas, 2007, p. 56.

17 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. (coord.)

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do Código Penal), não haverá tipicidade, pois falta vontade livre e consciente para a prática desses crimes, atuando o policial no estrito cumprimento de dever legal.

Questão mais delicada diz respeito a outros crimes que o policial infiltrado poderá ou deverá praticar para que não tenha a sua identidade revelada ou não se levantem suspeitas contra ele próprio, frustrando-se o procedimento e até colocando-se-o em risco de vida. Deve ser procurado um ponto de equilíbrio entre os interesses do Estado e os princípios que orientam um Estado Democrático de Direito. Pois, se de um lado deve-se combater a criminalidade organizada, de outro, não podem os seus agentes cometer ilícitos penais, que podem até ser mais gravosos que os perpetrados pelo crime organizado.

Aponta-se a análise da proporcionalidade entre a conduta do policial infiltrado e o fim buscado pela investigação como uma solução razoável para o dilema. Nesse sentido, Marcelo Batlouni Mendroni18 pondera:

A resposta parece estar mais uma vez na solução adotada pioneiramente pela doutrina alemã e chamada Princípio da Proporcionalidade Constitucional, ou

Verhältnismäßigkeitsgrundsatz, segundo o qual numa situação real de

conflito entre dois princípios constitucionais, deve-se decidir por aquele de maior peso. Considera-se que não pode haver normas constitucionais absolutas nem contraditórias e, portanto, elas devem ser interpretadas de forma que coexistam em harmonia. Desta forma, entre dois princípios constitucionais aparentemente de igual peso, prevalecerá aquele de maior valor. Exemplificando, entre a vida e a intimidade ou a privacidade, evidentemente que a primeira tem maior peso, merecendo, em caso de necessidade, a sua eleição em detrimento das demais. Nada poderia justificar o sacrifício de uma vida em favor da infiltração do agente e este deverá utilizar de todas as suas habilidades para impedi-lo. Claro que, para um policial infiltrado, impossibilitado de impedir o pior, em caso extremo, como, por exemplo, com uma arma apontada para a sua cabeça e a ordem do criminoso para que atire em outra pessoa, a solução estará nos princípios do direito penal, no caso, quer nos parecer, a excludente de culpabilidade pela coação moral irresistível.

Conclui-se, então, que o policial infiltrado poderá praticar em situações extremas condutas consideradas típicas, desde que não atinja um direito constitucional de maior peso, observando os princípios existentes no Estado Democrático de Direito e a ponderação de valores. Ocorrerão casos em que a prevalência de um direito constitucional será evidente, não restando dúvidas ao agente para a sua prática ou não.

Mas, nos casos em que não estiver tão óbvio qual direito constitucional é mais importante, deverá o agente policial comunicar ex ante ao juiz responsável, objetivando sua autorização, de modo que permita prévia análise de sua conveniência. No entanto, não sendo possível recorrer a tal providência preliminar, restará apenas ao magistrado analisar ex post,

18 MENDRONI, Marcelo Batlouni.

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com o fito de concluir a respeito de eventual excesso por parte do policial infiltrado e de suas consequências.

O texto atual da Lei 9.034/1995 indica como agente infiltrado tanto o de polícia como o de inteligência. Portanto, o dispositivo permite a interpretação de que não só agentes da Polícia Federal e das Polícias Estaduais, Civil e Militar, possam atuar infiltrados, mas também os da Receita Federal, Secretarias da Fazenda Estaduais, ABIN – Agência Brasileira de Inteligência e de outros órgãos de inteligência, desde que atuem em investigação da criminalidade organizada, com prévia autorização judicial.

Marcelo Batlouni Mendroni19 considera possível o agente infiltrado servir de testemunha em juízo das ações e situações que presenciar, pois o texto da Lei não o impede, podendo ele relatar as atividades criminosas e o respectivo modus operandi da organização criminosa. “O agente infiltrado também poderá e deverá fornecer ou indicar outras provas ou elementos de provas à Justiça, de forma a fortalecer o seu depoimento. Provas documentais, filmes, fotografias, gravações etc.” 20.

Não se confunde a figura do agente infiltrado com a do agente provocador. Aquele, em cumprimento de uma ordem judicial, infiltra-se na organização com o objetivo de mantê-la sob vigilância e análise, atuando de forma passiva, passando apenas a praticar algum ato delituoso quando inevitável, para que não seja descoberto. Este, de modo diverso, atua ativamente como provocador da conduta criminosa, sem participar ou compor a organização criminosa, induzindo os seus participantes a praticarem ilícitos penais.

De grande importância será a proteção do agente infiltrado durante o procedimento e também após o seu encerramento. No entanto, o legislador não se preocupou em estruturar um sistema adequado para isso, cabendo, então, medidas de cunho administrativo para a sua implementação, tais como o fornecimento de uma identidade ideologicamente falsa com destinação exclusiva para a atividade policial de infiltração, vedando-se a sua utilização para qualquer outra destinação não correlata com o objeto da investigação.

Eduardo Araújo da Silva21 recomenda, diante da precariedade com a qual a Lei em estudo disciplinou o procedimento da infiltração policial e visando assegurar o respeito às garantias constitucionais do investigado, por analogia e no que couber, utilizar-se do procedimento que disciplina a interceptação das comunicações telefônicas e do fluxo de

19 Idem, ibidem, p. 56. 20 Idem, ibidem, p. 59.

21 SILVA, Eduardo Araújo da.

Crime Organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas,

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comunicações em sistemas de informática e telemática (Lei 9.296/1996), pois este se utiliza da moderna concepção do princípio da proporcionalidade. O citado autor detalha como se configuraria, então, o procedimento:

No pedido, deverá o requerente demonstrar a presença dos requisitos autorizadores da medida, devendo o juiz decidir, de forma fundamentada, no prazo máximo de 24 horas (art. 4º da Lei n.º 9.296/96). O prazo máximo para a duração da infiltração será de 15 dias, renovável por igual tempo se comprovada sua indispensabilidade (art. 5º da Lei n.º 9.296/96), devendo o representante do Ministério Público ser cientificado do deferimento do pedido elaborado pela autoridade policial (art. 6º da Lei n.º 9.296/96). Encerrada a diligência, a autoridade policial responsável pela infiltração do agente policial deverá elaborar relatório circunstanciado das diligências realizadas, enviando-o ao juiz responsável pela autorização (art. 6º, § 2º, m da Lei n.º 9.296/96).

Alguns doutrinadores, como Alberto Silva Franco22, são opositores desse procedimento como meio de prova ou de investigação. Questionam a legitimidade de um juízo criminal que se apóia na atuação de um agente infiltrado em nome da eficiência penal, porquanto o Estado, em vez de exercer a função de prevenção penal, praticaria atos ilícitos, igualando-se ao criminoso.

1.3.4. Delação premiada

A delação premiada está prevista no art. 6º da Lei 9.034/1995, pois é de extrema utilidade para uma política criminal de repressão ao crime organizado.

Como em relação a outros meios de investigação e prova instituídos por essa Lei, alguns doutrinadores não veem com bons olhos a delação premiada, pois, para eles, a concessão de um prêmio a um criminoso delator apenas expõe a ineficácia da atual política criminal de repressão ao crime organizado. Observa, nesse sentido, Luís Flávio Gomes23:

Para o homem moderno, tido como racional, chegar ao ponto de estabelecer em “lei” prêmios a um criminoso traidor só existe uma explicação: é a prova mais contundente da pública e notória ineficiência do Estado atual para investigar e punir os crimes e os criminosos. É a falência estatal, sempre confessada sem nenhum escrúpulo! Por falta de preparo técnico e de estrutura tecnológica, o Estado se vê compelido a transigir com os mais elementares princípios éticos. É forte e duro com os mais fracos e flácido, indulgente e complacente com os que mais perturbam a convivência social (...). (Grifo original)

22 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. (coord.)

Op. cit., p. 590.

23 GOMES, Luiz Flavio; CERVINI, Raúl.

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O citado artigo prevê que “nos crimes praticados por organização criminosa, a pena será reduzida de um a 2/3 (dois terços), quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais de sua autoria”.

A delação premiada é um instituto penal que beneficia o agente que trair o seu grupo, delatando a prática de ilícitos penais cometidos por organizações criminosas, apontando os seus respectivos autores. Estará o Juiz obrigado a conceder a redução da pena quando presentes os requisitos legais, pois se trata de direito público subjetivo do acusado.

O primeiro requisito para a sua aplicação é que a delação deverá estar relacionada a um crime praticado por organização criminosa, pois assim dispõe expressamente o citado artigo da Lei em estudo.

A Lei também exige que a delação seja espontânea e não apenas voluntária, ou seja, não basta apenas a atitude em si, exigindo-se também que do criminoso tenha partido a iniciativa, sem a provocação de um terceiro. Sobre o assunto, dispõe Alberto Silva Franco24:

[...] o agente deve colaborar espontaneamente para o esclarecimento de

infrações penais e de sua autoria. Destarte, não basta uma colaboração voluntária: é mister que tal colaboração seja espontânea, isto é, que parta do próprio agente e que, portanto, seja livre, sem nenhum tipo de constrangimento. Destarte, a colaboração forçada ou que tenha sido instada por outrem não tem validade necessária.

A colaboração espontânea também deverá ser eficaz, devendo provocar o esclarecimento de infrações penais e de sua autoria. Deverá, portanto, haver uma relação entre a informação delatada e a elucidação efetiva de crimes e de sua autoria. Nessa acepção, afirma Marcelo Batlouni Mendroni25:

A Lei exige que, além de espontânea, a colaboração deve ser eficiente, trazendo nomes e condutas criminosas, intuitivamente aquelas ainda desconhecidas pela Polícia e pelo Ministério Público. Para tanto, importante o momento processual da colaboração. Quanto antes, melhor, ou seja, tanto melhor quanto mais dados e informações forem repassados ainda durante a fase investigatória. Contrariamente, quanto mais próximas da fase final do processo, da sentença, menos útil se revelará. São circunstâncias que devem ser levadas em consideração pelo Magistrado.

A Doutrina divide-se quanto ao número necessário de infrações penais que devem ser esclarecidas pela delação, se apenas um ou mais crimes autorizam a redução da pena. O texto legal refere-se explicitamente a infrações penais, empregando, portanto, o plural.

Esse tipo de colaboração poderá ocorrer em qualquer fase da persecução criminal, podendo até ser após o trânsito em julgado, pois a Lei não estabeleceu um momento certo

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para a concessão do benefício. Sendo a delação feita após o trânsito em julgado, a redução poderá ser aplicada mediante revisão criminal.

1.4. Combate ao crime organizado

Do ponto de vista legislativo, a Lei do Combate ao Crime Organizado não levou na devida conta a criminalidade nos termos em que ela se apresenta no mundo atual, demandando efetivo controle para que não redunde em danosidade social devido ao seu alto gravame.

O autor Alberto Silva Franco26 faz severas críticas a esse diploma legal:

Pode-se afirmar, sem medo de errar, que a Lei do Crime Organizado foi o diploma legal que os senhores do crime rogaram a Deus que fosse produzido: um esforço puramente político ou meramente simbólico, com o qual se pretende controlar a criminalidade dos poderosos, o que no fundo, não se deseja (...). Se fosse permitida uma imagem menos formal, a Lei 9.034/95 não passa, na realidade, de estouros de “biribas” para infundir medo em manadas de elefantes...

Além de todos os meios investigativos já previstos, devem ser tomadas outras medidas, pois, diante desse contexto complexo, iniciativas de cunho político-judiciais de combate ao crime organizado são de suma importância para configurar uma resposta institucional a esse tipo tão lesivo de criminalidade.

Impossível não falar da imperiosa necessidade de se especializar a força policial e, ainda, purificá-la, expulsando aqueles policiais já viciados e que integram organizações criminosas. É preciso equipar a polícia, proporcionar seu acesso à tecnologia de ponta, o que exige, então, seu treinamento constante.

Necessária, ainda, a especialização do Ministério Público, com a criação de núcleos especiais voltados ao combate a organizações criminosas, vez que, como titular da futura ação penal, impõe-se-lhe uma ação efetiva e especializada na colheita probatória.

Outra medida apropriada é a concretização das chamadas “forças-tarefas”, que são a união de vários órgãos, como Polícias, Receitas Estadual e Federal, Ministério Público Estadual e Federal, órgãos de inteligência, entre outros, conforme a necessidade do caso. Assim, a força-tarefa teria uma ação ampla com imediata troca de informações e dados, bem como maior facilidade na investigação.

Além disso, são necessários instrumentos eficazes de proteção às testemunhas, aos delatores, bem como a seus familiares. De nada serve a previsão legal se esta se torna inaplicável, seja por falta de recursos, seja por falta de estrutura por parte do Estado para

26 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. (coord.)

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proporcionar a segurança devida, uma nova vida, emprego, nova identidade, entre outros aspectos necessários.

Também não se pode esquecer que, no modelo globalizado da criminalidade, os Estados devem se unir para conter o avanço desenfreado das organizações criminosas. Um exemplo disso é a supracitada Convenção de Palermo, pois, como já dito, os resultados desse tipo de delito não respeitam as fronteiras. A cooperação internacional é uma ferramenta relevante para mitigar a macrocriminalidade.

O Brasil possui uma postura condizente aos seus princípios que regem as relações internacionais27:

CARTA ROGATÓRIA. DILIGÊNCIAS. BUSCA E APREENSÃO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. POSSIBILIDADE. CONCESSÃO DO EXEQUATUR. 1. Carta Rogatória encaminhada pelo Ministério das Relações Exteriores a pedido da Embaixada da Bélgica, com o fim de verificar possível crime de lavagem de dinheiro envolvendo empresário brasileiro descrito nestes autos, por solicitação do juízo de instrução, do Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas, Bélgica. 2. É cediço que: A tramitação da Carta Rogatória pela via diplomática confere autenticidade aos documentos. 3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pautava-se no sentido da impossibilidade de concessão de exequatur para atos executórios e de constrição não-homologados por sentença estrangeira. 4. Com a Emenda Constitucional 45/2004, esta Corte passou a ser competente para a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias. 5. A Resolução 9/STJ, em 4 de maio de 2005, dispõe, em seu artigo 7°, que "as cartas rogatórias podem ter por objeto atos decisórios ou não decisórios". 6. A Lei 9.613/98 (Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro), em seu art. 8° e parágrafo 1°, assinala a necessidade de ampla cooperação com as autoridades estrangeiras, expressamente permite a apreensão ou seqüestro de bens, direitos ou valores oriundos de crimes antecedentes de lavagem de dinheiro, cometidos no estrangeiro. 7. Destarte, a Lei Complementar 105/2001, por sua vez, em seu art. 1°, parágrafo 4°, dispõe que as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados, sendo que a quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes: (...) VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores; IX – praticado por organização criminosa. 8. Deveras, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Decreto 5.015/2004) também inclui a cooperação judiciária para "efetuar buscas, apreensões e embargos", "fornecer informações, elementos de prova e pareceres de peritos", "fornecer originais ou cópias certificadas de documentos e processos pertinentes, incluindo documentos administrativos, bancários, financeiros ou comerciais e documentos de empresas", "identificar ou localizar os produtos do crime, bens, instrumentos ou outros elementos para fins probatórios", "prestar qualquer outro tipo de assistência compatível com o direito interno do

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Estado Parte requerido" (art. 18, parágrafo 3, letras a até i). Parágrafo 8 do art. 18 da Convenção ressalta que: "Os Estados Partes não poderão invocar o sigilo bancário para recusar a cooperação judiciária prevista no presente Artigo". 9. In casu, A célula de tratamento das informações financeiras (CETIF) denunciou no dia 16 de Julho 2002 ao Escritório do Procurador Geral em Bruxelas a existência de índices sérios de branqueamento de capitais (...) entre as pessoas envolvidas no presente processo. 10. Princípio da efetividade do Poder Jurisdicional no novo cenário de cooperação internacional no combate ao crime organizado transnacional. 11. Concessão integral do exequatur à carta rogatória28.

Porém, nada disso será eficaz se não forem observadas as questões sociais. Sem paralelos programas destinados a mitigar as graves desigualdades sociais e o desemprego, a opção do crime será sempre atraente aos jovens. Serão vãos todos os esforços manejados enquanto todo o sistema não for reestruturado, promovendo-se crescimento econômico, geração de empregos, investimentos em educação e melhoria das condições de vida da população. Todas as medidas que forem tomadas em termos de segurança pública só surtirão efeitos se acompanhadas de ações de alcance social.

28

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2. AÇÃO CONTROLADA

2.1. Flagrante

Antes de adentrarmos ao tema “ação controlada” propriamente dito, é necessária uma prévia explicação do conceito e das espécies de flagrante.

A etimologia do vocábulo “flagrante” é explicativa a respeito do instituto. Vem do latim “flagrans”29, ou seja, aquilo que flameja, reportando-se a uma situação que é apanhada ainda flamejante, quente, no calor dos fatos, referindo-se, portanto, a uma situação que está acontecendo ou acaba de acontecer.

A prisão em flagrante é a única exceção à necessidade de ordem escrita e fundamentada de juiz competente para a efetuação da prisão cautelar. Da mesma forma, também é a única prisão que pode ser executada por qualquer do povo. Tanto assim que preleciona o art. 301 do CPP que qualquer pessoa poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão efetuar prisão daquele que se encontrar em estado de flagrância, configurando uma forma de autodefesa da sociedade.

A doutrina costuma discernir, então, com base no citado artigo, duas modalidades de flagrante, o compulsório e o facultativo:

a) Flagrante compulsório: é aquele realizado por agentes policiais; b) Flagrante facultativo: é aquele realizado por qualquer pessoa do povo.

2.1.1. Espécies

A doutrina aponta, ainda, a existência de três espécies de flagrante à luz da letra da lei vigente, sendo que tais hipóteses correspondem exatamente àquelas elencadas no art. 302 do Código de Processo Penal:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

A partir desse dispositivo legal, classifica-se o flagrante em:

a) Flagrante próprio ou em sentido estrito ou real: quando o agente está cometendo a infração penal (art. 302, I, do CPP) ou acaba de cometê-la (art. 302, II, do CPP), dando-se no

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momento exato em que o agente está a praticar o delito ou acabou de cometê-lo. Produz-se a certeza visual do delito que se comete naquele momento. Desse modo, entende-se haver flagrante próprio quando o delito é praticado no momento ou foi cometido naquele momento;

b) Flagrante impróprio ou quase-flagrante: quando o agente é perseguido logo após o crime pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser ele o autor da infração (art. 302, III, do CPP). É a situação do sujeito que foge do local do delito, mas é perseguido. Faz-se necessário que perseguição tenha iniciado de imediato, sendo que a expressão “logo após” representa o tempo necessário para que a polícia seja chamada, chegue ao local, tome as informações necessárias, tais como direção da fuga e características do autor. Muitas doutrinas alegam que, depois de iniciada a perseguição, não existe prazo para a efetivação do flagrante, desde que a perseguição seja ininterrupta. Assim, não existe prazo de 24 horas para a efetivação da prisão em flagrante;

c) Flagrante presumido: quando o agente é encontrado logo depois do delito, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração (art. 302, IV, do CPP). Não é necessário existir perseguição, podendo dar-se a prisão em flagrante quando o agente é localizado, ainda que casualmente, na posse de uma das coisas mencionadas na lei, havendo condições de surgir séria desconfiança no sentido de ser ele o autor do delito. Em relação à expressão “logo depois”, tal lapso somente deve ser analisado no caso concreto, de acordo com a gravidade do crime.

É possível falar também em outras espécies de flagrantes, quais sejam, flagrante preparado ou provocado, flagrante forjado, flagrante esperado e flagrante retardado ou diferido. Vale ressaltar que somente estas duas últimas hipóteses encontram guarida na legislação, pelos motivos a seguir expostos. Vejamos:

a) Flagrante provocado ou preparado: se caracteriza quando alguém é convencido ou induzido a cometer a infração penal, e a mesma pessoa que induziu toma providências para que o suposto culpado seja preso. É evidente, pois, que, por tais providências, a consumação do delito torna-se impossível. Podemos corroborar essa idéia com a Súmula 145 do STF, que diz que não há crime quando a preparação do flagrante torne impossível a consumação do delito.

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c) Flagrante esperado: quando, por denúncia anônima ou por algum outro meio, a polícia fica a espreita em determinado local, esperando o momento da execução do ato delituoso para efetivar a prisão em flagrante. Essa prisão tem validade, pois não existe instigação por parte da polícia. É preciso ter em mente que o flagrante esperado não se confunde com o preparado, o qual é rechaçado pelo ordenamento jurídico, assim como entende a jurisprudência:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE EXTORSÃO. ALEGAÇÃO DE FLAGRANTE PREPARADO. INOCORRÊNCIA. NÃO HÁ QUE SE CONFUNDIR FLAGRANTE PREPARADO COM

FLAGRANTE ESPERADO. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO.

INEXISTÊNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA INCABÍVEL NA VIA ELEITA. AGUARDAR EM LIBERDADE O JULGAMENTO DE RECURSO ESPECIAL. EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO. 1. Não se deve confundir flagrante preparado com esperado – em que a atividade policial é apenas de alerta, sem instigar qualquer mecanismo causal da infração.

2. A "campana" realizada pelos policiais à espera dos fatos não se amolda à figura do flagrante preparado, porquanto não houve a instigação e tampouco a preparação do ato, mas apenas o exercício pelos milicianos de vigilância na conduta do agente criminoso, tão-somente à espera da prática da infração penal (...)30. (Grifo nosso)

d) Flagrante retardado ou diferido: Esse tipo de flagrante foi criado pela lei 9.034/1995 e é chamado de “ação controlada”, permitindo que o policial possa atrasar o momento da prisão, na busca de melhores provas contra autores de delitos praticados por organizações criminosas. Hoje também é previsto na nova Lei de Drogas.

2.2. Conceito de ação controlada

De fundamental importância para a investigação de organizações criminosas, a ação controlada foi devidamente prevista na nossa legislação, mas não supriu os questionamentos possíveis na sua regulamentação, pois não estabeleceu limites e parâmetros de sua efetivação. Resta ao intérprete, com base na sistemática jurídica vigente no País, o trabalho de sua aplicação.

Tal procedimento dá à Polícia o direito de aguardar a oportunidade mais eficiente para atuar, segundo a interpretação dos agentes que participam da operação, na espera de uma situação que seja mais favorável para a obtenção de provas.

Essa técnica especial de investigação policial comporta aplicações múltiplas, o que lhe garante alto grau de eficácia. Pode ser utilizada, por exemplo, na entrega de cargas, de mercadorias ou de drogas ilegais e tem características próprias como:

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Referências

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