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Princípio da proporcionalidade 1 Origem e evolução

3. CRIMES COMETIDOS NO CURSO DA AÇÃO CONTROLADA 1 Início e fim da ação controlada

3.3. Princípio da proporcionalidade 1 Origem e evolução

Na Inglaterra, surgiram as teorias jusnaturalistas fundadas nos costumes, pregando ser o homem titular de direitos imanentes à sua natureza e anteriores ao aparecimento do Estado e conclamando ter o soberano o dever de respeitá-los. Pode-se, portanto, afirmar que é durante a passagem do Estado Absolutista para o Estado de Direito que se emprega, pela primeira vez, o princípio da proporcionalidade, visando-se limitar o poder do monarca em face dos súditos49.

49 Informação visualizada em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6198/algumas-consideracoes-sobre-

A França, fundada nas idéias iluministas, protagonizou a Primeira Revolução que derrubou o poder da monarquia absolutista. A Constituição Francesa de 1791 previu em seu art. 3º o princípio da legalidade, e, a partir de então, visando-se à sua efetivação, observar-se-á implicitamente delineado o princípio da proporcionalidade50.

No século XIX, a idéia da proporcionalidade integra, no direito administrativo, o princípio geral do direito de polícia, manifestando-se na necessidade de limitação legal da arbitrariedade do Poder Executivo.

No entanto, o conceito de proporcionalidade só adquire status constitucional e reconhecimento como princípio em meados do século XX, na Alemanha, notadamente no campo dos direitos fundamentais. A promulgação da Lei Fundamental de Bonn representa, assim, marco inaugural do princípio da proporcionalidade em âmbito constitucional, ao colocar o respeito aos direitos fundamentais como núcleo central de toda a ordem jurídica51.

Salienta-se que a inserção desse princípio na esfera constitucional desenvolveu-se quando das revoluções burguesas do século XVIII, quando existia a idéia de limitação de poder. No tocante à sua origem, recorre-se à lição de Canotilho52:

O princípio da proporcionalidade dizia primitivamente respeito ao problema da limitação do poder executivo, sendo considerado como medida para as restrições administrativas da liberdade individual. É com este sentido que a teoria do estado o considera, já no século XVIII, como máxima suprapositiva, e que ele foi introduzido, no século XIX, no direito administrativo como princípio geral de direito de polícia. (...). Posteriormente, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, também conhecido por princípio da proibição de excesso, foi erigido à dignidade de princípio constitucional (...).

No Brasil, o princípio da proporcionalidade é um princípio implícito, não estando expressamente previsto na Constituição Federal. A origem e o desenvolvimento desse princípio encontram-se extremamente ligados à evolução dos direitos e das garantias individuais da pessoa humana. Embora ausente positivamente, não há qualquer obstáculo para sua efetivação.

O estabelecimento do princípio da proporcionalidade ao nível constitucional, com a função de intermediar o relacionamento entre duas matérias importantes a serem disciplinadas em uma Constituição, como são aquelas referentes aos direitos e às garantias fundamentais dos indivíduos e à organização institucional dos poderes estatais, já implica em aceitar a aplicação generalizada do princípio nos vários ramos do Direito.

50 Idem. 51 Idem.

52 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2.ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 257.

3.3.2. Conceito

O princípio da proporcionalidade surge como equacionador nos casos de colisão de princípios fundamentais, devendo ser utilizado pelo operador do direito na ponderação dos valores que deverão prevalecer no caso concreto.

Afastando-se a hipótese de subjetividade do julgador ao analisar um caso concreto, o princípio da proporcionalidade deve conduzir a uma harmonização dos valores, tendo como fim atingir o respeito e a proteção da dignidade humana.

O princípio da proporcionalidade constitui meio adequado e apto instituído para a solução dos conflitos, tendo o relevante papel de concretizador dos direitos fundamentais, fazendo um controle das atividades restritivas a esses direitos e impedindo a violação do texto constitucional, de sorte a impedir a aniquilação de direitos fundamentais sem qualquer reserva de restrição e não autorizada pela Constituição Federal.

Paulo Bonavides53 assenta que “a regra de proporcionalidade produz uma controvertida ascendência do juiz (executor da justiça material) sobre o legislador, sem chegar, todavia, a corroer ou abalar o princípio da separação de poderes”.

Suzana de Toledo Barros pontifica54:

A expressão proporcionalidade tem um sentido literal limitado, pois a representação mental que lhe corresponde é a de equilíbrio: há nela a idéia implícita de relação harmônica entre duas grandezas. Mas a proporcionalidade em sentido amplo é mais do que isso, pois envolve também considerações sobre a adequação entre meios e fins e a utilidade de um ato para a proteção de um determinado direito. A sua utilização esbarra no inconveniente de ter-se de distinguir a proporcionalidade em sentido estrito da proporcionalidade tomada em sentido lato e que designa o princípio constitucional.

Canotilho55 menciona que a consagração expressa do chamado princípio da proporcionalidade “proíbe nomeadamente as restrições desnecessárias, inaptas ou excessivas de direitos fundamentais”. Continua o mesmo doutrinador dizendo que “os direitos fundamentais só podem ser restringidos quando tal se torne indispensável e, no mínimo, necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

O princípio da proporcionalidade tem aplicação na aferição da constitucionalidade das leis, quando se depara com a colisão de direitos e garantias constitucionais. A

53 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 318.

54 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de

constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília jurídica, 1996, p.

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proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade, revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, extrapolam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado.

Nessa medida, o princípio da proporcionalidade tem o escopo de evitar resultados desproporcionais e injustos, baseados em valores fundamentais conflitantes, ou seja, o reconhecimento e a aplicação do princípio permite vislumbrar a circunstância de que um direito constitucionalmente previsto deve ceder quando a observância intransigente de tal orientação importa na violação de outro direito fundamental ainda mais importante.

A ponderação entre os bens que estão em jogo é feita através da aferição dos valores, que é a técnica correta no caso da colisão entre os direitos fundamentais. Assim, o método da concordância prática e a lei da ponderação ou princípio da proporcionalidade em sentido estrito são os meios de concretização de normas constitucionais de natureza principal. Destarte, várias possibilidades de interpretação das normas constitucionais que se relacionarem ao caso devem ser utilizadas.

Deste modo, é a partir do princípio da proporcionalidade que se opera o “sopesamento” dos direitos fundamentais, assim como dos bens jurídicos, quando se encontram em estado de contradição, oferecendo-se ao caso concreto uma solução ajustadora de condenação e cominação dos bens em colisão.

3.3.3. Subprincípios

O princípio estudado terminou por ser dividido em três subprincípios, quais sejam: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, como consequência dos avanços doutrinários nessa área:

a) adequação (pertinência ou aptidão) entre meio e fim: ou seja, existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios com que são levados a cabo. Deduz-se, pois, que, toda vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados, não há a adequação. Para se aferir a adequação, há de se perguntar: o meio escolhido foi adequado e pertinente para atingir o resultado almejado?;

b) necessidade (exigibilidade ou vedação ou proibição do excesso ou escolha do meio mais suave): entre as soluções possíveis, deve-se optar pela menos gravosa. Na proporcionalidade, está embutida a idéia de vedação ao excesso, ou seja, a medida há de ser estritamente necessária. Portanto, para se aferir a necessidade, deve-se perguntar: o meio escolhido foi o “mais suave” entre as opções existentes?;

c) proporcionalidade em sentido estrito: leva-se em conta os interesses em jogo, vale dizer, cuida-se, aqui, de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. Em palavras de Canotilho56, trata-se “de uma questão de „medida‟ ou „desmedida‟ para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim”. Deve haver um sopesamento de valores, a fim de que se busque a proporcionalidade, ou seja, verificar-se-á se a medida trará mais benefícios ou prejuízos. Pergunta-se: o benefício alcançado com a adoção da medida sacrificou direitos fundamentais mais importantes (axiologicamente) do que os direitos fundamentais que a medida buscou preservar?

Em resumo, “pode-se dizer que uma medida é adequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e finalmente, proporcional em sentido estrito, se as vantagens que trará superarem as desvantagens57”.

É, portanto, sob essa tripla dimensão que se sustenta o princípio da proporcionalidade, ressaltando que todo e qualquer ato do poder público, para que seja válido (isto é, constitucional), necessita ser adequado, necessário e proporcional em sentido estrito, cumprindo ao Judiciário, em última instância e em cada caso concreto, a tarefa de fiscalizar a observância dos referidos “subprincípios da proporcionalidade”.

3.3.4. Aplicação

Sabe-se que os direitos fundamentais não são ilimitados ou absolutos. Encontram seus limites em outros direitos, também fundamentais. Mas para que possam ter efetivação, isto é, aplicabilidade, devem ser ponderados quando estiverem em choque, colisão. Do ponto de vista jurídico, não há hierarquia entre os princípios constitucionais, ou seja, todas as normas constitucionais têm igual valor e importância no plano teórico. De forma que, no plano fático, a incidência delas sobre uma dada situação pode gerar uma colisão real entre os direitos fundamentais. Mas como e quando ponderar esses direitos? Somente diante de um caso concreto, quando haja um aparente conflito entre normas, ou melhor, entre direitos. Afinal, se há uma aparente colisão entre princípios de mesma hierarquia – poder-se-ía dizer conflitos entre direitos fundamentais que a Magna Carta estende a todos –, deve-se, então, aplicar o princípio constitucional da proporcionalidade, o qual concederá ao caso concreto uma aplicação coerente e segura das disposições constitucionais, pesando a incidência que cada um

56 CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Op.cit., p. 261.

57 FILHO, Willis Santiago Guerra. Ensaios de Teoria Constitucional, Fortaleza: Imprensa

dos direitos e das garantias fundamentais, constitucionalmente assegurados, deve ter e preservando, assim, o máximo deles.

O princípio da proporcionalidade funciona como critério para a solução de conflitos de direitos constitucionalmente consagrados, através de juízos comparativos de ponderação dos interesses envolvidos no caso concreto. Neste sentido, Paulo Bonavides58:

Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencialmente no princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos fundamentais e se busca daí solução conciliatória, para a qual o princípio é indubitavelmente apropriado. As cortes constitucionais européias, nomeadamente o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia, já fizeram uso frequente do princípio para diminuir ou eliminar a colisão de tais direitos.

Podemos citar como exemplo os julgados dos nossos tribunais a respeito dos sigilos bancário e fiscal, que são corolários do direito à intimidade, direito esse que está albergado no art. 5º da Constituição Federal:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA. PROCEDIMENTO LEGAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Controvérsia decidida à luz de normas

infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2. O sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto, pois deve ceder diante dos interesses público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com respeito ao princípio da razoabilidade. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento59. (Grifo nosso)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ACÓRDÃO FUNDAMENTADO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO E

FISCAL. POSSIBILIDADE. 1. Hipótese em que o Ministério Público do

Estado de Pernambuco ajuizou Ação Civil Pública por improbidade administrativa relacionada a fatos que também ensejaram denúncia criminal, em razão de suposta prática de sonegação fiscal, corrupção e lavagem de dinheiro. 2. O Juízo de 1º Grau determinou, liminarmente, a quebra do sigilo bancário e fiscal do ora recorrente, bem como o seu afastamento do cargo de Auditor Fiscal. O Tribunal Regional proveu em parte o Agravo de Instrumento apenas para revogar a segunda determinação. 3. Não está configurada ofensa aos arts. 165 e 458 do CPC, porquanto o Tribunal a quo manteve, de forma fundamentada, a decisão que estabeleceu a quebra do sigilo fiscal e bancário do recorrente, tendo consignado que tal medida é útil à apuração dos fatos e acenado com normas legais e precedente jurisprudencial que entendeu pertinentes. 4. O art. 1º, § 4º, da Lei Complementar 105/2001 confere respaldo legal à determinação judicial de quebra do sigilo. De acordo com o seu teor, tal medida não se dirige apenas à apuração de crime, mas de "qualquer ilícito", o que evidencia a sua possível aplicação nas Ações de Improbidade, máxime quando relacionada a

58 BONAVIDES, Paulo. Op.cit., p. 320.

atividade também delituosa, como ocorre no caso. 5. Os sigilos bancário e fiscal, corolários do direito à privacidade, não são absolutos, nem se levantam como barreira de proteção à criminalidade, à corrupção e à sonegação fiscal. Por isso, podem ser excepcional e justificadamente flexibilizados, caso a caso, em prol do interesse público. Precedentes do STJ. 6. Recurso Especial não provido60. (Grifo nosso)

Cumpre observar um critério de proporcionalidade com auxílio do qual se possa estabelecer adequado “sistema de limites” à atuação das normas suscetíveis de pôr em xeque a integridade da esfera íntima de alguém. E as limitações apenas se justificam quando, cumulativamente, tiverem os requisitos da necessidade de salvaguardar um interesse público preponderante, o respeito ao princípio da proporcionalidade e a manutenção do núcleo intangível do direito à prova61.

O princípio da proporcionalidade visa permitir um perfeito equilíbrio entre o fim almejado e o meio empregado, destinando-se a estabelecer limites concreto-individuais à violação de um direito fundamental, cujo núcleo – a dignidade humana – é inviolável. Pode-se dizer que uma medida é adequada se atinge o fim pretendido, se, em sentido estrito, as vantagens que trará superarem as desvantagens.

A função primária do princípio da proporcionalidade seria preservar os direitos fundamentais, resguardando-os de restrições desnecessárias. Assim, o referido princípio deve ser usado para a justa medida, quando houver colisão entre os direitos e interesses legalmente protegidos, para se evitar desnecessárias ou abusivas restrições contra os direitos fundamentais, cuidando-se de aferir a compatibilidade entre os meios e fins.

Destarte, o princípio coincide com a essência e a destinação mesma de uma Constituição, ajudando a salvaguardar os direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

O princípio da proporcionalidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça.

A aplicação desse princípio é inevitável quando se põe em prática a técnica investigativa da ação controlada. O problema que foi suscitado no início do capítulo, com a seguinte situação: durante uma ação controlada, mantida sob acompanhamento e observação das autoridades competentes, os criminosos, antes de concluírem a ação que está sendo investigada, cometem um crime – crime esse que, para efeito didático, chamar-se-á de crime

60 REsp 200702443728, Rel. Min. Herman Benjamin, STJ, Segunda Turma, DJE 30/09/2010. 61 Informação visualizada em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6198/algumas-consideracoes-sobre-

inesperado. Questiona-se, então: as autoridades deveriam deixar esse crime inesperado ser consumado em prol da efetiva formação de provas e do fornecimento de informações?

Relembrando-se o exemplo criado pelo doutrinador Guilherme de Souza Nucci, exemplo esse também citado no início do capítulo, o qual menciona a possibilidade de uma organização criminosa resolver exterminar várias testemunhas, não é razoável deixar-se que inúmeras mortes aconteçam sob a alegação de colheita de provas.

Mas será que, no caso em que uma perigosa organização de tráfico de drogas, no ínterim de uma investigação policial, comete um crime inesperado de furto de um carro, é razoável abortar-se toda a ação para se evitar que o furto do carro se consume?

Não se pode olvidar que as respostas para todas as indagações feitas serão respondidas pela aplicação do princípio da proporcionalidade. Serão ponderados os benefícios e prejuízos que a ação ou omissão poderá causar. Deve-se levar em consideração quais os bens jurídicos, mesmo que constitucionalmente resguardados, deverão preponderar no caso concreto.

Por isso, o estudo dos bens jurídicos e do princípio da proporcionalidade é tão importante para resolver qualquer impasse nesse sentido; afinal, pretende-se evitar as arbitrariedades, de forma que o Estado atue como efetivo garantidor da ordem pública, já que a lei que trata desse assunto foi totalmente silente em relação aos limites que deveria respeitar a ação controlada.