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ANTECEDENTES CRIMINAIS E SUA CONFORMAÇÃO CONSTITUCIONAL Criminal background and its constitutional conformation

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Academic year: 2021

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Maria Rodrigues de Oliveira Lima 1 Givaldo Mauro Matos 2

SUMÁRIO

1 Introdução. 2 Princípio da individualização da pena. 3 Antecedentes Criminais. 4 Anteceden-tes criminais e reincidência: critérios distintivos. 5 Retrospecto histórico. 6 Maus antecedenAnteceden-tes e direito penal do autor. 7 Conformação constitucional dos antecedentes criminais. 8 O tema 150 do STF: a discussão em curso. 9 Conclusão. 10 Referências

SUMMARY

1 Introduction. 2 Penalty individualization principle. 3 Criminal Records. 4 Criminal records and repeated infringement: distinctive criteria. 5 Historical retrospect. 6 Bad records and the author’s law. 7 Constitutional confirmation of criminal records. 8 Subject 150 of the STF: the ongoing discussion. 9 Conclusion. 10 References.

1 INTRODUÇÃO

O Código Penal Brasileiro traz oito circunstâncias judiciais para aferição na

1 Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN. E-mail: maria.rdrgs@ hotmail.com

2 Professor Mestre do Curso de Direito do Centro Universitário da Grande Dourados, UNIGRN, e-mail: givaldomatos@ hotmail.com.

ANTECEDENTES CRIMINAIS E SUA

CONFORMAÇÃO CONSTITUCIONAL

Criminal background and its constitutional

conformation

RESUMO

Os antecedentes criminais constituem cir-cunstância judicial prevista no artigo 59 do Código Penal, sendo o cerne deste trabalho se debruçar so-bre a questão de sua compatibilidade com o texto constitucional em apreço, em especial tendo em vis-ta a adoção, pelo ordenamento pátrio, de um direito penal do fato, bem assim a proibição de penas de caráter perpétuo.

PALAVRAS-CHAVE

Antecedentes criminais, dosimetria da pena, personalidade.

ABSTRACT

The criminal records are judicial circumstances described in article 59 of the Penal Code, and the main purpose of this paper is to analyze its compatibility with the constitutional text, especially in regard to the enacting from Brazilian’s criminal law of the author’s law, as well as the prohibition of life imprisonment.

KEYWORDS

Criminal records, penalty dosimetry, personality.

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primeira fase da dosimetria da pena e incidência na pena-base do agente, todas previstas em seu artigo 59. Os antecedes criminais, objeto de estudo, são parte de um conjunto de elementos denominados circunstâncias judiciais, aferíveis, conforme majoritária doutrina, com respaldo no texto expresso do Código Penal vigente.

A dosimetria da pena, por sua vez, corresponde, na dicção de Ricardo Schmitt (2015, p. 87), a um corolário do princípio da individualização da pena, como garantia humana fundamental, que permite a obtenção de uma pena simétrica, em observância às singularidades do ilícito praticado, assim como em atenção à condição pessoal do agente objeto da persecução penal.

A problematização reside na busca de resposta à indagação a respeito da pertinência do uso de fatos pretéritos à margem da reincidência com o objetivo de somente elevar a reprimenda do indivíduo sujeito a pena corpórea, tendendo a submissão dos antecedentes a um teste de necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito à luz da Constituição vigente. Saber se a inserção dos antecedentes criminais no rol dos vetores referentes às circunstâncias judiciais guarda sintonia com o postulado da individualização da pena, proporcionalidade, vedação às penas de caráter perpétuo, dentre outros princípios, configura a pedra de toque do tema pesquisado.

Dessa maneira, a abordagem do tema eleito como objeto de pesquisa se dá, em especial, a partir da análise de fundamentações favoráveis e contrárias à adoção dos antecedentes criminais como critério de aferição do quantum de pena, sempre com o olhar voltado para a respectiva conformação destas com os princípios constitucionais intangíveis tendo em conta a delimitação temática promovida.

2 PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

Pode-se compreender o princípio da individualização da pena como o vetor hermenêutico, de assento constitucional, que indica que, na aferição da medida da resposta estatal ao agente condenado pela prática de um dado delito, deve ser levado em consideração aspectos que, amparados na legalidade e colhidos na dinâmica dos fatos, permitam atribuir ao sujeito a que se imputa pena, reprimenda necessária, adequada e proporcional.

Referido princípio, a propósito, conta, pela própria prescrição constitucional, com verdadeiros condicionamentos mínimos, que devem nortear, seja o legislador, seja o julgador, ou ainda o administrador responsável pela execução da pena imposta. Tal se dá, por exemplo, quando o constituinte apregoa serem vedadas penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento, e cruéis.

Essa noção do princípio da individualização da pena, em todo caso, deve ser confrontada com a sua compreensão em momento anterior ao surgimento do texto

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constitucional vigente, mais precisamente por ocasião da confecção do atual Código Penal Brasileiro.

Naquela oportunidade, vingava a tese, advogada, sobretudo, por Roberto Lyra (1942, p. 203), um dos responsáveis pela elaboração do projeto de que resultou o Código Penal de 1.940, de que o princípio da individualização da pena corresponderia ao predicativo hábil a proporcionar ao julgador suficiente grau de liberdade para que, de modo subjetivo e amplo, cotejasse todos os pormenores do agente delituoso com vistas a dosar sua pena.

Por conta desse entendimento, inclusive, é que, conforme justifica Lyra (1942, p. 201), o Código Penal veio acompanhado de um rol extenso de circunstâncias judiciais, notadamente subjetivas, com vistas a propiciar ao julgador uma vasta gama de ferramentas hábeis a individualização a pena.

Do confronto entre as noções do princípio da individualização da pena sob o ponto de vista constitucional e aquele adotado por ocasião da lavratura do Código Penal, pois, denota-se a presença prevalente de uma significativa diferença. Com efeito, enquanto a Constituição Federal mais se preocupou em destacar contornos para que o sistema de individualização penal fosse estabelecido com base em parâmetros objetivos, o Código Penal foi todo pautado sob a ótica de atribuir ao julgador, por ocasião da individualização da pena, liberdade quase irrestrita, a fim de que pudesse se valer de tantas razões quanto bastassem para justificar a exasperação ou diminuição da pena.

Por isso mesmo, o artigo 59 do Código Penal traz, entre circunstâncias judiciais passíveis de valoração, aspectos como conduta social, personalidade e antecedentes, sem o correspondente limitativo ou, ao menos, indicativos de seus contornos conceituais, propiciando, assim, que o julgador direcione a dosagem da reprimenda em tal ou qual direção sem freios legais cognoscíveis.

Pode-se, então, a respeito do princípio da individualização da pena, dizer que a Constituição Federal trouxe para o ordenamento jurídico a atribuição de contornos mais precisos para que o sistema de resposta estatal ao cometimento de um delito fosse mais objetivo e controlável, enquanto que o Código Penal mais se preocupou em propiciar ao julgador, por ocasião da dosimetria da pena, ampla liberdade para o cotejo de tantos elementos quanto bastassem para justificar a eleição de um quantum de pena.

3 ANTECEDENTES CRIMINAIS

São considerados antecedentes criminais os fatos da vita anteacta do sentenciado. Assim, considera-se portador de antecedentes aquele agente que munido de capacidade, tem sentença penal condenatória transitada em julgado, decorrente do cometimento de crime ou contravenção penal não computados em reincidência (SCHMITT, 2015, p. 104).

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Registre-se, que inquéritos policiais, arquivados ou não, ações penais em andamento ou com sentença penal condenatória sem trânsito em julgado, ou ainda, processos criminais já arquivados sem sentença penal condenatória irrecorrível, não estão aptos a incidir como maus antecedentes. Esse é o entendimento consolidado após forte discussão doutrinária e jurisprudencial no enunciado de súmula número 444 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No Supremo Tribunal Federal, o tema atinente à valoração dos antecedentes na primeira fase da dosimetria da pena, a propósito, teve repercussão geral reconhecida, em decisão assim ementada:

PENA – FIXAÇÃO – ANTECEDENTES CRIMINAIS – INQUÉRITOS E PROCESSOS EM CURSO – DESINFLUÊNCIA. Ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são neutros na definição dos antecedentes criminais. (RE 591054, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-037 DIVULG 25-02-2015 PUBLIC 26-02-2015).(grifo nosso).

O Ministro Marco Aurélio, relator do caso, entendeu que a utilização dos inquéritos policiais e processos criminais em andamento com o fim de aumentar a pena base violaria o princípio constitucional da não culpabilidade, visto que o que deve sopesar na valoração dos antecedentes são fatos judiciais transitados em julgado com condenações definitivas. 4 ANTECEDENTES CRIMINAIS E REINCIDÊNCIA: CRITÉRIOS DISTINTIVOS

O Código Penal não define o conceito de reincidência, trazendo apenas condições de aferibilidade ao estipular sua ocorrência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior (art. 63 do CP) e quando o agente comete contravenção posterior ao trânsito em julgado de sentença condenatória, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção (7.º do Decreto-Lei n° 3.688/41).

O instituto da reincidência estabelece o período depurador, destacando que seu efeito não prevalece se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver percorrido lapso superior a cinco anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação (art. 64 do CP).

Embora a circunstância judicial já existisse de modo presumido desde o código de 1890, o Código de 1940 classificou a reincidência em genérica e específica, sendo tal situação modificada posteriormente pela Lei n.° 6.416 de 24 de maio de 1977, que alterou profundamente a redação original, de modo a suprimir a diferença entre reincidência

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genérica e específica e também inovar ao tratar da chamada prescrição da reincidência, deixando de valorá-la após lapso temporal de 5 anos.

Na dicção de Basileu Garcia (1982, p. 541), o legislador havia se inspirado no artigo 57 do Código Penal de 1969 que previa a limitação temporal, mas por ser valioso elemento de apreciação subjetiva da periculosidade estava bem regulado no Código Penal (1940), merecendo ser mantida sua redação e evitando que a agravante percorresse ad eternum na vida do condenado.

Por sua vez, para Saulo de Carvalho e Amilton Bueno de Carvalho (CARVALHO e CARVALHO, 2002, p. 63), os antecedentes e a reincidência surgiram como instrumentos que auxiliariam na aferição da personalidade do agente para fins de constatação de seu caráter corrompido e suas tendências pessoais, ganhando reprovação acentuada pelos reformadores de 1984 devido à extinção, no projeto do Código, da medida de segurança aplicável aos imputáveis (sistema do duplo binário), sendo necessário reforçar o sistema com penas maiores aos sujeitos à imposição de medida de segurança detentiva e beneficiados pela abolição da medida.

Para os autores, portanto, antecedentes e reincidência podem ser considerados na lógica do Código Penal como instrumentos para auxiliar o julgador, ao avaliar o caso, estabelecer juízo sobre a personalidade, inclinação do agente ou seu caráter corrompido. 5 RETROSPECTO HISTÓRICO

O estudo da criminologia como ciência passou por várias fases, destacando-se aqui a escola positiva que influenciou a Europa e a América Latina, especialmente o Brasil, tendo como principais autores Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garófalo.

No Brasil, o Código Penal do Império e o Código Penal da República, de 1831 e 1890, respectivamente, não possuíam previsão sobre antecedentes criminais do agente, nascendo o instituto somente em 14 de dezembro de 1932, sob influência positivista, aprovada pelo Decreto n. 22.213, que continha a possibilidade da concessão do benefício da suspensão condicional da pena ao acusado “que não tenha revelado caráter perverso ou corrompido, tendo-se em consideração as suas condições individuais, os motivos que terminaram e as circunstâncias que cercaram a infração da lei penal” (PIERANGELI, 2001, p. 336).

Quanto ao Código Penal de 1940, relevante destacar que a comissão responsável por sua elaboração foi formada por seis juristas, dentre os quais se destacam Nelson Hungria e Roberto Lyra, sob premissas da escola positiva, se alinhando a uma compreensão mais autoritária e utilitária do direito penal. Disso resultou na lapidação de um Código, voltado mais ao direito penal do autor que ao direito penal do fato, fazendo com que possuísse uma maior tendência a considerar aspectos na pessoa do delinquente na individualização

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da pena.

Os antecedentes, no Código Penal de 1.940, pela redação originária, vinha previsto no artigo 42, assim redigido:

Art. 42-Compete ao juiz atendendo aos antecedentes e à personalidade do agente, à intensidade do dolo ou grau de culpa, os motivos, às circunstâncias e consequências do crime.

I - Determinar a pena aplicável, dentre as cominadas alternativamente; II - Fixar, dentro dos limites legais, a quantidade da pena aplicável.

Lyra (1958, p. 218), ao comentar o Código Penal, entendeu que o artigo 42 havia acolhido a essência dos índices de periculosidade de Ferri “na própria ordem de importância: personalidade (‘motivos, antecedentes e personalidade do agente’) motivos e fato criminoso (‘circunstâncias e consequências do crime’)”.

Nessa ordem de ideias, e em convergência com as lições Ferri, continua o autor (1958, p. 221), a mencionar que “a fórmula brasileira, apesar de mais concisa, é mais extensa, pois, referindo-se aos antecedentes e à personalidade, inclui todos os elementos necessários a prover a identificação de um homem desde as influências hereditárias remotas (atavismo)”.

Destacou ainda o jurista a afirmativa de que:

As referências à personalidade, aos antecedentes e aos motivos satisfazem, mais frisante e amplamente, o objetivo de orientar o juiz. Nos antecedentes, destacados da personalidade, para não deixar dúvidas de que a conduta é a marca inconfundível e de indispensável penetração, compreende-se todos os aspectos da vida do individual, familiar e social, inclusive depois do fato.

A verificação de periculosidade na fase de aplicação da pena, não se liga ao problema da responsabilidade, previamente resolvida. É feito para fins de sanção.

Para fins de aferição da periculosidade, o artigo 77 do Código Penal, hoje revogado, também trazia a definição de periculosidade, “que deveria ser reconhecida pela sua personalidade e antecedentes, bem como os motivos e circunstâncias do crime que autorizam a suposição de que viria a delinquir”.

A propósito, para Ferri o crime não deveria ser analisado como fato jurídico, mas como fenômeno social de causas naturais. Assim, a pena deveria frisar a pessoa do delinquente e não o ilícito cometido.

Assim, compreendia Ferri (Apud Lyra, 1958, p. 218): “O único fundamento da imputabilidade individual (responsabilidade legal) é ter cometido um crime. E isto, para a justiça penal; enquanto que para a polícia de segurança, o fundamento jurídico das providências preventivas é justamente a periculosidade social (com respectiva anormalidade fisio-psíquica, que torna os indivíduos inadaptados à vida livre) mesmo

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antes e independentemente da execução de um crime”.

O autor tratava o crime como oriundo de causa anormal por condições congênitas ou adquiridas, transitórias ou permanentes, morfológicas ou ainda por anormalidades bio-psíquicas ou doenças. Assim, a pena também deveria ter o objetivo de prevenir reincidências e valorar a periculosidade com vistas não somente à condenação antecipada por fatores anormais do delinquente quanto a um modelo punitivo pré-delitual.

Por esse motivo, Lyra (1958, p. 218) afirma que o art. 42 da redação originária “é o mais importante do Código, não só pela decisiva influência de sua aplicação na defesa social e na tutela individual, como pela conquista em que importa para a evolução de nosso direito penal”.

Entendeu o jurista que esse dispositivo central indicaria os limites do poder discricionário do juiz, esclarecendo a aplicação da pena em seus critérios qualitativos e quantitativos, permitindo ao juiz valorar na pena-base qualquer pormenor que considerasse relevante, não devendo ou podendo a lei cindir ou discriminar as realidades diante das complexidades e da flutuação dos fatos sociais e dos fatos psicológicos.

Nesse passo, a propósito, a partir de uma leitura inicial a respeito do princípio da individualização da pena à luz do Código Penal de 1940, ou seja, sem a influência da Constituição de 1.988, em que ao juízo era designada a tarefa de elevar a pena caso averiguasse no réu sintoma de periculosidade, é possível aferir que o legislador trouxe elasticidade suficiente com vistas a deixar ao alvedrio do magistrado a aplicação da pena pertinente, como fica nitidamente demonstrado pela Exposição de Motivos de autoria do

Ministro Francisco de Campos:

Para a individualização da pena, não se faz mister uma prévia catalogação, mais ou menos teórica, de espécies de criminosos, desde que ao juiz se confira um amplo arbítrio na aplicação concreta das sanções legais. Neste particular, o projeto assume um sentido marcadamente individualizador. O juiz, ao fixar a pena, não deve ter em conta somente o fato criminoso, nas circunstâncias objetivas e consequências, mas também o delinquente, a sua personalidade, seus antecedentes, a intensidade do dolo ou grau de culpa e os motivos determinantes (artigo 42). O réu terá de ser apreciado através de todos os fatores, endógenos e exógenos, de sua individualidade moral e da maior ou menor intensidade da sua mens rea ou da sua maior ou menor desatenção

à disciplina social. Ao juiz incumbirá investigar, tanto quanto possível, os elementos que possam contribuir para o exato conhecimento do caráter ou índole do réu – o que importa dizer que serão pesquisados o seu curriculum vitae, as suas condições da vida individual, familiar e social, a sua conduta contemporânea ou subsequente ao crime, a sua maior ou menor periculosidade (probabilidade de vir ou tornar o agente a praticar fato previsto como crime).”

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em que a aplicação da pena era apenas cálculo aritmético, o magistrado poderia, agora, adaptar, “em cada caso, a sanção do criminoso, em função de sua maior ou menor periculosidade, calibrando as armas legais para atingir o centro do alvo”.

De qualquer modo, ainda com a edição da lei n. 7.209, de 11.7.1984, o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 59, manteve os critérios subjetivos ao delinquente, elencando em seu texto outras circunstâncias judiciais subjetivas com o objetivo de orientar na fixação da pena-base.

Observa-se, portanto, que ainda na atualidade a circunstância judicial referente aos antecedentes criminais é elencada pela legislação vigente como elemento com idoneidade para aferir a periculosidade do agente, bem como afetar negativamente a fixação de sua pena, sendo certo que a jurisprudência dos tribunais internos não se prolongam em discussões a respeito de sua conformação constitucional, aplicando-a no dia a dia forense sem maiores discussões.

A redação em discussão, portanto, demonstra que o legislador pátrio ainda insiste em dar ênfase ao histórico do agente criminoso para o fim de atingir um patamar de pena que o julgador entenda adequado, concedendo a este margem significativa para a imposição da reprimenda.

Em outras palavras, o dispositivo deixa em evidência que ao julgador é dado valorar os antecedentes criminais do agente, caindo, contudo, na deficiência de não estruturar elementos objetivos que permitam ao magistrado analisar a circunstância judicial sem subjetivismos ou sem se afastar da garantia do contraditório e ampla defesa.

Ao lado da inexistência de um lapso temporal preciso, no qual não seja possível considerar, em desfavor do agente, um histórico criminal, o que demonstra, ao menos em tese, certa discordância com uma Constituição que não permite penas de caráter perpétuo, é ainda acesa a discussão a respeito da pertinência de se tratar o crime pretérito como um sintoma de personalidade desviada do agente, situação típica do discurso de escolas criminológicas com ênfase positivista.

Ademais disso, não se pode deixar de enfatizar que a evolução histórica a respeito da imposição de limitativos necessários a dosagem de pena em respeito ao princípio da individualização da pena demonstra um contínuo esforço, exitosos ou não, em destinar ao agente criminoso reprimenda em justa medida.

6 MAUS ANTECEDENTES E DIREITO PENAL DO AUTOR

A teoria do direito penal do autor surgiu na Alemanha pelos penalistas nazistas tendo como fundamento a aplicação da pena em razão da pessoa com personalidade desvirtuada, e não a aplicação da pena pelo delito praticado.

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personalidade voltada para a criminalidade habitual, sendo produzida uma crise regressiva de culpabilidade em prol da denominada periculosidade por meio de valoração de quesitos entendidos genericamente como meios de averiguação da personalidade do réu.

Segundo Garcia (1982, p. 532),

[...] com a escola positiva começou-se a desacreditar-se a chamada pena dosimétrica, pena medida e contada com ridículos requintes de pretensa exatidão matemática, em correspondência quase exclusiva com a gravidade objetiva do fato. Cuidou-se, então, de atender às condições particulares do criminoso, à sua individualização física, antropológica, moral. Alastrou-se a convicção de que o juiz deveria ter poderes para individualizar as sanções, considerando o delinquente uma realidade viva.

Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2007, p. 107), indica que a doutrina contemporânea ainda não possui critérios que definam o direito penal do autor. Todavia, entende-se que trata-se de corrupção do direito penal, que manifesta, no modo de ser do agente como característica delitiva e não o ato ilícito praticado, sendo valorado como sintoma da personalidade. Assim, o que seria valorado seria a personalidade e não o ato.

Aponta-se, nesse aspecto, alguma confluência entre o direito penal do autor e a análise dos antecedentes, tendo em conta que este, último tem como objeto de análise não o fato imputável ao agente, mas o próprio agente em si.

Nessa ordem de ideias, para Carvalho e Carvalho (2002, p. 53), mesmo que vencido o critério temporal dos efeitos dos antecedentes, ainda há afronta absoluta ao princípio da secularização, porque ao agregar à circunstância judicial de conduta social, evidencia a culpabilidade do agente face a culpabilidade do fato da vida e não propriamente do fato cometido.

Para o autor, é nítido no juízo de culpabilidade a subversão do direito penal do fato em um direito penal do autor quando a conduta social e os maus antecedentes estão sob análise, sendo fortalecida ainda mais pela obrigatoriedade de valoração pelo magistrado da personalidade do autor do fato pela estipulação legal da circunstância judicial.

A esse respeito, e considerando o acolhimento pelo Código Penal Brasileiro, em essência, dos índices da periculosidade de Ferri, conforme ordem de importância englobando a personalidade (motivos, antecedentes e personalidade do agente), permite-se analisar outro ponto suscitado por Carvalho e Carvalho (2002, p. 54) no tocante a análise à luz do sistema processual acusatório.

Tal ponto diz respeito à possibilidade de avaliação da personalidade do agente e sua compatibilidade com o princípio jurisdicional da refutabilidade das hipóteses em respeito a um modelo que seja assegurado o contraditório e a ampla defesa (art. 5.º, inciso LV, CF).

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Para Boschi (Apud CARVALHO e CARVALHO, 2002, p. 53), é dificultosa a tarefa de definir periculosidade:

Definir a personalidade não é algo tão simples como pode parecer, sendo especialmente ao juiz muito tormentosa a questão, seja porque ele não domina conteúdos de psicologia, antropologia ou psiquiatria, seja porque possui, como todo indivíduo, atributos próprios de sua personalidade. Por isso, constata-se, na experiência cotidiana, que a valoração da personalidade do acusado, nas sentenças criminais, é quase sempre precária, imprecisa, incompleta, superficial, limitada a afirmações genéricas do tipo ‘personalidade ajustada’, ‘desajustada’, ‘agressiva’, ‘impulsiva’, ‘boa’ ou ‘má’, que, do ponto de vista técnico, nada dizem.

Assim, para o autor é impossível para o juiz concretizar a tarefa imposta pela lei e, consequentemente, dela extrair os efeitos legais aptos a incidir na reprimenda, sendo que a valoração histórica de vida do acusado cria um mecanismo incontrolável de arbítrio judicial, pois predeterminam juízos de condenação antecipada capaz de condenar ou absolver o réu antes da prolação da sentença penal condenatória.

7 CONFORMAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS

Sob a ótica do princípio da individualização da pena, observa-se que a circunstância judicial referente aos antecedentes parece não se conformar com os contornos inseridos pela Constituição Federal.

A Constituição, ao estabelecer o princípio da individualização da pena aponta, expressamente, que há de se promovê-la à luz de algumas condicionantes, dentre as quais se insere a vedação às penas de caráter perpétuo.

Com isso, está não só vedado o estabelecimento de um tipo penal cuja perseguição não encontre derrogação pelo decurso do tempo, mas também a proibição de que os efeitos de uma dada condenação penal, que possuem, à evidência, natureza jurídica de sanção porquanto acarretam efeito gravoso àquele que a possuem, se prorroguem no tempo sem crise de continuidade.

Isso porque se não é dado ao legislador criar penas de caráter perpétuo, tampouco seria dado ao julgador em violação ao princípio da legalidade, por ocasião da dosimetria, valer-se de dados referentes à vida pregressa do réu que, para além de não ser idônea a influir em sua reprimenda, não encontra obstáculo temporal à sua valoração, como é o caso dos antecedentes criminais.

Em outras palavras, é tão ilegal a existência de tipo penal que atribua ao condenado pena de caráter perpétuo quanto o é a atribuição de pena a maior por conta de condenação

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antecedente, pois certo que esta se afasta do contorno de temporalidade esperado de toda espécie de sanção penal que se pretenda reputar em consonância com o princípio da individualização da pena.

Assim, pode-se firmar o entendimento de que os antecedentes criminais, seja por não contarem com limitativo temporal para fins de valoração, seja por se afastar de um direito penal do fato e associar-se a um direito penal do autor, ou, ainda, por não permitir um controle jurisdicional a seu respeito, não guardam sintonia com os contornos texto constitucional vigente.

8 O TEMA 150 DO STF: A DISCUSSÃO EM CURSO

A aplicação dos antecedentes na dosimetria da pena, além de acender a discussão doutrinária e jurisprudencial teve repercussão geral reconhecida pelo STF e pendente de julgamento sob o tema 150, com a relatoria do Ministro Roberto Barroso destacando a necessidade de aferir as teses que permeiam a discussão sob olhar do guardião da Constituição.

O leading case que levou a matéria a julgamento em plenário pelo Recurso Extraordinário 593818 foi provocado à apreciação do STF pelo Ministério Público de Santa Catarina que, no bojo dos autos originários sob o n. 2007.027.0172/00001.0, aduziu contrariedade da sentença penal condenatória ao disposto no artigo 5,.º inciso LVII, da Constituição Federal, visto que o juízo não teria considerado na fixação da pena-base os maus antecedentes de sentença penal transitada em julgado há mais de 05 anos.

O recurso extraordinário, por ocasião do término do presente trabalho, está pautado para ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 15.08.2019. Discute-se à luz do art. 5°, LVII, da Constituição Federal a possibilidade ou não de aplicação dos maus antecedentes na dosimetria da pena ultrapassado o prazo superior a 05 anos visto que a Constituição veda a aplicação de penas em caráter perpétuo.

Atualmente, a jurisprudência é vacilante. O Superior Tribunal de Justiça mantém firme o entendimento de que, ultrapassado o período depurador, é plenamente válida a utilização dos maus antecedentes para fins de dosimetria da pena (STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 323.661/MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 01/09/2015).

Por outro lado, vinga no STF a compreensão de que, após o lapso temporal de 05 anos, não seria possível valer-se dos maus antecedentes em detrimento do réu. Conforme destacado pelo Ministro Dias Toffoli, a conclusão se baseia no fato de que “o homem não pode ser penalizado eternamente por deslizes em seu passado, pelos quais já tenha sido condenado e tenha cumprido a reprimenda que lhe foi imposta em regular processo penal” (STF. 1ª Turma. HC 119200, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 11/02/2014).

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pelo Ministro Ricardo Lewandowski, acompanhado à unanimidade pelos seus pares, restou fixada a compreensão de que seria necessária a adoção, para efeitos pro tempore da condenação, de lapso temporal, fixado em 05 (cinco) anos, na forma do artigo 64 do Código Penal.

O acórdão foi assim ementado:

PENAL. HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO PRETÉRITA CUMPRIDA OU EXTINTA HÁ MAIS DE 5 ANOS. UTILIZAÇÃO

COMO MAUS ANTECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE.

APLICAÇÃO DO ART. 64, I, DO CÓDIGO PENAL. PRECEDENTES DA SEGUNDA TURMA. ORDEM CONCEDIDA. I - Nos termos da jurisprudência desta Segunda Turma, condenações pretéritas não podem ser valoradas como maus antecedentes quando o paciente, nos termos do art. 64, I, do Código Penal, não puder mais ser considerado reincidente. Precedentes. II - Parâmetro temporal que decorre da aplicação do art. 5°, XLVI e XLVII, b, da Constituição Federal de 1988. III – Ordem concedida para determinar ao Juízo da origem que afaste o aumento da pena decorrente de condenação pretérita alcançada pelo período depurador de 5 anos. (HC 142371, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 30/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 09-06-2017 PUBLIC 12-06-09-06-2017).

A compreensão que vencedora no âmbito desse processo, aliás, se norteou pela orientação de que não se deve perpetuar uma condenação em desfavor do agente ao qual se imputa nova prática delituosa.

9 CONCLUSÃO

Ao longo do presente trabalho, foi esmiuçado o estudo referente aos antecedentes criminais, trazendo à tona, assim, seus contornos conceituais, sem prejuízo da exposição de seus antecedentes históricos, com o levantamento da questão relativa à sua conformação, ou não, pelo texto constitucional vigente.

Os antecedentes criminais, assim vistos, permitiram uma leitura mais crítica a respeito do processo de individualização da pena, em especial quando referido princípio deve ser observado na órbita judicial, por ocasião da dosimetria da reprimenda corpórea aplicável ao agente punível.

A discussão a respeito da compatibilidade dos antecedentes criminais com a Constituição Federal permitiu, em linhas gerais, delimitar a distinção entre antecedentes e reincidência, bem assim colocar em destaque que ambos os conceitos sofreram influências de diversas ordens ao longo da história legislativa pátria, influências estas de suma importância para que se possa, com acerto, se debruçar sobre a discussão que se pretendeu analisar.

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Nesse momento, pois, soa pertinente destacar que o tema abordado se reveste de especial relevância, pois tem o condão de repercutir decisivamente no quantitativo de pena imposto ao agente penalizável, sendo certo, ademais disso, que a circunstância de ser uma temática que está na iminência de ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) somente vem a reafirmar a atualidade discussão.

10 REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei n. 7.209, de 11 de Julho de 1984, Brasilia, DF, mar 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm.> Acesso em: 19 de mar. 2019.

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Registrado em: 02.05.2019 Aceito em: 30.06.2019

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