Teorias de Extensão Rural: um enfoque histórico
Benedito Silva Neto
Disciplina de Desenvolvimento e Extensão Rural
Curso de Agronomia com Linha de Formação em Agroecologia
Universidade Federal da Fronteira Sul – campus Cerro Largo
Introdução
●Materialismo histórico
– o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e, portanto, às práticas a elas associadas, não é independente do seu contexto histórico.
– decadência ideológica da atividade científica nas sociedades contemporâneas
– Agronomia: ciência para controlar (o ambiente e os trabalhadores) e não para conhecer (para controlar o ambiente e emancipar os seres humanos)
●
Extensão Rural: “teorias” que se formaram ao longo da história
apresentam claras características deste processo de decadência
ideológica
Origem e visão geral da extensão rural
● EUA (1830): serviços de assistência à população rural que envolvia as Universidades => “extension”. ● Objetivo: Integrar os agricultores à dinâmica capitalista = mundo “moderno”, em oposição ao mundo
“tradicional” dos agricultores.
● Moderno (urbano, industrial e artificial) x Tradicional (arcaico; rural, agrícola e natural) ● Pressuposto: Modernidade => racionalidade => progresso = riqueza
● A partir destas noções surgem as teorias da modernização, que tem como característica o
difusionismo tecnológico
– Difusionismo funcionalista – Difusionismo neoclássico
● Há, também, teorias que contestam a modernização, porém de uma forma simétrica,
caracterizando-se também, pelo difusionismo de outras tecnologias
– Educação popular
A estruturação institucional da Extensão Rural
no Brasil – primeiro período
● Primórdios
– Escolas de Agronomia desde o final do século XIX
– Paradigma da modernização => “Jeca Tatu” de Monteiro Lobato (1910-20)
● Estruturação da ER no Brasil (1940-1956)
– De fins de 1940 até fins de 1950: cooperação técnica Brasil-EUA (Associação
Internacional para o Desenvolvimento Social, ligada à fundação Rockfeller)
– 1948: Associação (estadual) de Crédito e Assistência Rural em MG – 1954: ANCAR no CE, PE e BA
– 1955: ASCAR-RS e ANCAR-RN-PB – 1956: ACARESC e ABCAR (Brasil)
O difusionismo funcionalista
● Difusionismo funcionalista (Everett Rogers, principalmente):
– comportamento dos agricultores é definido pela sua função em determinado tipo de sociedade – relação entre função e estrutura: estímulo a determinadas funções => mudança social
– irracionalidade econômica dos agricultores que adotam valores da sociedade tradicional – centralidade dos aspectos psicológicos (“mentalidade”) => modernização = mudança social
● Estratégias difusionistas das práticas de extensão rural baseadas no perfil psicológico dos
agricultores
– líderes: agricultores que adotam primeiro as “inovações” (insumos e equipamentos de origem
industrial), influenciando os demais
– proativos: agricultores que adotam espontaneamente as inovações – reativos: agricultores que apresentam resistência em adotar inovações
Adoção de inovações tecnológicas segundo o
difusionismo funcionalista
0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 0 0,002 0,004 0,006 0,008 0,01 0,012 0 0,01 0,02 0,03 0,04 0,05 0,06 0,07 0,08 0,09 0,1 Adoção de tecnologia pelos agricultoresDifusionismo funcionalista
Taxa de adoção Número de agricultores
Tempo T a xa d e a d o çã o N ú m e ro d e a g ri cu lto re s Líderes Pró-ativos Reativos
Críticas ao difusionismo funcionalista
● Não analisa a natureza e dos efeitos das inovações ● Não analisa a realidade agrária
– Processos de diferenciação social dos agricultores?
● Não analisa os sistemas de produção dos agricultores ● Dicotomia entre o moderno e o tradicional
– Estruturas sociais tradicionais => irracionalismo econômico dos agricultores =>
sistemas de produção => pobreza
– Modernização como processo de mudança (ruptura) social
● Extensionista = intermediário entre a pesquisa e o agricultor
O difusionismo neoclássico
●
Crítica aos funcionalistas:
–
Agricultores são racionais (“não limitada”, teoria clássica...)
–Centralidade acordada à disponibilidade técnicas “modernas”
(insumos e equipamentos industriais)
●
Características
–
“A agricultura tradicional não se desenvolve, ela é substituída pela
agricultura moderna” (Theodore Schultz)
–
Comunicação centrada nos aspectos tecnológicos (reuniões
Teoria do difusionismo neoclássico
● Produtividade marginal dos fatores de produção da agricultura tradicional seria nula ● Produtividade marginal = taxa de variação do produto em relação à variação do fator
( = derivada) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 -500 0 500 1000 1500 2000
Principais correntes do difusionismo
neoclássico
●
Teoria dos insumos modernos (Theodore Schultz)
– bases do difusionismo neoclássico: teoria da produtividade marginal nula dos
fatores de produção da agricultura tradicional
– centralidade da difusão de insumos “modernos”
●
Teoria das inovações induzidas (Hayami e Ruttan)
– Inovações são induzidas pela disponibilidade relativa dos fatores de produção
terra e trabalho (Japão x EUA)
– Ênfase no papel das instituições de pesquisa e de extensão – Grandes centros de pesquisa, especializados por produtos
Críticas às teorias neoclássicas
●
A produtividade marginal dos “fatores de produção tradicionais” não é nula
– A observação direta de situações concretas mostra claramente que uma
distribuição da terra e o acesso ao crédito, mesmo no quadro da agricultura tradicional, alteram a produção
●
Racionalidade dos agricultores não implica em comportamento capitalista,
pois este é determinado pelas relações sociais (de produção, de
propriedade e de troca)
– Remuneração do trabalho na agricultura familiar – Rentabilidade do capital na agricultura capitalista
Reestruturação institucional (década de 1970)
● EMBRAPA (1973): estruturação baseada na Teoria das inovações induzidas
– Grandes centros de pesquisa especializados por produto
– Setores de Difusão de tecnologia
● Extensão: EMBRATER (nacional) e EMBRATER/Associações (estaduais)
– = aperfeiçoamento da estrutura antiga
● Extensão rural e pesquisa
– Extensão rural: tradição baseada no difusionismo funcionalista, muitas vezes com um
viés “popular” (valorização da cultura ao invés de atuação sobre a mentalidade…)
– Pesquisa: tradição neoclássica, com um viés geralmente mais explicitamente autoritário e
Redemocratização no final dos anos de 1970 – início
de 1980: críticas à modernização
●
Políticas difusionistas (funcionalistas ou neoclássicas)
–
Favoreceram muito mais a agricultura capitalista
–
Promoveram um intenso processo de diferenciação social que
provocou uma massiva marginalização da agricultura camponesa
–
Êxodo rural sem emprego urbano: pobreza e precarização da
população urbana mais pobre
=> Crise da extensão rural
●
“Alternativa” hegemônica (setores “progressistas”): Teologia da
A Teologia da Libertação na extensão rural
●
Teologia da Libertação
–
Elementos das ciências sociais, marxistas principalmente, para interpretar
as escrituras
–
Pressuposto de uma convergência entre cristianismo e marxismo
–
Trabalho junto as classes populares em defesa de reformas sociais
(reforma agrária junto aos camponeses)
–
Forte influência sobre os movimentos sociais do campo (formação do MST
p.ex.)
=> Principal base teórica da Educação Popular, especialmente a
proposta por Paulo Freire (principal autor)
A Teologia da Libertação e Materialismo
Histórico
●
Teologia da Libertação: concepção idealista (religiosa) do ser humano
– Práticas baseadas na evangelização e não “práxis” no sentido histórico-materialista
●
Materialismo Histórico: ser social é imanente à matéria (condições materiais)
– Práxis: interação entre a prática e a teoria como interpretação científica da realidade
=> Consequências:
– Educação Popular = difusionismo baseado em valores cristãos (apesar de muitas
vezes adotar termos marxistas, como práxis, classes sociais, etc.)
– Não supera as teorias da modernização, apenas faz uma “opção” pelos agricultores
tradicionais
Crítica histórico-materialista a teoria da
modernização e ao difusionismo
●
Não se pode estabelecer uma divisão dicotômica entre agricultura moderna e
tradicional
●
A agricultura se compõe de um conjunto extremamente diversificado de sistemas
agrários em constante evolução
– Combinação de técnicas “modernas” e “tradicionais”...
●
A compreensão da dinâmica desses sistemas agrários é indispensável para o
estabelecimento de ações eficientes de extensão rural
– Análise histórico-materialista da realidade agrária
●
Refutação da centralidade do pressuposto de informação perfeita (probabilista)
para um comportamento racional (custos da informação, etc)
1990-2015: (certa) flexibilização da extensão
rural
●
A partir de 1990: certo reconhecimento da importância da agricultura familiar no
Brasil => criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário...
●
Políticas públicas específicas: PRONAF, PAA, p.ex.
●Extensão rural
– Ênfase na Educação Popular
– Agroecologia (geralmente associada a Educação Popular)
●
Pesquisa
– Agroecologia: EMBRAPA, financiamentos pelo CNPq
=> Porém sem a superação das teorias da modernização e do difusionismo
=> Políticas compensatórias (sem a pretensão de mudanças estruturais)
Agronegócio e agricultura familiar (I)
● Domínio ideológico da burguesia agrária no Brasil (x desenvolvimento?) ● Burguesia rural x agricultura familiar (camponesa, etc.)
● Anos 1990:
– Supremacia dos “modernizadores” na burguesia rural: muito mais ênfase em argumentos
econômicos na defesa da grande propriedade, em detrimento da defesa da propriedade (e da família e da religião…).
– “Agronegócio”: grande coalização de classes (capitalistas) que agrega grandes
proprietários rurais, os fabricantes de insumos e equipamentos, indústrias de transformação e grandes redes de distribuição (marxismo: “complexo agroindustrial”…)
● Teoria
– Economia: análise mais eficiente do setor primário por meio do “agribusiness”
– Sociologia: a agricultura é um negócio, independentemente das relações sociais = todos os
Agronegócio e agricultura familiar (II)
●
Agricultura familiar
– Desde unidades de produção integradas ao Agronegócio até camponeses
● Agricultura familiar integrada ao Agronegócio: produção especializada de aves e suínos, p. ex.: empresas definem estritamente como os agricultores devem produzir
● Camponeses: autonomia de decisão (mas não isolamento) sobre a organização dos
sistemas de produção considerando as restrições técnicas e econômicas
– Importância das relações sociais de produção, de propriedade e de troca, pois estas
determinam o comportamento econômico dos agentes econômicos
● camponeses: remuneração do trabalho familiar ● capitalistas: rentabilidade do capital
● agricultores familiares integrados? patronais...
A partir de 2017: desestruturação da extensão
rural oficial
●
Reestruturação do Estado: extinção do MDA, extensão
rural oficial sob controle do MAPA
●
Quase extinção das políticas para a agricultura familiar
●Diminuição do financiamento da extensão rural oficial
●Orientação da extensão rural para a agricultura
capitalista (“Agronegócio”)
Considerações finais
●
Diferença essencial entre difusionismo e ações de extensão
baseadas em análises objetivas da realidade agrária
●
Insuficiência de uma “oposição” meramente ideológica à
“modernização”
–
a difusão de técnicas “tradicionais” também é insuficiente
para a promoção do desenvolvimento rural
=> Como fazer uma análise objetiva da agricultura com base no
Materialismo histórico? => Análise da Dinâmica de Sistemas
Leitura complementar
●