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Corpus sonorus: o microfone na composição de uma escultura sonora

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Academic year: 2021

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Corpus sonorus: o microfone na composição de uma escultura sonora

Ercole Martelli ercolemartelli@gmail.com

Fátima Carneiro dos Santos fsantos@uel.br

André Ricardo Siqueira arsiqueira@uel.br

Resumo: O objetivo geral desta pesquisa foi realizar uma exploração técnica e estética acerca da utilização de microfones no processo de construção de uma instalação sonora. A noção de escultura sonora empregado nesse trabalho vem no sentido de estabelecer diretrizes artísticas na criação de um espaço acústico artificial, esculpido mediante a difusão e re-contextualização de sons provindos de diversos pontos da Universidade Estadual de Londrina. Desta forma, essa pesquisa pretendeu criar um ponto de encontro onde sons, separados por aspectos de espaço e tempo, pudessem dialogar e se relacionar mediante a escuta.

Abstract: The general purpose of this research was to do a technical and aesthetic exploration about the use of microphones in the process of building a sound installation. The notion of sound sculpture used in this work is to establish artistic guidelines in the creation of an artificial acoustic space, sculptured through the diffusion and re-contextualization of sounds coming from different points of Universidade Estadual de Londrina (Londrina State University). Thus, this research intended to create a meeting point where sounds, separated by space and time aspects, could talk and relate by the listening.

Introdução

O século XX foi um período que pode ser caracterizado por grandes progressos e conquistas atingidas em inúmeras áreas do conhecimento humano. Fatos como as duas guerras mundiais, o desenvolvimento da tecnologia industrial, da informática e dos dispositivos de comunicação são alguns dos marcos que mudaram definitivamente a maneira como o homem vê e ouve o mundo que o rodeia.

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Todos esses fatos, eventos e situações são consequências de um processo evolutivo (tecnicista/tecnológico) que o homem vem vivenciando desde sua origem. No âmbito da evolução histórica musical podemos observar que a tecnologia vem desempenhar um papel de extrema importância para o pensamento musical, ocupando uma posição de destaque no sentido de ampliar as possibilidades de expressão e de maneiras de se pensar o próprio processo criativo.

Com o surgimento dos recursos tecnológicos da gravação, o homem pode não apenas gravar um som qualquer, mas também pode ‘recorta-lo’, isolar eventos sonoros e amplificá-los a níveis monstruosos de intensidade. Todos esses afazeres permitiram a emergência de outras escutas e de novas maneiras de se relacionar com o material sonoro, possibilitando, assim, uma expansão tanto das ideias de música, quanto do próprio fazer musical.

A Poética dos microfones: por uma composição microfônica

O que podemos notar é que a funcionalidade e o próprio semblante microfônico por muito vem sendo discutidos e revistos pela literatura como forma de criar novos olhares, aplicações e utilizações para esse tipo de aparato. Em meio a esse processo de captura do som, Sperber (1981, 13) vem afirmar que o microfone “é o instrumento mais notório no processo de transmissão de um acontecimento acústico”, pois, “no momento em que ele aparece numa imagem ou na realidade, qualquer um de nós acredita saber imediatamente que será feita uma gravação ou uma transmissão.” Ainda na primeira metade do século passado, Schaeffer (1946) apud Cardoso Filho, Palombini (2006, 315) indaga qual seria essencialmente o efeito do microfone, visto que “ele é demasiado simples para que alguém se dê o trabalho de o perceber, demasiado evidente para que alguém tenha tido a originalidade de o destacar”. E conclui, no mesmo texto, dizendo

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que o microfone “produz uma versão puramente sonora dos eventos – sejam concertos, comédias, rebeliões ou desfiles. Sem transformar o som, ele transforma a escuta.”

McCartney (2004, 183) aponta para uma aplicação reveladora do microfone dizendo que ele “permite a quem grava descobrir e se atentar a manifestações sutis de pequenos sons”. Em contraponto a tal afirmação, Schafer (2001, 162) vem dizer que “do mesmo modo que o microscópio revelou uma nova paisagem, situada além do olho humano, o microfone também, num certo sentido, revelou novos deleites, impossíveis de serem percebidos pela audição média”. Dessa forma o microfone pode ser situado como um suporte instrumental capaz de ampliar as possibilidades de escuta, aparecendo, assim, como uma forma de extensão do próprio sistema auditivo.

Funcionalmente o microfone, no ato da captação, realiza a transformação de energia mecânica em energia elétrica e, mesmo que no ato da reprodução pareça que essa transformação aconteça novamente em sentido contrário, Sperber (1981, 13) nos alerta que o som resultante já não é mais idêntico ao fenômeno acústico original, pois, mediante o uso do microfone “o acontecimento acústico é isolado do seu contexto natural, transformado em tensões elétricas e tornado desta forma, disponível e modelável de maneira diversa.” Dessa forma é possível se obter “um novo estado de aglomeração, o qual, do ponto de vista estético e dramatúrgico, possibilita a organização de um nível criativo inteiramente novo”. Foi nesse sentido que alguns artistas começaram a explorar as possibilidades técnicas e estéticas da utilização do microfone no desenvolvimento de processos composicionais que dialogassem diretamente com as características e peculiaridades oferecidas por esse tipo de aparato. Como exemplo desse tipo de prática podemos citar a peça Mikrophonie de K. Stockhausen composta em 1964. Nessa peça o microfone assume a posição de um verdadeiro instrumento musical onde “variações sonoras são obtidas através das distorções provenientes da

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proximidade do microfone de um Tam-Tam e do efeito de microfonia (realimentações através do sinal captado) que sintetiza a idéia composicional da obra.” (Luvizotto, Furlanete e Manzolli 2006, 263).

Foi sob tais perspectivas, e a partir das possibilidades aplicativas do microfone, que foi desenvolvido um estudo intitulado “A poética dos Microfones: Investigações sobre captações de sons aplicados à construção de uma escultura sonora”. O objetivo geral desta pesquisa consistiu em realizar uma exploração técnica e estética acerca da utilização dos microfones, cujos resultados refletiram na construção de uma de escultura sonora.

Esculpindo os sons no espaço: a escultura sonora

A noção de escultura sonora empregada nesse trabalho vem no sentido de estabelecer diretrizes artísticas para a criação de um espaço acústico artificial, esculpido mediante a difusão e recontextualização de sons previamente captados, provindos de diferentes ambientes sonoros da Universidade Estadual de Londrina, utilizando-se o prédio do curso de música como corpo ressonador de tais sonoridades. A ideia de retirar (ou transportar) os sons de seu contexto natural por meio do microfone para, posteriormente recontextualizá-los pode ser encontrada no que Iges (1999) classifica como a segunda das três tendências do movimento de soundscape. Essa tendência, conforme o autor, refere-se aos trabalhos com sons do ambiente, que inclui, em alguns casos, “elementos da poesia, documentário ou reportagem”, e, em outros, cria “pontes sonoras” entre ambientes sonoros naturais e urbanos, “relacionando-os diretamente entre si com ajuda das linhas telefônicas ou satélites de comunicações”.

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De modo semelhante, em nosso trabalho utilizamos os sons captados da paisagem sonora da Universidade Estadual de Londrina para esculpir o corpo acústico do prédio do curso de música, mas sem criar uma ‘ponte’ em tempo real. O objetivo foi o deslocamento de determinadas sonoridades (ou paisagens sonoras) para outro corpo-espaço, possibilitando a vivência de outros sentidos e escutas. A metodologia adotada para a seleção dos sons captados ocorreu sob forma de ‘passeios de escuta’, na qual foram realizadas, inicialmente, atividades de escuta pela Universidade a fim de descobrir suas possíveis marcas sonoras. Após vários ‘passeios’, selecionamos alguns eventos sonoros, tais como: sons da rodovia ao lado da Universidade, sons dos animais na fazenda universitária, sons das obras e construções realizadas no campus e sons dos estridentes ataques provindos do impacto do disco ao atingir o chão, no jogo de malha, praticado todos os dias pelos servidores da UEL, em horário de almoço.

Para a composição e difusão do material sonoro, através do prédio da música tomado como ‘corpus’ a ser esculpido, foram utilizadas seis caixas de som, dispostas em pontos espaciais específicos, que compuseram ‘rastros sonoros’ entre os três pisos do prédio, possibilitando que, quem por ali passasse, participasse, com sua escuta, dessa ‘música’, dada pelos contrastes, sobreposições e deslocamentos sonoros, em uma zona de ‘mescla sonora’, onde era possível ouvir vários diálogos entre os sons difundidos. O resultado desse trabalho se apresentou como um corpo sonoro (ou ‘corpus sonorus’), que serviu de ponto de encontro de sons, que, mesmo separados espacialmente e temporalmente, puderam dialogar e se relacionar através da escuta de quem por ali transitasse.

Dessa forma foi possível constatar que além de possuir certo poder ‘separador’ do som de sua fonte original o microfone também pode ser entendido como um ‘unificador’, justamente por tornar possível o diálogo de sons distintos. Assim, ao

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extrapolar a condição de uma ferramenta mediadora (entre ouvinte e som a ser captado), o microfone pode tornar-se elemento ativo no desenvolvimento de processos criativos, possibilitando o diálogo com questões que vão além do próprio material sonoro.

Referências

Cardoso Filho, Marcos Edson; Palombini, Carlos. 2006. Música e tecnologia no Brasil: a canção popular, o som e o microfone. Paper presented at the XVI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música (ANPPOM). Brasília. Accessed June 17, 2012.

http://www.unirio.br/mpb/textos/AnaisANPPOM/Anppom%202006/060830_1122%20( D)/CDROM/COM/04_Com_Musicologia/sessao01/04COM_MusHist_0102-194.pdf

Iges, José. 1999. Soundscapes: a historical approach. Paper presented at the VII Simpósio de Música Eletroacústica – En Red. Simpósio de Música Eletroacústica, Barcelona. CDROM.

Luvizotto, André Luiz; Furlanete, Fábio Parra; ManzolliI, Jônatas. 2006. Microfonia e Distorção na guitarra sob a ótica de Waveshaping. Paper presented at the XVI

Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música (ANPPOM), Brasília. Accessed June 17, 2012.

http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2006/CDR OM/COM/03_Com_InfMus/sessao01/03COM_InfMus_0103-208.pdf.

McCartney, Andra.2004.” Soundscape Works, Listening, and the Touch of Sound.” In Aural Cultures, edited by Jim Drobnick 179-185. Toronto: YYZ books

Schafer, R. Murray. 2001. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado no mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a

paisagem sonora. Translated by Marisa Trench de O. Fonterrada. São Paulo: Editora UNESP.

Schafer, R. Murray. 1991. O ouvido pensante. Translated by Marisa Trench de O. Fonterrada, Magda R. Gomes da Silva, Maria Lúcia Pascoal. São Paulo: Fundação Editora da UNESP

Sperber, George B.1980. Introdução à peça radiofônica. São Paulo: EPU. .

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