O Empresariado e o Governo Lula 1. Introdução
Durante a segunda metade do século XX, o Brasil passou, ora mais intenso, ora mais discreto, por um processo de criação de infraestrutura econômica; esta é o conjunto de atividades e estruturas da economia de um país. Apesar de inacabado, esse processo proporcionou a formação de uma forte economia de serviços; uma das consequências dessa economia voltada aos serviços foi o estabelecimento de um setor financeiro complexo e a emersão de empresas privadas em setores estratégicos, como construção civil e telecomunicações.
De acordo com o Banco Mundial, infraestrutura econômica abrange os principais setores que subsidiam os domicílios e a produção, a saber: energia, transportes, telecomunicações, fornecimento de água e saneamento e, algumas
vezes, setores de habitação e hidrocarbonetos.1
Primeiramente, o Brasil teve um grande desenvolvimento de seu mercado interno, com a vinda de indústrias automobilísticas no governo JK; futuramente, a fortificação das indústrias nos governos FHC. A importância da infraestrutura se evidencia na anterioridade do plano de criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) ao estabelecimento de indústria automobilística, e da evolução do setor energético no governo militar à abertura comercial da década de 1990, que levou a uma reforma industrial.
Durante a década de 1990, o empresariado brasileiro foi quase unânime na escolha de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (PSDB-SP) para a Presidência da República. FHC tinha propostas importantes para a estabilização econômica e, como protagonista do Plano Real, teve papel importante para o início da estabilização monetária.
O pragmatismo, iniciado no fim do governo Sarney (PMDB-MA) e continuado nos governos Collor (PRN-AL) e Itamar (PRN-MG), foi abraçado por FHC, de forma que o Brasil passou a participar e a se projetar internacionalmente. Como sugere a Teoria da Interdependência, “a importância relativa de cada país passa a ser medida menos por seu peso militar ou estratégico, e mais por sua projeção econômica, comercial, científica ou cultural” (Abdenur, 1994, p. 3). Dessa forma, FHC buscou mostrar à comunidade internacional a adesão, participação e comprometimento nos tratados internacionais (e
sua formulação) por parte do Brasil, visando as credibilidade e projeção do país para o aumento de sua participação comercial.
Ao contrário de Sarney e Collor, FHC encabeçou um plano que visava equilibrar as contas públicas diminuindo gastos, sem confisco da poupança e indexações, e promovendo abertura econômica através da redução de impostos e valorização do Real, sendo esta última estratégia sempre antes evitada para não comprometer setores nacionais menos competitivos, evitando possível desemprego estrutural. Alguns resultados da política econômica foram a redução da inflação de dois dígitos mensais, quatro anuais, para um dígito anual, e o crescimento da vulnerabilidade externa causado pela âncora cambial.
FHC enfrentou diversas crises internas e externas que desfavoreceram o resultado do Plano Real, tais como a Crise monetária do sudeste asiático (1997), a Crise da Rússia (1998) e a Crise do Apagão (2001). Essas crises geraram uma fuga de capitais para moedas mais fortes, como o dólar e a libra. Contudo, o Plano Real teve resultados muito importantes para o Brasil, desde o aumento da Renda Real (y) com o controle da inflação e geração de emprego, ao aumento da credibilidade comercial do país.
2. O Empresariado e o Governo Lula
Durante a década de 1980, os sindicatos dos trabalhadores se organizaram e definiram as pautas consideradas importantes para cada categoria. Contudo, a organização das associações, federações e sindicatos patronais não ocorreu concomitantemente, pois diversos temas apresentavam profundas divergências entre os grupos empresariais, como por exemplo a adesão aÁrea de Livre Comércio das Américas (ALCA). Porém, em decorrência da queda da produtividade industrial durante o governo FHC, grupos de empresários começaram a se formar, ou se reorganizar, tornando seus objetivos mais claros e trabalhando em conjunto por suas pautas. Dentre esses objetivos, na visão de alguns setores produtivos, estava a necessidade de um Estado que protegesse a produção nacional; para outros setores, era demandada uma política macroeconômica mais liberal, visando diversificação de mercado e redução de barreiras tarifárias (principalmente buscando o mercado estadunidense, através da ALCA).
Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), importante líder sindical e membro do Partido dos Trabalhadores, é eleito em 2002 utilizando-se de diversas pautas contra as políticas
neoliberais adotadas por FHC. Em seu plano de governo, criticava fortemente o resultado do aumento do investimento direto estrangeiros durante os governos FHC, por se tratar essencialmente de aquisições em decorrência das políticas de privatização e não investimentos de fato na produção.
Apesar de suas críticas, Lula mostrou-se um conciliador dos interesses das classes sociais mais pobres e dos grandes empresários. José de Alencar (PL-MG), vice da chapa de Lula, foi um importante empresário, membro da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que teve papel importante na articulação entre sindicatos patronais e dos trabalhadores. Ao lado de Lula, simbolizava a união entre trabalhadores e empresários. Alencar foi um árduo defensor da redução da taxa de juros e da defesa dos interesses do empresariado brasileiro.
Dez dias antes da eleição de 2002, Aloízio Mercadante (PT-SP), em evento na FIESP, apresentou programa do partido sobre a revitalização do mercado de capitais, projeto defendido pelos empresários. O governo Lula patrocinou o desenvolvimento e ampliação do mercado financeiro brasileiro, tanto no setor público, via BNDES, quanto privado, como foi o caso do Banco Itaú, banco com maior crescimento durante a gestão Lula. Isso foi alicerce para a multinacionalização de diversas empresas brasileiras, públicas e privadas.
O projeto de autonomia do governo Lula era pautado pela distância, participação e diversificação2. Essa diversificação buscava estabelecer, ou fortificar, relações com países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, objetivando reduzir as assimetrias do Sistema Internacional. Contudo, essa orientação da política externa não diminuía, tampouco impedia crescimento de relações com países ricos, apenas orientava o Brasil a diversificar seus mercados, visando mútua cooperação e equilibrar o Sistema Internacional.
A Administração Lula promoveu inúmeras viagens com o empresariado brasileiro para a promoção de cooperação internacional voltada à orientação Sul-Sul. O Brasil, durante os governos Lula, promoveu acordos bilaterais e multilaterais (como protagonista no Mercosul) com o continente africano. Em 2005, Lula, em evento na FIESP, afirmou
2 VIGEVANI, Tullo; CEPALUNI, Gabriel. Lula's Foreign Policy and the Quest for Autonomy through
que os empresários “precisam perder o medo de virar empresa multinacional, de virar empresa grande e ocupar espaço no mundo exterior".
O BNDES, durante os governos Lula, financiou diversas obras de grandes construtoras nacionais no exterior, conseguindo expandir empresas como a Odebrecht, OAS e Queiróz Galvão a quase todos os países da América do Sul, alguns países das América Central e África. Além das empreiteiras, o Estado brasileiro passou a ser o maior financiador da internacionalização da indústria brasileira (OLIVEIRA, 2012, página 55). O governo brasileiro tinha como objetivo contribuir para a multipolaridade do Sistema Internacional, e nele objetivava obter protagonismo.
Vê-se então que o governo de Lula tinha como intensão aumentar as exportações do Brasil e expandir a participação das empresas brasileiras no mercado internacional, conciliando desenvolvimento e crescimento econômico. Infelizmente, o governo, apesar dos esforços para imprimir maior participação internacional das empresas brasileiras, não deixou de lado sua preferência por resultados de curto prazo no setor agrícola. Não obstante, a internacionalização de empresas como Odebrecht, Petrobras, Vale, entre outras, caracterizam um grande passo para o empresariado brasileiro e para o desenvolvimento industrial do país.
3. Referências bibliográficas
ABDENUR, Roberto. “A política externa brasileira e o ‘sentimento de exclusão’”. In: FONSECA JR., Gelson & CASTRO, Sérgio Henrique Nabuco de (orgs.). Temas de política externa brasileira II, São Paulo, Paz e Terra, vol. 1. 1994.
RODRIGUES, Noeli. “Teoria da Interdependência: os conceitos de sensibilidade e vulnerabilidade nas Organizações Internacionais”. Conjuntura Global, Vol.3, n.2, abril
junho, 2014, p. 107-116. Disponível em <
http://www.humanas.ufpr.br/portal/conjunturaglobal/files/2015/01/Teoria-da- Interdepend%C3%AAncia-Os-conceitos-de-sensibilidade-e-vulnerabilidade-nas-organiza%C3%A7%C3%B5es-internacionais.pdf>. Acesso em 09/06/2016.
FALCÃO, Aluizio. 10 empresas brasileiras que fazem muito sucesso no exterior. Forbes. 13 de dezembro, 2015. Disponível em < http://www.forbes.com.br/listas/2015/09/10-empresas-brasileiras-que-fazem-muito-sucesso-no-exterior/#foto10> Acesso em 11/06/2016
ROCHA, Danylo de Oliveira. Estado, empresariado e variedades de capitalismo no Brasil: internacionalização de empresas privadas no governo Lula. 2012. Disponível em <file:///C:/Users/Felipe%20Penna/Downloads/Danylo_Rebert_Oliveira_Rocha.pdf>. Acesso em 12/06/2016
Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio, Itamaraty. Disponível em <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia-economica-comercial-e-financeira/694-a-rodada-de-doha-da-omc>. Acesso em 12/06/2016
VIGEVANI, Tullo; CEPALUNI, Gabriel. Lula's Foreign Policy and the Quest for Autonomy through Diversification. Taylor & Francis Lld. Vol. 28, no 7, 2007. Páginas 1309-1326