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A canção infantil e o desenvolvimento da criança uma análise preliminar

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Academic year: 2021

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A canção infantil e o desenvolvimento da criança – uma análise

preliminar

Gabriela Ricci UNICAMP gabricci@hotmail.com Jorge Luiz Schröder UNICAMP schroder@unicamp.br Resumo: Este trabalho visa compreender as relações entre a canção infantil e o

desenvolvimento infantil. Para isso, o estudo traz a análise de canções infantis compostas pelo Grupo RUMO – integrante do movimento denominado Vanguarda Paulista - na década de 1980. A partir das análises, é feita uma reflexão sobre as possíveis conexões entre a música não didática e o desenvolvimento da criança. Escolhi para esse trabalho o método de análise musical de Luiz Tatit (1987, 1999) por achar que ele pode ser muito eficaz no caso dessas canções. Primeiro, porque algumas das canções analisadas foram compostas pelo próprio Tatit, o que me levou a crer que provavelmente esse método se encaixaria, já que o próprio autor é o produtor e o analista de canções populares. Segundo, porque esse tipo de análise pode abarcar diversos tipos de música, tanto no que diz respeito ao estilo quanto ao modo de composição. Procurei escolher canções que representassem o disco como um todo no que diz respeito a tema de letra, estilo e tipo de persuasão utilizada na composição. Foram feitas análises das músicas que permitiram encontrar algumas conexões entre elas, e a partir daí seguiu-se a segunda parte da pesquisa, na qual o intuito foi encontrar relações entre essas canções e o desenvolvimento infantil. Considero de fundamental importância a compreensão, por parte dos músicos envolvidos com o universo infantil, do que é relevante ao ouvido e às sensações da criança, para que ela tenha a opção de ouvir uma música que dialogue com a sua maneira de enxergar o mundo e que lhe sirva como bagagem de escuta para toda a vida.

Palavras chave: Música infantil. Desenvolvimento infantil. Análise de canção.

Introdução

Fazer música para crianças é uma atividade aparentemente ainda não sistematizada no campo composicional da música. Parte significativa do que é produzido atualmente, na área da música infantil, é resultado mais da experiência dos compositores, arranjadores e intérpretes do que da elaboração de um método, ou de investigações sobre um “gosto infantil”. Porém, é possível constatar facilmente que não é tão simples quanto parece agradar e ser útil a esse público: a quantidade de tentativas mal-sucedidas nessa área é grande.

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Penso que talvez falte um embasamento acerca do desenvolvimento da criança (o que ela gosta, o que ela ouve, o que ela pensa sobre as músicas que ouve) por parte dos músicos não pedagogos, que acabam tendo dificuldade em realmente atingir seu público, mesmo que suas composições sejam de ótima qualidade musical.

A partir desta maneira de pensar a canção, propus análises de algumas músicas do disco Quero Passear, do grupo RUMO, que é inteiramente dedicado ao público infantil. É um disco muito bem trabalhado musicalmente, que faz parte do cenário musical da São Paulo da década de 1980, mais especificamente do movimento denominado Vanguarda Paulista.

Este disco me chamou a atenção principalmente pelo fato de trazer uma estética totalmente diferente daquela encontrada em outros trabalhos da época (e até atualmente) em outros discos infantis. Ele tenta dialogar com os interesses das crianças, trazendo situações cotidianas do universo infantil, como a brincadeira, a briga com o irmão ou o colega, o medo do desconhecido etc. Ganhou dois prêmios pela Sharp no ano de seu lançamento, o prêmio de melhor disco infantil daquele ano, e uma de suas faixas, “A noite no castelo”, o prêmio de melhor música infantil.

Objetivos

Apesar do grande número de análises de música popular feitas a partir do parâmetro proposto por Luiz Tatit (1987, 1999), são poucas aquelas referentes à música infantil, que de modo geral é pouco estudada fora do contexto das aulas de artes, ou seja, na área da educação.

Minha ideia então ao propor essas análises de canção é estudar a música infantil não didática, de modo que se possa estabelecer uma relação entre ela e o desenvolvimento infantil.

Considero de fundamental importância a compreensão, por parte dos músicos envolvidos com o universo infantil, do que é relevante ao ouvido e às sensações da criança, para que ela tenha a opção de ouvir uma música que dialogue com a sua maneira de enxergar o mundo e que lhe sirva como bagagem de escuta para toda a vida.

Metodologia

A eficácia da canção popular depende fundamentalmente da adequação e da compatibilidade entre o seu componente melódico e seu componente linguístico. Arranjos e gravações

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trabalhadas podem não só intensificar a compatibilidade entre os componentes, como também podem criar outros graus de adequação e outros espaços de compatibilidade, o que aumentaria, por certo, a eficácia da canção. (LUIZ TATIT, 1986, p.3)

Esta citação sintetiza o método de análise de Luiz Tatit, baseado na eficácia da canção.

Em alguns de seus trabalhos, Tatit estabelece alguns tipos diferentes de canções, que se baseiam na maneira como o autor persuade o ouvinte a estar atento à sua música. Esses tipos de persuasão se relacionam principalmente com o tema e o estilo da canção, e podem aparecer sozinhos ou relacionados em uma mesma música.

A escolha das músicas foi feita de acordo com a relevância que cada uma delas tem dentro do repertório do disco, levando em consideração riqueza/singularidade em itens como letra e arranjo, além do destaque dentro do próprio disco (principalmente "Quero passear", título do LP e "A noite no castelo", ganhadora do prêmio Sharp na categoria melhor música infantil).

Procurei escolher ainda canções que representassem o disco como um todo no que diz respeito a tema de letra, estilo e tipo de persuasão utilizada na composição. Foram escolhidas quatro canções, são elas: “A noite no castelo” (Hélio Ziskind), “Marchinha do cavalo” (Luiz Tatit), “O monstro” (Luiz Tatit) e “Quero passear” (José Carlos Ribeiro).

Desenvolvimento

Feitas as análises, uma constatação importante é que todas as canções tratam de temas que dizem respeito ao universo infantil de forma não “romantizada”, entenda-se aquela que apresenta apenas uma característica imutável em seus personagens, como, por exemplo, ser apenas vítima passiva das situações, como ocorria com a maioria das canções infantis da época (por exemplo todas aquelas que tratavam de estórias de contos de fadas, como A gata borralheira ou A branca de neve). São trazidos, nas letras, temas cotidianos, como na música “Quero passear”, e acima de tudo canções que tratam da imaginação fértil das crianças, como “O monstro” e “Marchinha do cavalo”. Afora isso, existem outras características importantes que aparecem apenas em algumas das músicas.

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Relações cotidianas

São encontradas nas canções algumas relações cotidianas, diferentes entre si, mas recorrentes na vida das crianças.

Um exemplo é a relação entre mãe e filho, explícita de forma muito interessante na canção “O monstro”. Nessa música, a mamãe monstro age exatamente como agiria uma mãe humana ao encontrar seu filho numa situação indesejada. Afaga a criança, afasta ou esconde o que quer que o esteja incomodando, enfim, compactua com algumas manhas requeridas por seu filho.

Outro caso de relação cotidiana é o que aparece na canção “Quero passear”, quando ilustra uma situação comum em grupos de crianças, nos quais muitas vezes há um excluído, que apesar de fazer parte da turma, nunca acompanha realmente tudo o que acontece entre seus amigos.

Outro ponto importante de “Quero passear” é o uso da chantagem pela criança deixada de lado do grupo. É um claro exemplo de uma criança não “romantizada”, mas com defeitos e qualidades como qualquer outra pessoa, principalmente se observarmos que do outro lado estão aqueles que o excluem, que reforçam ainda mais essa ideia de que as pessoas não são perfeitas.

Imaginação/criatividade

A questão mais explorada, que aparece em quase todas as canções é, sem dúvida, a imaginação.

Em “O monstro”, está clara a presença da criatividade no fato de que um monstro também pode ser uma criança indefesa, que tem medo de seu arqui-rival (a princesa), invertendo completamente os valores apresentados pelas estórias de fadas e princesas, tão comuns no universo infantil, nas quais o monstro é sempre feio e mal, e a princesa sempre bela e boa.

Na “Marchinha do cavalo”, a criatividade aparece na interessante situação de um compositor tentando encontrar sua inspiração. Para convencer uma criança, a solução não pode ser mais óbvia do que para compor uma marcha, se comprar um cavalo e basear-se em seu galope para tal fim.

Por fim em “A noite no castelo” a imaginação é mais do que explorada, trazendo à tona vários elementos que pairam sobre as cabeças de quase todas as crianças durante muito tempo: os monstros de uma noite de terror. São citados nessa canção o fantasma,

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a bruxa e o vampiro, mas paralelamente ocorrem vários outros sons que poderiam ser outros seres, como acontece mais explicitamente, por exemplo, com o que poderia ser um lobisomem (sugerido pelo uivo).

Oralidade das letras

Uma das características mais marcantes, presente em todas as canções analisadas (e em todas as canções do disco), é a oralidade das letras.

Todas as letras são construídas de maneira a valorizar a questão da fala cotidiana, tão importante para o conceito de eficácia da canção criado por Tatit, que diz que as melodias são construídas à partir da influência da fala. Às vezes esta influência aparece de maneira extrema, e outras vezes de maneira mais sutil. Apesar de às vezes ser mais sutil, a oralidade é parte fundamental na construção da letra aliada à melodia, porque é essa oralidade que orienta a direção que a melodia vai tomar.

Outro fator que está aliado à oralidade, no caso dessas canções, é o uso de concordâncias erradas, gírias, além de frases e palavras incompletas. Isso pode ser visto como mais uma maneira de se aproximar das crianças. Alguns exemplos são:

“Cês vêem que é um monstro tipo mariquinhas pelo jeito.” (O monstro, Luiz Tatit)

“Se ligou no galope.” (Marchinha do cavalo, Luiz Tatit)

“E quero ver vocês jogar.” (Quero passear, José Carlos Ribeiro)

Resultados

Penso que a questão mais importante que paira sobre o disco como um todo é a da variedade, que aparece nos temas, estilos, tipos de abordagem, enfim, que circundam todas as faixas do disco, e é claramente demonstrada nesse pequeno conjunto de canções selecionadas para essa pesquisa.

Aqui são tratados temas que dizem respeito às relações das crianças com os que estão à sua volta; o desenvolvimento da imaginação sem limites a partir da escuta; a dosagem de valores; os estilos das músicas em si; os temores infantis; enfim, uma gama de assuntos que possibilitam à criança um contato mais rico e amplo com várias representações poéticas de situações familiares para elas.

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Se levarmos em consideração que a criança se desenvolve, em grande parte, a partir dos estímulos dados pelas pessoas à sua volta, ou seja, a partir de suas relações sociais, podemos crer que, quanto maior a variedade de estímulos, situados nos mais variados campos de atividades infantis e de forma mais diversa, mais a criança poderá desenvolver seus potenciais (de percepção, sensibilidade, julgamento, crítica e, principalmente, estéticos e musicais) de uma forma também mais rica e ampla.

Referências Bibliográficas

TATIT, Luiz. Canção: eficácia e encanto, São Paulo: Atual, 1987.

TATIT, Luiz. Semiótica da canção – melodia e letra, São Paulo: Editora Escuta, 2ª ed., 1999.

Referências

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