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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA JULIA HERINGER PITTHAN

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JULIA HERINGER PITTHAN

IMPLICAÇÕES FÁTICO-JURÍDICAS NA AVERBAÇÃO DOS REGISTROS PÚBLICOS DIANTE DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.275

Tubarão 2018

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JULIA HERINGER PITTHAN

IMPLICAÇÕES FÁTICO-JURÍDICAS NA AVERBAÇÃO DOS REGISTROS PÚBLICOS DIANTE DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.275

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Patrícia Christina de Mendonça Fileti Pereira – Esp.

Tubarão 2018

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Dedico este trabalho aos três pilares da minha vida, meus exemplos de determinação, força, coragem e sucesso: meu pai, Julio, minha mãe, Cândida, e minha avó, Leodomira.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus por me dar determinação, sabedoria e foco na elaboração deste trabalho.

Agradeço aos meus pais pelo amor incondicional, por não medirem esforços para me proporcionar sempre o melhor e pelo apoio nessa e em todas as minhas jornadas. Eu amo muito vocês.

Agradeço aos meus irmãos, meus pequenos companheiros, por todo o carinho e amor de sempre.

Agradeço toda a minha família, em especial minha avó, por sempre estar ao meu lado e lutar comigo, me dando forças todos os dias para que eu não desista nunca.

Agradeço ao meu namorado, Pedro, pela paciência, amor e compreensão em toda essa trajetória.

Agradeço ainda a todos os meus amigos, principalmente a minha chefe, Júlia Búrigo, pela amizade, por toda ajuda e incentivo diário.

Por fim, mas não menos importante, agradeço minha professora e orientadora, Patrícia Mendonça Fileti, por me conduzir e auxiliar na evolução desse estudo.

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“Sonhos determinam o que você quer. Ação determina o que você conquista.” (Aldo Novak).

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RESUMO

OBJETIVO: Analisar as situações fáticas e jurídicas geradas pela decisão do Supremo

Tribunal Federal que autoriza a alteração de nome e gênero por transgêneros perante os registros públicos sem a necessidade de cirurgia de redesignação sexual ou autorização judicial. METODOLOGIA: foi utilizado o nível exploratório, permitindo uma maior familiaridade com o tema, tendo em vista se tratar de assunto pouco regulamentado; abordagem qualitativa, analisando a decisão do Supremo Tribunal Federal e as implicações geradas por essa; o procedimento de coleta de dados pela forma bibliográfica, baseando-se em consulta de fontes secundárias como doutrinas e artigos científicos, além da pesquisa documental da decisão em questão e jurisprudências de outros tribunais. RESULTADO: Analisou-se a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 4.275, que alterou a interpretação do artigo 58 da Lei 6.015/73, Lei dos Registros Públicos, como forma de assegurar os direitos da personalidade dos transgêneros em conformidade com os princípios constitucionais essenciais e, ao mesmo tempo, levantou-se hipóteses e questionamentos sobre a forma que esse novo direito afeta situações fáticas e jurídicas já existentes CONCLUSÃO: O presente trabalho demonstrou que possibilitar a alteração do prenome e gênero pelos transgêneros sem condiciona-los a realização de uma cirurgia de mudança de sexo ou decisão judicial que os submetia ao constrangimento é de suma importância para garantir que seus direitos sejam efetivamente exercidos em conformidade com a sua dignidade pessoal. Todavia, permitir essa alteração sem a devida regulamentação afeta os outros direitos pré-existentes, criando, eventualmente, uma controvérsia com outras normas e situações fáticas da sociedade.

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ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze the factual and legal situations resulting from the Federal Supreme

Court’s decision authorizing the change of name and gender by transgenders in public registries without the sexual reassignment surgery or judicial authorization. METHOD: Was used the exploratory level, allowing a greater familiarity with the subject, because it is a little regulated subject; qualitative approach method, analyzing the Federal Supreme Court’s decision and the implications generated by it; the procedure of data collection by bibliographic research, based on secondary sources such as doctrines and scientific articles, besides documentary research of this decision and jurisprudence of other courts. RESULT: Analyzed the Federal Supreme Court’s decision in ADI 4.275 that changed the interpretation of article 58 of the Law 6.015/73, Public Registration Law, as a way to ensure the rights of the personality of the transgenders in accordance with the essential constitutional principles and, at the same time, hypotheses and questions about the way that this new law affects existing legal and factual situations. CONCLUSION: This academic piece has shown that enabling the change of first name and gender of the transgenders without conditioning them to sexual reassignment surgery or judicial authorization that submitted them to embarrassment is important to ensure that their rights are effectively exercised in accordance with their personal dignity. However, allowing such a change without proper regulation affects other pre-existing rights, creating, eventually, a controversy with other norms and factual situations of the society.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 11

1.1 DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA ... 12

1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ... 12 1.3 JUSTIFICATIVA ... 13 1.4 OBJETIVOS ... 13 1.4.1 Geral ... 13 1.4.2 Específicos ... 13 1.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 14

1.6 ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS ... 14

2 DIREITOS DA PERSONALIDADE E SEUS PRINCÍPIOS INERENTES ... 16

2.1 DO DIREITO AO NOME E À IDENTIDADE PESSOAL ... 17

2.2 DO DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL ... 18

2.3 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 19

2.4 DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DA ISONOMIA ... 20

2.5 DOS PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA ... 21

3 O REGISTRO CIVIL DA PESSOA NATURAL E AS HIPÓTESES DE ALTERAÇÃO ... 24

3.1 NOME CIVIL ... 25

3.2 PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE DO NOME ... 26

3.2.1 Exceções Legais ao Princípio da Imutabilidade ... 28

3.3 AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DO PRENOME ... 30

4 A ALTERAÇÃO DO NOME E GÊNERO DOS TRANSGÊNEROS NOS REGISTROS PÚBLICOS APÓS A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.275 ... 32

4.1 A AÇÃO DIRETA DE INCOSTITUCIONALIDADE 4.275 ... 33

4.1.1 O Novo Procedimento para Alteração de Nome e Gênero ... 36

4.1.2 A Alteração do Prenome e Gênero por Transgêneros nos Registros Públicos após a ADI 4.275 no Estado de Santa Catarina ... 37

4.2 AS IMPLICAÇÕES FÁTICO-JURÍDICAS RESULTANTES DA DECISÃO DO STF NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.275 ... 39

4.2.1 Da Aplicação da Lei Maria da Penha ... 40

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4.2.3 Da Previdência Social... 43

4.2.4 Do Alistamento nas Forças Armadas ... 44

4.2.5 Do Uso dos Banheiros Públicos ... 45

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 47

REFERÊNCIAS ... 49

ANEXOS ... 53

ANEXO A – PETIÇÃO INICIAL - ADI 4.275 ... 54

ANEXO B - DECISÃO ADI 4.275 ... 88

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1 INTRODUÇÃO

Por ser de suma importância tanto para o indivíduo como para a sociedade, a identidade é um dos pilares dos Direitos Humanos, sendo amparada pelo ordenamento jurídico, Convenções e Tratados Internacionais, Declarações Universais, além de zelada por seus princípios inerentes, como o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o Princípio da Igualdade, o Princípio da Isonomia e os Princípios de Yogyakarta, além de envolver o direito à liberdade pessoal, à honra e à imagem.

O nome é uma garantia fundamental e determinante para a personalidade de cada pessoa, uma vez que a individualiza na sociedade, abrangendo todos os atos de sua vida civil.

Conforme explica Venosa (2013, p. 179), “a personalidade não é exatamente um direito, é um conceito básico sobre o qual se apoiam os direitos”.

É imprescindível que cada indivíduo identifique-se com seu nome, uma vez que, conforme Monteiro (2005, p. 106), o nome é o mais importante dos atributos da personalidade, pois é o elemento identificador da pessoa.

O gênero e o nome do indivíduo são registrados com base no seu sexo morfológico, o que nem sempre se adequa à forma que a pessoa passa a se identificar ao longo da vida, como é o caso dos transgêneros, uma vez que, conforme Raul Choeri (2004, p. 53), “o gênero, embora ligado ao sexo, não lhe é idêntico, mas construído socialmente, a partir das diferenças percebidas entre os sexos e de comportamentos coletivamente determinados”, o que pode causar conflito interno e violar o seu conceito de personalidade.

Diante desse contexto, surgiram diversas controvérsias na jurisprudência, tendo em vista que nessas situações envolvendo identidade de gênero, até o ano de 2018, a alteração do nome só era permitida após cirurgia de transgenitalização, conforme entendimento do STJ, violando direitos fundamentais que deveriam ser garantidos a qualquer indivíduo.

Por essa razão, após a discussão ter sido levada ao Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275, julgada em 1º de março de 2018, foi consolidado o entendimento da inexibilidade da cirurgia de redesignação sexual para a alteração do nome e gênero perante os registros públicos, considerando o que dispõe a Constituição Federal de 1988 e o Pacto de São José da Costa Rica.

Assim, por todo o exposto, o presente trabalho monográfico busca analisar as possíveis implicações fáticas e jurídicas que possam vir a surgir com a nova interpretação dada ao artigo 58 da Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.015/73, atualmente regulamentado pelo Provimento nº 73, de 28 de junho de 2018, pela Corregedoria Nacional de Justiça.

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1.1 DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA

1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

Os direitos da personalidade, que abrangem o direito ao nome e à autodeterminação, são essenciais à Dignidade da Pessoa Humana, sobretudo a garantir a plenitude de sua honra, liberdade e identificação pessoal.

Conforme leciona Vampré (1935, p. 38):

Quando pronunciamos, ou ouvimos um nome, transmitimos ou recebemos um conjunto de sons, que desperta nosso espírito, e no de outrem, a ideia da pessoa indicada, com seus atributos físicos, morais, jurídicos, econômicos, etc. Por isso, é lícito afirmar que constitui o nome a mais simples, a mais geral e a mais prática forma de identificação.

No Brasil, o registro público do nome e gênero é regulamentado pela Lei dos Registros Públicos, Lei nº 6.015/73, a qual rege pela imutabilidade do prenome, tendo como justificativa tratar-se de matéria de ordem pública, possibilitando sua alteração apenas em situações excepcionais.

Atualmente, com a maior abertura social à diferenciação na identificação de gênero, tornaram-se comuns casos em que a pessoa não se identifica com o nome, tendo em vista que este é escolhido por seus genitores no momento do registro da certidão de nascimento, bem como para sua identificação de gênero biológico, desenvolvendo um sentimento de não pertencimento à própria identidade, e, a partir daí, causando conflitos jurisprudenciais pela violação da sua dignidade humana.

Com essas violações aos direitos básicos da pessoa, o Supremo Tribunal Federal, em 1º de março de 2018, consolidou, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275, a possibilidade de alteração de nome e gênero nos registros públicos pelos trangêneros sem a necessidade da cirurgia de redesignação sexual ou decisão judicial, priorizando a constitucionalidade da liberdade de identificação.

Diante dessa nova realidade, a problemática da pesquisa apresenta-se a partir das adversidades, tanto jurídicas como em situações fáticas, que possam vir a surgir, tendo como exemplo o encaminhamento de condenados no âmbito penal às unidades prisionais após a alteração de nome e gênero nos registros públicos, tendo em vista a contradição entre sua identidade biológica e social.

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1.3 JUSTIFICATIVA

Por se tratar de realidade recente, sem ampla regulamentação jurídica e doutrinária, não há direcionamentos específicos ao se tratar de situações fáticas e jurídicas advindas da alteração de nome e gênero nos registros públicos sem a alteração biológica.

Vale salientar que a presente monografia não discorda da ideia e dos princípios constitucionais e humanos que levaram o Supremo Tribunal Federal a consolidar tal direito, apenas visa analisar e direcionar as perspectivas jurídicas diante da nova realidade e dos antigos problemas sociais enfrentados, tanto nas áreas penais e civis, quanto nas situações fáticas cotidianas.

Apesar de algumas considerações já serem regulamentadas pelo Provimento nº 73 de 28/06/2018 da Corregedoria Nacional de Justiça, este abrange apenas o procedimento para a satisfação do direito e não direciona a aplicação da legislação pré-existente com a inclusão da nova possibilidade de alteração do registro, tornando vagas as diretrizes a serem seguidas.

1.4 OBJETIVOS

1.4.1 Geral

Analisar as novas diretrizes jurídicas a partir de situações fáticas e jurídicas geradas pelo novo direito consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, autorizando a alteração de nome e gênero por transgêneros perante os registros públicos sem a necessidade de cirurgia de redesignação sexual ou autorização judicial.

1.4.2 Específicos

Demonstrar o direito à identificação como direito fundamental garantido a todos os indivíduos.

Analisar a Lei dos Registros Públicos, Lei nº 6.015/73, bem como as autorizações jurídicas para alteração do nome antes da Ação Direta de Constitucionalidade 4.275.

Analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal que permitiu a alteração do nome e gênero nos registros públicos sem a necessidade de cirurgia de redesignação sexual ou autorização judicial.

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Descrever o procedimento para alteração do nome e gênero nos registros públicos após a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275.

Identificar e analisar as possíveis implicações fáticas e jurídicas que possam vir a surgir com a consolidação do novo direito aos transgêneros.

1.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa terá como nível o exploratório, que, conforme explica Gil (2002, p. 41), “tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses”.

Quanto à abordagem, será qualitativa, analisando narrativas e a percepção da decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275 e as eventuais implicações fáticas e jurídicas advindas da consolidação do novo direito aos transgêneros.

Sobre esse tipo de abordagem, Minayo (2007, p. 21 apud LEONEL; MARCOMIM, 2015, p. 28) explica que a mesma “se ocupa com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja, ela trabalha o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes […]”.

Por fim, quanto ao procedimento de coleta de dados, será utilizada a forma bibliográfica, baseando-se no exposto em estudos de doutrinas e artigos científicos para analisar hipóteses de implicações advindas da decisão em questão.

Será utilizado ainda o procedimento documental, uma vez que analisará, conforme Fonseca (2002, p. 32), “fontes mais diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico”, como é o caso da decisão do Supremo Tribunal Federal como fonte de informação e estudo, subsidiando a análise do problema a esse documento jurídico.

1.6 ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS

O presente trabalho de conclusão de curso é constituído por cinco capítulos, sendo o primeiro a introdução, a qual aborda os objetivos gerais e específicos, a justificativa da presente obra e os métodos de pesquisa utilizados para elaboração.

O segundo capítulo diz respeito aos direitos da personalidade e aos princípios essenciais a sua aplicação, dissertando sobre o conceito e a relevância de cada um,

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individualmente, na vida civil dos transgêneros, além de enfatizar o problema enfrentado na dificuldade desses indivíduos em alcançar a satisfação almejada.

O terceiro capítulo dispõe sobre o registro civil de pessoas naturais e o princípio da imutabilidade do nome, que norteia a lei que regulamenta os registros públicos, bem como aborda as suas exceções legais e discorre sobre a Ação de Retificação do Prenome, meio pelo qual os transgêneros atingiam o desejo de alteração do prenome.

O quarto capítulo traz as disposições acerca da alteração do prenome e gênero dos transgêneros nos registros públicos, atentando-se à Ação Direta de Constitucionalidade 4.275, que concedeu esse direito sem a necessidade de cirurgia de mudança de sexo ou autorização judicial para tanto, além de abordar as implicações fáticas e jurídicas resultantes dessa nova realidade.

Por fim, o capítulo de conclusão demonstra a relevância deste trabalho, bem como busca elucidar os objetivos da pesquisa, seguido dos anexos indispensáveis ao desfecho do estudo.

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2 DIREITOS DA PERSONALIDADE E SEUS PRINCÍPIOS INERENTES

O presente capítulo tratará dos direitos da personalidade da pessoa, como o direito ao nome e à autodeterminação sexual, os princípios constitucionais e humanos a eles inerentes, bem como analisará seus conceitos e aplicações à problemática enfrentada pelos transgêneros no que tange à identidade e possibilidade de alteração do nome e gênero nos registros públicos.

Para Luiz Guilherme Loureiro (2017, p. 165):

Os direitos de personalidade, também chamados de direitos personalíssimos (...), correspondem a toda pessoa por sua condição de tal, desde antes de seu nascimento

e até depois de sua morte, e das quais não pode ser privada por ação do Estado nem

de outros particulares porque isso implicaria menoscabo da personalidade.

Embora a maioria da população caracterize-se como cisgênera, ou seja, identifica-se, em todos os aspectos, com seu sexo biológico, os casos de transgeneridade, em que o indivíduo não se reconhece na identidade sexual determinada no momento do seu nascimento, tornam-se cada vez mais comuns.

A partir dessa premissa, Patrícia Corrêa Sanches (2011, p. 433) explica que:

A palavra “gênero” nos traduz uma ideia de atribuição social e cultural na definição do sexo, tem definição extremamente complexa, pois mesmo ampliada aos fatores externos, essa identidade de gênero é o sentimento do indivíduo quanto ao sexo que possui, o que, em alguns casos, pode não ser aquele que biologicamente tem no registro.

Diante dessa situação, observa-se que aquilo que lhes é imposto desde o nascimento não necessariamente condiz com sua própria concepção de identidade e, a partir do momento em que alguém não pode ser reconhecido como se auto determina, surge a violação do seus próprios direitos da personalidade.

Ou seja, ainda que a transgeneridade não se enquadre como “normal” nos padrões de gênero sexual, esses indivíduos continuam a ter o direito de não serem expostos a situações de humilhação ou constrangimento ao exercerem seus direitos da personalidade.

A identidade de gênero é expressão da personalidade de cada indivíduo como um singular, cabendo ao Estado apenas reconhecê-la, mas jamais determiná-la com base na maioria.

Inerentes a esse direito e garantidos pela Constituição Federal Brasileira, além de Convenções e Tratados que dizem respeito aos Direitos Humanos, vislumbram-se os

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princípios fundamentais de um tratamento igualitário, tais como o da Dignidade Humana, o da Igualdade e o da Isonomia, além dos Princípios de Yogyakarta, estes últimos que versam sobre a orientação sexual e a identidade de gênero.

Portanto, tendo como fundamento básico a promoção do bem comum, cabe ao Estado garantir e satisfazer esses direitos à população, incluindo os transgêneros, que reiteradamente sofrem em razão da discriminação social de toda ordem.

2.1 DO DIREITO AO NOME E À IDENTIDADE PESSOAL

O nome, categorizado como direito personalíssimo, é um dos principais atributos da pessoa e a maior das expressões da personalidade, individualizando-a no contexto da vida social, sendo normatizado no Código de Direito Civil, em seu artigo 16º.

A Lei dos Registros Públicos, Lei nº 6.015/73, que dispõe, entre outras regulamentações, sobre o registro do nome, rege-se pelo princípio da imutabilidade, ou seja, impossibilidade de alteração daquele que lhe foi atribuído no nascimento.

Em que pese esse princípio não ser absoluto, as exceções de alteração previstas na lei se aplicam a casos excepcionais e específicos, restringindo-se consideravelmente a autonomia privada.

O direito ao nome, além de ser o meio de individualização da pessoa perante a sociedade, é sua forma de identificação pessoal, remetendo, materialmente, à sua imagem física e personalidade.

Insta salientar-se que o direito ao nome não é sinônimo ao direito à identidade pessoal, tendo em vista que nem sempre os mesmo condizem, conforme explica Doglas Cesar Lucas (2002):

O direito à identidade nos coloca diante do seguinte paradoxo: somos aquilo que somos, aquilo que nos identifica, mas nem sempre temos o direito de ser o que somos em virtude de que a vivência de nossa identidade, como direito, está subordinada a condição de normatividade.

Dessa forma, uma vez que o nome é a maneira de representação do indivíduo perante a sociedade, deve, assim, haver a identificação da pessoa com aquele que lhe foi atribuído no momento do registro e as características pessoais as quais ele remete.

É notório que nem sempre há essa identificação, principalmente nas situações em que o nome remete ao gênero biológico no qual a pessoa não se reconhece mais, o caso dos trangêneros.

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Diante dessas circunstâncias, a imutabilidade do nome é, ou pelo menos deveria ser, condicional, tendo em vista que o direito do indivíduo em viver de maneira digna e sem constrangimentos em razão de identificação pessoal sobrepõe-se aos princípios aplicáveis aos registros públicos.

A dificuldade na possibilidade de alteração do nome pelos transgêneros distanciava cada vez mais o direito ao nome do direito à sua identidade pessoal, necessitando da intervenção do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275, tema do presente estudo, para preponderar a dignidade da pessoa humana sobre a imutabilidade do nome nos registros públicos.

2.2 DO DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL

O direito à autodeterminação sexual baseia-se na liberdade do indivíduo em viver consoante sua própria orientação sexual, sem necessariamente ser a aquela pré-determinada em razão do seu gênero biológico.

Esse direito, também chamado de sexo jurídico, conforme explica Elimar Szaniawski (1999, p.39), “consiste na determinação do sexo de uma pessoa em razão de sua vida civil, ou seja, nas suas relações na sociedade”.

O direito de autodeterminação sexual nada mais é que a forma de:

Buscar erradicar os papeis estereotipados de homens e mulheres, em especial devido ao reconhecimento do direito dos indivíduos decidirem, de maneira livre e sem qualquer embaraço, sobre as questões relacionadas à sua sexualidade, inclusive no que toca à saúde sexual e reprodutiva, sem que haja submissão à coerção, discriminação ou violência institucionalizada ou fomentada pelo Estado. (RANGEL, 2013)

De acordo com Szaniawski, o início do sexo jurídico ocorre com o assento de seu registro de nascimento, quando seu sexo é designado, sendo substancial para a definição do estado sexual do indivíduo, uma vez que esse o portará por toda sua vida civil (SZANIAWSKI, 1999, p. 39).

Todavia, no momento do nascimento, o indivíduo não possui seu desenvolvimento psíquico completo, razão pela qual seu sexo jurídico é definido e registrado pelo simples exame de sua genitália, sendo insuficiente para a determinação exata da autodeterminação sexual da pessoa (SZANIAWSKI, 1999).

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Nesses casos, ainda conforme o autor, ocorre “o divórcio entre o sexo biológico e a psique da pessoa, sendo a mesma, biologicamente, pertencente a um sexo, mas, psiquicamente, vive o sexo oposto ao biológico (...), e acaba por trazer reflexos ao direito” (SZANIAWSKI, 1999, p.40-41).

O principal problema produzido no direito é a dificuldade na alteração do gênero ou prenome no registro público, tornando a aplicação do princípio da imutabilidade como um obstáculo para que indivíduos transgêneros possam se autodeterminar conforme sua realidade psíquica (SZANIAWSKI, 1995).

Dessa forma, a consolidação do direito à averbação junto aos registros públicos garantiu a esses indivíduos não só o direito a autodeterminação sexual social, mas também a ampliação para a satisfação da autodeterminação de forma jurídica e estabilizada.

2.3 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Logo em seu artigo 1º, inciso III, a Constituição Federal fundamenta a dignidade da pessoa humana como norteadora do Estado Democrático de Direito e absoluta perante a aplicação de qualquer direito à população.

Para Alexandre de Moraes (2018, p.18):

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

Fundamentalmente, a dignidade da pessoa humana é o respeito à individualidade, a apreço por situações específicas e experiências pessoais de cada um, de forma a afastar a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual (MORAES, 2018, p. 18).

Anteriormente à decisão elucidada neste estudo, era permitida tão somente a averbação do nome e gênero dos trangêneros nos registros públicos mediante a realização da cirurgia de redesignação sexual ou por autorização judicial, o que causava imenso dissenso na jurisprudência.

Tal condição imposta aos indivíduos transgêneros violava o princípio da dignidade, tendo em vista que nem sempre a realização cirúrgica era o procedimento mais

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adequado para a satisfação da pessoa, obrigando-os a sobrepor a imposição do Estado à liberdade do próprio corpo.

Quanto a essa situação, o Ministro Edson Fachin (2014, p. 54), do Supremo Tribunal Federal, defende que “o direito ao próprio corpo (...) trata-se de poder fazer ou deixar de fazer algo com o próprio corpo, sem que haja qualquer punição pela escolha deliberada”.

Ou seja, a escolha pela realização ou não da cirurgia é de autonomia privada, não devendo ser motivo para constrangimento legal ou diminuição dos direitos ao indivíduo.

Com o fim da controvérsia jurisprudencial e a consequente consolidação do direito de averbação do nome e gênero inexigindo a realização de cirurgia, foi garantido aos transgêneros o direito de se adequarem à sua realidade pessoal e social independentemente do prescrito na ocasião de seu nascimento, sendo-lhes assegurado o princípio da sua dignidade individual.

2.4 DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DA ISONOMIA

Diretamente ligado aos direitos da personalidade, surge o Princípio da Igualdade, expresso na Constituição Federal em seu artigo 5º, que garante a todas as pessoas o mesmo tratamento perante a lei, sem discriminação de certos grupos, assegurando tratamento igualitário.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. (BRASIL, 1988)

Alexandre de Moraes (2018, p. 35) analisa que o Princípio da Igualdade:

[...] opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio Poder Executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situação idêntica. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça e classe social.

Diante dessa premissa, o autor supracitado ressalta ainda que as leis e os atos normativos não podem ser aplicados em casos concretos de forma que possam aumentar as

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desigualdades arbitrárias, devendo ser utilizados mecanismos constitucionais para dar interpretação única e igualitária às normas jurídicas (MORAES, 2018, p. 36).

Portanto, a aplicação do princípio da igualdade é muito mais do que a simples efetivação de um tratamento igualitário, mas reflete também na igualdade de oportunidades entre as pessoas em exercer seus demais direitos garantidos por lei, sem qualquer diminuição ou discriminação em razão da identidade sexual do indivíduo.

Todavia, é importante considerar que a igualdade perante a lei não cessa as desigualdades perante a sociedade, havendo a necessidade de “quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam” (BARBOSA, 1999, p. 26).

A partir daí, surge, intrínseco ao Princípio da Igualdade, o Princípio da Isonomia, como uma interpretação ao artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal Brasileira, que identifica as diferenças entre os indivíduos e fornece tratamentos diferentes a cada caso concreto de forma que a aplicação da lei torne-se igualitária.

É incontestável a desigualdade jurídica dos transgêneros ao serem condicionados à disposição do próprio corpo para que o direito ao nome pudesse ser aplicado, enquanto aos cisgêneros, ou seja, aqueles que se identificam com seu sexo biológico, não há qualquer subordinação ao corpo.

Outrossim, o constrangimento e a humilhação causados pela condição desproporcional para a alteração do nome e gênero nos registros público e, por essa razão, ter que conviver com a identidade que não é reconhecida, ferem a igualdade do indivíduo no que tange ao seu direito de viver com a dignidade garantida constitucionalmente.

2.5 DOS PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA

Por fim, destacam-se os Princípios de Yogyakarta, que surgiram a partir de um projeto da Comissão Internacional de Juristas e o Serviço Internacional de Direitos Humanos, na cidade de Yogyakarta, na Indonésia, sendo o Brasil representado pela pesquisadora Sônia Onufer Corrêa. Motivados pela notória violação de princípios fundamentais a questões envolvendo identidade de gênero, os membros consolidaram um novo conjunto de princípios jurídicos internacionais, visando garantir a devida aplicação de todos os direitos a essa minoria transgênera (PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA, 2007, p. 8).

Os Princípios de Yogyakarta são distribuídos em 29 conceitos de direitos humanos fundamentais e dirigidos diretamente às questões de identidade de gênero e orientação sexual, reconhecendo ao Estado o dever de os assegurarem, quais sejam:

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Princípio 1. Direito ao Gozo Universal dos Direitos Humanos; Princípio 2. Direito à Igualdade e a Não-Discriminação; Princípio 3. Direito ao Reconhecimento Perante a Lei; Princípio 4. Direito à Vida;

Princípio 5. Direito à Segurança Pessoal; Princípio 6. Direito à Privacidade;

Princípio 7. Direito de Não Sofrer Privação Arbitrária da Liberdade; Princípio 8. Direito a um Julgamento Justo;

Princípio 9. Direito a Tratamento Humano durante a Detenção;

Princípio 10. Direito de Não Sofrer Tortura e Tratamento ou Castigo Cruel, Desumano e Degradante;

Princípio 11. Direito à Proteção Contra todas as Formas de Exploração, Venda ou Tráfico de Seres Humanos;

Princípio 12. Direito ao Trabalho;

Princípio 13. Direito à Seguridade Social e outras Medidas de Proteção Social; Princípio 14. Direito a um Padrão de Vida Adequado;

Princípio 15. Direito à Habitação Adequada; Princípio 16. Direito à Educação;

Princípio 17. Direito ao Padrão mais Alto Alcançável de Saúde; Princípio 18. Proteção contra Abusos Médicos;

Princípio 19. Direito à Liberdade de Opinião e Expressão;

Princípio 20. Direito à Liberdade de Reunião e Associação Pacíficas; Princípio 21. Direito à Liberdade de Pensamento, Consciência e Religião; Princípio 22. Direito à Liberdade de Ir e Vir;

Princípio 23. Direito de Buscar Asilo;

Princípio 24. Direito de Constituir uma Família; Princípio 25. Direito de Participar da Vida Pública; Princípio 26. Direito de Participar da Vida Cultural; Princípio 27. Direito de Promover os Direitos Humanos;

Princípio 28. Direito a Recursos Jurídicos e Medidas Corretivas Eficazes; Princípio 29. Responsabilização. (PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA, 2007)

Conforme explica Sônia Corrêa (2007), “o texto foi construído a partir de uma lógica que busca se distanciar de uma política de identidade que fixa os sujeitos de direitos nos seus corpos para enfatizar as circunstâncias de violação e discriminação”.

Os direitos enfatizados nos Princípios de Yogyakarta têm por objeto a segurança de que todos os indivíduos estão amparados pela liberdade de autodeterminação sexual, bem como do dever do Estado de prover igual proteção das leis e do sistema político-jurídico a todos os indivíduos, sem que haja exclusão, discriminação, fomentação à intolerância, estimulação do desrespeito ou, ainda, desigualdade entre as pessoas devido a sua identidade ou orientação sexual (RANGEL, 2013).

Dentre os direitos assegurados no Princípio 3º, está a garantia do reconhecimento perante a lei, que dispõe:

A orientação sexual e identidade de gênero autodefinidas por cada pessoa constituem parte essencial de sua liberdade e um dos aspectos mais básicos de sua autodeterminação, dignidade e liberdade. Nenhuma pessoa deverá ser forçada a se submeter a procedimentos médicos, inclusive cirurgia de mudança de sexo,

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esterilização ou terapia hormonal, como requisito para o reconhecimento legal de sua identidade de gênero (PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA, 2007).

A partir daí, surge a contradição entre a condição imposta aos transgêneros para a alteração do nome e gênero nos registros públicos e aquilo que foi considerado como fundamental aos direitos humanos desses indivíduos.

Os Princípios de Yogyakarta são de tamanha importância para a satisfação dos Direito Humanos que serviram como base do voto do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, ao julgar procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275, consolidando o direito aos transgêneros.

O referido Ministro reafirma em seu voto que “o Estado não pode adotar medidas nem formular prescrições normativas que provoquem, por efeito de seu conteúdo discriminatório, a exclusão jurídica de grupos minoritários que integram a comunhão nacional” (MELLO, 2018, p. 2).

Ou seja, ao se sintetizar todos os direitos abordados nos Princípios de Yogyakarta, fica vislumbrado “o respeito à liberdade pessoal e à autonomia individual, (...) desvencilhando-se de paradigmas históricos, culturais e sociais, tal como removendo obstáculos e barreiras que embaraçavam a busca pela felicidade e a realização como indivíduo” (RANGEL, 2013).

Além do direito ao reconhecimento, em seu Princípio 2º, é abordado o princípio da igualdade com o fundamento de que “todos e todas têm direito à igualdade perante a lei e à proteção da lei sem qualquer discriminação, seja ou não também afetado o gozo de outro direito humano” (PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA, 2007).

Ou seja, com a consolidação desses direitos a serem aplicados pelo Estado, caso houvessem dúvidas acerca da aplicabilidade dos princípios já garantidos pela Constituição, não sendo estes perceptíveis e enaltecidos o suficiente, passaram a ser esclarecidos e indiscutíveis perante a lei, não restando dúvidas sobre a necessidade de uma mudança urgente às imposições jurídicas postas aos transgêneros.

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3 O REGISTRO CIVIL DA PESSOA NATURAL E AS HIPÓTESES DE ALTERAÇÃO

Este capítulo abordará os principais pontos da Lei 6.015/73, Lei de Registros Públicos, no que tange ao nome perante o registro civil da pessoa natural, o princípio da imutabilidade e suas exceções, e, por fim, o procedimento para realizar tal alteração.

De acordo com Luiz Guilherme Loureiro (2017, p. 138), “o registro civil das pessoas naturais é o repositório dos atos de estado civil, o mecanismo apto para a constatação e publicação dos fatos e atos que definem o estado de uma pessoa física”.

Partindo dessa premissa, podemos definir o registro civil da pessoa natural como um pressuposto do exercício da cidadania, ou seja, a forma legal de assegurar sua identidade pessoal, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (BRASIL, 1973).

Logo no nascimento do indivíduo, é realizado o seu primeiro ato civil, com o Registro Civil do Nascimento - RCN, materializado por meio da Certidão de Nascimento, que, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (2010), é “o documento que oficializa a existência do indivíduo”.

De acordo com o artigo 50 da Lei nº 6.015/73, todo nascimento deve ser registrado, sendo obrigação dos pais realizarem o registro do filho:

Art. 50. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais, dentro do prazo de quinze dias, que será ampliado em até três meses para os lugares distantes mais de trinta quilômetros da sede do cartório.

Ainda, segundo o artigo 54 da mesma lei, deverão constar na Certidão de Nascimento:

1°) o dia, mês, ano e lugar do nascimento e a hora certa, sendo possível determiná-la, ou aproximada;

2º) o sexo do registrando;

3º) o fato de ser gêmeo, quando assim tiver acontecido; 4º) o nome e o prenome, que forem postos à criança;

5º) a declaração de que nasceu morta, ou morreu no ato ou logo depois do parto;

6º) a ordem de filiação de outros irmãos do mesmo prenome que existirem ou tiverem existido;

7º) Os nomes e prenomes, a naturalidade, a profissão dos pais, o lugar e cartório onde se casaram, a idade da genitora, do registrando em anos completos, na ocasião do parto, e o domicílio ou a residência do casal;

8º) os nomes e prenomes dos avós paternos e maternos;

9º) os nomes e prenomes, a profissão e a residência das duas testemunhas do assento, quando se tratar de parto ocorrido sem assistência médica em residência ou fora de unidade hospitalar ou casa de saúde;

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10º) o número de identificação da Declaração de Nascido Vivo, com controle do dígito verificador, exceto na hipótese de registro tardio previsto no art. 46 desta Lei; e

11º) a naturalidade do registrando.

Ou seja, segundo o artigo supracitado, o nome de cada pessoa é definido já no momento da averbação do registro do nascimento, sendo carregado por seu portador por toda a sua vida.

3.1 NOME CIVIL

Segundo o artigo 16 do Código Civil (BRASIL, 2002), o nome é composto pelo prenome e pelo sobrenome, sendo um direito básico de toda pessoa como forma de sua individualização, devendo ser registrado logo após o nascimento.

Tamanha é a importância do nome que seu direito é assegurado, também, pela Convenção Americana dos Direitos Humanos - Pacto de San Jose da Costa Rica, legitimada pelo Brasil, dispondo em seu artigo 18 que “toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esse direito, mediante nomes fictícios, se for necessário”.

Dessa forma, por meio do Registro de Pessoas Naturais, o nome, como um dos principais atributos dos direitos da personalidade, é assentado e acompanha o indivíduo até mesmo após a sua morte.

Conforme explica Maria Helena Diniz (2012, p. 227), “o nome integra a personalidade por ser o sinal exterior pelo qual se designa, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio da família e da sociedade; daí ser inalienável, imprescritível e protegido juridicamente”.

No mesmo sentido, Silvio Venosa (2013, p. 195) aduz:

O nome é, portanto, uma forma de individualização do ser humano na sociedade, mesmo após a morte. Sua utilidade é tão notória que há a exigência para que sejam atribuídos nomes a firmas, navios, aeronaves, ruas, praças, acidentes geográficos, cidades etc. O nome, afinal, é o substantivo que distingue as coisas que nos cercam, e o nome da pessoa a distingue das demais, juntamente com outros, atributos da personalidade, dentro da sociedade. E pelo nome que a pessoa fica conhecida no seio da família e da comunidade em que vive. Trata-se da manifestação mais expressiva da personalidade.

Ainda sobre a relevância do direito ao nome, Tereza Rodrigues Vieira (2008, p. 59) elucida:

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O nome é atributo da personalidade, ao mesmo título que a fisionomia, a saúde, a honra, e todas as particularidades físicas e morais necessárias à existência do indivíduo no meio onde ele se encontra. O direito ao nome é portanto o primeiro dos direitos da personalidade.

Com isso, reputa-se o nome como um interesse particular, protegido juridicamente e doutrinariamente como um direito inerente e um atributo individualizador essencial à personalidade, estando diretamente ligado aos princípios que norteiam os direitos humanos.

Por outro lado, o direito ao nome também possui um aspecto público, no qual o Estado e a sociedade necessitam para identificar cada indivíduo, tendo seu uso regularizado pela Lei de Registros Públicos.

Essa necessidade exige uma segurança jurídica, uma vez que o nome exerce uma função identificadora nas relações interpessoais, requerendo a proteção daqueles que as integram.

Sobre a divisão entre essas duas vertentes, Sílvio Venosa (2013, p. 196) explica que “pelo lado do Direito Público, o Estado encontra no nome fator de estabilidade e segurança para identificar as pessoas; pelo lado do direito privado, o nome é essencial para o exercício regular dos direitos e do cumprimento das obrigações”.

Assim, o nome de cada indivíduo deve desempenhar suas funções sociais e particulares, garantindo a estabilidade nas relações jurídicas e, ao mesmo tempo, a identificação da pessoa como parte de sua personalidade pessoal.

3.2 PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE DO NOME

A Lei de Registros Públicos, a qual delibera sobre os requisitos e preceitos do registro do nome, é regida pelo princípio da imutabilidade, que, em favor da ordem pública, restringe significativamente a possibilidade de alteração do nome.

Esse princípio visa evitar a alteração do nome por mera futilidade ou por má-fé do indivíduo, garantindo a segurança pública nos atos de sua vida civil, evitando danos, fraudes ou a instabilidade em qualquer negócio realizado ao longo da vida.

Todavia, a imutabilidade do nome nos registros públicos não é absoluta, uma vez que o nome não poder ser alterado por capricho do seu portador, a lei permite a possibilidade de alteração em algumas situações excepcionais.

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O nome será alterável, tão somente, em situações excepcionais, previstas expressamente em lei, ou por força de situações outras, igualmente excepcionais, reconhecidas por decisão judicial. A situação é justificável. É que o nome implica em registro público e, via de consequência, os registros públicos devem espelhar, ao máximo, a veracidade dos fatos da vida.

O artigo 58 da Lei nº 6.015/73, Lei de Registros Públicos, dispõe que “o prenome será definido, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios” (BRASIL, 1973), confirmando a relatividade do princípio da imutabilidade.

Essa relatividade está diretamente ligada ao princípio da dignidade humana, uma vez que há casos em que o indivíduo possa sentir-se constrangido ou humilhado pelo nome civil que lhe foi atribuído.

O Enunciado 274 da IV Jornada de Direito Civil (BRASIL, 2006) assegura essa relação e prepondera a dignidade humana sobre a segurança nas relações jurídicas, conforme segue.

Artigo 11: Os direitos da personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.

A partir dessa perspectiva, observa-se a cautela do Estado em garantir a dignidade individual, equilibrando os limites por ele impostos e o interesse de cada indivíduo em assegurar os direitos de sua personalidade.

Afinal, seria iníquo submeter uma pessoa a conviver com um nome vexativo ou que não a identifica por toda a sua vida, causando-lhe constrangimento eterno em decorrência de rigidez da lei.

Dessa forma, a supremacia do princípio da dignidade humana e dos direitos da personalidade resguarda a efetivação das expectativas do indivíduo e distância a eventual frustração com seu “eu”.

Sobre o assunto, Mario de Carvalho Camargo Neto e Marcelo Salaroli de Oliveira (2014, p. 209) aludem:

O direito de retificar os registros (base de dados) é direito fundamental do cidadão, inerente à dignidade da pessoa humana (CF, art. 5º, inc LXXII). É extremamente brutal e desumano subjugar o indivíduo por conta de um erro a que ele não deu causa e, muitas vezes, sequer teve conhecimento. A situação se agrava ainda mais quando lembramos que os Registros Públicos, por força da lei e necessidade imperiosa da vida moderna, presumem-se verdadeiros. Não é justo nem razoável tomar por verdade um erro que ofende a pessoa humana. Assim, para melhor garantia dos direitos fundamentais, é necessário um meio fácil e ágil de demonstrar

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que os registros não correspondem à realidade. Se para a correção do erro no registro civil houvesse um processo caro e moroso, o cidadão seria prejudicado em seus direitos, via de regra fundamentais, em razão de uma falha no sistema, que seria, então, um sistema meramente burocrático e perverso.

Com isso, percebe-se que o princípio da imutabilidade do nome, enquanto absoluto, contraria a dignidade humana de cada indivíduo, além de cercear a autonomia da vontade privada, ou seja, o poder de escolher livremente a maneira que cada um deseja viver.

Nesse sentido, Luis Roberto Barroso (2018, p. 293) afirma:

A dignidade como autonomia envolve, em primeiro lugar, a capacidade de autodeterminação, o direito do indivíduo de decidir os rumos da própria vida e de desenvolver livremente sua personalidade. Significa o poder de fazer valorações morais e escolhas existenciais sem imposições externas indevidas.

De fato, o princípio da imutabilidade do nome nada mais é que a impossibilidade de alteração no nome civil se não houver motivo relevante para tal, como forma de defesa da personalidade e da dignidade humana, desde que não prejudique terceiros.

3.2.1 Exceções Legais ao Princípio da Imutabilidade

A Lei de Registros Públicos, lei nº 6.015/73, conforme anteriormente lucidado, dispõe hipóteses excepcionais de possibilidade de alteração do nome, relativizando o princípio da imutabilidade do nome que norteia essa lei.

Essas hipóteses possibilitam que o indivíduo altere seu nome civil em situações fundamentadas e que atendam as necessidades pessoais de satisfação e seus direitos da personalidade, e se não trouxerem, claro, prejuízos sociais.

Segundo preconiza Arnaldo Rizzardo (2015, p. 245), os registros públicos são norteados pelos princípios da boa-fé e da continuidade, que presumem a veracidade e o encadeamento de todos os atos relacionados ao mesmo indivíduo.

No que diz com o primeiro, uma vez efetuado o assento no registro civil, emerge uma presunção juris et de jure quanto à realidade e veracidade do que encerra. Unicamente por ação de natureza pública consegue-se a alteração e veracidade do que encerra, ou a sua nulidade. Havendo, porém, algum vício, erro, ou irregularidade, a restauração, o suprimento e a retificação dependem de um procedimento judicial, através de ação ordinária, prevista nos arts. 109 a 113 da Lei dos Registros Públicos. Já o princípio da continuidade envolve o encadeamento de todos os atos relacionados ao mesmo indivíduo, de modo a se formar um histórico da situação jurídica do interessado.

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Partindo dessa premissa, pode-se considerar que a alteração do nome só se dá mediante alguma inconstância, devido à presunção da boa-fé registral, devendo constar no registro a realização dessa alteração, pela obrigação do encadeamento dos atos do indivíduo.

Os autores Cristiano Chaves De Farias e Nelson Rosenvald (2015, pgs. 243 e 244) destacam as possibilidades de alteração do nome permitidas pela lei que rege os registros públicos:

a) quando expuser o titular ao ridículo ou a situação vexatória, bem como se tratando de nome exótico (LRP, art. 55, parágrafo único);

b) havendo erro gráfico evidente, caracterizado, e. g., por equívocos de grafia; c) para inclusão ou modificação de apelido público notório, também chamado de hipocorístico (art. 58 e parágrafo único, LRP). Ou seja, para o acréscimo de alcunha designativa da pessoa, pela qual se tornou conhecida socialmente, dês que não exista proibição em lei. É o conhecido exemplo do ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e do boxeador baiano Acelino Popó Freitas, além dos também conhecidos acréscimos nos nomes de Xuxa e Pelé. No ponto, convém registrar que o titular pode optar por acrescer ou modificar o seu prenome;

d) pela adoção (ECA, art. 47, § 5o , e CC, art. 1.627); e) pelo uso prolongado e constante de nome diverso (é o caso de alguém que ficou conhecido por Márcia, em vez de Mércia, seu nome registral);

f) quando ocorrer homonímia depreciativa, gerando embaraços profissionais ou sociais;

g) pela tradução, nos casos em que o nome foi grafado em língua estrangeira (é o exemplo do estrangeiro que se naturaliza brasileiro, podendo pleitear a retificação do

seu nome, através da adaptação ou tradução).

No caso dos transgêneros, tema abordado por este trabalho, não há legislação específica regularizando o assunto, porém, era de entendimento jurisprudencial a possibilidade da alteração do nome desses indivíduos por meio judicial mediante a realização da cirurgia de transgenitalização.

Nesses casos, muitos magistrados utilizavam a hipótese do nome vexatório, disposto no artigo 55, parágrafo único da Lei de Registros Públicos, como analogia para sentenciar de forma favorável a permissão para a alteração do nome pelos transgêneros, uma vez que, por não se identificarem com o nome que lhes foi atribuído, bem como ao sexo que passaram a pertencer após a cirurgia, sentiam-se constrangidos e humilhados publicamente.

Outra analogia considerável a ser analisada era a possibilidade de alteração por erro, tendo em vista que após a redesignação sexual o nome que contava nos registros poderia não corresponder à nova realidade vivenciada pelo indivíduo.

O autor Miguel Reale (2001, p. 278) explica a utilização da analogia como base para julgados:

A analogia atende ao princípio de que o Direito é um sistema de fins. Pelo processo analógico, estendemos a um caso não previsto aquilo que o legislador previu para

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outro semelhante, em igualdade de razões. Se o sistema do Direito é um todo que obedece a certas finalidades fundamentais, é de se pressupor que, havendo identidade de razão jurídica, haja identidade de disposição nos casos análogos, segundo um antigo e sempre novo ensinamento: ubi eadem ratio, ibi eadem juris

dispositio (onde há a mesma razão deve haver a mesma disposição de direito).

Um exemplo de decisão jurisprudencial que admitiu a alteração do nome de indivíduo transexual pela utilização de analogia à hipótese do artigo 55, paragrafo único da Lei de Registros Públicos, é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES, 2007), que dispôs:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO PÚBLICO. 1) TRANSEXUAL. REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DE MUDANÇA DE SEXO. 2) IMUTABILIDADE DO PRENOME. RELATIVIZAÇÃO. ART. 55, PARÁGRAFO

ÚNICO, DA LEI DE REGISTROS PUBLICOS. 3) DIREITO DA

PERSONALIDADE. INTEGRAÇÃO DO INDIVÍDUO AO MEIO SOCIAL. 4) RECURSO IMPROVIDO. 1) No caso em apreço, a finalidade do pedido inicial de alteração do nome do apelado objetivou compatibilizá-lo socialmente com sua situação de transexual, após a realização de cirurgia de mudança de sexo. Buscou-se assim evitar situações embaraçosas e de profundo constrangimento no plano social, por assumir o recorrido aparência feminina e, não obstante, fazer uso de nome masculino, fato esse que, não raramente, impede-o de ter uma vida que se aproxime do que se convenciona como normal. 2) Importante salientar que o nome da pessoa é o seu fator de individualização na sociedade, integrando a sua personalidade e indicando a sua vinculação a um certo grupo familiar. Trata-se, sem dúvida, de um direito inerente à pessoa humana e, portanto, um direito da personalidade. 3) A imutabilidade do prenome é relativa, sendo que a própria Lei de Registros Públicos (Lei 6.015⁄73) possibilita sua alteração em virtude situações embaraçosas ao indivíduo. Recurso improvido. (TJ-ES - APL: 00180786420068080024, Relator: RÔMULO TADDEI, Data de Julgamento: 31/07/2007, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 19/09/2007).

Em que pese esse entendimento, com respaldo na Constituição Federal, tendo como base os princípios da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da isonomia, era evidente a contrariedade entre o argumento de utilização desses princípios para a permissão da alteração do nome dos trangêneros e a imposição da realização da cirurgia de mudança de sexo para a efetivação desse direito.

Por esse motivo, evidenciou-se a necessidade de uma reavaliação dos preceitos impostos para a garantia dos direitos aos transgêneros, tema que será analisado no futuramente neste trabalho.

3.3 AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DO PRENOME

Anteriormente, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275, assunto que será explanado no próximo capítulo, só previa a averbação do nome civil dos transgêneros perante

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os registros públicos mediante decisão judicial que autorizava a retificação, não havendo possibilidade de alteração pela forma administrativa.

O indivíduo deveria ingressar judicialmente com uma Ação de Retificação do Prenome, sendo indispensável a apresentação de laudo psiquiátrico atestando o transtorno de identidade de gênero, patologia que demonstra o desconforto do indivíduo com o sexo do nascimento, bem como a realização da cirurgia de redesignação sexual.

Ajuizada a ação, o processo prosseguia com vistas ao Ministério Público, sendo necessária, durante seu curso, uma análise psicossocial do indivíduo e o depoimento das testemunhas arroladas.

Após o trâmite do processo, o juiz proferia uma sentença com base nos fatos e nas provas apresentados, concedendo ou não a possibilidade de averbação do nome pelo transgênero.

Em caso de decisão favorável, não havendo recurso pela parte contrária, era expedido um Mandado de Averbação, entregue ao cartório onde ocorreu o registro do nascimento do interessado pera a alteração do nome.

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4 A ALTERAÇÃO DO NOME E GÊNERO DOS TRANSGÊNEROS NOS REGISTROS PÚBLICOS APÓS A AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE 4.275

Este capítulo versará sobre a possibilidade de alteração do nome e gênero dos transgêneros nos registros públicos em atenção à decisão do Supremo Tribunal Federal que regularizou a alteração sem a necessidade da realização da cirurgia de redesignação sexual, analisando ainda o referido veredito e as possíveis implicações fático-jurídicas que venham a surgir com a mudança.

As questões envolvendo sexualidade ainda são objeto de discriminação por muitas pessoas. Ainda que a Constituição Federal garanta a igualdade entre todos, não é a realidade vivida por aqueles que possuem divergências entre seu gênero civil e aquele o qual se identificam.

Como consequência, muitos não se identificam com o nome escolhido pelos pais no momento do nascimento, uma vez que não representam o gênero do qual sentem pertencer. Por essa razão, tendo o princípio da dignidade humana como norteador na aplicação das leis, a imutabilidade do nome e gênero foi relativizada de forma a garantir que os transgêneros possam exercer plenamente seus direitos com a dignidade que se sentirem confortáveis.

Essa garantia constitucional fez com que decisões judiciais e doutrinadores entendessem que permitir aos transgêneros a proteção jurídica para resolver seus anseios, possibilitando a alteração do nome e gênero nos registros públicos, significaria viabilizar a aplicação da igualdade, eliminando o sentimento de humilhação pelo qual muitos passam.

Todavia, ainda havia diversos entendimentos que condicionavam essa possibilidade de alteração à necessidade de realização da cirurgia de mudança de sexo e/ou decisão judicial favorável, submetendo-os a um longo processo que muitas vezes causava constrangimento, além de os obrigar a realizar um procedimento cirúrgico do qual não estavam preparados, o que contrariava a dignidade dessas pessoas.

Com isso, após inúmeros precedentes jurisprudenciais, o Supremo Tribunal Federal saneou essa questão e estabeleceu, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275, que os transgêneros poderão alterar seu prenome e gênero perante os registros públicos sem a necessidade de realização da cirurgia de redesignação sexual ou autorização judicial.

Cumpre informar que, além da ADI, os ministros ainda discutiram o Recurso Extraordinário 670422, com repercussão geral, que também discorre sobre a possibilidade de

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averbação do nome e gênero nos registros públicos pelos transgêneros que não realizaram cirurgia de mudança de sexo.

4.1 A AÇÃO DIRETA DE INCOSTITUCIONALIDADE 4.275

Em 21 de julho de 2009, a Procuradoria Geral da República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal pleiteando que o artigo 58 da Lei 6.015/73, Lei de Registros Públicos, tivesse sua interpretação baseada na Constituição Federal e seus princípios, consagrando a possibilidade de alteração de prenome e gênero no registro civil pelos transgêneros independentemente de cirurgia de transgenitalização.

O artigo em questão dispõe:

Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.

Parágrafo único. A substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público.

A ação foi proposta com base em representações formuladas pela ABGLT - Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, bem como pela Articulação Nacional de Travestis e Transexuais e em julgados que negaram os direitos postulados.

A Procuradoria Geral da República ainda argumentou que não permitir a direito à mudança do nome e gênero desses indivíduos era uma ofensa aos princípios fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade, prescritos pela Constituição Federal, além de sujeitá-los a possíveis discriminações sociais.

Na inicial, foi salientada a importância da possibilidade de alteração não só do prenome, mas também do sexo no registro civil, uma vez que, conforme a Procuradora Geral da República na época, Deborah Duprat, “do contrário, preserva-se a incongruência entre a identidade da pessoa e os seus dados no registro civil” (BRASIL, 2009, p. 15).

Outrossim, ainda foi requerida a concessão de medida cautelar estabelecendo como requisitos para a alteração que os indivíduos que não se submeterem à cirurgia tenham idade superior a 18 anos, convicção de pertencer ao gênero oposto ao biológico por pelo menos três anos e alta presunção de que não modificarão sua identidade de gênero, confirmada por um grupo de especialistas (BRASIL, 2009, p. 21).

Após o longo processo da ação, em 1º de março de 2018, em sessão plenária, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade de alteração do prenome e gênero dos

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transgêneros nos assentos de registro civil sem a realização da cirurgia de redesignação sexual, bem como a desnecessidade de autorização judicial para tanto.

Os ministros votaram de forma unânime no que tange à irrelevância da cirurgia para a concessão do direito à alteração no prenome e gênero. Todavia, houve divergências acerca dos requisitos necessários para a mudança e a dispensa da autorização judicial.

O julgamento teve início no dia 28 de fevereiro de 2018, começando com o voto do ministro e relator Marco Aurélio Mello, que votou em prol da alteração do nome e gênero sem a cirurgia de redesignação sexual, afirmando ser “inaceitável, no Estado Democrático de Direito, inviabilizar a alguém a escolha do caminho a ser percorrido, obstando-lhe o protagonismo, pleno e feliz, da própria jornada” (Mello, 2008).

Ainda defendeu ser inescusável haver critérios técnicos para a alteração do assentamento, como a idade mínima de 21 anos e o diagnóstico médico de transexualismo por equipe multidisciplinar.

O relator também votou a favor de manter a imposição de autorização judicial, alegando considerar necessário o procedimento de jurisdição voluntária, disposto no Capítulo XV do Código de Processo Civil, uma vez que não há litigio na questão, o indivíduo apenas busca obter a integração de um negócio jurídico à sua vida. Posteriormente, retificou seu voto e afirmou abranger também o direito aos transgêneros.

Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes também acolheu a possibilidade de alteração do nome e gênero sem a cirurgia, não só a transexuais, como também aos transgêneros, bem como da imposição de autorização judicial, discordando da idade mínima para mudança, que deve ser de 18 anos na sua avaliação.

Na sequência, o ministro Edson Fachin votou da mesma forma, favorável à possibilidade de alteração, descartando, todavia, a exigência de autorização judicial para tanto, sustentando que “a pessoa não deve provar o que é e o Estado não deve condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de modelo, ainda que meramente procedimental”. (FACHIN, 2018).

O referido ministro ainda declarou que “a identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la” (FACHIN, 2018).

O ministro Luiz Roberto Barroso, próximo a votar, também foi a favor da questão em pauta, entendendo não ser exigível a decisão judicial para a concessão do direito, justificando que, “para pessoas mais humildes e às vezes em lugares distantes, a necessidade

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de ir ao Poder Judiciário pode ser um obstáculo insuperável ou um constrangimento a mais” (BARROSO, 2018).

A ministra Rosa Weber, em voto sucinto, também opinou de forma a permitir a alteração do nome e prenome dos transgêneros sem a necessidade da cirurgia de mudança de sexo ou decisão judicial, reafirmando todo o acolhido pelo ministro Edson Fachin.

Último a votar na sessão, o ministro Luiz Fux afirmou que “o direito a retificação no registro civil, de modo a adequá-lo à identidade de gênero, concretiza a dignidade da pessoa humana na tríplice concepção da busca da felicidade, do princípio da igualdade e do direito ao reconhecimento” (FUX, 2018). Ele reputou pela desnecessidade de cirurgia, assim como autorização judicial.

No dia 1º de março de 2018, o julgamento foi retomado, iniciando com o ministro Ricardo Lewandowski, que votou pela possibilidade de alteração sem cirurgia, manifestando-se de forma contrária à fixação de requisitos mínimos para a mudança, manifestando-seja temporal ou pericial, mas concordando com o relator Marco Aurélio no que tange a necessidade de decisão judicial.

Em suas palavras:

A autodeterminação da pessoa “trans” deve integrar o patrimônio normativo na luta por reconhecimento deste grupo minoritário. Isso quer dizer que, numa sociedade igualitária e democrática, que respeite os direitos fundamentais, as pessoas devem ver reconhecido seu direito ao nome e ao gênero de acordo com sua autoidentificação, sem que possam ser exigidas condicionantes irrazoáveis. (LEWANDOWSKI, 2018)

Em seguida, o ministro Celso de Mello consentiu com seus colegas e defendeu o direito à alteração do prenome e gênero sem cirurgia, inclusive sem a necessidade de manifestação do Poder Judiciário, mencionando os Princípios de Yogyakarta e afirmando que “o Estado não pode adotar medidas nem formular prescrições normativas que provoquem, por efeito de seu conteúdo discriminatório, a exclusão jurídica de grupos minoritários que integram a comunhão nacional”.

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes justificou que, em que pese entender dispensável a cirurgia de redesignação sexual, não considera prescindível a comprovação jurídica para a efetivação dessa mudança, bem como que essa alteração deva ser “averbada à margem no seu assentamento de nascimento, resguardada o sigilo acerca da ocorrência dessa modificação” (MENDES, 2018).

Por fim, a presidente do Supremo Tribunal Federal na época, ministra Carmen Lúcia, votou em prol da concessão do direito de alteração do prenome e gênero sem cirurgia

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