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PALESTRA: TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DA TEORIA FUNCIONALISTA DOS VALORES Valdiney V. Gouveia 161

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PALESTRA: TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DA TEORIA FUNCIONALISTA

DOS VALORES

Valdiney V. Gouveia161 Introdução

Realizar um ensaio sobre uma das teorias mais consolidadas no mundo jurídico, como a Teoria Tridimensional do Direito, não é tarefa fácil e apenas como um intento deve ser encarado. Procura-se nesta oportunidade mostrar que ela poderá ser aprimorada, renomeado um de seus elementos e introduzindo uma concepção sistemática e funcional dos valores. Este é o tamanho desafio que se procura consolidar nos parágrafos seguintes.

Teoria Tridimensional do Direito

Se comum a todos os cursos de graduação em Direito no Brasil é a menção à Teoria Tridimensional do Direito, de Miguel Reale. É impossível não se deparar com o tripé fato, valor e norma, que são elementos fundamentais para explicar a própria gênese do Direito enquanto episteme e práxis. Durante as décadas de 1950 e 1960 (REALE, 1953, 1956, 1968), sobretudo, este jusfilósofo, interessado em estabelecer uma ponte entre Direito e Moral, consolidou sua teoria, que teve impacto em anos subsequentes. Este entende que o Direito não precisa necessariamente ser pensado em termos da função reguladora das leis, vinculadas à realidade, ponderando-se em detrimento de princípios morais que regem a sociedade. Esta visão divergiu daquela de Hans Kelsen, que o concebia como uma ciência pura, isenta de valoração; o Direito então, na visão de Reale, era um dever-ser.

Essencial e resumidamente, Reale propõe que o Direito se rege por três elementos: os eventos no mundo da realidade (fatos) que, quando

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Possui Licenciatura (1989) e Formação (2005) em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba, Especialização em Psicometria (1993) e Mestrado em Psicologia Social e do Trabalho (1991) pela Universidade de Brasília e Doutorado em Psicologia Social (1998) pela Universidade Complutense de Madri. Atualmente é Professor Titular na Universidade Federal da Paraíba.

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as pessoas divergem sobre seu endosso e podendo colocar em risco a harmonia e a continuidade da sociedade, isto é, sendo relevantes, serão objeto de apreciação axiológica (valores), demandando que os legisladores criem ou positivem regras de conduta e convivência (normas). Neste texto, tais elementos são essenciais, porém não suficientes para explicar a configuração do Direito. Primeiramente, em razão de esta área não ter competência primária para criar normas, mas interpretá-las e aplicá-las. Mas, quiçá mais preponderante, subjaze um viés estrutural nesta definição: a concepção inespecífica dos valores.

Os valores são entidades vetoriais, tendo por principal função guiar o indivíduo, apontando um sentido ou fim. Entende-se que a sociedade obedece a uma tábua de valores, de maneira que a fisionomia de uma época depende da forma como seus valores se distribuem (REALE, 1953). Inerente a esta definição estão as características admitidas dos valores: (1) bipolaridade: um valor sempre se contrapõe a um desvalor; (2) implicação: os valores se implicam reciprocamente, pois nenhum deles se realiza sem influir na realização dos demais; (3) referibilidade: os valores traduzem a natureza da condicionalidade humana, isto é, têm um sentido para alguém, determinando sua conduta; (4) preferibilidade: um valor expressa um fim, que não é outra coisa como o motivo da conduta; (5) incomensurabilidade: os valores não possuiriam uma existência em si, ontológica, mas se manifestariam nas coisas valiosas; (6) hierarquia: os valores são o reflexo de uma época ou realidade histórica, sendo ordenados para refletir interesses predominantes em determinado tempo; (7) objetividade: os valores se impõem objetivamente às experiências subjetivas, porém objetividade é relativa; e (8) realizabilidade: a realidade e o valor se implicam e se complementam, obedecendo a um desenvolvimento dialético de complementaridade.

Parece evidente na obra de Reale o reconhecimento dos valores como elemento que precisa receber atenção do Direito. Porém, sua concepção a respeito, inclusive oferecendo insights importantes, carece de elaboração; seu entendimento dos valores, desde uma abordagem do culturalismo jurídico, põe ênfase no indivíduo que

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valora o fato. Portanto, os valores dependem dos fatos, inexistindo a priori ou sendo uma característica que emana do objeto. Neste sentido, não se considera um conjunto propriamente dito de valores. Neste diapasão, sua teoria tridimensional poderia ser pensada como tetradimensional, admitindo-se os seguintes elementos: fatos (quaisquer eventos merecedores de atenção na sociedade, carregado de conotação moral), valores (princípios-guias, categorias de orientação), valências (os valores de Reale) e normas (diplomas jurídicos). Como os demais aspectos são já conhecidos, introduz-se a concepção dos valores recorrendo à teoria funcionalista.

Teoria Funcionalista dos Valores

Nos anos 1990 o professor Valdiney V. Gouveia elaborou a Teoria funcionalista dos valores humanos, que desde então vem sendo testada (GOUVEIA, 2013), reunindo resultados em contextos nacional e internacional, considerando dados de diferentes fontes (locais públicos, salas de aulas, internet, etc.), incluindo amostras com cerca de 50.000 participantes do Brasil e mais de 15.000 pessoas de 57 países (e.g., Alemanha, Argentina, Colômbia, Espanha, Filipinas, Grécia, Honduras, Inglaterra, Israel, México, Nova Zelândia, Peru, Turquia).

Esta teoria compreende uma forma parcimoniosa e fundamentada de pensar os valores humanos, sendo construída com base na teoria da ação (C. KLUCKHOHN), passando por uma abordagem mais psicológica (A. MASLOW) e encontrando respaldo em modelos mais recentes (R. INGLEHART, S. H. SCHWARTZ). Os valores humanos são pensados como categorias de orientação, consideradas como desejáveis, baseadas em necessidades humanas e pré-condições para satisfazê-las, adotadas por atores sociais, podendo variar em sua magnitude e nos elementos que as definem. Essencialmente, entende-se que os valores são positivos, assumindo a natureza benevolente do ser humano, pressupondo sua estrutura universal, embora se admita variação de valores específicos em razão da cultura.

O foco desta teoria corresponde às funções dos valores, identificando as duas seguintes: guiar as ações do homem e expressar suas necessidades (GOUVEIA, 2013). A primeira função se divide valores

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pessoais (indivíduos centrados neles mesmos, egocêntricos e com foco intrapessoal; compreendem as subfunções experimentação e realização), sociais (indivíduos centrados na sociedade, que enfatizam o grupo e com foco interpessoal; subdividem-se em interativa e normativa) e centrais (base organizadora ou espinha dorsal dos outros valores; situam-se entre e são congruentes com os valores pessoais e sociais; correspondem às subfunções existência e suprapessoal) (GOUVEIA, 2010, 2013; GOUVEIA ET AL., 2014). Quanto à segunda função, os valores são classificados como materialistas (pragmáticos), os quais dizem respeito a ideias práticas, orientando para metas específicas e regras normativas (abarcam as subfunções realização, existência e normativa), e humanitários (idealistas), expressando uma orientação universal, baseada em ideais e princípios abstratos (contemplam as subfunções experimentação, suprapessoal e interativa) (GOUVEIA, 2013; GOUVEIA ET AL., 2014).

A combinação das duas dimensões funcionais dos valores forma uma estrutura que pode ser expressa por duas facetas axiais. O eixo horizontal representa a primeira faceta, e corresponde ao tipo de orientação (social, central ou pessoal), enquanto a segunda faceta é representada pelo eixo vertical, correspondendo ao tipo de motivador (materialista ou humanitário). O cruzamento dos eixos origina uma estrutura 3x2, composta por seis subfunções dos valores ou valores básicos, conforme a Figura 1.

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A combinação das duas funções origina seis quadrantes, cada um correspondendo a uma subfunção: pessoal-humanitário (experimentação), que remete a necessidade de satisfação fisiológica por meio do princípio de prazer (e.g., emoção, prazer e sexualidade); pessoal-materialista (realização), representando a busca por realizações materiais, interações sociais prósperas e funcionamento institucional adequado (e.g., êxito, poder e prestígio); central-humanitário (suprapessoal), típico de pessoas que costumam pensar de forma mais abrangente e abstrata, tomando decisões e se comportando a partir de critérios universais (e.g., beleza, conhecimento e maturidade); central-materialista (existência), que diz respeito às necessidades fisiológicas (como comer, beber e dormir) e à necessidade de segurança (e.g., estabilidade pessoal, saúde e sobrevivência); social-humanitário (interativa), compreendendo as necessidades de pertença, amor e filiação (e.g., afetividade, apoio social e convivência); e, finalmente, social-materialista (normativa), representando o controle e as pré-condições indispensáveis à satisfação das necessidades, indicando a importância de preservar normas e tradições (e.g., obediência, religiosidade e tradição).

Contribuições da Teoria Funcionalista à Teoria Tridimensional do Direito

A teoria funcionalista não foi desenvolvida no âmbito do Direito, mas da Psicologia. Entretanto – e quiçá por isso -, conta com potencial para contribuir com a teoria tridimensional do direito, sobretudo no que concerne ao seu elemento específico dos valores. Diferentemente de abordagem de Reale (1968), que concebe os valores como inerentes ao objeto, existindo tantos valores como fatos na realidade, dificultando qualquer compreensão ou predição de fatos futuros, na teoria funcionalista os valores são princípios-guia de indivíduos, que os têm em conta para se comportar ou opinar em contextos concretos. No caso, estima-se que conhecendo os valores de um povo será possível saber como se posicionará diante de determinados fatos, avaliando a necessidade ou não de positivar normas de conduta. Dois exemplos podem ajudar a clarificar o anteriormente comentado. Considere-se que em determinada cultura (cidade, estado ou país) as

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pessoas dão mais importância aos valores normativos (obediência, religiosidade e tradição). Deste modo, diante da prática do aborto (fato), por exemplo, agirão de forma mais estrita, rechaçando esta possibilidade (valência) e endossando lei (norma) que o coíba. Por outro lado, se as pessoas se pautam por valores de experimentação (emoção, sexualidade e prazer), frente ao debate da legalização da maconha (fato), por exemplo, manifestar-se-ão favoravelmente (valência), lutando por lei (norma) que venha a regulamentar sua liberação.

Conclusão

Diante do exposto, quiçá fosse apropriado pensar na proposta do Professor Reale como uma Teoria Tetradimensional do Direito, diferenciando valência de valores, que precisam ser reconcebidos. Contrariamente ao seu pensamento, não parece existir uma bipolaridade dos valores, ou são estes incomensuráveis. Também parece pouco parcimonioso conceituar os valores como propriedade de coisas, objetos e fatos; eles transcendem, são suprametas, que orientam a forma como as pessoas percebem os fatos do dia a dia. Como categorias, os valores representam estruturas universais, embora endossados de forma diferente em razão da especificidade do contexto e das experiências individuais. Eles são um elemento central no modelo de Reale, mas deve ocupar um lugar específico, sendo um antecedente das valências: as pessoas dão importância ou rejeitam algo segundo os seus valores, o que implica na seguinte equação: fato  valor  valência  norma.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 150.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

REALE, Miguel - Lições Preliminares de Direito, 27.ª ed, Saraiva, 2003

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