Projeto: Análise dos diversos sistemas de avaliação da incapacidade para o trabalho quanto à sua natureza, estrutura e desempenho, para apresentação aos decisores de uma proposta de atuação. Autor: António Alves de Matos 1. Apresentação do problema A avaliação da incapacidade para o trabalho provocada por motivos de saúde insere‐se na área social da verificação da elegibilidade para benefícios sociais.
Nesta vasta área encontram‐se os processos de avaliação dos indivíduos candidatos a subsídios ou prestações especiais de serviço por parte das instituições da área da proteção social. A avaliação da incapacidade para o trabalho (a avaliação da perda de capacidade de ganho) é também o fundamento para atribuição de indemnizações no campo dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais. A avaliação global da incapacidade, que inclui para além da capacidade para o trabalho, a apreciação do nível de capacidade de desempenho das tarefas do dia a dia, aplica‐se no direito civil para avaliação do dano de vítimas de acidentes ou agressões e no âmbito da reabilitação com a consequente avaliação das necessidades do indivíduo em provisão de serviços especiais de acompanhamento ou auxílio. Como se depreende deste intróito a avaliação da incapacidade tem diversas dimensões e âmbitos sendo difícil congregar todas elas num só conceito ou construção. Sendo a avaliação da incapacidade, no nosso País, a base para a atribuição de diversos benefícios e serviços sociais, é uma peça fulcral na aplicação da politica de apoio social que, por sua vez, se quer justa, equitativa e transparente. Neste sentido, o instrumento que avalie a capacidade para o trabalho ou outro qualquer benefício que nele se apoie, deverá ser universal na sua aplicabilidade, tanto para os indivíduos como para as patologias, abrangente quanto às várias dimensões do indivíduo, válido quanto ao que se propõe medir e reproduzir. Estes atributos ganham especial importância quando o sistema de atribuição de benefícios está, como em Portugal, muito centrado na conclusão do médico avaliador, ao contrário de outros Países em que a decisão final é baseada na análise da situação global do solicitante, onde se inclui a visão médica e efetuada por via administrativa (modelo escandinavo). Poderá estar no âmbito deste projeto a discussão dos diversos modelos de atribuição de benefícios existentes internacionalmente, mas o que nos chama a atenção é o facto de, no nosso País, a decisão final ser centrada no resultado do estudo da situação de doença efetuada pelos médicos chamados à avaliação, devendo este estudo e as suas conclusões, por consequência, estarem bem estribados em dados concretos, objetivos, válidos e reprodutíveis. De contrário, a arbitrariedade e dissonância facilmente se instalarão.
Em Portugal o método de avaliação da incapacidade para o trabalho provocada por doença estranha ao ambiente de trabalho ou condicionada por acidente ou agressão, baseia‐se na deteção de lesões e danos físicos e mentais e na sua mensuração em relação com uma tabela referida como de “incapacidades” (Decreto‐Lei n.º 352/2007, ‘Tabelas Nacionais de Incapacidades’), baseada no ‘AMA (American Medical Association) Guides to the evaluation of permanent impairment’ e que mais não é que uma listagem de graus de lesão (‘impairment’), confundindo esta com incapacidade, que é uma
interação entre o indivíduo e o ambiente, neste caso o do local de trabalho (ver Definições mais adiante).
Estas tabelas oficiais, segundo o seu articulado, foram concebidas para serem aplicadas a situações de avaliação de dano no âmbito dos acidentes de trabalho, das doenças profissionais e do direito civil, não mostrando intenções de serem aplicadas no domínio da incapacidade gerada por doenças espontâneas. O facto é que, após a sua publicação e na falta de outra opção, todas as decisões sobre a incapacidade para o trabalho são nelas fundamentadas.
O próprio documento base, o ‘AMA Guides to the evaluation of permanent impairment’, tem sido sujeito a diversas revisões ao longo da sua existência, estando atualmente na sua 6ª edição, e tem sido alvo de críticas quanto à sua construção e ao modo como é utilizado. Estes factos atestam a sua fraqueza interna, apesar de todos os esforços que os Autores nela têm vindo a investir e de ser a base de muitos sistemas de verificação e aferição de incapacidades a nível internacional.
É, neste contexto, claro que o ‘AMA Guides to the evaluation of permanent impairment’ não é o instrumento perfeito para a verificação correta e justa da incapacidade para o trabalho, sendo origem de múltiplos conflitos que acabam nos tribunais e geram aumento de despesa. É, no entanto, considerado como uma referência no campo, no sentido em que provém de uma instituição prestigiada e assente em trabalho honesto e digno de muitos profissionais experientes, mas, o facto é que têm sido desenvolvidos outros sistemas de avaliação no próprio País de origem que diferem na filosofia e na metodologia e que pretendem aproximarem‐se mais do que realmente se quer medir e que é a incapacidade para o trabalho em termos factuais.
Neste sentido, têm aparecido as especialidades médicas em avaliação da incapacidade e uma indústria de instrumentos dedicados à objetivação do desempenho em ambiente esteriotipado, bem como os testes de avaliação funcional que têm sido escrutinados relativamente à sua validade.
Não temos conhecimento de qualquer estudo sobre a adequação do modo de aferição à avaliação da incapacidade para o trabalho usado em Portugal. Que seja também do nosso conhecimento, não é costume em Portugal, os beneficiários entrarem em litígio judicial com a Segurança Social, mas no caso dos acidentes de trabalho já tal não se passa, conhecendo‐se a discrepância entre as decisões médicas iniciais e as judiciais finais, descredibilizando o sistema e mostrando a sua fragilidade. Neste contexto importa salientar que também os Tribunais devem fundamentar as suas decisões em testes igualmente fiáveis, válidos e reprodutíveis. É óbvio que se todos utilizarmos a mesma balança e se esta for fiável e assertiva, chegaremos sempre à mesma conclusão. Se na ponderação da decisão final se incluírem fatores que ‘ab initio’ não eram de considerar, claro se torna que as conclusões não irão ser as mesmas. Todos sabemos que é grande a complexidade do problema da avaliação da incapacidade, mas o atual sistema apresenta, por diversos motivos, um número significativo de fatores subjetivos intervenientes na decisão final e uma grande variabilidade intra e interobservador.
Assim, e como conclusão, podemos afirmar que se torna necessário introduzir um ou vários instrumentos validados na aferição dos portugueses incapacitados. O presente projeto pretende estudar esta problemática e, no final, apresentar às autoridades uma proposta devidamente fundamentada para posterior decisão política.
Os habituais modelos de avaliação da incapacidade têm sido objeto de contestação, sendo referidos como demasiado ‘medicalisados’ no sentido em que prestam atenção às lesões/danos de um indivíduo que resultam de uma qualquer situação patológica. Em contrapartida os defensores do modelo biopsicossocial enfatizam a avaliação efetiva do desempenho ou da incapacidade que depende da interação entre a pessoa e o ambiente. Os modelos biopsicossociais estão muito em voga nos países escandinavos o que se reflete nos seus métodos de aferição da capacidade para o trabalho em que os médicos contribuem apenas para uma pequena parcela da decisão final. A decisão de se manter ou modificar o modelo de aferição da incapacidade é uma decisão política já que não conhecemos estudos que demonstrem o melhor desempenho de um ou outro. De mencionar é a atual ‘epidemia’ de incapacidade que avassala a Escandinávia. Será que tem relação com o seu modelo de avaliação?
2. Tentaremos no decurso deste trabalho chamar a atenção para os diversos cenários que podem ser desenhados como decisão final, fornecendo sempre que possível a informação e parecer para fundamentação de qualquer decisão. Definições: a. Incapacidade. É difícil fornecer uma definição única de incapacidade devido aos diversos âmbitos em que este conceito é aplicado. Contudo, podemos aceitar a definição da OMS (Organização Mundial de Saúde) inscrita na Introdução da ICF (International Classification of Functioning) e adotada pelo 1º Plano de Ação para a Integração das Pessoas com Deficiências ou Incapacidades do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, que a refere como uma limitação da atividade ou uma restrição da participação dos indivíduos, resultantes da interação entre estes e o meio . É a limitação da atividade e a restrição na participação que estão no fulcro da definição de incapacidade da OMS/ICF.
b. Limitação da atividade. Definimo‐la como as dificuldades que um indivíduo pode ter ao executar atividades (ICF).
c. Restrição da participação. Definimo‐la como o conjunto de todos os problemas que um indivíduo pode ter no seu envolvimento nas situações da vida (ICF).
d. Funcionamento. Define‐se, no âmbito deste trabalho, como o desempenho que um individuo consegue efetivamente alcançar. Será o reverso da incapacidade. No âmbito da ICF, o funcionamento (functioning) designa todos os aspetos do desempenho que não são problemáticos para o indivíduo.
e. Funcionalidade. Para nós, funcionalidade refere‐se a uma qualidade ou potencialidade que um indivíduo apresenta. Não é um desempenho efetivo mas sim uma virtualidade de desempenho. Não trabalharemos, para já, com este conceito, porque o que interessa ao aferidor da incapacidade é o desempenho efetivo do indivíduo e não as suas potencialidades (apesar do cálculo destas ser muito importante na área da reabilitação e reconversão, profissional ou não). Chamamos a atenção para o facto dos responsáveis brasileiros pela tradução da versão em língua inglesa para português, terem traduzido ‘functioning’ por funcionalidade e não por funcionamento, o que consideramos um erro; as três versões latinas que consultámos não seguiram o mesmo caminho, utilizando a
versão francesa a palavra ‘fonctionnement’, a italiana ‘funzionamento’ e a castelhana ‘funcionamiento’.
f. Instrumentos. Definimos instrumentos como qualquer teste de avaliação devidamente validado e reprodutível. No contexto deste projeto teremos em conta instrumentos aplicáveis à incapacidade/funcionamento e, se houver lugar, à funcionalidade.
3. Planeamento do projeto
a. Contacto com o Gabinete da Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação para informação sobre projetos semelhantes que aí estejam em curso e eventual coordenação/integração (2 meses)
b. Colocação da problemática da avaliação da incapacidade nas suas diversas dimensões e nos diversos sistemas existentes na União Europeia, nos Estados Unidos da América, no Canadá e na Austrália. (6 meses)
c. Consulta dos diversos organismos internacionais que se dedicam à problemática da avaliação, EUPHA, MHADIE, EUMASS, para auscultação sobre projetos em curso e possibilidade de integração e colaboração (6 meses)
d. Revisão teórica das propostas de instrumentos e métodos de avaliação da incapacidade para o trabalho publicadas na literatura internacional nos seguintes componentes (4 meses) i. Efetividade de funcionamento ii. Críticas ao seu desempenho publicadas iii. Características da sua validade iv. Custos de utilização v. Nível de dificuldade de execução - Necessidade de formação dos operadores - Necessidade de locais especiais vi. Nível de satisfação/desempenho - Dos avaliados - Nos tribunais e. Análise dos diversos métodos existentes nos diversos sistemas de segurança social para a avaliação da incapacidade para o trabalho nos seguintes componentes (6 meses) i. Efetividade de funcionamento ii. Críticas ao seu desempenho publicadas iii. Características da sua validade iv. Custos de utilização v. Nível de dificuldade de execução - Necessidade de formação dos operadores - Necessidade de locais especiais vi. Nível de satisfação/desempenho - Dos avaliados - Nos tribunais f. Com os dados adquiridos formular uma proposta de decisão que, se possível, integre a ICF (18º‐22º meses)
Em 2001, a OMS aprovou a International Classification of Functioning, Disabilities and Health (ICF) que é uma revisão da International Classification of Impairments, Disabilities, and Handicaps, aprovada em 1980 tida como demasiada linear e medicalisada nas
que não só as estruturas e funções corporais são tomadas em consideração, mas também, as restrições nas atividades e na participação, tudo modulado por fatores contextuais ambientais e pessoais. Migrou, deste modo, de uma classificação de ‘consequências de doenças’ para uma classificação de ‘componentes da saúde’ (ICF. Introduction Pag 4. WHO). A ICF autodesigna‐se como uma classificação de múltiplos propósitos e desenhada para servir várias disciplinas e diversos setores.
Se o que o presente projeto pretende é desenvolver um instrumento que avalie a capacidade ou incapacidade do indivíduo, necessário é ter em conta que a própria ICF, na sua Introduction, página 15, refere que para isso é necessário ter um teste em ambiente padronizado que pode ser de diverso tipo, mas que deverá existir de qualquer forma. Deste modo parece desde já necessário ter este pormenor em consideração. g. Finalmente, refletir sobre a necessidade de investigar eventuais lacunas do conhecimento que leve a um melhor desempenho dos testes para o fim a que se destinam, ou seja, uma maneira objetiva e fiável de medir a incapacidade. (23º e 24º meses) 4. Constituição do Grupo de Trabalho a. O Autor, Reumatologista, Assistente Graduado de Reumatologia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (Hospital de Egas Moniz)
b. Dr. Margalho Carrilho, Psiquiatra, Assessor técnico de coordenação do Sistema de verificação de incapacidades da Segurança Social de Lisboa c. Dr. Pedro Cantista, Fisiatra, Assistente Graduado de Medicina Física e Reabilitação do Hospital Geral de Santo António d. Prof.ª Ana Escoval, Economista, Professora Auxiliar da Escola Nacional de Saúde Pública e. Especialista em avaliação de dano f. Alguém da FMH? g. Elemento mais jovem e com disponibilidade (Aluno de mestrado? Doutorando?) h. Interno da Especialidade (1 ou 2?) 5. Tempo previsto para a execução: 24 meses