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Servidão de Passagem Rural. Data de Criação: 01/09/2020 Criado por: Biblioteca SP

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Data de Criação: 01/09/2020

Criado por: Biblioteca SP

Servidão de

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Sumário das

Matérias:

Passagem forçada x servidão de passagem: distinções entre os institutos

.Ambiente Juridico...01 Abertura de via alternativa justifica extinção de servidão de passagem

Ambiente Juridico...08 Breves Considerações sobre as Servidões Prediais no Código Civil de 2002

Magister...17 STJ: Abertura de via alternativa leva turma a negar reintegração de servidão de passagem extinta IRIB...31 Capítulo de livro

...33 JURISPRUDENCIA

...37 Links para acesso

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Passagem forçada x servidão de passagem: distinções

entre os institutos

30/09/2008

Resumo: Este artigo tem por objetivo enfrentar um grande problema do mundo jurídico

contemporâneo: a confusão entre passagem forçada e servidão, especificamente, na sua modalidade de trânsito, também chamada de passagem. Institutos diversos e de origens distintas, mas que infelizmente, em razão de uma classificação equivocada, vem gerando, há décadas, sérios enganos apontados em sentenças e jurisprudências por todo o país.

Palavras-chave: passagem forçada – servidão de passagem – servidão de trânsito –

direito de vizinhança – direitos reais

Resumen: Este artículo tiene por objetivo enfrentar um gran problema del mundo

jurídico actual: la confusión entre pasaje forzada y servidumbre, especificamiente en su modalidad de tránsito, también llamada de pasaje. Institutos variados y de orígenes diversas, pero que infelizmiente, por uma clasificación equivocada, viene causando, hace décadas, sérios engaños apuntados em sentencias y jurisprudencias por todo el país.

Palabras-clave: pasaje forzada – servidumbre de pasaje – servidumbre de tránsito –

derecho de vecindad – derechos reales

Sumário: 1- Instrução; 2- Passagem forçada; 3- Servidão de passagem; 4- Distinções

entre os institutos; 5- Conclusão; 6- Referências.

1- Introdução

Objetiva-se, neste estudo, distinguir dois grandes institutos do Direito Civil: a Passagem Forçada e a Servidão de Passagem, apontando suas particularidades e, por conseguinte, visando solucionar possíveis, e não raras no mundo jurídico, confusões entres os direitos. O direito de passagem nasce da imposição da lei em proveito somente dos prédios encravados, o que vale dizer que a servidão de passagem só pode ser determinada pela necessidade de se obter saída útil do prédio tido como encravado para a via pública através do prédio serviente. Deste modo, não há que se reclamar a passagem por simples comodidade.

O instituto da servidão é ônus real, criando uma relação direta de prédio a prédio, advinda da vontade dos proprietários. Em razão dessa permissão, o serviente perde o exercício de algum de seus direitos dominicais sobre seu prédio, ou tolera que dele se utilize, fazendo o prédio dominante mais útil ou agradável.

Assim, o que se busca é destacar os pontos máximos de distinção entre os dois direitos, esforçando-se por apresentar, da forma mais clara, as características entre os direitos trabalhados, apresentando inconformismo com o fato de ter-se tornado corriqueira a necessidade de se explicar, ou melhor, ensinar o que é cada um dos institutos, em sentenças e acórdãos em todo o país, antes de se adentrar ao caso concreto realmente discutido, retardando ainda mais o andamento dos processos.

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2- Passagem forçada

Três instituições são firmemente conexas e estabelecidas, desde a Antigüidade, nas sociedades grega e italiana: a religião doméstica, a família e a propriedade. (COULANGES, 2004, p. 66)

Assim, a Passagem Forçada conhece sua primeira manifestação no “iter ad sepulchrum” do direito romano, que dizia: mesmo se uma família vendesse o campo onde eram enterrados seus mortos, ela continuaria sua proprietária perpétua, conservando o direito de poder atravessá-lo sempre que quisesse, para cumprir as cerimônias do culto. (op, cit., p. 66)

Conceituando, nas palavras de Roberto de Ruggiero, a passagem obrigatória é “uma das mais fortes limitações derivadas de vizinhança” (2005, p. 497) sendo que obriga o proprietário a deixar o vizinho, que tem seu prédio encravado, passar pela sua propriedade.

Funda-se o direito à passagem forçada na solidariedade a qual “deve presidir as relações de vizinhança e a necessidade econômica de se aproveitar devidamente o prédio encravado. O interesse social exige que se estabeleça passagem para que o imóvel não se torne improdutivo”. (MONTEIRO, 2003, p. 141)

Nos termos do artigo 1.285, caput, do Código Civil, prédio encravado é aquele que não tem acesso à via pública, porto ou nascente. Em razão da falta de comunicação com a via pública não pode vir a ser explorado, deixando de se útil.

Mas encravamento deve ser natural e absoluto.

Natural, porque não pode ser provocado. É o caso daquele que vende parte do terreno onde se encontrava a passagem, ficando sem saída. É vedado a ele reclamar passagem a seus vizinhos, devendo a questão ser resolvida entre comprador e vendedor.

A doutrina exige, ainda, que seja absoluto o encravamento, sem nenhum tipo de saída. Entretanto, alguns tribunais, com uma visão mais social e menos técnica, entendem que se um prédio possui uma única via de acesso, mas é extremamente onerosa, difícil ou perigosa, seria então um encravamento relativo.

Embora decorra da lei o direito à passagem, por mais de uma forma poder-se-á constituir, quais sejam: a convenção, a sentença e a usucapião, esta na opinião dos antigos autores.

Constituído por meio de acordo, deve ser expresso, formal, para evitar que mais tarde seja confundida como uma servidão convencional. Neste caso, o proprietário do prédio serviente não teria o direito de pedir “a supressão no caso de abertura de via pública, que desencravasse o dominante, ou pela reunião deste com outro”. (NEQUETE, 1985, p. 48-49)

No que tange à legitimação ativa, observa-se que, mesmo a lei fazendo referência apenas ao proprietário do prédio, têm capacidade para propor demanda “todos aqueles a quem se concede um direito real de gozo sobre coisa alheia”. (op. cit, p. 54)

Seguindo a mesma linha de pensamento, Silvio de Salva Venosa manifesta-se nos seguintes termos:

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Legitimado para pedir passagem não é apenas o proprietário, mas também o usufrutuário, usuário, habitador ou possuidor. Podem eles também defender a turbação da via de passagem pelos remédios possessórios. (VENOSA, 2004, p. 378)

Em relação ao condômino pro indiviso tem este a possibilidade de obter sozinho uma passagem necessária desde que os demais co-proprietários não se oponham. Neste caso, todos contribuirão com a sua quota-parte para o pagamento da indenização, uma vez que todos serão beneficiados.

Por sua vez, figurarão no pólo passivo da ação o proprietário ou proprietários dos prédios servientes, e em hipótese alguma o mero possuidor.

Encravado, adquire-se o direito, mas o exercício da passagem fica condicionado ao pagamento da indenização que pode ser paga de uma só vez ou em parcelas anuais. Atribuiu, o legislador, ênfase ao chamá-la cabal, querendo na verdade transmitir a idéia de que a indenização alcançará todos os danos.

Como no direito romano, a passagem pode apresentar-se, ainda hoje, “ou como iter (direito de passagem a pé, só para pessoas), ou como actus (direito de passagem para animais), ou como via (direito de passagem para veículos), (NEQUETE, 1985, p. 59)” devendo entender-se que a passagem de teor mais amplo presume obrigatoriamente a mais estrita.

A fixação judicial não visa declarar direito, mas a fixar alguns pontos, tais como: rumo, caminho, largura e forma de exercício, caso não haja acordo entre as partes. Estes pontos poderão vir a ser ampliados, reduzidos ou mesmo alterados, sempre que houver necessidade, havendo suplemento ou restituição do valor da indenização.

O direito de reclamar a passagem forçada é imprescritível, podendo ser reclamado a qualquer tempo, desde que dentro do período da existência do encravamento. Desaparecendo a causa que deu origem, desaparecerá o direito de passagem.

Marco Aurélio da Silva Viana tece o seguinte comentário acerca da imprescritibilidade: o direito extingue-se “quando não se pontifica mais a necessidade que o criou. Por isso o direito é imprescritível, podendo ser exercido a qualquer tempo” (VIANA, 2004, p. 240). Para Venosa, ao cessar o encravamento, seja qual for a razão, conseqüentemente desaparece o direito de passagem. Entretanto, vem observar que “nada impede, porém, que as partes constituam servidão sobre o que era direito legal de passagem” (VENOSA, 2004, p. 378).

3- Servidão de passagem

A propriedade, no direito Romano, era o mais absoluto dos direitos haja vista que quem os possuía detinha os chamados três “jura”: jus utendi, jus fruendi e jus abutendi, ou seja, podia usar, fruir e até mesmo destruir a coisa.

Contudo, em alguns casos, porções desses direitos escapavam das mãos do verdadeiro proprietário, que em regra eram o jus utendi e o jus fruendi, “repartindo-se entre este e outra pessoa, beneficiada pelo desmembramento”. (CRETELLA JÚNIOR, 1998, p. 219) Por esse motivo, foram classificados pela doutrina como “jura in re aliena”, ou direito sobre a coisa alheia.

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04 Define-se a servidão como direito real sobre imóvel sobre o qual se impõe um ônus a determinado prédio em favor de outros. O direito é real uma vez que segue o imóvel, aderindo à coisa, e toda vez que mudar o proprietário do prédio serviente, haverá substituição do sujeito passivo.

Nas palavras de Arnold Wald, “a servidão é, pois, conceituada como direito acessório do direito de propriedade, inseparável deste, e perpétuo, cuja função econômica importa corrigir desigualdades existentes entre prédios”. (2002, p. 199)

Pode-se dizer que a finalidade da servidão é a de aumentar a utilidade do prédio dominante, e isto implicará conseqüentemente em restrições ao prédio serviente. A natureza jurídica da servidão é a de “um direito real (CC, art. 1.225, III) de gozo ou fruição sobre imóvel alheio, de caráter acessório, perpétuo, indivisível e inalienável”. (DINIZ, Curso de direito civil brasileiro, 2002, p. 355) Mais detalhadamente, pode-se dizer que servidão é direito:

– real: porque imposta à coisa e não ao dono, com a exigência da formalidade (registro em Cartório)

– acessório: porção do direito de propriedade – perpétuo: enquanto existirem os prédios

– indivisível: mesmo no caso de divisão do imóvel, passando a ter vários titulares. A servidão permanecerá indivisível, pois ela se dá entre dois prédios e não entre titulares. – inalienável: não pode ser transferida a outro prédio. Poderá, todavia, ser transferida a outras pessoas.

Doutrinariamente, podem ser classificadas, dividindo-se em contínuas, descontínuas, aparentes, não aparentes e suas combinações.

Servidões contínuas “são as que dispensam atos humanos para que subsistam e sejam

exercidas, como a de energia elétrica, a de escoamento e a de passagem de água”. (FARIAS; ROSENVALD, 2006, p. 572) Em geral, são exercidas ininterruptamente.

Servidões descontínuas “são as que dependem, para seu exercício, de atos permanentes

do titular ou possuidor do prédio dominante, como a servidão de passagem.” (op. cit, p. 572) Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “todas as servidões que dependem de fato do homem são, necessariamente, descontínuas, […].”(GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2006, p. 426)

O critério entre estas é a intervenção ou não-intervenção do homem.

As aparentes manifestam-se por obras exteriores, enquanto que as não

aparentes somente são percebidas quando de fato exercidas, como por exemplo, na

passagem de pedestres quando não há um caminho ou trajeto demarcado. Assim, “só se podem constituir validamente mediante o seu registro no cartório imobiliário, […].(ROSA, 2005, p. 227)

Essa classificação não é restrita ao âmbito didático-doutrinário do Direito. No momento da sua efetiva aplicação é que se poderá observar a sua grande importância, posto que nem todas as servidões possuem proteção possessória; elas dependerão da classificação recebida, como por exemplo: aparentes e contínuas e algumas descontínuas gozam de proteção, mas as não aparentes não dispõem de defesa.

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Destaque-se que as servidões poderão constituir-se por ato (contrato, sentença, usucapião ou destinação do proprietário) ou fato humano, este aplicável exclusivamente à servidão de trânsito.

Pela Súmula nº 415, do Supremo Tribunal Federal, a “servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória” Logo, sendo aparente, há que se concluir que poderão ser adquiridas pela usucapião.

Quando se fala em servidão, sua interpretação é sempre restrita, por tratar-se de limitação a um direito. Tal característica impede que o beneficiário amplie, por qualquer modo, o jus in res aliena. Logo, criada para certo fim, não se pode estendê-la a outro, exceto quando se tratar de servidão de trânsito: 1) com a concordância expressa do proprietário dominante, e/ou 2) necessidade de ampliação em razão de cultivo. Sempre com o direito de indenização pelo excesso.

Por fim, sendo a servidão constituída por meio do registro, a primeira forma apresentada de extinção, mas não a única, é o cancelamento.

Quanto às demais formas, dividem-se em peculiares e comuns.

As formas peculiares extintivas da servidão levam ao cancelamento do registro, pelos meios judiciais, e não dependem da anuência do proprietário do prédio dominante. São: a renúncia, a impossibilidade de seu exercício e o resgate.

As formas comuns, apenas exigem o cancelamento do registro, sendo: a confusão, a supressão de obras na servidão aparente e desuso.

4- Distinção entre os institutos

O objetivo deste trabalho é o de demonstrar as diferenças entre os dois direitos com o objetivo de desfazer a confusão alastrada por todo o país.

Para Arnold Wald, os pontos máximos de distinção entre as servidões e direito de vizinhança estão na origem e na finalidade.

Enquanto as primeiras originam-se do ato voluntário de seus titulares, o segundo deriva da lei expressa. Observa-se também que, a finalidade do direito de vizinhança é preventiva, visa evitar o dano como também, que o prédio fique sem destinação ou utilização econômica. Quanto à servidão não visa a atender necessidades, mas a garantir uma comodidade ou uma maior facilidade ao proprietário do prédio dominante.

Outras dessemelhanças podem ser elencadas.

A passagem forçada é direito de vizinhança, enquanto que a servidão é um direito real sobre coisa alheia. A primeira decorre da lei e é uma limitação ao direito de propriedade, sempre se configurando quando um prédio se encontrar encravado, mesmo que o proprietário não a deseje; já a servidão limita o domínio e decorre da vontade das partes, geralmente por meio de um contrato.

A servidão tem sua constituição com o registro no Cartório de Registro de Imóveis, já a passagem forçada não exige qualquer tipo de registro, e caso haja um registro será tida como servidão. Sua fonte mediata está na lei e no interesse social.

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06 Às servidões aparentes caberá ação de usucapião. À servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considerar-se-á aparente, conferindo a esta o direito à proteção possessória, em sendo assim poderá ser usucapida. Quanto ao direito de vizinhança, não se adquire pela prescrição aquisitiva. A partir do momento que a circunstância que caracterizava o encravamento cessou, extinta será a passagem forçada, posto que não há mais a necessidade impondo tal ônus. A servidão a princípio é perpétua.

Por fim, embora não haja impedimento quanto à gratuidade, dependendo de simples acordo entre as partes, tanto a passagem forçada quanto a servidão de passagem são direitos a título oneroso, com o propósito de ressarcir os prejuízos, incômodos e limitações aos direitos do proprietário. Contudo, há que se observar que enquanto na servidão atua como mera compensação; noutro instituto o direito de passagem fica na dependência do pagamento de indenização. Embora a lei não diga expressamente, o pagamento prévio é condição imposta ao exercício da passagem.

5- Considerações

Faz-se necessário buscar solver esse problema que, ignorado, alastrou-se e tornando-se corriqueiro nem mais é visto. A solução é a boa formação e a reciclagem do operador do direito.

Todavia, enquanto persistir a confusão o que se verá sempre é o magistrado, antes de exercer a sua função, exercendo o magistério, instruindo advogados e até mesmo juízes de primeiro grau, no que tange à caracterização de um e de outro instituto.

São visíveis as diferenças entre os institutos estudados, mas também é gritante a necessidade de se buscar um meio eficaz a fim de que se possa desfazer essa confusão descabida e que se alastra por todas as esferas jurídicas.

A boa formação do jurista, partindo desde os bancos escolares, é um dos meios. Em seguida, caberá a esse o aprimoramento da sua bagagem. Não dá para aceitar que se utilize dos bancos da corte para o exercício do magistério. O advogado é antes de tudo um profissional, e por isso exige-se formação e trabalhos aprimorados.

Referências

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 415. Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 02 setembro 2007

COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Tradução de Jean Melville. São Paulo: Editora Martin Claret, 2004. 421 p. Título original: La Cité Antique.

CRETELLA JÚNIOR, J. Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro. 21 ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 1998. 486 p.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. v. 4. 18. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2002. 550 p.FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nélson. Direitos reais. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris. 2006. 716 p.

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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: direito das coisas. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2006. 620 p.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v. 3. 37. ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003. 469 p. ROSA, Pedro Henrique de Miranda. Direto civil, direito das coisas: introdução; posse; da propriedade dos direitos reais sobre coisas alheias. Rio de Janeiro: Renovar. 2005. 312 p.

RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. v. 2. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2005. 822 p.

NEQUETE, Lenine. Da passagem forçada. 3. ed. rev. e amp. Porto Alegre: Livraria Editora Porto Alegre, 1985. 224 p.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. v. 5. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. 668 p.

VIANA, Marco Aurélio da Silva. Comentários ao Novo Código Civil, volume XVI: dos direitos reais. v. 16 (arts. 1225 a 1.510). Rio de Janeiro: Forense, 2004. 926 p

WALD, Arnoldo. Direito das coisas. 11 ed. rev., aum. e atual. com a colaboração dos professores Álvaro Villaça Azevedo e Véra Fradera. São Paulo: Saraiva, 2002. 558 p.

Informações Sobre o Autor Joanita Zacchi de Campos

Bacharela em Direito pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (FUNDINOPI), em Jacarezinho (PR) https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/passagem-forcada-x-servidao-de- passagem-distincoes-entre-os-institutos/#:~:text=A%20passagem%20for%C3%A7ada%20%C3%A9%20direito,direito%20rea l%20sobre%20coisa%20alheia.&text=A%20servid%C3%A3o%20tem%20sua%20constitui%C3 %A7%C3%A3o,registro%20ser%C3%A1%20tida%20como%20servid%C3%A3o.

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Abertura de via alternativa justifica extinção de servidão

de passagem

DireitoAgrario.com 5 de julho de 2019 Julgados, Notícias

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que negou pedido de reintegração de posse de servidão de passagem no qual os autores alegaram que o comprador de terreno vizinho fechou a passagem indevidamente. No entendimento da Terceira Turma, a abertura de nova estrada pelo recorrido, retirando a utilidade da servidão anterior sem atrapalhar a passagem dos autores da ação (fato superveniente ao ajuizamento da possessória), foi corretamente considerada pelo TJSC ao negar o pedido de reintegração.

Para acessar sua residência, os autores da ação utilizavam um caminho que dividia em duas partes outro terreno, posteriormente comprado pelo recorrido. Interessado em unificar a propriedade, o comprador fechou a passagem – motivo pelo qual os vizinhos ajuizaram a ação de reintegração de posse –, mas, em substituição ao caminho anterior, ele construiu uma via alternativa contornando sua gleba por um dos lados.

Em primeiro grau, o juiz julgou procedente o pedido dos requerentes. Entretanto, em segunda instância, o TJSC deu provimento à apelação, afirmando que a abertura de outra estrada na propriedade teria feito cessar a utilidade da antiga servidão.

Institutos diversos

Ao analisar o recurso apresentado pelos autores da ação de reintegração, a ministra Nancy Andrighi, relatora, fez uma distinção entre passagem forçada e servidão de passagem. Segundo a magistrada, apesar de ambas limitarem o uso pleno da propriedade, entre elas há uma diferença de origem e de finalidade.

A ministra explicou que a passagem forçada decorre diretamente da lei e tem a finalidade de evitar um dano, nas circunstâncias em que o imóvel se encontra sem acesso à via pública, o que impediria seu aproveitamento.

Já a servidão é criada, via de regra, por ato voluntário de seus titulares e, por meio dela, não se procura atender a uma necessidade imperativa, mas conceder uma facilidade maior ao chamado imóvel dominante.

Sem registro

Nancy Andrighi observou que o fato de não haver registro da servidão de passagem não inviabiliza a ação possessória. Segundo ela, a servidão não é presumida nem determinada por lei, mas decorre de ato voluntário, que pressupõe o registro no cartório de imóveis.

No entanto – esclareceu –, a jurisprudência passou a conferir proteção possessória às servidões de trânsito, conforme estabelece a Súmula 415 do Supremo Tribunal Federal (STF): “Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória”.

No caso dos autos, a relatora esclareceu que os recorrentes eram os legítimos possuidores da servidão de passagem e que o recorrido impôs restrições ilegais à fruição da servidão – o que ensejaria, em tese, a procedência da proteção possessória.

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Fato superveniente

Contudo, Nancy Andrighi apontou a necessidade de se apreciar, como fato superveniente, uma causa modificativa ou extintiva da servidão de passagem não titulada e aparente. De acordo com a ministra, conforme previsto no artigo 462 do Código de Processo Civil de 1973, é dever do julgador levar em consideração fatos supervenientes ao ajuizamento da ação que possam influir no julgamento do processo.

A relatora destacou que, conforme estabelecido no artigo 1.384 do Código Civil de 2002, para que o dono do imóvel serviente remova a servidão, essa remoção deve ser feita às suas custas e não pode diminuir as vantagens ao imóvel dominante, como ficou caracterizado nos autos.

“A análise feita pelo tribunal de origem demonstra que todos os requisitos para a ocorrência de uma remoção de servidão foram devidamente preenchidos”, afirmou a ministra.

Fonte: STJ.

Confira a íntegra do julgado:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.642.994 – SC (2016/0278715-8) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por MARIA NATÁLIA VIEIRA ALVES e RAUL ANTÔNIO ALVES, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/SC.

Ação: de reintegração de posse de servidão de passagem, com pedido de liminar, ajuizada pelos recorrentes em face de GERALDO JACQUES TEIXEIRA, que versa sobre a posse de um caminho que, atravessando a propriedade do recorrido, conduz até a via pública.

Sentença: julgou procedente o pedido, confirmando a decisão liminar anteriormente prolatada. Primeiro Acórdão: em julgamento por maioria, o TJ/SC deu provimento à apelação interposta pelo recorrido, afirmando que fato superveniente, consistente na abertura de outra estrada em sua propriedade teria feito cessar a comodidade e a utilidade da servidão. Além disso, negou provimento à apelação dos recorrente e os condenou em litigância de má-fé, conforme a ementa do julgamento abaixo:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SERVIDÃO DE PASSAGEM NÃO TITULADA. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO QUE, A PRINCÍPIO, É IRRELEVANTE AO EXERCÍCIO DA TUTELA POSSESSÓRIA. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 415 DO STF. APELO DO RÉU. ALEGADA A EXISTÊNCIA DE FATO SUPERVENIENTE. ABERTURA DE VIA PÚBLICA DURANTE O CURSO DA DEMANDA, QUE FEZ CESSAR A COMODIDADE E A UTILIDADE DA SERVIDÃO. PRETENSÃO DE MANUTENÇÃO DA SERVIDÃO POR MERO CAPRICHO DOS AUTORES. ABUSO DE DIREITO. PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL DOMINANTE QUE, ADEMAIS, ANUIU COM A EXTINÇÃO DA SERVIDÃO, ASSIM QUE FOSSE ABERTO CAMINHO ALTERNATIVO PELO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL SERVIENTE. OMISSÃO QUANTO AO DEVER DE INFORMAR TAL FATO AO JUÍZO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CONFIGURADA. APELO DOS AUTORES. PEDIDO DE SUSPENSÃO DA MULTA QUE LHES FOI APLICADA POR ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. INSUBSISTÊNCIA. BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA QUE NÃO

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ABARCA EVENTUAIS PENALIDADES APLICADAS DURANTE O TRÂMITE PROCESSUAL. RECURSO DO RÉU PROVIDO E DOS AUTORES DESPROVIDO.

Segundo Acórdão: o Tribunal de origem, também em julgamento por maioria, negou provimento aos embargos infringentes interpostos pelos recorrentes, com fundamentos parcialmente distintos daqueles constantes no julgamento da apelação, conforme a ementa: EMBARGOS INFRINGENTES. COISAS. AÇÃO DE RE INTEGRAÇÃO DE POSSE. SERVIDÃO DE PASSAGEM. – ACORDÃO QUE REFORMA, POR MAIORIA, A

SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. (1) ADMISSIBILIDADE. GRATUIDADE REVOGADA EM RELAÇÃO A ALGUNS DOS EMBARGANTES E MANTIDA QUANTO AOS DEMAIS EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO. RE- CURSO CONJUNTO. PREPARO NÃO RECOLHIDO. NÃO CONHECIMENTO EM RELAÇÃO A PARTE DOS RECORRENTES. – Na hipótese de recurso conjunto, se alguns dos recorrentes não são beneficiários da gratuidade judiciária – revogada em sede de impugnação -, o não recolhimento do preparo implica deserção, impondo o não conhecimento da insurgência em relação aqueles.

(2) SERVIDÃO APARENTE NÃO TITULADA. REQUISITOS CONFIGURADOS. REINTEGRAÇÃO POSSÍVEL. RE- MOÇÃO DA SERVIDÃO, TODAVIA. ÓBICE LEGAL À PROTEÇÃO POSSESSÓRIA. PRESSUPOSTOS VERIFICADOS. MANUTENÇÃO DA CONCLUSÃO MAJORITÁRIA, CONQUANTO POR FUNDAMENTOS EM PARTE DISTINTOS. – Apesar de presentes os requisitos ensejadores da tutela interditai, cabível em se tratando de servidão aparente não titulada, afasta-se a proteção possessória no caso de remoção da servidão levada a efeito pelo dono do prédio serviente, desde que feita à sua custa e sem minorar, em aferição pautada pela razoabilidade, as vantagens do prédio dominante.

(3) ÔNUS SUCUMBENCIAIS. INVERSÃO. LAPSO. SUPRIMENTO. – Impõe-se a adequada inversão dos ônus sucumbenciais se, por lapso, a providência necessária não havia sido realizada no acórdão.

ACÓRDÃO MANTIDO. RECURSO DESPROVIDO.

Recurso especial: alega violação aos arts. 1196, caput e § 2º, e 1378 do CC/2002 e aos arts. 460 e 926 do CPC/73. Sustenta, ainda, a existência de dissídio jurisprudencial.

Admissibilidade: o recurso não fora admitido pelo Tribunal de origem (e-STJ fl. 1012-1014) e, após a interposição de agravo em recurso especial, reconsiderou-se a decisão para melhor exame da matéria (e-STJ fl. 1046).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

O propósito recursal consiste em reconhecer ou não o direito dos Recorrentes relativos à posse sobre uma servidão de passagem instituída de forma aparente sobre imóvel do recorrido. Em especial, deve-se determinar se há possibilidade de, no bojo de ação possessória, discutir a remoção ou extinção de servidão de passagem não titulada, mesmo que apresentada como fato superveniente.

1. DOS CONTORNOS FÁTICOS DA LIDE

Os recorrentes adquiriram sua gleba no município de Imaruí/SC, em 18/08/1983, e, posteriormente, venderam parcela de sua terra para os interessados. Nos autos, consta que os recorrentes utilizavam para acessar sua residência um caminho que divide em duas partes a gleba

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maior que era de propriedade de Maria das Dores Machado Brasiliense, posteriormente alienada, nos anos de 2006 e 2007, para o recorrido.

Visando à integração das partes por ele adquiridas, o recorrido construiu uma via alternativa contornando por um dos lados sua gleba, o que, num primeiro momento, chegava às terras dos recorrentes.

Durante o andamento processual, contudo, vislumbrando que essa circunstância desagradava os recorrentes, prolongou o acesso de forma a chegar na área de todos, recorrentes e interessados. A abertura dessas vias é confirmada pela publicação de decretos municipais (079/2007 e 053/2008), cujo teor está transcrito no acórdão da apelação (fl. 866).

Assim que se estabeleceu a primeira via alternativa, no ano de 2007, o recorrido fechou, com a instalação de porteiras, a via que passava através de sua terra. Diante disso, os recorrentes ajuizaram a ação de reintegração de posse.

2. DAS SERVIDÕES E DAS PASSAGENS FORÇADAS

Em primeiro lugar, contudo, deve-se repisar a distinção entre “passagem forçada” e “servidão de passagem” já estabelecida nos autos, mas ainda relevantes para o deslinde do julgamento. Apesar de ambas limitarem o uso pleno da propriedade, entre elas há uma diferença de origem e de finalidade.

As servidões são criadas, via de regra, por ato voluntário de seus titulares e, por meio delas, não se procura atender uma necessidade imperativa, mas a concessão de uma facilidade maior ao prédio dominante.

As passagens forçadas, por sua vez, decorrem diretamente lei e tem a finalidade de evitar um dano, nas circunstâncias em que o prédio se encontra encravado, isto é, sem acesso à via pública, o que impediria seu aproveitamento.

Em outras palavras, “trata-se de uma restrição legal ao direito de propriedade que se destina a propiciar saída para a via pública ou para outro local dotado de serventia e pressupõe, portanto, o isolamento ou a insuficiência de acesso do imóvel que pretende o direito à passagem forçada” (REsp 316.045/SP, TERCEIRA TURMA, DJe 29/10/2012).

Por seu caráter elucidativo, cite-se o exemplo doutrinário que evidencia a diferença entre os dois institutos:

Um exemplo ilustrará a diferença. O proprietário do prédio encravado, sem acesso à via pública, pode, em virtude de lei, exigir a passagem pelo terreno alheio. É o direito de passagem forçada, ao qual já aludimos ao estudar os direitos de vizinhança. Emana da lei, e, sem ele, seria impossível ao proprietário do prédio encravado entrar e sair livremente do seu terreno. Vejamos agora uma situação distinta. Um terreno tem um acesso remoto ou estreito a determinada estrada secundária. O terreno vizinho é, todavia, atravessado por excelente estrada principal, à qual o proprietário do primeiro terreno desejaria ter acesso, pedindo, pois que lhe seja concedida uma servidão. Depende tal concessão da boa vontade ou do interesse econômico do proprietário do prédio serviente que iria ser atravessado. Não é um direito emanado da lei. Poderá surgir em virtude de contrato que as partes venham a fazer e que, para valer contra terceiros, deverá constar no Registro de Imóveis. (WALD, Arnoldo. Direito civil: direito das coisas. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 263)

Da mesma forma, como afirmado no julgamento do REsp 223.590/SP, por mim relatado, sobre as diferenças dos institutos:

Convém, de logo, que se frise a distinção entre o direito de passagem forçada regulada pelos denominados direitos de vizinhança e a proteção às servidões. A primeira pressupõe um prédio encravado, com indispensável necessidade de saída para a via pública, assegurando a lei ao proprietário o direito de consegui-la sobre prédios alheios, possibilitando-lhe a destinação

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econômica. Funda-se, assim, na necessidade e na indispensabilidade. Já a servidão se coloca no cômodo e até no supérfluo. (…) Na servidão de trânsito, as causas de instituição são diversas e podem assentar na utilidade ou mera facilidade. Tanto que. na maioria das vezes, é estabelecida convencionalmente. Não requer a inexistência de outro caminho para atingir-se um prédio distinto ou a via pública” (…) o fato de existir caminho alternativo, que, sem adentrar a área do condomínio, passando apenas pelas terras da fazenda, possibilita o trânsito entre os estábulos e a sede, não prejudica o pedido inicial, não se confundindo o instituto da passagem forçada, direito de vizinhança, com o das servidões. Só aquele pressupõe o encravamento. (REsp 223.590/SP, Terceira Turma, DJ 17/09/2001, p. 161)

Na hipótese dos autos, conforme estabelecido no acórdão dos embargos infringentes, não há dúvidas que o objeto em litígio constituí uma servidão de passagem, conforme os trechos a seguir: In casu, à luz de tais premissas, vê-se que os fatos não se aproximam de passagem forçada, mas de servidão de passagem, como bem pontuado pela magistrada sentenciante: A par destes esclarecimentos, e diante do quadro apresentado nos autos, tem-se que não há como dar à controvérsia feições de direito de vizinhança, uma vez que, desde o início, sobressaíram informações embasadas nas declarações dos testigos e na juntada de fotografias, dando conta de que em momento algum ficaram os autores sem acesso à via pública e, portanto, encravados, além do caminho litigado ter resultado de ajuste entre o autor Raul e a proprietária anterior do imóvel. (fl. 579).

Com efeito, conquanto em seu depoimento pessoal o acionante Raul tenha assinalado que, desde que adquiriu a gleba, o único acesso ao seu imóvel era o caminho objeto, o que é corroborado pelas testemunhas Maurílio Luis Nascimento e Rosimere dos Santos Martins, que afirmam que não havia outra via para chegar a sua residência, as demais testemunhas (Pedro Raimundo Sobrinho, Bartinho Rochadel da Silva, Marcio Adriano Rodrigues, lrineu Manoel Espíndola Neto, José Matos, Pedro Raimundo Sobrinho e Laércio Arceno Corrêa) afirmam que havia outros acessos – pela “prainha” e pelo “piquete” -, ainda que mais rústicos e apenas para pedestres ou carro de boi. (e-STJ fl. 947)

O caminho objeto possui, efetivamente, contornos de servidão de trânsito aparente e contínua, o que se extrai da prova testemunhal colhida – adi- ante explorada de forma mais detalhada -e das fotografias (fls. 23/88) e vídeos (fl. 300) acostados ao caderno processual, que demonstram a sua visibilidade a partir das marcas deixadas na terra pela constante passagem, o que impedia até mesmo o crescimento da grama na sua extensão. (e-STJ fl. 951)

Esse fato é de grande relevância para o deslinde deste julgamento, pois, como exposto acima, a servidão tem formas próprias para sua modificação e extinção. Neste ponto, a doutrina é unânime em afirmar que o encravamento do prédio – isto é, a ausência de qualquer acesso às vias públicas – é um requisito apenas da passagem forçada, e não das servidões, como afirma a doutrina: Extingue-se a passagem forçada e desaparece o encravamento em casos, por exemplo, de abertura de estrada pública que atravessa ou passa ao lado de suas divisas, ou quando é anexado a outro, que tem acesso para a via pública. (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das coisas. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 361).

Por sua vez, a servidão não se presume, nem se forma por força de lei, mas deve ser constituída por ato voluntário, que pressupõe o registro no Cartório de Registro de Imóveis. No entanto, a jurisprudência brasileira evoluiu no sentido de conferir proteção possessória para servidões de trânsito, conforme o teor da Súmula 415/STF: “Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória”.

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3. DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS: MATÉRIA DE DEFESA

Nos termos da doutrina, as ações possessórias “têm por objetivo restaurar uma situação de fato antecedente à turbação ou ao esbulho, respectivamente, afastando a perturbação à posse ou reinvestindo o possuidor no controle material da coisa; ou, para evitar que uma dessas lesões ocorra” (Arruda Alvim. Defesa da posse e ações possessórias. RePro, v. 29, n. 114, mar./abr. 2004).

Nessas ações, será examinada, exclusivamente, a situação da posse do autor em relação à do réu (ius possessionis), com descarte do exame de uma situação jurídica, externa à posse (descartando o ius possidendi), na conformidade do que consta do art. 1.210, § 2.º, do CC/2002. Ainda conforme a doutrina:

O objeto possível de tais ações é a proteção da posse e de sua titularidade, cujo pedido deve consistir em proteção possessória, especificado em conformidade com a lesão sofrida, na posse (esbulho ou turbação), ou, em relação à qual se teme estar ameaçado, tendo em vista o ilícito cometido pelo réu, ou, que possa vir a ser cometido. A descrição desse ilícito, e, de quem o praticou, deve compor a causa petendi, juntamente com a afirmação da posse do autor. O plano de discussão e avaliação da situação possessória é como situação de fato (situação possessória, exclusivamente), ou seja, fundamentalmente, tendo em pauta o ius possessionis e não o ius possidendi. (Arruva Alvim. Op.cit.).

No recurso em julgamento, resta amplamente demonstrado que os recorrentes eram os legítimos possuidores da servidão de passagem e que o recorrido impôs restrições, de forma ilegal, à fruição da servidão, o que ensejaria a procedência da proteção possessória, conforme se verifica no trecho do acórdão dos embargos infringentes:

Assentado esse ponto, deve-se salientar que o ato espoliativo, consistente na colocação de cercas de forma a impedir o acesso ao caminho objeto, é confirmado pela inspeção judicial (fl. 41) e sequer é controvertido, ainda que a defesa argumente, como visto, que não havia posse, bem ainda considere que há fato superveniente a obstar o acolhimento do pedido.

Por consequência, houve a perda da posse, já que somente pu- deram os autores voltar a usar o trajeto após decisão liminar de reintegração de posse (fls. 99-101).

Verificados, portanto, os requisitos constituintes da reintegração de posse, o que implica, a priori, a procedência da proteção possessória. (e-STJ fl. 955)

Desse modo, incumbe-nos discutir a possibilidade de apreciar, como fato superveniente, uma causa modificativa ou extintiva da servidão de passagem não titulada e aparente, existente sobre o prédio do recorrido.

Quanto ao fato de se tratar de fato superveniente ao ajuizamento da ação possessória, não há qualquer óbice a sua apreciação pelo magistrado. Ao contrário, como afirmado pela Terceira Turma, em recurso por mim relatado, “à luz do disposto no art. 462 do CPC/73, é dever do julgador tomar em consideração fatos supervenientes que influam no julgamento da lide, constituindo, modificando ou extinguindo o direito alegado, sob pena de a prestação jurisdicional se tornar desprovida de eficácia ou inapta à justa composição da lide” (REsp 1637628/ES, Rel. Terceira Turma, DJe 07/12/2018). Da mesma forma, mencione-se outro julgamento desta Terceira Turma sobre esse assunto:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. EXECUÇÃO. ARGUIÇÃO INCIDENTAL DE NULIDADE DA CITAÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DO TRÂNSITO EM JULGADO DE SENTENÇA EM AÇÃO DECLARATÓRIA COM O MESMO OBJETIVO. FATO SUPERVENIENTE. ART. 462 DO CPC. CONSIDERAÇÃO. RESPEITO À COISA JULGADA.

1. O julgamento deve refletir o estado de fato da lide no momento da entrega da prestação jurisdicional.

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2. O fato superveniente (art. 462 do CPC) deve ser tomado em consideração no momento do julgamento a fim de evitar decisões contraditórias e prestigiar os princípios da economia processual e da segurança jurídica.

3. No caso dos autos, o fato superveniente – consubstanciado na coisa julgada produzida em lide (ação declaratória) que tramitava paralelamente ao processo de execução que deu origem aos presentes autos – é tema relevante e deve guiar a solução do presente recurso especial sob pena ofensa à coisa julgada.

4. Recurso especial provido para restabelecer a decisão de primeira instância (REsp 911.932/RJ, TERCEIRA TURMA, DJe 25/03/2013)

Neste momento, cumpre ainda examinar a questão da remoção da servidão, ponderada pelo Tribunal de origem no julgamento dos embargos infringentes. De fato, o fato da abertura de nova via, que garante acesso à gleba dos recorrentes, foi suscitado desde o 1º grau de jurisdição, sendo devidamente apreciado desde a sentença (e-STJ fls. 688-708).

A remoção de servidões está disciplinada no art. 1.384 do CC/2002, que amplia o conteúdo do art. 703 do CC/1916, por estender também ao dono do prédio dominante a prerrogativa de remover de local a servidão, se arcar com o custo e se não resultar prejuízo ao titular do domínio do prédio, in verbis:

Art. 1.384. A servidão pode ser removida, de um local para outro, pelo dono do prédio serviente e à sua custa, se em nada diminuir as vantagens do prédio dominante, ou pelo dono deste e à sua custa, se houver considerável incremento da utilidade e não prejudicar o prédio serviente. Dessa forma, para que o dono do prédio serviente remova a servidão, como na hipótese dos autos, a remoção deve ser feita a suas custas e não deve diminuir as vantagens ao prédio dominante, conforme esclarece a doutrina:

Para o uso da faculdade pelo dono do prédio serviente, basta demonstrar a vantagem na mudança, vantagem que consistirá na redução do ônus ao seu prédio, tornando-o mais produtivo e com menores embaraços ao aproveitamento. Não se reclama, como acontece em algumas obrigações, a prova de determinada causa, para se autorizar a mudança, o que se verificaria exemplificativamente quando a servidão viesse a impedir a realização de obras de melhoramento. Suficiente esclarecer, por meio de elementos concretos, a diminuição de ônus acarretáveis pelo encargo. Assim, todas as hipóteses ensejam a pretensão, desde que resultem na diminuição de obrigação, conforme o princípio de que se deve procurar agravar o menos possível o fundo serviente.

(Arnaldo Rizzardo. Servidões. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 2014, p. 117)

A análise feita pelo Tribunal de origem demonstra que todos os requisitos para a ocorrência de uma remoção de servidão foram devidamente preenchidos, como demonstra este longo trecho do acórdão recorrido:

De pronto, saliente-se que a via alternativa foi feita às expensas do réu e do seu esforço, porquanto: (a) não há nada – nem mesmo alegação – de que tal ônus tenha sido suportado pelos autores; (b) os próprios autores desde a exordial noticiaram que ele havia feito isso (fl. 2); e (c) durante o trâmite processual, restou evidente o esforço do acionado em complementar – mesmo que em parte com doação de terras por terceiro – o novo trajeto de forma a permitir a entrada direta às terras de todos os autores, o que restou formalizado junto à municipalidade (fls. 251/403).

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Outrossim, embora alegada pelos autores que a alteração no trajeto dificultou o acesso por ser mais longo e com mais obstáculos (aclives, curvas), assim como que gerou desvalorização nas terras, ao examinar detidamente a questão não se constata redução global das vantagens aos donos do prédio dominante.

Da segunda inspeção judicial, extrai-se:

(…) 2) que a via pública principal criada pelo Decreto 079/2007 encontra- se em bom estado de conservação, permitindo acesso por meio de veículo sem maiores dificuldades, com bom tráfego, possuindo largura a permitir trânsito de dois veículos, ressalvando-se a necessidade de manutenção periódica e drenagem lateral, via canaletas evitando-se fissuras na pista em decorrência do escoamento das chuvas; 3) que as duas vias instituídas para acesso ao terreno de Edson e Eunice Alves, assim como Vanda WIleman, possibilitam o ingresso destes em seu imóvel, contudo utilizando-se da parte dos fundos; 4) que o caminho antigo está em pior estado se comparado à via pública, sendo mais es- treito e mais inclinado, contudo permite que o acesso aos autores aconteça pela parte da frente dos seus respectivos imóveis, em que pese neles transite apenas um único veículo;

(…) (fl. 571).

Acrescente-se, outrossim, que quando da realização da inspeção, foi proposto acordo pelo qual o réu cederia, ainda, outra metragem de suas terras para possibilitar o acesso pela parte da frente dos terrenos dos autores (item 5), o que, curiosamente, não foi aceito por estes e não pode, portanto, ser agora sopesado contra o réu.

A partir das fotografias às fls. 88-89 e do vídeo à fl. 200, não há dúvidas de que, mesmo que possa ser um pouco mais longo – o que se vê na fotografia de satélite à fl. 92 -e com aclives um pouco mais pronunciados, é de superior qualidade e porte. E quanto às subidas é necessário registrar que se trata de região que, pelo que se colhe do autuado, é permeada por tal tipo de relevo, de forma que se conclui que aqueles que ali residem ou frequentam estão a isso acostumados.

Vê-se, assim, que o fato superveniente atende, sim, às exigências legais de remoção da servidão, sendo que eventuais pequenos incômodos por parte dos autores são mais do que justificados quando, de outro lado, tem-se que o réu – que se esmerou a todo tempo por viabilizar acesso alternativo – restaria com suas terras divididas ao meio, em evidente diminuição de sua utilização. (e-STJ fls. 956-957)

Ademais, a apreciação da questão da remoção da servidão impõe-se ao julgador, pois não há como corretamente decidir sobre a reintegração de posse, sem considerar a ocorrência deste novo fato, que a alteração da servidão de passagem em discussão.

Dessa forma, o direito à reintegração de posse deve ser harmonizado com os institutos à disposição da defesa nas ações possessórias, que possuem conhecida natureza dúplice. Sobre a natureza dúplice das ações possessórias, a doutrina afirma o seguinte:

Ação dúplice implica, nas ações possessórias – exatamente porque há, pelo menos dois que se pretendem titulares da posse sobre a mesma coisa – ser possível que a proteção seja para o autor, ou, então, que essa proteção venha a agasalhar a situação do réu. E, em virtude disto, cada um dos litigantes pode figurar como autor ou como réu, “ao mesmo tempo” diante da circunstância de terem iguais direitos no campo processual. Ademais, “se não fossem dúplice, o juiz, no caso em que a prova favorecesse o réu, apenas o absolveria, mas não lhe reconheceria a posse, nem condenaria o autor, o que daria lugar à constituição das violências entre os litigantes”.

Implica, a previsão desse caráter dúplice, em não ter cabimento reconvenção, dado que, tudo aquilo que poderia ser pleiteado em reconvenção, deverá ser pedido na contestação, desde que esses pedidos estejam abrigados pela regra do art. 922 do CPC.134 É necessário, para esse

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caráter dúplice ter significação prática, todavia, que o réu faça pedido de proteção possessória, o que é diferente, e, significa um plus em relação à solicitação da mera improcedência da ação possessória proposta. É lícito ao réu, igualmente, cumular pedido de proteção possessória, na contestação, com o pedido de perdas e danos. (Arruda Alvim. Op.cit., p. 45)

Desse modo, da mesma forma que a usucapião pode ser arguida como matéria de defesa em ação possessória, nada obsta que a remoção da servidão, com o devido preenchimento dos requisitos legais, também seja apreciada pelo julgador.

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO, com fundamento no art. 255, § 4º, II, do RISTJ.

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. COISAS. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SERVIDÃO DE PASSAGEM. NÃO TITULADA. APARENTE. PROTEÇÃO POSSESSÓRIA. FATO SUPERVENIENTE. REMOÇÃO DE SERVIDÃO. REQUISITOS LEGAIS. PREENCHIDOS. APRECIAÇÃO. POSSIBILIDADE.

1. Ação ajuizada em 17/05/2007. Recurso especial interposto em 28/01/2016 e atribuído a este gabinete em 18/10/2016.

2. O propósito recursal consiste em reconhecer ou não o direito dos Recorrentes relativos à posse sobre uma servidão de passagem instituída de forma aparente sobre imóvel do recorrido. Em especial, deve-se determinar se há possibilidade de, no bojo de ação possessória, discutir a remoção ou extinção de servidão de passagem não titulada, mesmo que apresentada como fato superveniente.

3. Conforme o teor da Súmula 415/STF: “Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória”.

4. À luz do disposto no art. 462 do CPC/73, é dever do julgador tomar em consideração fatos supervenientes que influam no julgamento da lide, constituindo, modificando ou extinguindo o direito alegado, sob pena de a prestação jurisdicional se tornar desprovida de eficácia ou inapta à justa composição da lide

5. Da mesma forma que a usucapião pode ser arguida como matéria de defesa em ação possessória, nada obsta que a remoção da servidão, com o devido preenchimento dos requisitos legais, também seja apreciada pelo julgador.

6. Recurso especial não provido. ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 14 de maio de 2019(Data do Julgamento) MINISTRA NANCY ANDRIGHI

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Breves Considerações sobre as Servidões Prediais no

Código Civil de 2002

Leonardo Estevam de Assis Zanini

Livre-Docente e Doutor em Direito Civil pela USP; Pós-Doutor em Direito Civil e em Direito Penal pelo Max-Planck-Institut für Ausländisches und Internationales Privatrecht (Alemanha); Doutorando em Direito Civil pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg (Alemanha); Mestre em Direito Civil pela PUC-SP; Bacharel em Direito pela USP; Juiz Federal; Professor Universitário; Pesquisador dos Grupos "Novos Direitos" - CNPq/UFSCar e "Direito e Desenvolvimento Público" da Universidade de Araraquara (UNIARA); Autor de livros e artigos publicados nas áreas de Direito Civil, Direitos Intelectuais, Direito do Consumidor e Direito Ambiental; Ex-Bolsista da Max-Planck-Gesellschaft e da CAPES.

Celso Maran de Oliveira

Pesquisador Jurídico Ambiental e Urbanístico; Professor do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Carlos (DCAm/UFSCar); Doutor em Ciências da Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP); Mestre em Direito da Integração pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Especialista em Proteção de Menores pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Orientador dos Cursos de Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciências

Ambientais da Universidade Federal de São Carlos (PPGCAm/ UFSCar); Pesquisador Líder do Grupo de Pesquisa "Novos Direitos", cadastrado no CNPq e certificado pela UFSCar; Bolsista de Produtividade em Pesquisa (PQ-2 - CNPq/CA - Ciências Ambientais).

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RESUMO: O presente artigo realiza um breve estudo sobre o regime jurídico das servidões prediais no CC/02. Trata-se de pesquisa que utiliza metodologia descritiva, baseada fundamentalmente na investigação bibliográfica. Os temas mais relevantes da matéria são analisados, como a definição das servidões, a sua natureza jurídica, classificação, características, utilização e extinção. O estudo deixa claro ao leitor que o CC/02 reforçou a ideia de cooperação existente na servidão, particularmente pelas previsões relativas à ampliação compulsória e à remoção da servidão. Assim, a atribuição da utilidade de um imóvel em favor de outro, buscando o melhor aproveitamento de ambos, atende a razões de ordem sociológica, cujas origens se encontram na CF, que define a exigência do atendimento da função social da propriedade.

PALAVRAS-CHAVE: Servidões Prediais. Servidões Pessoais. Direito de Propriedade. Função Social da Propriedade. Direito Privado.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Conceito. 2 Natureza Jurídica. 3 Condições de Existência. 4 Características. 5 Classificação das Servidões. 6 Modos de Constituição. 7 Exercício das Servidões. 8 Obras Necessárias à Conservação e ao Uso das Servidões. 9 Ampliação Compulsória da Extensão da Servidão. 10 Remoção da Servidão. 11 Extinção da Servidão. 12 Ações Relativas à Servidão.

Introdução

A ideia de servidão é bastante antiga e já era admitida pelo direito romano, que a reconheceu no interesse da agricultura, provavelmente após a divisão das terras entre os membros das gentes 1. Na atualidade, a servidão não deixou de ter grande importância, apresentando ampla variedade de emprego, o que está associado à elevada complexidade imobiliária 2.

A servidão decorre do fato de que nem sempre um prédio apresenta todas as condições exigidas por seu proprietário. Muitas vezes a utilização permanente de vantagens de prédio alheio pode ser necessária ou útil, o que faz com que determinados prédios, que sofrem restrições, completem as necessidades de utilização do chamado prédio dominante 3. O prédio que suporta a servidão é chamado serviente, enquanto aquele prédio em favor do qual ela é constituída é denominado dominante.

Trata-se então de um ônus imposto não a uma pessoa, mas sim a um prédio. O fundamento da servidão é tornar o prédio dominante mais útil, mais agradável ou mais condizente com sua destinação natural, o que normalmente vai trazer alguma desvantagem para o prédio serviente 4. Não há que se falar na existência de um vínculo pessoal, que desapareceria com a transferência da propriedade do prédio dominante 5.

1 Conceito

A servidão predial, ou simplesmente servidão, é definida como o direito real sobre coisa imóvel, "constituído em favor de um prédio (o dominante), sobre outro prédio pertencente a dono diverso (o serviente)" 6. Conforme esclarece o art. 1.378, a mencionada definição pode ser complementada pela ideia de que a servidão proporciona utilidade para o prédio dominante e grava o prédio serviente. Constitui-se, como regra, mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no cartório de registro de imóveis do local do prédio onerado 7.

Em se tratando de um direito real, a servidão adere à coisa e a acompanha em todas as transferências, pelo que está indissoluvelmente ligada ao direito de propriedade do prédio dominante em desfavor do proprietário do prédio serviente.

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A independência da servidão em relação à pessoa dos proprietários dos prédios já era expressa por Ulpiano, que asseverava: servitutem non hominem debere, sed rem 8. A despeito disso, a servidão só existe quando os titulares dos prédios serviente e dominante são pessoas diversas 9. Outro ponto importante em relação à servidão é que, para sua existência, não é imprescindível a contiguidade entre os prédios dominante e serviente. Entretanto, normalmente os prédios são próximos 10, uma vez que a proximidade facilita o aproveitamento em favor do prédio dominante, mas a distância não é uma conditio sine qua non. Realmente, ainda que os prédios não sejam contínuos, é possível a existência de servidão que beneficie o prédio dominante, o que pode ocorrer, por exemplo, na servidão de aqueduto, em que o proprietário de um prédio tem o direito real de passar água por muitos outros, dos quais só um deles lhe é contíguo 11.

2 Natureza Jurídica

A servidão tem natureza jurídica de direito real sobre coisa alheia de gozo ou fruição. É um direito exercido sobre uma coisa imóvel pertencente a outrem, uma vez que não se admite servidão sobre coisa própria. Nisso a servidão se distingue da propriedade, que é um direito real sobre coisa própria. É real pelo fato de estabelecer um poder jurídico direto e imediato sobre a coisa, poder este que não depende da intermediação do proprietário do prédio serviente 12.

Tratando-se de um direito real limitado, ao seu titular são garantidas as prerrogativas daí decorrentes, contando com oponibilidade erga omnes. Ademais, seu titular tem ainda a seu favor o ius persequendi, bem como dispõe de ação real.

Na doutrina estrangeira é comum a utilização da expressão "servidão legal" para definir os direitos de vizinhança 13. Ocorre que essa terminologia não é adequada e ainda é evitada pelos estudiosos brasileiros, não obstante ser utilizada por alguns julgados (REsp 935.474/RJ). É que os direitos de vizinhança não se confundem com as servidões 14, possuindo, como já foi anteriormente esclarecido, natureza jurídica diversa (REsp 207.738/SP).

Ademais, a servidão não se confunde com o usufruto, também chamada pelos romanos de servidão pessoal. É que o usufruto consiste na cessão de uso e gozo de um imóvel em favor de determinada pessoa, enquanto na servidão o benefício é estabelecido em favor do proprietário de outro prédio 15.

3 Condições de Existência

O conceito de servidão apresenta determinados elementos que necessariamente o integram 16. Assim sendo, é imprescindível a existência de prédios que pertençam a proprietários diferentes, bem como uma relação de serviço ou utilidade entre os prédios 17.

a) Os prédios devem pertencer a donos diferentes

A servidão é um direito real constituído unicamente sobre imóveis alheios, não podendo gravar bens móveis 18. É uma restrição imposta a um prédio em favor de outro, no entanto, deve ficar claro que a relação jurídica não se forma entre os imóveis, mas sim entre os seus proprietários. Desse modo, a servidão não pode recair sobre prédio do próprio titular (REsp 117.308/MG), o que seria inútil (servitus fundo utilis esse debet) 19. Por uma questão de lógica, é necessário que os donos dos prédios dominante e serviente sejam diferentes 20, visto que ninguém pode ter servidão sobre seu próprio prédio (nulli res sua servit) 21.

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b) A servidão onera um prédio em favor de outro prédio

Existe um ônus que sempre acompanha o prédio serviente e se estabelece em favor do prédio dominante. A servidão não é estabelecida em favor de uma pessoa, mas sim em benefício de um prédio. Todavia, é certo que não se trata de uma relação jurídica estabelecida entre dois prédios, como muitas vezes imprecisamente é sugerido pela doutrina, uma vez que os prédios logicamente não entabulam relações jurídicas 22.

Em realidade, a servidão vincula os donos dos prédios dominante e serviente, não importando quem sejam eles. Essa vinculação não foge ao que é comum aos direitos reais. Assim, a partir do momento em que a servidão é criada, ela se transmite a quem quer que seja o proprietário do prédio dominante ou do prédio serviente 23.

A servidão se une aos prédios, acompanhando-os em caso de alienação (ambulat cum domino). Trata-se de um direito real que cria obrigações ambulatórias (propter rem), que vinculam o dono do prédio serviente, seja ele quem for 24. Considerando a inseparabilidade e o caráter acessório da servidão, é evidente que ela não é suscetível de hipoteca isoladamente, pois não pode ser executada em separado 25.

c) Deve existir um ônus ou encargo

A servidão não impõe obrigação de fazer ao proprietário do prédio serviente (servitus in faciendo non consistit) 26. O proprietário do prédio serviente deve apenas se abster (non facere), como no caso da servidão de não construir, ou ele deve sofrer ou tolerar (pati), não se opondo a que o proprietário do prédio dominante possa desfrutar de vantagem sobre o seu imóvel, o que sucede na servidão de passagem 27.Realmente, o proprietário do prédio serviente deve suportar as limitações que constituem o próprio conteúdo da servidão, pois, através desta, perde ele alguns dos seus direitos dominicais. O dono do prédio serviente fica obrigado a tolerar que dele se utilize, para certo fim, o dono do prédio dominante 28.

4 Características a) Indivisibilidade

As servidões prediais são indivisíveis, constituindo um todo único. Isso significa que elas subsistem no caso de divisão dos imóveis, em benefício de cada uma das porções do prédio dominante, e continuam a gravar cada uma das porções do prédio serviente, salvo se, por natureza, ou destino, só se aplicarem a certa parte de um ou de outro (art. 1.386).

A indivisibilidade da servidão significa que a eventual divisão do prédio não vai afetá-la, o que já era reconhecido pelos romanos (servitutes dividi non possunt) 29. Ainda que o imóvel sobre o qual incida venha a ser fracionado, a servidão não comporta divisão, pois ela é una por expressa determinação legal 30.

Com isso, se o prédio serviente for dividido, o ônus vai ser mantido em seu conjunto, tanto ativa como passivamente. É dizer: na hipótese de divisão do prédio dominante, tem-se que a utilidade subsistirá em favor de cada unidade 31. A servidão deve ser mantida ainda que o proprietário do imóvel dominante se torne condômino do serviente e vice-versa. Em caso de defesa da servidão por um dos consortes do prédio dominante, a ação aproveita a todos 32.

Por conseguinte, a servidão se exerce ou se perde por inteiro, vigorando a favor ou a cargo de todos, na hipótese de divisão dos prédios dominante ou serviente 33. Todavia, excepcionalmente a servidão poderá ser extinta em face de alguns dos quinhões, se por sua natureza, ou por seu destino, não puder a eles aproveitar 34.

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b) Perpetuidade

A servidão é perpétua, o que deve ser entendido no sentido de que sua duração é indefinida, que se constitui sempre por tempo indeterminado e nunca por prazo certo. Não há que se falar em resgate da servidão sem a anuência do proprietário do prédio dominante. Ela continuará onerando os sucessivos proprietários do prédio serviente. Assim sendo, sua tendência é durar indefinidamente, a menos que ocorra uma causa de extinção daquelas compreendidas na lei 35.

c) Acessoriedade

A servidão é um direito acessório indissociável do prédio dominante 36. Por se tratar de um acessório inseparável, não pode ser concebida independentemente da existência do prédio dominante ao qual está ligada 37. Ela é transmitida diretamente com o prédio dominante. Assim sendo, o desdobramento da propriedade se dá em favor e contra os prédios 38, dependendo, logicamente, da existência desses prédios.

d) Inalienabilidade

A servidão é estabelecida em favor de um prédio em detrimento de outro, aumentando as utilidades do primeiro e diminuindo as do segundo. Em função do condicionamento da servidão a uma necessidade do prédio dominante, não se pode conceber a sua transferência a outro prédio 39.

A servidão é então inalienável, o que significa que esse direito não pode associar outra pessoa ao seu exercício e nem sobre ele pode ser constituído novo direito real. Não se pode de uma servidão constituir outra, ou seja, uma "servidão sobre servidão" (servitus servitutis esse non potest). Também não há direito à ampliação da servidão a outros prédios 40. Por ser inalienável, não se admite a transferência da servidão separadamente do prédio, defluindo disso que também não é possível conceder separadamente a servidão em hipoteca 41.

Todavia, a despeito de ser insuscetível de alienação, é certo que a servidão se transmite por sucessão causa mortis ou inter vivos, visto que acompanha o prédio nas suas alterações subjetivas.

5 Classificação das Servidões

A doutrina aponta a existência de vários critérios de classificação das servidões. Inicialmente, é importante destacar que é tradicional a bipartição das servidões em prediais e pessoais, critério que remonta ao direito romano 42. Ocorre que tal concepção não faz o menor sentido, pois atualmente as servidões são somente prediais. As chamadas servidões pessoais (usufruto, uso e habitação) constituem hodiernamente direitos reais sobre coisa alheia 43.

Dentre os critérios de classificação, considerando o seu modo de exercício, as servidões podem ser contínuas ou descontínuas, bem como aparentes ou não aparentes. Essas duas classificações têm grande importância prática e teórica, visto que guardam relação com as normas atinentes à constituição e extinção das servidões 44, permitindo-se, ainda, a sua combinação. Menor importância tem a distinção entre as servidões positivas e negativas. Como reminiscência histórica, ainda há a diferenciação entre servidões rústicas e urbanas 45.

Referências

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