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Carla Regina Mota Alonso Diéguez (FESPSP) e Luciana Silveira (FESPSP) 1

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Academic year: 2021

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16º Encontro Nacional da ABET

3 a 6 de setembro de 2019, UFBA, Salvador (BA)

GT 10: Cultura, identidade e experiência social em meio às (re)configurações do mundo do trabalho

Experiências de informalidade entre os jovens e suas visões (sem) futuro: análise de trajetórias laborais de jovens do estado de São Paulo

(versão preliminar)

Carla Regina Mota Alonso Diéguez (FESPSP) e Luciana Silveira (FESPSP)1

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Carla Regina Mota Alonso Diéguez é docente e pesquisadora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. E-mail: carladieguez@gmail.com

Luciana Silveira é pesquisadora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas. E-mail: luciana.silveira@ufrgs.br

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2 Resumo: Nos últimos anos, os dados sobre os jovens no mercado de trabalho têm mostrado a presença significativa desta parcela da população entre os trabalhadores informais. Os jovens são considerados população vulnerável, visto não terem a escolaridade necessária para ingresso em profissões mais qualificadas, assim como a experiência exigida para determinados cargos. Quando conseguem se inserir no mercado de trabalho, estão entre os primeiros a serem demitidos em caso de crise econômica. Desta forma, acabando engrossando as estatísticas da informalidade. Conforme mostra Cardoso (2013), as experiências de informalidade marcam fortemente a trajetória laboral dos trabalhadores brasileiros, uma tendência verificada tanto em períodos de forte crise econômica (como os anos de 1980), em períodos de recessão (caso da segunda metade dos anos 1990) ou em períodos de recuperação econômica (primeiro decênio do século XXI). Sempre segundo Cardoso, a informalidade tem sido a regra do mercado de trabalho brasileiro, sendo a ocupação formal a exceção: a taxa de formalização da PEA atingiu seu teto (60% nos anos de 1970) e nos períodos de referência supracitados apresentou variação entre 42% e 50% (CARDOSO, 2013, p.75).

Como agravante, jovens que apresentam trajetórias precocemente difíceis (trabalho infantil e evasão escolar sendo as duas mais problemáticas) tendem a se inserir desde logo na informalidade; quando isso ocorre, as chances de suas trajetórias futuras serem diferentes da experiência inicial é bem baixa. Isso marca, de certa forma, a visão que esses jovens constroem para o futuro.

O presente artigo apresenta os resultados de pesquisa qualitativa conduzida com jovens alunos concluintes de cursos de qualificação profissional gratuitos, realizados no estado de São Paulo, com idades entre 16 e 29 anos. Uma parte desses jovens é egressa de cursos de qualificação profissional voltados para economia criativa e outra parte, menor, egressa de cursos voltados para ocupações da economia tradicional. Nessa pesquisa de caráter qualitativo foi possível perceber que boa parte desses jovens vivem experiências de informalidade e não conseguem projetar para o seu futuro experiências diversas que incluam tanto a formalidade como a estruturação de um negócio formalizado. A viração costuma ser a base das projeções de futuro, assim como as estratégias tradicionais para composição de renda.

Ou seja, não se projeta concretamente para o próprio futuro, nada diferente do que se vive no tempo presente: informalidade em trabalhos eventuais ou temporários. Quando perguntados a respeito da expectativa do negócio próprio, o imaginário expresso pelos entrevistados versava sobre uma condição que eles mesmos admitiam como inalcançável: ter o próprio negócio significaria ter um espaço físico apropriado, apartado do ambiente doméstico, com funcionários para obedecer a suas ordens. Nem

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3 os passos para a formalização do empreendimento, nem estratégias de negócios, faziam parte do vocabulário ou do imaginário daqueles que, assumidamente, desejavam ser seus próprios patrões, por vezes expressando sua rejeição aos empregos formais.

“É para tornar os homens aptos ao novo tipo de vida que o liberalismo pretende consagrar parte considerável do orçamento público à educação”, escreveu Walter Lippmann em 1937 (apud DARDOT, LAVAL, 2016, p. 92) – mas, a julgar pelo modo como os jovens entrevistados expressaram-se a respeito da perspectiva empreendedora, essa forma de educação não tem contribuído para tornar as pessoas aptas a esse (agora velho) tipo de vida. Vale lembrar que esses jovens são egressos de cursos de qualificação profissional e mesmo frequentando cursos nos quais a discussão do empreendedorismo está presente, os jovens entrevistados não projetam uma visão de futuro diferente da trajetória pregressa.

Em um mercado de trabalho no qual a informalidade cresce, em função inclusive das mudanças na legislação trabalhista, e novos tipos de trabalho emergem, essas experiências tornam-se cada vez mais comuns e as possibilidades de uma visão de futuro, cada vez mais difíceis.

Diante disso, o presente trabalho visa apresentar os resultados da pesquisa realizada com esses jovens, observando como as experiências de informalidade por eles vividas lhes constroem uma visão sem futuro ou com um futuro onde o passado se renova cotidianamente.

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4 Introdução

Nos últimos anos, os dados sobre os jovens no mercado de trabalho têm apontado presença significativa desta parcela da população entre os trabalhadores informais (OIT, IPEA, 2015). Considerados população vulnerável, visto não terem a escolaridade necessária para ingresso em profissões mais qualificadas, assim como a experiência exigida para determinados cargos, os jovens quando conseguem se inserir no mercado de trabalho, estão entre os primeiros a serem demitidos em caso de crise econômica, o que acaba por engrossar as estatísticas da informalidade.

As experiências de informalidade marcam fortemente a trajetória laboral dos trabalhadores brasileiros, uma tendência verificada tanto em períodos de forte crise econômica (como na década de 1980), em períodos de recessão (caso da segunda metade dos anos 1990) ou em períodos de recuperação econômica (primeiro decênio do século XXI) (CARDOSO, 2013a; CARDOSO, 2013b). Desta forma, a informalidade tem sido a regra do mercado de trabalho brasileiro, sendo a ocupação formal a exceção: a taxa de formalização da PEA atingiu seu teto (60% nos anos de 1970) e nos períodos de referência supracitados apresentou variação entre 42% e 50% (CARDOSO, 2013a, p.75).

Como agravante, jovens que apresentam trajetórias precocemente difíceis (trabalho infantil e evasão escolar sendo as duas mais problemáticas) tendem a se inserir desde logo em atividades informais, o que pode acarretar em poucas chances de suas trajetórias futuras serem diferentes da experiência inicial. Isso marca, de certa forma, a visão que esses jovens constroem para o futuro.

Considerando essas premissas, as mudanças nas relações de trabalho e o crescente desemprego entre os jovens no Brasil, foi realizada pesquisa de caráter qualitativo com jovens alunos concluintes de cursos de qualificação profissional gratuitos, realizados no estado de São Paulo, na faixa etária entre 16 e 29 anos. Uma parte desses jovens é egressa de cursos de qualificação profissional voltados para economia criativa e outra parte, menor, egressa de cursos voltados para ocupações da economia tradicional. Conjecturava-se que, por conta da busca de cursos que possibilitam tanto a inserção no emprego formal quanto a abertura de um negócio formalizado, as visões dos jovens entrevistados sobre o futuro vislumbrassem situações diferentes das vividas por eles. Todavia, a pesquisa permitiu perceber que boa parte desses jovens, por viverem experiências de informalidade e desemprego, não consegue projetar para o seu futuro experiências diferentes daquelas por eles vividas. A viração costuma ser a base das projeções de futuro, assim como as estratégias tradicionais para composição de renda.

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5 Ou seja: não se projeta concretamente para o próprio futuro, nada diferente do que se vive no tempo presente: informalidade em trabalhos eventuais ou temporários. Segundo Walter Lippman (1937, apud DARDOT, LAVAL, 2016, p. 92) “é para tornar os homens aptos ao novo tipo de vida que o liberalismo pretende consagrar parte considerável do orçamento público à educação”, mas, a julgar pelo modo como os jovens entrevistados expressaram-se a respeito da perspectiva empreendedora, essa forma de educação não tem contribuído para tornar as pessoas aptas a esse (agora velho) tipo de vida. Vale lembrar que esses jovens são egressos de cursos de qualificação profissional e mesmo frequentando cursos nos quais a discussão do empreendedorismo está presente, eles não projetam uma visão de futuro diferente da trajetória pregressa.

Em um mercado de trabalho em que crescem diferentes contratos de trabalho e novos tipos de trabalho emergem, essas experiências tornam-se cada vez mais comuns e as possibilidades de uma visão de futuro no qual o padrão tradicional da formalidade – seja do emprego ou do negócio – esteja presente torna-se cada vez mais raro.

Diante disso, o presente trabalho visa apresentar os resultados da pesquisa realizada com esses jovens, observando como as experiências de informalidade por eles vividas lhes constroem uma visão sem futuro ou com um futuro onde o passado se renova cotidianamente.

Para tal, o artigo está dividido em três partes. A primeira discute a informalidade como variável estruturante do mercado de trabalho brasileiro. A segunda parte mostra como a informalidade torna-se “gene” da juventude, tanto pelo legado das gerações passadas como pela desestruturação atual do mercado de trabalho brasileiro e das novas experiências de trabalho, nas quais a informalidade é regra. A terceira parte dedica-se a análise das visões de / sem futuro dos jovens entrevistados pela pesquisa, consolidando a perspectiva da informalidade como estruturante da construção das experiências concretas e subjetivas dos jovens em relação ao trabalho.

Informalidade: variável estruturante do mercado de trabalho

A noção de informalidade é polissêmica. Diversos estudos (NORONHA, 2003; DRUCK, FILGUEIRAS, AMARAL, 2004; ULLYSEA, 2005) mostram as nuances de um termo que pode tanto falar de atividades não capitalistas como representar a ausência de contratos de trabalho regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. A confusão,

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6 como aponta Noronha (2003), entre informal, ilegal e injusto torna essa noção ainda mais complexa e análises enviesadas podem ser correntes.

Ao analisar historicamente o mercado de trabalho no Brasil, é possível observar que a noção de informalidade surge apenas com a constituição de um arcabouço legal que regula relações e contratos de trabalhos e estabelece um conjunto de direitos originados do trabalho, que constituem um estado de bem-estar social para o trabalhador (NORONHA, 2003). A Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, foi o passo inicial para o estabelecimento da distinção formal / informal e estabeleceu como padrão de formalidade o conjunto de relações e contratos estabelecidos ou previstos em lei, podendo-se dizer que “o entendimento popular de ‘trabalho formal’ ou ‘informal’ deriva da ordem jurídica.” (NORONHA, 2003, p. 112).

Dentro dessa premissa, pode-se considerar formal todo trabalhador que possua um emprego assalariado com carteira assinada ou na administração pública, assim como, em termos da previsão em lei, os trabalhadores autônomos e os empregadores. Trabalhadores com emprego assalariado sem carteira assinada, trabalhadores por conta própria, pequenos empreendedores sem regularização dos negócios e trabalho para consumo próprio não tinham suas relações e contratos de trabalho previstos pela lei ou não regularizados e por tal podiam ser considerados informais.

A presença desses trabalhadores considerados informais na estrutura do mercado de trabalho brasileiro tem apresentado recorrência. Cardoso (2013a) mostra que de 1981 a 2009, 52 a 55% da População Economicamente Ativa (PEA) brasileira esteve em empregos ou formas de trabalho consideradas informais ou por conta própria. Entre os jovens, esse número esteve entre 30%. Com base nesse extenso período, Cardoso analisou a taxa de formalidade de homens e mulheres por faixa etária, concluindo que o emprego informal não é um rito de passagem para a estabilidade do formal; antes, é um estado intermitente: ao longo da vida, os sujeitos intercalam empregos formais, informais e trabalho por conta própria, obedecendo a uma estratégia de sobrevivência ditada pelas condições macroeconômicas do país (2013a, p.111-113)

A presença constante de trabalhadores na condição de informalidade pode nos levar a considera-la como variável estruturante do mercado de trabalho brasileiro. Em nosso entendimento, não é possível conceber o mercado de trabalho sem pensar em sua estruturação como formal e informal, com empregos cobertos ou não pelo arcabouço legal, assim como a existência de negócios regularizados ou não (FILGUEIRAS, DRUCK, AMARAL, 2004). Conforme apontado por Cardoso (2013a, 2014), o emprego assalariado com carteira assinada foi (e ainda continua ser) uma

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7 utopia, assim como a condição de empregador ou de dono de um negócio próprio formalizado não é duradoura2 (SEBRAE, 2016).

Esses dados ganham robustez com as mudanças ocorridas desde a década de 1990 nas relações de trabalho no Brasil, assim como colocam limites a noção de informalidade estabelecida. O crescimento da flexibilização em setores com uso intensivo de tecnologia e trabalho qualificado estabeleceu o fenômeno da pejotização, com os contratos de trabalho de empresas de “uma pessoa só”; a privatização das empresas do setor público e o desemprego crescente dos quadros médios estimulou o aumento do trabalho por conta própria e dos empresários de si mesmo (ABÍLIO, 2017); a criação do Micro Empreendedor Individual transformou atividades não capitalistas da economia de subsistência ou sem lucro em atividades voltadas ao empreendimento.

Todas essas mudanças foram acompanhadas pela transformação nas ocupações tradicionais e pelo surgimento de novas ocupações, relacionadas com a economia criativa e que “demandam ambientes e contratos flexíveis” que permitam ao trabalhador desenvolver sua criatividade sem as amarras que a formalidade e os contratos CLT impõem (CASTRO, 2015).

Tais contratos considerados atípicos tem se tornado cada vez mais típicos e, por tal, fortaleceram as principais justificativas para a reforma das leis trabalhistas brasileiras, a saber, a necessidade de quebrar com algumas amarras produzidas pela legislação trabalhista para ampliar a ofertas de empregos formais e a adaptação da lei a novas formas de trabalho, mais flexíveis e que exigem um arcabouço legal que comporte suas especificidades.

A noção de informalidade tornou-se ainda mais complexa com esse cenário. Em parte, os contratos atípicos – nomenclatura mais condizente com os contratos de trabalho existentes – passaram a constar do novo arcabouço legal, como o trabalho intermitente e em tempo parcial; todavia, há ainda parcela significativa da população brasileira que se mantém em trabalhos nos quais os contratos previstos não abarcam ou que estão na economia subterrânea (FILGUEIRAS, DRUCK, AMARAL, 2004), com atividades consideradas ilegais ou negócios não legalizados, nos quais a precariedade do trabalho está fortemente presente.

É neste sentido que utilizamos a noção de informalidade nesse trabalho: como uma relação de trabalho tanto descoberta pela legislação trabalhista, na qual o trabalhador não tem acesso a proteção social advinda do trabalho, como fora da

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Conforme a pesquisa Sobrevivência das Empresas no Brasil do SEBRAE, o tempo médio de sobrevivência de uma pequena ou média empresa é de 2 anos. Em 2012, 23,4% das empresas com dois anos encerram seus negócios, sendo a menor taxa encontrada desde a série iniciada em 2008, ano em 45,8% das empresas com até dois anos fecharam suas portas.

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8 legalidade do próprio negócio, sendo caracterizada fortemente pela precariedade da atividade ou de sua execução.

Essa noção está fortemente presente entre os trabalhadores mais pobres, nos quais a informalidade é variável estruturante do mercado de trabalho e, sobretudo das suas experiências laborais e de vida. Tais experiências acabam transmitidas nas relações familiares e tendem a marcar também as experiências laborais dos mais jovens.

Neste sentido, o que se observa nesse trabalho é, como veremos adiante, a marca da “informalidade pobre” (NORONHA, 2003) entre os jovens entrevistados, na qual se reproduzem as experiências em trabalhos precários, pouco qualificados e em atividades sem nenhuma regularização.

A informalidade como “gene” da juventude

Há alguns anos, a taxa de jovens3 que não estudam e não trabalham (os Nem-Nem) tem preocupado pesquisadores e analistas do mercado de trabalho, assim como agentes públicos e de organismos sociais que objetivam melhorar a condição de emprego e trabalho do jovem. Tal preocupação desviou, em parte, os olhares da condição de informalidade a qual está submetida parcela da juventude brasileira.

Cardoso (2013a, 2013b) mostra como a informalidade é variável estruturante do mercado de trabalho em todas as faixas etárias. Entre os jovens, além da informalidade, a condição de nem-nem também é estrutural no Brasil (CARDOSO, 2013b), sendo ordinária e não extraordinária, como visto nos países da Europa após a crise econômica de 2008 (ILO, 2017).

Para Cardoso, a prevalência da informalidade e da condição de nem-nem entre os jovens é dada em seu nascimento, visto que os caminhos possíveis a eles “[...] configuram um conjunto de probabilidade de destino em etapas sucessivas que apenas muito tardiamente são vividas pela pessoa como propriamente fruto de escolhas suas” (CARDOSO, 2013b, p. 299). Lembrando Pierre Bourdieu (2007), a esses jovens cabe um feixe de trajetórias no qual a escolha não é sua, mas acaba sendo direcionada pelas condições de vida dos sujeitos.

Cardoso (2013b) aponta, no entanto, que não há determinações e há possibilidade de mudanças na trajetória, conforme o acesso aos recursos. Todavia, o acesso aos recursos como educação e renda tem se tornado cada vez mais difícil no

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A referência de juventude utilizada nesse trabalho é aquela constante do Estatuto da Juventude, que define jovem como homens e mulheres na faixa etária de 15 a 29 anos. Tomou-se essa definição como referência, pelo fato de ela ser a balizadora das políticas públicas para o público jovem nas mais diversas áreas.

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9 Brasil, seja em vista do aumento do desemprego após 2016 ou das mudanças na configuração do emprego e do trabalho que estabelecem limites a educação formal e colocam em xeque a sua contribuição para o acesso ao mercado de trabalho.

Tudo isso pode comprometer tanto as chances do emprego juvenil, formal ou informal (CARDOSO, 2013b), como a construção de futuro laboral feita pelos jovens, que vislumbram a viração como o caminho para a autonomia de trabalho e financeira (ABÍLIO, 2017), marcando uma geração. A geração, aqui compreendida como uma “marca coletiva e comum a todos os seus membros” (CARDOSO, 2013b, p. 300) que permite possibilidades biográficas e identitárias, tende a ser marcada por experiências laborais de intermitência no mercado de trabalho – mesmo para jovens altamente escolarizados, que buscam constantemente novas experiências coadunadas com as inovações –, de desemprego e de informalidade.

A projeção de um futuro planejado e linear já não está presente no horizonte dos trabalhadores há algumas décadas (SENNETT, 1999). No entanto, parece acirrar-se na contemporaneidade, com o deacirrar-semprego, as mudanças nas ocupações e a busca do prazer (que não vem) no trabalho.

Tudo isso acaba por atribuir ao jovem quase um “gene”, algo que nasce com ele e cujas possibilidades de mudança são quase inexistentes. A informalidade para o jovem transcende a variável estruturante do mercado, sendo parte constitutiva das suas experiências laborais e de vida. A dissociação entre juventude e informalidade parece cada vez mais difícil de ser vislumbrada, em função de um mundo no qual o emprego formal tem se tornado exceção e em que novas formas de trabalho colocam a formalidade como impeditivo para sua realização, que só é plena em um mundo flexível. Esse cenário é aquele no qual se construíram as visões de / sem futuro dos entrevistados desta pesquisa.

Visões de / sem futuro entre jovens paulistas

A pesquisa de caráter qualitativo realizada durante o ano de 2018 entrevistou 81 pessoas com idades diversas, todas concluintes de cursos de qualificação profissional oferecidos gratuitamente no estado de São Paulo. Da amostra, 41 entrevistados realizaram cursos da chamada economia tradicional e 40 participaram de cursos da chamada economia criativa. A participação na pesquisa foi voluntária e facultativa, obedecendo como único critério de distribuição as cidades de origem dos entrevistados.

Em relação aos jovens, de modo geral, a participação em cursos de economia tradicional presentes na amostra da pesquisa foi menor (9 pessoas) do que entre

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10 aqueles que participaram de cursos da economia criativa (16 entrevistados), o que mostra uma tendência entre os mais jovens de busca de qualificação profissional adequada as ocupações contemporâneas e que tem ganhado destaque na mídia. Na faixa etária que caracteriza a juventude (16 a 29 anos), foram entrevistadas, no total, 25 pessoas dos cursos nas áreas de culinária, construção civil, imagem e beleza e serviços administrativos - relacionados a economia tradicional - e também de cursos voltados para a economia criativa nas áreas de áudio e vídeo, mídias sociais, design virtual, lazer e entretenimento. Tais cursos permitem tanto a auto expressão dos sujeitos como o desenvolvimento de formas de auto emprego e empreendimento.

As entrevistas foram realizadas por meio de roteiro não-estruturado, que entre os seus objetivos buscou aferir a trabalhabilidade4 dos sujeitos. Esse neologismo visa

a realçar o rápido desaparecimento dos empregos formais de qualidade, devolvendo aos sujeitos a responsabilidade por gerar seu próprio trabalho – seja por meio dos empregos informais ou dos trabalhos por conta própria, ambos instáveis e próprios da

viração como forma de geração de renda – característica marcante entre os

entrevistados desta pesquisa.

Entre os alunos dos cursos de economia tradicional, alguns já possuíam trajetória ocupacional tanto no mercado informal quanto no mercado formal de trabalho, dando preferência a este último; essa experiência com o mercado de trabalho não foi tão comum entre aqueles que optaram por cursos de economia criativa e é possível que essa diferença tenha influenciado na percepção quanto aos direitos trabalhistas.

Porque é uma garantia, né? Se você trabalha sem registro 'cê' não tem garantia de nada, hoje, né? A não ser que o patrão... ele me pagou tudo certinho, como se eu fosse registrada, mas mesmo assim, só que Seguro Desemprego, FGTS eu não peguei porque ele não me registrou, né? (Entrevistada 9)

A turma dos cursos tradicionais procurou se precaver mesmo quando em situação de informalidade, por meio do pagamento de contribuições previdenciárias autônomas e pedindo aos empregadores que pagassem alguns direitos como férias, décimo-terceiro salário e vale-transporte, o que denota conhecimentos, ainda que mínimos, dos direitos de trabalhadores formais. Como disse a Entrevistada 8: “É bom por causa dos benefícios do governo mais ‘pro’ futuro; eu vejo mais assim, mais velhinha, só por causa disso. Agora, no momento que eu posso trabalhar, que eu posso assim, eu acho que...”

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Não foi utilizado o conceito de empregabilidade, pois esse tem por significado a capacidade do sujeito em constituir competências e habilidades requeridas pelo mercado de trabalho para conseguir um emprego e manter-se empregado.

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11 Porque é uma garantia, né? Se você trabalha sem registro 'cê' não tem garantia de nada, hoje, né? A não ser que o patrão... ele me pagou tudo certinho, como se eu fosse registrada, mas mesmo assim, só que Seguro Desemprego, FGTS eu não peguei porque ele não me registrou, né? (...) Nesse caso, eu pago o `NPS` [INSS] por fora, né? A única coisa que eu pago por fora é o `NPS`, mas ele também, daí ele paga certinho como se eu fosse registrada aí o fundo de garantia, caso eu seja despedida, eu mando somar no advogado e ele me paga na hora. (Entrevistada 9)

Já os jovens da economia criativa não conheciam esses direitos e não os consideravam necessariamente importantes quando perguntados a respeito. Com esses cursos, buscavam incrementar seus currículos para assim aumentar suas chances de conseguir um emprego – qualquer que fosse – no setor tradicional. O Entrevistado 25, apesar de vir de um ramo criativo, estava procurando se inserir em um ramo tradicional – mas sem muito foco, uma característica geral dos jovens que foram entrevistados.

‘Tão’ correndo atrás, mas, às vezes é sem foco também, o cara tem... pra que é que um cara vai... meu tio mesmo pensa - por exemplo, o meu tio é formado em publicidade e propaganda - ele fala pra mim: “pô, pra que você tem todos esses ‘curso’?” - Tem pessoa que pensa: “tem todo esse curso e não tá trabalhando?” - Porque chega uma hora que se eu continuar... eu acho que você tem que ter diversos cursos pra você ter opções, só eu você acaba, umas: não sendo especialista em nada, pode ser; ou você pode ser especialista em várias áreas, mas você sendo especialista em várias áreas você é melhor do que até o, dependendo. (...) Três anos que eu não consigo emprego fixo. Esse que foi um dos motivos que eu fui o ano passado fazer o curso; que, no meu caso, sou um cara diferente de outras pessoas, como eu já tenho esse trabalho na música e eu não consegui engrenar ele totalmente, acho que é meio difícil você conhecer uma pessoa nesse... eu acabo sendo multiprofissões, né? - Eu tenho esse trabalho na música - e eu não consegui engrenar ainda que eu já tenho os cursos e tudo, praticamente sou formado como guitarrista e tudo -, só que eu não consegui engrenar esse trabalho, mas por necessidade eu fiz outros cursos; então a minha ideia era tentar trabalhar, sei lá, passar num concurso público... Que nem, pode ser pintor de obras mesmo! Pode ser de pintor de obras, trabalhar um tempo com isso, me estabilizar pra mim galgar uma outra oportunidade. Agora, tem pessoas que não; às vezes a pessoa quer ser um profissional daquele ramo lá. (Entrevistado 25)

Essa busca por qualquer emprego não impediu que os jovens entrevistados valorizassem mais ocupações que proporcionassem prazer ou com as quais tivessem mais afinidades, como é o caso do exemplo acima. Isso foi particularmente verdadeiro entre os que recebiam suporte financeiro da família (em alguns casos, famílias de pessoas com escolaridade superior), e esses entrevistados mesmos tinham, no mínimo, escolaridade média. A possibilidade de ter uma ocupação que consiga combinar identificação pessoal e geração de renda, no entanto, não apareceu como

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12 possibilidade real para a grande maioria dos entrevistados, que ainda valoriza a sobrevivência acima dos valores de auto expressão.

Outro objetivo da pesquisa foi compreender a percepção das pessoas a respeito do empreendedorismo como dois possíveis caminhos para a vida produtiva. Havia entre os jovens entrevistados quem já realizasse alguma atividade autônoma como bico. Cumpre notar que bico foi uma definição dada por eles próprios para descreverem suas atividades laborais, frequentemente associando a condição da

viração como uma questão de sobrevivência imediata, de estado transitório em busca

de emprego ou no caminho para abrir seu próprio negócio. O bico não figurou – em nenhuma faixa etária de entrevistados – como um trabalho por conta própria que poderia ser desempenhado em caráter permanente rumo a realização profissional, e nem mesmo como uma forma de empreender.

O bico, devido ao seu caráter informal, é visto como um duplo risco: o da escassez da demanda pelo trabalho por parte de quem contrata e o risco de não receber o devido pagamento. Essa percepção generalizada se traduz melhor nas falas de três entrevistados que expressam a dificuldade de se empreender informalmente: “Do financeiro eu sei que não é fácil por causa que como entra dinheiro, sai dinheiro, também já fiz um curso que tinha um pouquinho de gestão de salão, sei que todo final de semana tem produto pra pagar, essas coisas assim.” (Entrevistada 8)

Ah, eu gostaria de trabalhar para mim mesmo; ganhar razoavelmente legal só que tudo tem os riscos, né? Que a pessoa, às vezes, trabalha por conta - que nem eu tô agora tentando entrar no ramo da música - a pessoa, ela acaba... é, como é que eu posso dizer? - Você não tem 13º, você não tem férias, você não tem... Então, tudo tem que ser bem mapeado mesmo. (Entrevistado 25)

Porque o bico você ganha, vamos se disser, dependendo da época, ganha bem, só que é aquilo: ‘não é um salário fixo’, né? Entendeu? Você nunca sabe se você vai receber, tem muita gente que a gente vai fazer ‘trampo’ e não paga, aí você acaba se dando mal (...) Sim [favorável a formalização] por conta que daria pra fazer por contrato, né? Se você abre a sua própria empresa, você ‘olha, assina aqui e tals’; aí dá um jeitinho de fazer um contrato e tals, se a pessoa não pagar, aí dá vamos se dizer, correr atrás legalmente. (Entrevistado 27)

Alguns realizavam trabalhos por empreitada na construção civil e outros realizavam atividades de manutenção de veículos automotivos por conta própria; outros procuravam desenvolver suas habilidades como recreacionistas e grafiteiros, fosse como trabalho voluntário ou negociando trabalhos remunerados. Pela natureza distinta das ocupações, é possível inferir que suas percepções acerca de empreendedorismo também fossem diferentes entre si: afinal, apesar da manutenção

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13 de veículos e venda de autopeças ser um negócio em crescente demanda no estado de São Paulo mesmo durante os anos de crise, é também um ramo de negócios que requer espaço físico para atuação e certo investimento inicial. Esse espaço pode ser a garagem da própria casa, como era o caso de um dos entrevistados, ou a garagem de um “sócio”; em ambos os casos, isso foi visto como um degrau para a formalização do empreendimento, uma etapa necessária para consolidar uma clientela, gerar renda e consequentemente, ter um espaço próprio para esse fim.

A questão do espaço próprio sempre apareceu entre os entrevistados dessa faixa etária quando perguntados a respeito do significado de empreender. Ainda que trabalhassem em garagens, festas, empreitadas, gerenciando redes sociais – dentre outras ocupações elencadas – a sede própria do negócio era o que, nesse imaginário, caracterizava o passo seguinte, o sucesso do empreendimento.

É importante notar que os sujeitos tendem a valorizar aspectos tangíveis que evidenciem sucesso ante o grupo social. A sede própria pode ser compreendida nessa chave: tangível, simboliza e sinaliza às demais pessoas que o empreendimento é sério, tem permanência no tempo em razão de suas raízes no espaço público. Um dos jovens entrevistados trabalha como pintor com o pai, que também é pintor. Juntos, eles contratam informalmente outros pintores para empreitadas: pintar uma casa, pintar um prédio. Ao falar de seu trabalho, o jovem demonstrou gostar de negociar com clientes e reunir pessoas para trabalhar com ele; assim, para negociar com os clientes, seu argumento era o da experiência, tendo em vista que ele não tinha “um prédio” que os clientes pudessem conhecer. Na falta do prédio, após o curso ele começou a se valer também do certificado – um ativo tangível – como argumento para convencer os clientes de que ele não só sabia fazer, como era certificadamente apto para a tarefa.

Entre os jovens da economia criativa, a necessidade do prédio foi mais fortemente vinculada a sustentabilidade proporcionada pelos projetos pagos por clientes (contratos regulares e clientela estabelecida), mas entre todos esses jovens, a necessidade de empregar pessoas foi mencionada como característica fundamental de se ter o próprio negócio. À primeira vista, esse tipo de resposta pode parecer com o interesse de crescer economicamente e promover a geração de emprego e renda – isto é, que o empreendimento cumpra uma função social. Mas quando foi pedido que elaborassem melhor essa resposta – “por que você quer contratar pessoas?” as respostas oferecidas guardavam relação com mandar em outras pessoas, tal como a do Entrevistado 27 que explicitamente diz isso: “Por conta que você... é como eu falei: você é o patrão, vamos se dizê assim... é você que, vamos se dizê, ‘manda’, entendeu?” (Entrevistado 27).

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14 Tais percepções recuperam a noção de subordinação presente nas relações entre empregador e empregado e que, por muitas vezes, caracterizam as atividades capitalistas e a economia formal.

Em praticamente todos os casos – não só nessa faixa etária, algo que merece mais investigações por parte dos estudiosos desse campo – quando eram perguntados a respeito do desejo de ter seu negócio próprio, as pessoas respondiam afirmativamente, frequentemente expressando esse desejo no campo do sonho, isto é, de algo a ser alcançado, mas inatingível; sonho é tudo aquilo que se almeja atingir, mas que está inicialmente fora de alcance e demanda razoável esforço para se concretizar – ou que, a rigor, sequer deveria se concretizar, afinal, “sonhos, sonhos são”.

Porque daí é eu e minha mãe nesse ramo, minha mãe já é cozinheira, ela é cozinheira há 12 anos, aí eu quero fazer gastronomia pra gente montar o nosso negócio juntas. Porque é... é um... um sonho meu e da minha mãe já de anos, de a gente montar o nosso restaurante, ‘vamo’ ver, né? ah, não tem como explicar porque a gente trabalhou junto durante... ela ficou os 12 anos e eu trabalhei 1 ano e meio com ela, e é uma coisa que eu gosto, quero trabalhar por gostar de gastronomia, de mexer com comida; eu gosto muito, ela também, daí a gente falou assim: “ah, ‘vamo’ montar”, mas nada saiu do “ ‘vamo’ montar” ainda. (Entrevistada 9)

Essas idealizações podem indicar que quem lança mão delas cumpre uma expectativa social, qual seja, a de sinalizar ao interlocutor que a pessoa ainda tem aspirações e segue viva que, tem alternativas, conforme a fala da entrevistada acima.

Em 2018, 61% dos empreendimentos formais no Brasil foram abertos por livre iniciativa e não por pressão da sobrevivência, de acordo com a pesquisa Global

Entrepreneurship Monitor5. No entanto, no conjunto das entrevistas, não se

vislumbrava qualquer iniciativa nesse sentido: fosse guardar dinheiro, procurar sócios, informar-se a respeito de empreendimentos coletivos, prospectar oportunidades de mercado em seus bairros. Alguns poucos já tinham ouvido falar em plano de negócios, mas não sabiam explicar sua utilidade.

Essa atitude pouco prática diante do empreendedorismo se explica pela visão romântica do prédio e dos funcionários, mas também pelo conhecimento da burocracia envolvida em se abrir o negócio próprio. Um dos entrevistados, por exemplo, queria muito abrir uma lanchonete, mas desistiu em razão da burocracia da formalização. Isso o levou a tomar o caminho do “trabalho autônomo”, algo que o expôs a outra forma de exploração financeira – o marketing multinível:

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Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/02/26/proporcao-de-pessoas-que-abrem-negocio-proprio-por-necessidade-recua-em-2018-diz-pesquisa.ghtml. Acesso em 7 de agosto de 2019.

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15 Ah, eu queria ter uma lanchonete, mas é muita burocracia, é muita coisa que tem que fazer, aí eu deixei quieto. (...) Ah, tem que fazer um monte de papelada, abrir um monte de coisa; porque no momento eu trabalhava como `autônomo` - que fala; eu trabalhava com a Hinode. Tomei mais de 1500 contos de calote aí eu desanimei. Mas vendia bem. Mas não tenho paciência pra... um monte que 'cê vende aí, aí você vai cobrar a pessoa, a pessoa não tem; é complicado. (Entrevistado 6)

Mesmo afirmando que desejam algum dia ter seu próprio negócio, em outro momento da entrevista as afirmações iam de encontro a isso, como na fala dessa pessoa: “Não, ter o seu próprio negócio é bom também, mas... é muita... mas eu não me vejo trabalhando pra mim”. Em outros casos, trabalhadores por evento ou por empreitada manifestaram interesse em ter seu negócio próprio – concebendo seu trabalho por conta própria como uma fase de bicos – e se classificaram como

desempregados. Outro aspecto do empreender relacionado à tangibilidade da sede

própria e dos funcionários contratados foi, também, a regularidade dos rendimentos. Em todos os casos analisados, as visões dos jovens apontam para um futuro que não se planeja efetivamente e no qual a intermitência parece a regra. Apesar de vislumbrarem possibilidades de inserção no mercado formal de trabalho ou de elaboração de um negócio próprio, elas aparecem distantes seja pela necessidade de cumprir com requisitos que eles não possuem ou de um planejamento difícil para quem vive pensando em como comprar o pão de amanhã (POCHMANN, 2012).

Considerações finais

A informalidade é uma variável estruturante do mercado de trabalho brasileiro e entre os jovens, dadas as mudanças ocorridas no trabalho no Brasil e no mundo desde a década de 1990, a informalidade aparece como um gene, quase como condição nata.

Os entrevistados da pesquisa cujos resultados foram apresentados nesse trabalho não fogem a regra. De modo geral, o trabalho formal foi associado à estabilidade e aos direitos, em que pese os entrevistados não saberem explicar, necessariamente, todos os direitos associados ao emprego com carteira assinada, em parte pela ausência de tais experiências em sua vida laboral.

O negócio próprio apareceu como objetivo para alguns e como sonho de autonomia e de liberdade para quase todos que declararam preferi-lo ao trabalho formal; mas tê-lo apresenta-se com dificuldades, visto a associação do negócio próprio a uma estrutura física (ter uma sede), a empregar outras pessoas, a ser o patrão e

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16 estabelecer relações de subordinação, caracterizando-o como um negócio formal próprio das atividades capitalistas.

Em casos nos quais o entrevistado tinha algum empreendimento pequeno ou estava na condição de microempreendedor individual, isso não foi associado à independência financeira que o negócio próprio pode trazer. Ambos – trabalho formal e negócio próprio formalizado – são associados à estabilidade e segurança de rendimentos em tempo presente, mas só o trabalho formal foi associado à segurança de renda futura quando chegar o tempo de não mais trabalhar. O negócio próprio, em contrapartida, é associado à liberdade de dispor do tempo e de dar ordens aos demais. Entre os jovens que buscaram cursos de qualificação na economia criativa, essa segurança da renda futura sequer foi mencionada, prevalecendo o imediato – clientes ou qualquer trabalho para agora, já – em detrimento da segurança dos direitos trabalhistas que eles parecem desconhecer ou ignorar por completo. Tais percepções, apesar de sinalizarem uma visão (sem) futuro, estão coadunadas com as novas configurações do trabalho e, no caso brasileiro, a legislação trabalhista.

A segurança é um sonho ao qual a realidade da sobrevivência se impõe. Assim, busca-se o trabalho que for possível, como for possível, o que explica em grande parte a trajetória ocupacional das pessoas. Nenhum dos entrevistados tem uma carreira, mas tem exercido uma sequência de trabalhos – formais, informais, conta própria ou pequenos empreendimentos – sem ligação outra entre si que não a necessidade de ganhar o próprio sustento, correspondendo ao perfil do jovem trabalhador contemporâneo.

A visão empreendedora, nesse caso, não prevalece sobre a sobrevivência. Empreender implica em perceber falhas de mercado e transformá-las em oportunidades, gerando valor para a comunidade de beneficiários imediatos; trocando em miúdos, significa detectar uma necessidade de consumo – seja de bens ou de serviços – situada em tempo e espaço determinados, trabalhando para saná-la.

Não é essa a visão de mundo dos jovens egressos dos cursos de qualificação no estado de São Paulo, o que leva a crer que a chance de sucesso empreendedor dessa população é bastante pequena e seu futuro está fadado a uma reprodução do passado.

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17 Referências

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Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092003000300007&lng=en&nrm=iso .

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Referências

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