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SILICOSE E DISPNEIA TARDIA ACENTUADA SEM HIPOXEMIA. Masculino, 29 anos, branco, natural e procedente de Nova Campina, SP

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Academic year: 2021

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SILICOSE E DISPNEIA TARDIA ACENTUADA SEM HIPOXEMIA Mauri Monteiro Rodrigues – Médico assistente

Hospital do Servidor Público Estadual DAR – Doenças do Aparelho Respiratório

Masculino, 29 anos, branco, natural e procedente de Nova Campina, SP Paciente portador de silicose desde 2004 (figura 1), diagnosticada no exame periódico, assintomático respiratório até há 8 meses atrás.

Relata que trabalhou na indústria mineradora no setor de beneficiamento de filito, matéria prima utilizada para a fabricação de cerâmica que contém sílica na sua composição. Refere que embora o local de trabalho fosse aberto, havia muito pó e as medidas de proteção respiratória (coletiva e individual) eram inapropriadas. Trabalhou neste setor durante dois anos, quando então foi diagnosticada silicose e remanejado para outro setor livre do pó.

Pergunta 1) De acordo com a apresentação clínica da doença, é correto afirmar:

a) Trata-se de silicose aguda devido ao curto tempo de exposição à sílica e o desenvolvimento da doença;

b) Silicose crônica é o diagnóstico mais provável apesar do curto tempo de exposição à sílica;

Fig 1 – RX de tórax PA: presença de nódulos pequenos difusos que poupam os seios costofrênicos, e alargamento paratraqueal direito e linfonodos hilares calcificados

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c) Embora a mortalidade em curto prazo seja alta, as alterações radiológicas são compatíveis com silicoproteinose;

d) Considerando o tempo de trabalho e o desenvolvimento da doença, podemos concluir que a concentração de sílica na poeira inalada era alta e o diagnóstico de silicose acelerada é provável.

Comentário

A sílica ou dióxido de silício é um composto natural formado pelos dois elementos químicos mais abundantes na crosta terrestre, o oxigênio e o silício. É encontrada na natureza nas formas amorfa e cristalina. A forma amorfa, embora não seja inerte é menos tóxica que a cristalina.

Os riscos da inalação de poeira com sílica podem estar presentes em uma ampla variedade de situações entre as quais, na extração e beneficiamento de rochas como o granito e pedras em geral.

Em relação à apresentação clínica, as três principais formas da doença são:

- a forma aguda (silicoproteinose) - a forma acelerada

- a forma crônica (clássica)

Estas formas são determinadas pela intensidade e o tempo de exposição à sílica.

A silicoproteinose é uma forma aguda e progressiva da doença que se desenvolve dentro de semanas a meses de exposição elevada a partículas de sílica, finamente divididas e recém quebradas, a exemplo do que ocorre no jateamento de areia ou na perfuração de rochas. A apresentação radiográfica é de infiltrado alveolar bilateral, com distribuição difusa e, na tomografia de alta resolução, padrão de opacidade em vidro fosco, espessamento septal liso nas áreas alteradas e imagem de condensação com distribuição geográfica ou regional. A mortalidade por insuficiência respiratória é alta nesta forma da doença. Na forma acelerada, o tempo de exposição para a doença se manifestar clinicamente varia de 5 a 10 anos. A alta concentração de poeira em locais pouco ventilados, predispõe o indivíduo a esta forma de silicose.

A exposição em longo prazo a poeira com baixa concentração de sílica está associada com um infiltrado nodular em ambos os pulmões, principalmente nos campos superiores, que progride lentamente. Esta forma crônica da doença é a mais freqüente. Os pacientes

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permanecem assintomáticos durante um período de 10 a 20 anos de exposição contínua à sílica, ainda que as alterações radiográficas sejam evidentes.

Queixa atual:

Em setembro de 2010, o paciente procurou auxílio médico devido a dispneia progressiva há 8 meses, atualmente aos pequenos esforços (Mahler 2), associada a perda ponderal de 26 kg neste período, sem tosse e sudorese noturna.

 Hábitos: Nega etilsmo e tabagismo

 ISDA: Refere disfagia e artralgia principalmente dos ombros e joelhos

Exame físico:

REG, emagrecido (IMC= 16kg/m2); Pulmão – FR= 24irpm e MV diminuído difusamente; ACV- RCR 2T com hiperfonese de P2, FC= 120bpm, PA= 90x60mmHg

*Outros achados relevantes do exame físico:

Pergunta 2) Baseado no quadro clínico atual, qual dos exames abaixo você solicitaria inicialmente?

a) Biópsia transbrônquica com LBA; b) Ecocardiograma com Doppler; c) PPD;

d) FAN .

Comentário

Considerando que a silicose é um fator de risco para tuberculose, e o paciente emagreceu 26 kg, tuberculose pulmonar deve ser inicialmente excluída, apesar das alterações radiográficas sugestivas de silicose. A broncoscopia com lavado e biópsia esta contra-indicada neste caso, porque além de acrescentar pouco em relação ao diagnóstico prévio, Ilustração 1 – Esclerose cutânea do rosto e falanges distais, além de telangectasias na face anterior do tronco e fenômeno de Raynaud.

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pode ser um procedimento de risco, uma vez que o paciente se queixa de dispnéia incapacitante (Mahler 2).

Outros exames indispensáveis na investigação diagnóstica são o FAN e a pesquisa de auto-anticorpos para esclerose sistêmica (ES), uma vez que o paciente apresenta estigmas da doença. A associação entre doenças auto-imunes e exposição à sílica é bem conhecida, principalmente com a ES.

Prosseguindo a investigação, os seguintes exames foram solicitados: Exames:

- HMG: Hb= 12g/dl; Leucócitos= 6300cels - PPD= 2mm (fraco reator)

- Anti-HIV: NR

- Gasometria arterial (FiO2 0,21): PaO2= 87mmHg, PaCO2= 36mmHg, SaO2= 97%

- Espirometria: IT= 100%, CVF= 2,70L (51%), VEF1= 2,70L (61%) – distúrbio ventilatório restritivo moderado.

- FAN, anti-Scl 70, anti-centrômero em andamento - Tomografia de tórax:

Trata-se de um caso de silicose, forma clínica acelerada, associada a ES (Síndrome de Erasmus), e desnutrição. Embora o paciente não tenha diarréia, a desnutrição neste caso pode ser consequência da síndrome de má absorção, uma manifestação da ES no trato gastrointestinal.

TC de tórax: janela mediastinal – presença de linfonodos subcarinal e hilares calcificados; TCAR – opacidades localizadas nos segmentos posteriores dos lobos superiores compatíveis com massas fibróticas; presença de micronódulos

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Pergunta 3) Apesar da queixa do paciente ser de dispneia acentuada (Mahler 2) a gasometria arterial realizada em ar ambiente não confirmou hipoxemia (PaO2= 87mmHg e PaCO2= 36mmHg). Assinale a alternativa provável para explicar a dispneia: a) Bronquiolite é a causa da dispneia, e uma prova de função pulmonar com medida do volume residual será elucidativa;

b) A redução da força dos músculos respiratórios por desnutrição justifica a dispneia, assim a medida das pressões inspiratória e expiratória máxima está indicada;

c) A mensuração da velocidade do jato de regurgitação tricúspide através do ecocardiograma com Doppler pode explicar a causa da dispneia;

d) Tromboembolia venosa crônica é a causa mais provável da dispneia, portanto uma tomografia com protocolo para embolia deve ser realizada.

Comentário

De fato a intensidade da dispneia é discordante da gasometria. Isto nos obriga a procurar outras causas, além da doença do parênquima pulmonar, para explicar a dispneia relacionada à silicoesclerose.

A hipertensão arterial pulmonar dever ser considerada, porque é uma complicação frequente da ES, a sua prevalência varia de 10% a 15%, e é considerada um marcador de prognóstico.

O ecocardiograma com Doppler é o exame de escolha utilizado para rastrear hipertensão pulmonar (HP). A PSAP é estimada através da equação de Bernoulli modificada, a qual utiliza como variável a velocidade máxima do fluxo de regurgitação tricúspide (PSVD= 4xV2 + PAD).

Realizado o ecocardiograma com Doppler que detectou HP: - retificação da artéria pulmonar e TAC= 77mmHg.

Na tomografia a doença pulmonar é difusa com sinais de fibrose (conglomerados) com provável destruição vascular que poderia justificar a causa da HP. No entanto, pacientes com HP associada à doença do parênquima, geralmente têm uma doença grave, com

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hipoxemia acentuada e necessitam de oxigênio suplementar. O paciente tem uma PaO2= 87mmHg com CVF= 2,70 (51%), que sugerem que a HP não seja consequência da doença de base.

Além disso, o fato do paciente ter uma doença pulmonar extensa, com sinais de fibrose e sem hipoxemia em repouso, pode ser explicado pela distribuição da fibrose, localizada nos campos superiores, uma região pouco participativa da troca gasosa.

Atualmente o paciente está em acompanhamento com a reumatologia e foi encaminhado para um centro de referência para prosseguir a investigação da HP.

Discussão

O termo silicose, empregado pela primeira vez por Visconti, em 1870, é o nome dado a fibrose pulmonar causada pela inalação de poeira contendo sílica cristalina, sendo a mais freqüente das pneumoconioses. Além dos efeitos pulmonares da sílica livre, existe associação entre esse tipo de exposição com diversas enfermidades. A associação entre silicose e tuberculose é bastante conhecida, mas também há vários relatos da pneumoconiose com doenças auto-imunes, incluindo a ES, artrite reumatóide (Síndrome de Caplan), granulomatose de Wegener, anemia hemolítica, dermatomiosite, síndrome de Sjogren, doença de Graves e LES.

A associação entre silocose e ES foi inicialmente descrita por Erasmus, em 1957. Mais tarde Cowie, também na África do Sul, observou relação significativa entre a ocorrência de ES e a intensidade de exposição à sílica em mineiros de ouro e carvão, ainda que na ausência de silicose. Na Alemanha e França, a ES em trabalhadores expostos à sílica passou a ser considerada doença ocupacional depois que estudos epidemiológicos mostraram que a probabilidade de ocorrência desta colagenose em indivíduos expostos à sílica é 25 a 74 vezes maior que à população geral, passando para 110 vezes em pacientes com silicose. A fisiopatologia da silicose pulmonar é bem conhecida. Uma vez inaladas, as partículas de sílica depositam-se nos bronquíolos respiratórios e alvéolos. Se o clearance mucociliar ascendente e linfático não forem capazes de remover as partículas, elas acabam por induzir um processo inflamatório, caracterizado inicialmente como uma alveolite, podendo evoluir para a fase de fibrose.

Na fase inicial, as partículas de sílica induzem, por contato direto de sua superfície com a água e lipoproteínas da camada de revestimento

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bronquioloalveolar ou pela ativação de macrófagos e de células epiteliais, a formação de radicais livres. Quando a produção destes radicais superam os mecanismos de defesa antioxidantes, pode haver lesão dos pneumócitos tipo I, aumento da ativação de macrófagos e indução e proliferação dos pneumócitos tipo II.

Este processo, se mantido pela persistência da inalação de partículas, amplia-se com a liberação de enzimas proteolíticas, formação de mais espécies reativas de oxigênio e nitrogênio, e pela liberação de citocinas inflamatórias como o TNF alfa, o fator de transformação de crescimento beta, IL1, e a proteína inflamatória de macrófagos. Estas citocinas recrutam macrófagos, neutrófilos e linfócitos, dando origem à alveolite e conseqüente perda da integridade da barreira epitelial, permitindo assim a passagem das partículas de sílica para o interstício. O resultado final é a proliferação incontrolada de fibroblastos e produção de colágeno, resultando em fibrose intersticial.

Contrastando com a função dos macrófagos na fisiopatologia da silicose, ainda é pouco conhecido o mecanismo preciso que leva ao desenvolvimento das doenças auto-imunes. Entretanto, sabe-se que a silicose, muitas vezes, está associada a anormalidades sanguíneas periféricas humorais e celulares, como a positividade dos fatores antinuclear e reumatóide, a hipergamaglobulinemia e as alterações dos linfócitos T helper e T supressor. Dessa forma, a produção de auto-anticorpos e a formação de imunocomplexos circulantes, relacionados à citotoxidade da sílica, podem ser o elo para explicar o desenvolvimento das doenças auto-imunes.

Referências Bibliográficas:

1. Terra Filho M, Santos UP. Silicose. J Bras Pneumol. 2006;32(2

Suppl):S41-S7

2. Souza PFM, Figueiredo RC, Klumb EM, Albuquerque EMN, Lopes AJ,

Capone D, Jansen JM. Associação entre silicose e esclerose sitêmica – Síndrome de Erasmus. Pulmão RJ. 2005;14(1):79-82

3. Pinto FPC, Silva HC, Valmont MCG, Gonçalves RMGM, Bruno LP.

Cavitação pulmonar infectada em pacientes com silicoesclerodermia (Síndrome de Erasmus). Pulmão RJ. 2006;15(3):191-3

4. Pedroso CL, Polizelli DV, Geraldino GC, Bertazzi GRL, Toledo RA.

Silicose e Esclerose Sistêmica – Síndrome de Erasmus: Relato de um caso. Arq Ciênc Saúde. 2009;16(3):134-6

Referências

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