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Espírito de 69

A BíBlia do Skinhead

"Skinhead, skinhead, over there, What's it like to have no hair?

Is it hot or is it cold? What's it like to -- BE BALD!" (Cantiga infantil dos anos 70)

[algo como: "Skinhead, ô skinhead! Como é que é não ter cabelo?

É quente ou frio? É como ser CARECA!"]

Por George Marshall

Tradução e notas adicionais de GLAUCO MATTOSO Edição: F. Meyer F.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO [Glauco Mattoso] INTRODUÇÃO [George Marshall] AGRADECIMENTOS

ESPÍRITO DE 69 REGGAE SKINHEAD FILHOS DO SKINHEAD ANJOS DE CARA SUJA O SENTIMENTO RUEIRO BEM-VINDOS AO MUNDO REAL NEM WASHINGTON NEM MOSCOW RESSURREIÇÃO DO SKINHEAD

A-Z DO VESTUÁRIO SKIN (E OUTROS SÍMBOLOS) APÊNDICE: CANCIONEIRO MÍNIMO

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APRESENTAÇÃO

Glauco Mattoso

Este livro vai decepcionar aqueles que pensam que vão ler um tratado de neonazismo, um manual do terrorista ou algo tipo MEIN KAMPF requentado. Inclusive muitos cientistas sociais e jornalistas que, por dever de

ofício, teriam que estar bem informados e objetivar a exatidão, mas que (inadvertida ou malevolamente) andam pisando feio na bola e distorcendo a história e a essência do movimento skinhead, como se este se reduzisse à política e como se esta se limitasse à direita e ao extremismo.

Quem encara o careca por essa óptica vai quebrar a cara. Após a leitura, verá que o skinhead é, antes de tudo, uma "tribo", ou seja, um segmento da juventude e da sociedade cuja característica básica é um gênero musical. Há gêneros efêmeros que duram tanto quanto a moda da estação (de rádio), e outros que acompanham toda uma geração. O skinhead é talvez o mais duradouro, anterior ao hippy, ao heavy metal, ao punk, ao funk, ao rap e ao próprio reggae, com o qual conviveu em sua origem. Só é caçula em relação ao rockabilly e, naturalmente, ao blues. Confundir, ou tentar confundir o skinhead com alguns desdobramentos políticos ou policiais de natureza episódica ou cíclica, tais como atos de

vandalismo, terrorismo ou racismo, é falsear a realidade histórica e atiçar a intolerância. Seria o mesmo que tachar todos os favelados de bandidos, todos os policiais de assassinos, todos os militares de golpistas, todos os empresários de sonegadores, todos os políticos de corruptos e todos os governantes de culpados, só porque alguns merecem os respectivos rótulos. Por esse caminho, não se salvaria ninguém.

Generalizações são sinônimo de desinformação, e a desinformação é o adubo do preconceito. Quem diz taxativamente que "careca é nazista" ou "skinhead é racista" é tão preconceituoso quanto aquele que diz "preto quando não caga na entrada caga na saída", "viado é doente", "comunista come criancinha", "judeu é mau, avarento, usurário" (vide Aurélio).

A despeito de toda essa "sujação de barra", o skinhead autêntico mantém seu brio e sua tradição, baseada nos valores da classe operária, ou

seja, o visual durão, estóico e orgulhoso (como o cabelo raspado, a bota, a tatuagem), a paixão pelo esporte do povão (como o futebol e o boxe), e pela música de rua, de gueto ou de garagem (como o reggae e o rock punk e Oi!).

O autor do livro sabe do que está falando. Ele não é um estranho no ninho, como o universitário americano Bill Buford, que foi conviver com os hooligans ingleses para escrever ENTRE OS VÂNDALOS. Nem fala como certos antropólogos, que parecem marcianos espiando os terráqueos pelo telescópio e fazendo diagnósticos no plural da terceira pessoa. George

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Marshall é um skin que escreve com conhecimento de causa e sabe onde lhe aperta o coturno.

Nascido em Glasgow, Escócia, sua família sentiu o desemprego na pele. Com cinco anos, mudaram-se para Kent (sudeste da Inglaterra) e, aos nove, o pai os abandonou. Aos dez já era um skin, e aos dezoito voltou para a Escócia, onde se casou e se estabeleceu. De Kent e da Inglaterra sua única lembrança marcante é o time local, o Gillingham, que vive na lanterninha do campeonato mas que, nem por isso, deixa de ter sua fanática torcida skin. Na Escócia George torce pelo Patrick Thistle.

Depois de editar um zine de ska e reggae chamado ZOOT, George fundou seu cartão de visita: o tablóide SKINHEAD TIMES que, sob o lema "Pride

without prejudice" (orgulho sem preconceito), e distribuído gratuitamente em tiragem de 5.000 exemplares, vem mantendo a periodicidade trimestral a serviço do resgate da autenticidade do

movimento, dissociando-o da escalada neonazi e vinculando-o àquilo que tradicionalmente representou: a juventude operária britânica, tão desassistida quanto as marginalizadas comunidades de imigrantes de outras raças e nacionalidades.

Aproveitando a infra e a receptividade do SKINHEAD TIMES, George partiu pra publicação de livros que, segundo ele, documentam o movimento antes que os sociólogos e jornalistas o façam como seus narizes. Além de

SPIRIT OF '69, escreveu THE TWO TONE STORY (já publicado) e TOTAL MADNESS (a sair). Sua editora também está relançando a obra completa de Richard Allen (o Kerouac dos skins), originalmente publicada em

brochurinhas de bolso hoje esgotadas.

Se, aqui no Brasil, fenômenos como os hippies ou punks já chegam

defasados e adulterados, imagine-se o que não ocorre com o skinhead, que na própria Inglaterra e nos países europeus vem sendo desvirtuado por culpa da infiltração direitista e xenófoba. Alguém tem que ter a coragem de separar o joio do trigo.

Numa coisa a imprensa e a comunidade intelectual estão certas: é preciso conscientizar o maior número de pessoas possível, para que não se repitam as circunstâncias propícias à volta do obscurantismo e do

genocídio. E é preciso também desarmar os espíritos, para que as pessoas possam encarar a vida pelo lado lúdico, escolhendo livremente seu estilo de comportamento e suas preferências musicais ou esportivas.

Daí a razão deste livro: informar a quem se preocupa com as questões sociais pertinentes à música, e sobretudo informar aos próprios skins sobre suas raízes.

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Este livro não tem a mínima pretensão de que vai mudar a cabeça da sociedade em geral. Nem mesmo o MEIN KAMPF ou a própria Bíblia conseguiram isso. Mas, daqui por diante, os interessados ou envolvidos no assunto não vão ter mais desculpa, se excogitarem, digitarem ou indigitarem bobagens contra a carecada. Vejam lá se não vão dormir de botina, hem?

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INTRODUÇÃO

George Marshall

Uma vez me lembro de ter lido que os jornais russos, sabendo que a palavra "skinhead" nada significava na União Soviética, escreveram que "gente careca" estava causando bagunça e quebra-pau nos campos de futebol britânicos. Obviamente o capitalismo era tão completamente podre que até mesmo os que sofriam de queda de cabelo se juntavam para protestar contra ele.

Aqui na Grã-Bretanha, somos situados em algum lugar entre cachorros loucos, fãs da Inglaterra e maníacos assassinos, nas seções mais mundo-cão dos tablóides sensacionalistas, e as coisas não são muito diferentes em qualquer outro país.

Não me entendam mal. Ninguém em sã consciência sustentaria que os skinheads são anjos, e a treta bem que pode ser nossa marca registrada. Mas retratar-nos a todos, sistematicamente, como se não passássemos de valentões desmiolados, é algo que não beneficia ninguém. Só digo o seguinte: não sei onde o magazine australiano PEOPLE vai buscar suas informações, mas, por incrível que pareça, não existe isso de skinheads passarem o fim-de-semana atirando na vovozinha dos outros. Pelo menos aqui, neste cu do mundo.

Tudo quanto é abobrinha já me pintou pela frente em forma de notícia, mas isso não me impressiona mais. Outro recorte para o álbum, e é só. Rir não ajuda nada, e se levarmos a sério só estaremos dando a eles uma credibilidade que não merecem.

Parodiando meu velho colega Oscar Wilde, existem mentiras, mentiras cabeludas e histórias carecas. E existe o lado triste daquilo que os jornais têm feito ao movimento skinhead nos últimos vinte e poucos anos. Por não deixarem a realidade permear uma boa história, eles

"Na noite de sábado, o medo se multiplica cada semana nas cidades européias, até mesmo atrás da Cortina

de Ferro. É a noite em que bandos de skinheads racistas e ultra-fascistas tomam as ruas, prontos a chutar, esbordoar, esfaquear e balear

garotos, famílias e aposentados." (Revista PEOPLE, 1986)

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enterraram a maior de todas as culturas juvenis da Grã-Bretanha sob resmas de papagaiada sensacionalista. 1

No fim das contas, o prejuízo é deles mesmos, já que a cultura skinhead representa de longe a maior herança juvenil deles todos, sem exceção. Nós somos a nata da classe proletária, e seria melhor se eles se

convencessem disso.

Há muito orgulho e paixão sob a embalagem dum skinhead. O mesmo tipo de orgulho e paixão que enche as arquibancadas de futebol todo sábado. É um sentimento de participação, de ser alguém e de estar com sua própria classe. Qualquer um que já tenha tido sua turma e tenha calçado um par de botas pode lhe contar, história por história, por que ser um

skinhead o fez sentir-se com dois metros de altura quando só tinha um metro e meio.

Temos nossos defeitos como qualquer um, mas ser um skinhead é muito mais do que dar porrada na boca de alguém. E quando vier o Dia do Juízo vai ter muito vendedor de bota e suspensório escalando os portões do Céu. Quem viver verá.

Tomara que este livro ajude de alguma forma a pôr o movimento skinhead em pratos limpos. Não porque queiramos entrar para a história como inocentes injustiçados, e certamente não para impressionar algum estúpido estudante de sociologia. Este livro não foi escrito por

nenhuma outra razão exceto dar aos próprios skinheads uma idéia melhor de onde vieram.

Não alfinetamos nem tiramos da seringa, e por isso mesmo este livro é uma celebração do modo de vida skinhead. Não me desculpo pelo conteúdo do livro. Tudo que faço é tentar, da melhor maneira, resgatar

livremente o movimento nestes vinte e poucos anos. E você pode pegar ou largar.

O movimento skinhead vem duma longa estrada, desde os dias de glória de 1969, quando cada esquina era a casa duma gangue skinhead. É fácil ser nostálgico de dias passados, mas a era dos skinheads originais

representou o apogeu do movimento, e tudo que se seguiu devia ser avaliado por comparação a ela.

1

Em muitas ocasiões tive que evitar a tradução literal para poder falar a linguagem das tribos daqui. É o caso da expressão "skinhead cult" -- onde "cult" para eles não tem tanta conotação religiosa como para nós -- que ficou traduzida como "movimento skinhead", onde

"movimento" tem para nossa juventude um sentido mais comportamental que ideológico, mais próximo de "onda" ou "agito" que de "corrente" ou

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Sem dúvida muitos verão este livro como uma glorificação da violência. Não tem nada a ver. Quando os skinheads detonavam as gigs da Sham 69 e aprontavam na turnê da 2-Tone, as únicas pessoas que eles machucavam eram eles mesmos. Não precisa ser muito inteligente para perceber. E nunca houve motivo de orgulho ao se ouvir falar que algum skinhead cheirador de cola tenha violentado uma velhinha. Qualquer um dessa laia nada mais é que escória.

A lei da selva de pedra não vê nada de errado em gangues rivais

guerreando na rua ou times de futebol se enfrentando nos estádios, e a maioria dos skinheads encara isso como parte do território. Isso não torna as coisas certas ou erradas, mas, como você logo vai ver nas páginas seguintes, é a realidade da vida, da qual não se pode escapar.

Política é um fardo ainda maior para o movimento. É como um verme roendo até o caroço e deixando o movimento no bagaço em que se acha agora. Em cada um há algo de bom e ruim, seja branco ou negro, e este fato era ponto pacífico para a grande maioria dos skinheads originais. Hoje o movimento está rasgado ao meio por causa duns políticos ordinários. Não tenho nem pista de quem sai vencedor disso, mas está mais que evidente quem são os perdedores. Nós.

Felizmente, porém, o movimento skinhead não vai ficar de pé ou vir abaixo por causa dum pilar podre, e são as tradições, o estilo e a

música aquilo que preenche muitas das páginas seguintes. O espaço nunca terá sido suficiente para fazer justiça a cada banda skinhead,

principalmente aquelas que desempenharam papel relevante na evolução do movimento. Além do mais, não sou especialista em nada, e nem importa. Há muita gente por aí que poderia escrever um livro decente sobre o Oi! ou a Sham 69, e talvez um dia o façam.

Para variar, provavelmente fui mais prolixo do que devia. Skinhead é um modo de vida e, mais que tudo, é o SEU modo de vida. Faça disso o melhor que puder, divirta-se, e sem dúvida vamos nos ver qualquer dia naquele grande pub lá do Céu e poderemos trocar lembranças em volta de uma ou mais canecas de cerveja.

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Capítulo Um

ESPÍRITO DE 69

Como diria Bob Dylan, os tempos estavam mesmo mudados naqueles incrementados anos 60. Porreteiros, teds e outros garotos barra-pesada já eram, seu som demoníaco também, e mesmo os rivais mods e rockers podiam ter saudade de melhores dias. Após animados quebra-paus nos feriados bancários, ambas as tribos entravam em declínio e deixavam para trás o tempo quente do verão de 64.

Por um horrível momento, parecia que a melhor coisa que a juventude britânica tinha a oferecer eram comunidades hippies e passeatas estudantis. 1967 nos tinha dado o Verão do Amor e, em toda parte, os jovens de classe média davam tchau pro mundo real e partiam pra "viagem" e pro "desbunde". Bem, pelo menos até que o papai lhes arrumasse um servicinho maneiro no escritório.

Os hippies estavam mesmo com a corda toda, com suas cores & flores e seus manifestos por um futuro novo e ensolarado. Tudo então passava a ser paz & amor, sob o prisma do caleidoscópio psicodélico. O idealismo sempre fez parte da adolescência, mas aquilo de ficar sentado na grama, de cabelo comprido e seboso, túnica suja, fumando haxixe e lendo números atrasados do OZ nunca que iria construir o admirável mundo novo. Mundo da lua talvez, mas utopia jamais. O "desbunde" não passava de "bunda-moleza", essa é que é a verdade. É só assistir uns velhos vídeos do Jethro Tull e você vê como aquilo tudo era babaca.

Como se não bastassem os baratinados, a estudantada também queria entrar nessa de vamos-mudar-o-mundo. A turma do uniforme costumava ser vista pela molecada da esquina como CDFs e até odiada pelos hippies por ser "quadrada". Mas lá estavam eles em 1968, desfilando pra cima e pra baixo. Não chegavam a montar barricadas como em Paris, mas eram o elemento humano "revolucionário", ou faziam o gênero.

Para os filhos de quem morava no interior, em terras desvalorizadas depois da guerra, a vida não era tão fácil. Não dava pra chegar em casa

"A visão das cabeças raspadas e o barulho das botas pesadas, bar ou

danceteria adentro, é verdadeiro motivo de friozinho na barriga." (Chris Welch, MELODY MAKER, 1969)

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e contar ao pai que você queria morar numa barraca de acampamento. Na cidade, algumas crianças da classe operária chegavam à faculdade e um ou dois gatos pingados fugiam de casa para incursionar na vida hippy, nas drogas e no amor livre, mas nem estavam por dentro do que seria paz ou mundo novo. A grande maioria mal terminava os estudos a tempo de entrar no batente, e o trabalho disponível era tipo subemprego. Mesmo assim, dava para ter uns trocados no bolso e um motivo para se queixar da segunda-feira.

Os apelos para que os "camaradas operários" se aliassem aos estudantes na deposição dos "porcos capitalistas" encontravam ouvidos moucos. Muito pouca gente estava a fim de dar uma mãozinha a estudantes e hippies, mesmo que fosse apenas um tapinha de "apoio moral" no ombro. Era mais fácil levar um chute no rabo, duma bota reforçada tamanho 44. O placar desse jogo era o contraste entre a pichação dos muros e os gritos das torcidas. Enquanto os estudantes pichavam ABAIXO O ESTADO! e VITÓRIA AO VIETNÃ!, a galera do Chelsea cantava "Estudantes,

estudantes, ha ha ha!".

Tariq Ali e seus revolucionários de fim-de-semana só sacaram isso

quando da Grande Marcha de Solidariedade ao Vietnã, em outubro de 1968. Fábricas e estádios tinham sido panfletados, convocando o operariado às ruas, e quando chegou o grande dia as "massas" não passavam de 30 mil estudantes, com alguns desocupados no meio, zanzando por Londres e causando nada mais que engarrafamentos. Ah, sim, e umas poucas cabeças doloridas, numa gentileza de duzentos garotos botinudos e carecas,

vestidos nas cores do Millwall, correndo atrás da passeata, cantando "Enoch! Enoch!" e causando alguma confusão para a cobertura dos jornais do dia seguinte. Esqueçam suas guerras no Sudeste Asiático e suas

"viagens" de ácido para parte alguma! Os skinheads chegaram!

É bom frisar que comete um equívoco quem confunde a chegada dos

skinheads às manchetes com o berço do movimento. Tomar 1968 como data de nascimento só serve para alimentar a mentira de que os skinheads surgiram como mera reação ao crescimento da onda hippy e respectivo cabelo. Quem cairia nessa hoje em dia?

A palavra "skinhead" não teve uso corrente antes de 1969, mas moleques usando botas e cabelo à escovinha eram vistos nos círculos mods desde 1964. Foram eles os precursores do movimento skin, que veio derivando lentamente daquele grupo. Toda a papagaiada de "paz & amor" só pintou três anos depois, de modo que rotular o skin de "reação ao hippy" é querer pôr o carro adiante dos bois. Rejeição vá lá, mas reação nunca.

Em 1965 o Who lançava "My generation", mas a essa altura o mod já tinha os dias contados. A repercussão que a mídia tinha dado aos tumultos de

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feriado bancário em 63 e 64 levara os mods a uma crise de identidade. Antes, eram tidos como garotos maneiros e aprumados; depois, veio um maciço afluxo de jovens mods, malvistos como "metidos" sem a menor idéia de classe ou estilo, que iam a High Street para ver o que deviam vestir. Evidentemente, quebrar cadeira na cabeça dos outros era uma idéia que só podia atrair tipos indesejáveis, capazes de manchar qualquer coisa que os mods tivessem simbolizado.

O estilo mod entrou em rota de colisão consigo mesmo, e só tinha que implodir. Muitos mods já estavam na faculdade, onde seriam

influenciados pelos novos pontos de vista e sons que pintavam. Esses se juntariam ao esfarrapado exército de estudantes e hippies na trilha das drogas leves, do rock progressivo, das camisas floridas e da pop art.

Ainda bem que essa receita de "avanço" não era do gosto geral. No norte da Inglaterra, por exemplo, as coisas eram bem diferentes. O mod tinha aparecido no final dos anos 50, nos clubes e cafés do Soho londrino, mas levou bom tempo para pegar ao norte de Watford Gap. Em compensação, a cena setentrional sobreviveu mais algum tempo, ambientada em torno de fanáticos clubes de lambretistas e, mais tarde, em casas noturnas de soul, como o famoso Casino Club em Wigan e The Torch em Stoke.

Para o movimento skin, mais importante foi o crescimento numérico das gangues mods, que assolavam a selva de pedra das cidades britânicas. Também conhecidos como "hard mods", seus membros revelavam a face violenta e agressiva do modernismo pós-64, e começavam a se vestir de acordo com ela. À noite, o terninho era substituído pelos trajes de briga: camisas e jeans. Sapatos caros também eram trocados por botas, mais apropriadas para rachar cabeças. E o cabelo foi ficando cada vez mais curto, desde que o corte à francesa entrou na moda e baixou a

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escala da máquina do barbeiro de quatro para um.

O East End de Londres era casa de numerosas gangues desses mods, muitos dos quais se envolviam no crime organizado e acabavam atrás das grades. Não por coincidência, os bem-vestidos marginais do submundo londrino eram pais, tios, irmãos, ou simplesmente ídolos de algum mod. E quem não estivesse envolvido fingia estar, já que isso dava um charme próprio de filme de gangster, uma das predileções dos mods.

Em "Youth! Youth! Youth!", Garry Bushell fala de mods conhecidos como "suits" (modelitos), que representavam "o ramo espartano do mod, identificado pela primeira vez na cena noturna londrina por volta de 1965, como uma moda alternativa da classe operária, para se contrapor

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ao dúbio chamariz do psicodelismo", e que ele vê como ascendentes diretos do movimento skinhead. De fato, os skinheads que se vestiam na estica para passar a noite nalguma danceteria badalada costumavam ser chamados de "suits", quando o movimento estava no auge, em 1969 e 1970. Não só em Londres, aliás.

Outras cidades, como Liverpool, Birmingham e Newcastle, ostentavam seus "hard mods", mas a maior concentração deles podia ser encontrada em Glasgow, onde a turma fazia parte do amadurecimento de cada moleque de rua, desde as gangues da navalha nos anos 30.

Os mods de Glasgow sempre tiveram reputação de violentos, enturmados em "esquadras" ou "times" (nomes ainda usados pelas gangues locais) a fim de defender seu pedaço. Áreas mal-afamadas por causa desses mods (Maryhill's Valley, Barnes Road, em Possilpark, e outras) hoje fazem parte do folclore de Glasgow e ainda são evitadas pelos cidadãos pacatos.

A música ainda desempenhava seu papel na vida grupal dos mods, mas não tanto quanto nos primeiros anos. Havia pouco interesse em curtir novos gêneros, e o soul americano e o ska jamaicano tornaram-se dieta básica para a maioria.

A música jamaicana recebera uma mãozinha para se desenvolver na Grã-Bretanha, graças ao consumo da populosa comunidade antilhana aqui radicada. Os jovens mods brancos logo se tornaram freqüentadores habituais das festinhas e botecos ilegais que podiam ser achados em North Kent, Sheffield, Birmingham, Bristol e áreas de Londres como

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Notting Hill e Brixton. Isso lhes dava chance para ouvir os últimos sons e os colocava em contato com os jovens negros. Muitos desses garotos negros tinham seu próprio estilo de roupa, baseado no das

gangues de "rude boys" de Kingston, que também cultivavam sua reputação de violência naquela cidade. O visual do rude boy se concentrava em terninhos com calça acima do tornozelo e manga acima do punho, tipo "o defunto era menor". Completando o modelito, sapatos bem engraxados, um chapéu de feltro e óculos escuros de haste larga.

Tanto mods como skinheads entraram na dos rude boys em matéria de inspiração para o visual. Conta-se até uma anedota sobre o cantor jamaicano Desmond Dekker e o nascimento do movimento skin, segundo versão de Tony Cousins. Tony dirigia uma empresa promotora de eventos chamada Creole no final dos anos 60, a qual veio a bancar uma gravadora de sucesso com o mesmo nome.

"Quando trouxemos Desmond Dekker, demos-lhe um terno, mas ele fez questão que fossem cortadas seis polegadas da perna das calças. Os garotos passaram a imitá-lo, enrolando a bainha das calças e cortando o cabelo bem curto."

Dekker foi trazido à Grã-Bretanha pela Creole em 1967 para promover seu single "007 (Shanty Town)", que aqui chegou aos "vinte mais" pelo selo Pyramid. "Train to Skaville" dos Ethiopians (Rio), "Guns of Navarone" dos Skatalites (Island) e "Al Capone" de Prince Buster (Blue Beat) também chegaram às paradas naquele ano, graças ao maciço consumo underground que a música jamaicana começava a atingir. [1]

Claro que o surgimento de ídolos como Desmond Dekker deu um empurrão no visual dos rude boys no sentido de transportá-lo das comunidades

antilhanas até o guarda-roupa daquela nova audiência branca. Mas havia um fator ainda mais essencial à evolução do movimento skin que a música, fator esse que tem sido subestimado pelos pretensos estudiosos da juventude: o futebol.

"Botinadas não são nosso único passatempo. Nós gostamos de reggae, roupas, futebol e garotas, e também de sermos deixados em paz." (Paul Thompson, skinhead de Londres, 1969)

A Copa do Mundo da Inglaterra, em 1966, levou muita gente às

arquibancadas e carreou para as quatro divisões do futebol um público adicional de faixa etária mais baixa. A atração dos jovens pelo jogo aumentou como nunca, e pela primeira vez eles vinham ao estádio com seus colegas ao invés dos pais ou tios, como sempre ocorrera havia décadas. Graças à então abundante oferta de empregos, eles tinham dinheiro no bolso para viajar, o que também contrariava a tradição de

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só assistir jogos na casa de seu time.

A vez do torcedor itinerante chegava pra valer, e com ela a oportunidade de demonstrar que vocês eram melhores que seus

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adversários, fosse dentro ou fora de campo. A violência no futebol tem sido parte do jogo secularmente, mas no final dos anos 60 ela foi ficando cada vez mais organizada, com batalhas regulares entre torcidas rivais. Nas arquibancadas, o hooligan adquiria status próprio,

uniformizado em botas pesadas, jeans e camisa, à semelhança do hard mod, que por sua vez não era estranho às catracas de entrada. Eram esses os garotos botinudos do futebol, de cujas fileiras emergiria a maioria dos primeiros skinheads em 1967 e 1968, e que voltariam a atacar quando o movimento arrefecesse.

O movimento skinhead emergiu, portanto, do mod enturmado na rua, do "boot boy" na arquibancada e do rude boy na pista de dança. O que no começo era uma vaga tendência ganhou diferentes nomes em diferentes áreas. "Noheads" (descabeçados), "baldheads" (cabeças-peladas), "cropheads" (cabeças-raspadas), "suedeheads" (cabeças-de-camurça), "lemons" (limões), "prickles" (espinhos), "spy kids" (moleques

xeretas), "boiled eggs" (ovos cozidos), "mates" (colegas) e até

"peanuts" (amendoins), aparentemente por causa do barulho do motor da lambreta, lembrando amendoins chacoalhando numa lata, segundo opinião de alguns. Já em 1969, quando os skins tinham adquirido personalidade própria, emancipada de seus "antepassados", ainda havia quem os chamasse de mods.

Qualquer um que duvide que os mods "geraram" os skins pode checar a clássica citação de Chris Welch a respeito ("A visão das cabeças

raspadas...") num artigo sobre mods publicado pela MELODY MAKER em 1969.

Nessa ocasião, um nome para designar aquele violento e "novo" movimento juvenil estava mais ou menos sacramentado. E a palavra que corria em todas as bocas naquele verão era "skinhead". Até o primeiro-ministro Harold Wilson, do Partido Trabalhista, tirou o cachimbo em sinal de reconhecimento, quando tachou alguns conservadores de "skinheads de Surbiton" em plena Câmara dos Comuns.

Cada movimento juvenil pode ser identificado pelo estilo ou pela moda que o acompanha, e o skinhead não foge à regra. No final de 69, um uniforme estava virtualmente definido e em exposição através destas belas ilhas, mas nada indicava que a coisa pararia por ali. Uma vez usando botas, você já podia se intitular um skinhead, o que valia para praticamente todo adolescente da classe operária naquela época.

Curiosamente, o comprimento do seu cabelo não era tão importante como é hoje. Ali por 1969, os garotos geralmente faziam suas visitinhas ao

barbeiro e justificavam o nome skinhead, mas ao longo da trajetória do movimento você tanto podia sair de cabelo todo curto, como aparado só

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atrás e nos lados, ou mesmo meio comprido.

Foi por isso que o movimento passou por fases chamadas "suedehead" e "smooth", como veremos adiante. Mesmo assim, a figura da cabeça raspada, uma mistura de reco com preso, tinha forte carga simbólica e se popularizou. Até porque havia o lado prático. A aparência limpa podia ser bem vista por pais e patrões, e os próprios garotos viam vantagem em dispensar o pente.

A palavra "skinhead" vem do fato de que você pode ver o "escalpo" do couro cabeludo através do cabelo cortado rente. O corte à escovinha, em si, não era nenhuma novidade, mas foi a combinação da careca com as botas que atraiu o rótulo. Alguns dizem que o corte e o nome derivam do padrão americano, comum nas forças armadas, mas o estilo é bem diferente do corte skin. A versão ianque requer quase nenhum cabelo atrás e nos lados, e aparado porém mais longo no alto, tal como usado por Richard Gere em A FORÇA DO DESTINO ("An Officer and a Gentleman", 1981).

O mais engraçado foi que, em 1969, as altas patentes dos States, temendo que os soldados americanos servindo na Grã-Bretanha fossem confundidos com skinheads, permitiram que eles usassem perucas e apliques quando estivessem de licença!

As máquinas elétricas costumam ter uma escala que vai do um ao quatro (às vezes cinco) conforme o corte seja mais curto ou mais longo. A escolha dependia da ocasião ou do local. Alguém podia aparecer na escola de cabelo aparado no dois e, em poucos dias, qualquer um o estaria imitando. Alguns skinheads se arriscavam a uma "sombra escura", isto é, um corte a navalha quase sem nenhum relevo, portanto mais curto que o número um, mas a careca totalmente lisa nunca esteve em voga. A idéia era parecer durão e aprumado, mas não lembrando um caralho com orelhas. Quem ficava contente nessa história era o barbeiro, com o barulhinho da caixa registradora a cada visita dum skin, principalmente numa época em que os "desbundados" nem sequer lavavam suas guedelhas, quanto mais cortar! Nem todos os cabeleireiros usavam navalhas,

contudo. Alguns preferiam tesouras que, se bem usadas, faziam bom efeito.

Não há muito o que exprimir num corte de cabelo, mas as variações possíveis até que tentavam. Na nuca o corte podia seguir a linha do cabelo, ficar arredondado ou quadrado, estilo Boston. Os três estilos tinham seus adeptos. Outra variação era um aparado com risca. Riscas davam um toque de classe a algo que, em si, era bem simples. A idéia veio dos garotos jamaicanos, cuja versão de cabelo aparado era chamada

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de "skiffle".

Costeletas também estavam na moda, à maneira do jogador Charlie George, do Arsenal, que exibia um belo par delas. Suíças eram usadas por skins que tinham barba suficiente e queriam parecer mais velhos e "respeitáveis" perante a fauna das ruas. Para estes a barba era um prolongamento da escovinha da careca, mas, mais que isso, representava um atributo viril.

Some-se a isso um par de botas, e você estava a rigor. Um belo par de botas de cadarço era indispensável, e quanto mais pesadas, melhor. Muitos skins usavam um ou dois números a mais que o tamanho do pé, a fim de reforçar a "ameaça" da botinada. Biqueiras de aço eram muito populares, pintadas de branco ou nas cores dos times, de modo a chamar mais atenção.

Você podia improvisar com botas profissionais, que já vinham reforçadas e até pintadas. Botas dos mineiros de carvão, coturnos militares e similares entravam no meio sem problema. O padrão era a bota de oito ou dez ilhoses, mas, principalmente após o advento do punk, qualquer coisa passaria a valer. Em todo caso, o que marcaria pontos a seu favor perante os colegas era ter um produto de boa

fabricação, superior ao usado pelos demais.

Se hoje a bota Doctor Marten está universalmente adotada, é porque as biqueiras metálicas acabaram proibidas nas arquibancadas por serem consideradas armas perigosas. Mas a popularidade das "Docs" não tem só essa razão. Elas tinham outras vantagens sobre os borzeguins ordinários: permitiam maior polimento e, acima de tudo, eram mais macias e confortáveis, o que fez daquela marca a favorita desde que apareceu no mercado.

As calças iam do verde-oliva ao veludo cotelê, mas para a maioria dos garotos eram os jeans os campeões da preferência. A bainha costumava ser dobrada ou cortada para encurtar o comprimento e deixar à mostra o cano alto dos coturnos, que podiam levar até duas horas de lustro para pegar o brilho máximo. Às vezes o cara exibia a bota inteira, mas normalmente a calça chegava pouco acima do tornozelo.

O modelo mais popular de jeans era a Levi's, usada desde o início da década pelos mods, por ser mais cara e "exclusiva" que os jeans comuns. Mas os skins não a preferiam só por esse motivo. Além de ter a

braguilha abotoada, a genuína 501 da Levi's era feita de pano mais pesado e resistente que o das calças então vendidas na High Street.

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O denim grosso durava a vida inteira, mas precisava dum encolhimento até servir bem no corpo, o que levava os caras a comprar a calça um ou dois tamanhos maior e entrar no banho vestidos com ela para pegar a forma justa. Isso parece piada, mas mais gozado é que a calça podia encolher mais um pouco na segunda lavada, provocando verdadeiros contorcionismos sobre a cama na hora de vestir novamente. Como se não bastasse, o corante azul que o pano novo soltava na água era às vezes duro de sair da perna e do chão do banheiro. Não admira, portanto, que finalmente a Levi's tenha adotado a brilhante idéia de vender calças pré-encolhidas.

Outro dado sobre a Levi's é que a calça era desenhada para ser usada nos quadris, mas todo mundo a puxava até a cintura, daí a necessidade de algo que as segurasse bem, o que acrescentou o suspensório ao guarda-roupa dos skinheads.

Lee e Wrangler eram duas outras marcas populares entre os skins, particularmente fora de Londres, em lugares onde a Levi's era mais difícil de achar. Eram similares no estilo, talvez um pouco mais largas, mas tinham a vantagem de vir pré-encolhidas.

A alta qualidade dos jeans da época tinha seus inconvenientes. O pano grosso levava algum tempo para parecer usado, e um tempão para desbotar. Ora, todo mundo quer dar a impressão de que está usando seus jeans por anos a fio, e não desde a semana passada. A solução mais à mão era o alvejante da mamãe. Os caras podiam meter o novo indigo blue num balde d'água com alvejante e em poucos minutos tiravam uma "velha calça desbotada". Ou então podiam aspergir o alvejante direto na calça, criando uma estilizada camuflagem de roupa usada. O mesmo tratamento valia, claro, para as jaquetas jeans, mas a mágica do desbotamento instantâneo tinha seus poréns. A química tinha o péssimo hábito de estragar a costura e o tecido, o que diminuía a vida útil dum pano artificialmente clareado. Não que alguém ligasse se você resolvesse guardar uma calça detonada para alguma ocasião solene.

As camisas é que davam o toque final no emergente uniforme skin de 1969. Padronagens floridas já não estavam mesmo com nada, mas nos primórdios do movimento qualquer camisa servia, até que dois estilos se firmaram como favoritos. Um sem colarinho, em cores lisas,

ocasionalmente em listras. O outro era o clássico colarinho americano, abotoado nas pontas, usadíssimo pelos mods em meados dos 60.

O modelo mais procurado de camisa com colarinho americano era da marca Ben Sherman, originalmente fabricado em tecido Oxford muito

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prega nas costas, com uma alcinha para pendurar a camisa. Essa era imbatível no estilo. Os colarinhos iam até quatro polegadas na largura e vinham listrados ou em cores lisas, já que as "Bennies" axadrezadas só apareceram depois de 1970. Na verdade, a Ben Sherman entrou no padrão xadrez imitando outros fabricantes, mas nem sempre foi feliz, já que alguns desenhos eram qualquer coisa de horrível.

Um ponto que precisa ser esclarecido é quanto à Ben Sherman branca. A maioria das pesquisas sobre os skinheads originais não vai além duma folheada num exemplar de THE PAINTHOUSE, um livro sobre uma pequena gangue de jovens skins do East End de Londres.

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Hoje a noção que fica é a de que eles não usavam Bennies brancas, como se os skinheads nunca as tivessem usado. A verdade é que a Ben Sherman branca foi popular entre os skinheads pelo país todo, em várias épocas, e era considerada tão elegante como qualquer outra camisa,

particularmente com soda ou água tônica, ou terno de "tonic". E fim de papo.

A Ben Sherman pode ter sido a marca mais famosa, mas não era a única na qual os skinheads punham fé. A Brutus também tinha uma coleção decente e, em tartã, não se podia comprar uma melhor. A Jaytex era outra

concorrente, que oferecia as melhores camisas axadrezadas do mercado. A Permanent Press tinha feitio tão de primeira quanto as demais, e suas blusas femininas gozavam de boa aceitação. Até Arnold Palmer, o jogador de golfe, emprestou seu nome a uma grife de excelentes camisas de colarinho americano. Na verdade, a demanda por boas camisas era tal, que alguns alfaiates fabricavam sua própria grife, sabendo que teria saída entre a clientela skinhead.

Outro tipo de camisa usado por skinheads era a velha Fred Perry de tênis, com mangas curtas. A propaganda garantia produto de alta qualidade, mas a popularidade estava nos detalhes, como o rolotê no colarinho e nas mangas, além da combinação de cores imitando as dos times de futebol: branco e azul-marinho (do Spurs), púrpura e azul (do West Ham), e assim por diante.

E ali estava você. Todo produzido, no rigor da moda operária e pronto pra encarar o mundo. A partir daí, tudo que você tinha a fazer era descolar uns trocados do velho e sair ao encontro dos colegas. A maioria dos skins era de menor, e só os mais velhos tinham chance de desfrutar livremente a noite na cidade.

Cada área tinha pelo menos um boteco onde os skinheads podiam levantar umas canecas e jogar um bilharzinho, antes de dar a noite por encerrada ou partir para uma esticada até o baile mais próximo. Enquanto rolava na jukebox a última novidade em reggae ou soul, a carecada trocava figurinhas sobre mulheres e tretas, com novas canecas brindando a cada caso mais quente. Era essa a hora propícia para usar a melhor roupa, quando a nata da turma dava aos caras o reconhecimento que compensava toda a grana deixada nas lojas. E enquanto as manchetes viviam cheias de botas e suspensórios, pouca gente reparava que os skinheads representavam talvez a parcela mais estilosa e distinta da juventude.

No futebol, as botas e os jeans eram por vezes deixados de lado, em favor da Levi's "sta-press" (que nunca amarrotava), do terno de mohair, dos sapatões engraxados e da meticulosa atenção nos detalhes daquela que já foi descrita como a "agressiva elegância" dos mods. Os caras exibiam

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seus ternos de três botões (o de baixo sempre desabotoado), e a quantidade de bolsinhos internos e de botões na manga, bem como o tamanho da abertura na parte de trás do paletó, era o que marcava a diferença entre os invejados e os maria-vai-com-as-outras. Outros

detalhes: lenço bem dobrado no bolso, latinha de fumo decorada e, claro, as garotas, com seus cabelos estilo "feathercut", sempre chocantes em suas saias e meias em vez de calças, e seus casaquinhos longos, ou então em roupas de mohair igualmente atraentes. Aquilo era o paraíso dos skinheads.

Não bastava estar bem-vestido, era preciso ter lugares aonde ir. O Mecca Ballroom, o Palais, o Locarno, entre outros pontos quentes para beber e dançar a noite toda. Os salões ficavam lotados de skinheads ávidos por reggae, ska e soul.

O reggae estava despontando na cena britânica principalmente devido à curtição dos skinheads. A imprensa musical e as rádios não davam grande apoio, até desdenhavam o gênero por ser "cru" e "simples". Chegavam a chamar de "yobbo music" ("música de mongolóide"), justamente por causa da conexão com o movimento skin.

Aquilo era um círculo vicioso, pois, sem cobertura da imprensa e sem tocar nas rádios, as lojas de disco não encomendavam e, portanto, a música nunca aparecia nas listas de mais vendidos.

E como algumas estações, particularmente a Radio One, baseavam sua programação na colocação das músicas como reflexo da preferência do público, o reggae raramente figuraria como "popular". Os dois únicos programas dedicados ao gênero eram o "Reggae Time" da BBC de Londres e o "Reggae Reggae" da Rádio Birmingham. Eram chamados programas "de minoria", numa época em que os singles de reggae vendiam dezenas de milhares de cópias sem qualquer tipo de promoção.

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Isso fez dos salões e dos pontos de venda (que geralmente não passavam de barracas de mercado) os únicos locais onde se podia ouvir os últimos lançamentos. Mesmo os discos que chegavam às paradas, como o grande sucesso de Dekker "Israelites", passavam meses expostos nos clubes e pubs até galgarem uma posição. Mas em 1969 já era tal a procura que os pequenos comerciantes não davam conta. Não demorou para que o som fosse ouvido em locais públicos nos fins-de-semana, até que casas noturnas

badaladas, como o Flamingo ou The Roaring Twenties começaram a atender aos fãs de reggae.

O grande nome do reggae skin foi a Trojan, uma etiqueta lançada pela gravadora Island Records e pela Beat & Commercial Company em 1968. A Island já tinha tradição no mercado de música jamaicana na Grã-Bretanha e chegara ao segundo lugar nas paradas em 1964 com "My boy lollipop" de Millie. Mas em 1968 o dono da gravadora, Chris Blackwell, estava mais interessado em transformar a Island num grande selo do rock, com um elenco de bandas tipo Free, Fairport Convention ou King Crimson. Para isso tinha que se livrar da imagem de gravadora especializada em

"minoria", e descartou todos os astros do reggae, com exceção de Jimmy Cliff. Já a companhia Beat & Commercial pertencia a Lee Goptal, um comerciante de tino, bem entrosado na música jamaicana. A princípio a B & C trabalhava na distribuição entre a Musicland e as lojas da Music City em Londres, nas áreas de Stoke, Newington, Brixton e Shepherd's Bush.

Quando a Trojan se estabeleceu, veio como uma salvação para ambos, pois dava continuidade à política da Island de investir no reggae mais pop como forma de levar o som jamaicano para além do gueto. As "asperezas" das gravações de produção mais barata foram amenizadas e contornadas com a adição de cordas e até coros, de modo a torná-las palatáveis ao mercado britânico. Singles promocionais, baladas, versões cover de música pop, tudo valia para abrir o mercado aos produtos da Trojan e suas subsidiárias, garantindo espaço nas rádios e faturando-lhe dezessete hits entre os "vinte mais" no período de 1969 a 1972.

A Trojan também foi das primeiras a vender discos a preço promocional para ampliar o mercado. Coletâneas como as das séries "TIGHTEN UP" e

"REGGAE CHARTBUSTERS" cavaram sua trincheira num mercado dominado pelos dinossauros do rock, graças a tais promoções.

Com suas mais de quarenta subsidiárias, a Trojan acabou controlando 80% do mercado de reggae, isso numa época em que cerca de 180 discos de reggae eram lançados cada semana. Em termos de reggae, era impossível rivalizar com ela, mas, apesar de ter alguns de seus astros entre os mais famosos do showbusiness, o som jamaicano permanecia dentro dos limites do underground. De mais a mais, o gosto dos apreciadores de

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reggae skin não coincidia necessariamente com o do consumidor comum, o que gerava distorções do tipo: canções de maciço sucesso nos clubes, que passavam despercebidas do público em geral e da mídia musical. Para um skin, nomes como Derrick Morgan e Pat Kelly significavam muito, tanto ou mais que um Desmond Dekker ou um Jimmy Cliff.

A única real concorrente da Trojan era a Pama Records e sua dúzia de etiquetas subsidiárias. Fundada em 1967, no auge do rocksteady, pelos três irmãos Palmer, ela incrementou a autêntica reputação do reggae, dirigindo seus lançamentos especificamente ao mercado étnico e ao movimento skin.

Os produtores jamaicanos, que já não tinham muita fama de honestos, trataram de explorar a rivalidade entre as duas maiores empresas de reggae. Eles voavam até Londres e assinavam contrato com ambas para os mesmos lançamentos, o que resultava em litígios que culminaram em 1969, quando a Trojan lançou pela Treasure Isle o célebre "Skinhead

moonstomp" do grupo Symarip, só para abafar o sucesso do "Moonhop" de Derrick Morgan, que saíra pelo selo Crab da Pama.

O rolo tinha começado quando Bunny Lee cedeu uma mesma música ("Seven letters", de Derrick Morgan) para a Trojan, que a lançaria em sua nova subsidiária Jackpot, e para a Pama, que a lançaria pela Crab. Na hora em que a Pama cronogramava seus melhores lançamentos para sair em função do sucesso de "Moonhop", a Trojan melou tudo com uma versão

não-creditada da dita cuja, que não era outra senão a famigerada "Skinhead moonstomp", interpretada pelos Pyramids sob a falsa identidade de Symarip (um óbvio anagrama), a fim de faturar em cima da promoção da concorrente. Ironicamente, "Skinhead moonstomp" é hoje reconhecido como um clássico do reggae skin, enquanto o original "Moonhop" caiu no esquecimento. O mais chato de tudo era o fato de Bunny Lee ser cunhado de Derrick!

Casos como esse iam sujando a barra da música jamaicana. Na verdade, a própria "Moonhop" de Derrick Morgan era baseada noutra canção, chamada "I thank you", que tinha sido lançada por Sam & Dave, uma dupla soul de Memphis. Quanto aos Pyramids, uma banda de estúdio que topava qualquer parada, estavam acostumados a gravar sob pseudônimo. Na mesma época, tinham saído discos deles como The Alterations, The Bed Bugs e The Rough Riders.

Tanto a Trojan como a Pama chegaram a produzir seu material na

própria Grã-Bretanha, às vezes com músicos de estúdio brancos e vocalistas jamaicanos, todos aqui radicados ou que vinham passar temporada. Laurel Aitken, um dos recordistas de vendas da Pama, costumava dizer que só

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dava ele de negro no estúdio quando era gravado um reggae.

Claro que "Skinhead moonstomp" não foi o primeiro nem o último disco de reggae a celebrar seus próprios fãs skinheads. Os mesmos Pyramids aproveitaram a onda para faturar outras canções em cima do tema, sob o nome fantasia de Symarip, como a clássica "Skinhead girl" e a "Skinhead jamboree". Algumas canções eram excelentes, outras pavorosas. Os Mohawks pintaram com "Skinhead shuffle" pela Pama, Laurel Aitken com "Skinhead train" (Nu Beat), os Hot Rod Allstars com "Skinheads don't fear" e

"Skinhead moondust" pela Torpedo, Joe The Boss com "Skinhead revolt" (Joe), Desmond Riley com "Skinhead, a message to you" (Downtown), e a lista vai longe. 2

A atração dos skinheads pelo reggae se devia ao ritmo contagiante da música. As letras pouco importavam, já que a maioria não sacava o significado da gíria jamaicana. "Israelites" de Desmond Dekker pode ter vendido oito milhões de cópias pelo mundo afora, mas se você perguntar a meia dúzia de caras o que a letra quer dizer, você vai ter meia dúzia de respostas diferentes. Por isso mesmo as faixas instrumentais tinham tanta popularidade quanto os números vocais: o essencial estava no som. 3

Mesmo maquiado nas gravadoras e "selecionado" pelos DJs nos salões, o velho som primitivo do ska e do rocksteady nunca perdeu seu charme, o que manteve o reggae como o som favorito dos skinheads. Mas o soul americano também era bem curtido, através dos lançamentos das gravadoras Tamla Motown, Stax e Atlantic.

As ilhas britânicas foram atingidas pela tempestade soul no começo dos anos 60, quando o finado Otis Redding chegou a ter um dos programas da série de TV "Ready, steady, go!" inteiramente dedicado à sua figura. No final da década, nova onda de soul passou por aqui, com muitos

2

"Skinhead girl" tem uma excelente cover Oi! pela banda Oppressed (1984). "Skinhead moonstomp" tem cover num medley ao vivo pelos Specials, intitulado "Skinhead symphony". (NT)

3

A letra de "Israelites" é tão obscura e dialetal, que cada um a

entende e canta à sua maneira: "Get up every morning, slaving for bread, sir / So that every mouth can be fed / Ohh, the Israelites, sir." pode variar pra "Wake up in the morning, working for bread, sir" ou pra "Wake up in the morning, straight down to breakfast" ou pra "Wake up in the morning, baked beans for breakfast". (NT)

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relançamentos e sucessos revisitando as paradas.

Ao contrário do reggae, o soul estava com tudo junto à mídia. Os jornais davam constante destaque a artistas como Aretha Franklin, Smokey Robinson & The Miracles ou Booker T & The MGs, e o espaço nas rádios era garantido pelo sucesso nas vendas. Os artistas jamaicanos também partiam pro soul, seguindo os passos dos Mohawks e de Jimmy Cliff.

Nas noites de reggae e soul, os skinheads dançavam à sua maneira. Qualquer um sabia pisar forte acompanhando os compassos do reggae, e normalmente rapazes dançavam com rapazes, e as garotas... com suas próprias bolsas. Mas, no fim da noite, quando vinham os números de soul, mais lentos, a coisa mudava de figura. As garotas se sobressaíam, e os rapazes que se metiam a exibidos caíam do cavalo.

O melhor de tudo, porém, eram as gigs (apresentações ao vivo). O sucesso do reggae na Grã-Bretanha trouxe praticamente todos os astros da Jamaica, e alguns ficavam por aqui. Em Londres você podia ir a uma gig de reggae quase todos os dias da semana, nos enfumaçados clubes do tipo The Ska Bar, The Ram Jam Club, The Golden Star Club, ou Cue Club, onde sempre havia um astro de primeira linha em cartaz. Até Wembley aderiu e hospedou um público de 9 mil pessoas no Caribbean Music Festival de 1970. Todo o show foi filmado e depois exibido em pequeno circuito, incluindo a participação dos skinheads, sob o criativo título de... REGGAE.

No interior as gigs eram mais raras, e apenas alguns astros se

apresentavam em cidades como Bristol, onde Derrick Morgan ia sabendo que teria acolhida garantida dos skins locais e que a bilheteria ia

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compensar. Mas de vez em quando um pacote de reggae incluía uma turnê por todas as grandes cidades, e aí você podia assistir numa única noite cinco ou seis ídolos jamaicanos performando em meio a um sistema de som de primeira.

Muitos skinheads se tornaram colecionadores de música jamaicana e gastavam cada minuto, pra não dizer cada centavo, fuçando as lojas da sua área à cata dos últimos lançamentos. Todo mundo sabia em que dia chegavam os novos estoques, e esse era o dia de descolar

aqueles discos que iam deixar os colegas de água na boca. Os importados jamaicanos eram os mais procurados, já que, até serem lançados na Grã-Bretanha, valiam como "raridade". O próprio herói dos skins, Judge Dread, costumava ir às docas com seu operador de som, só para comprar discos direto do navio e se antecipar à concorrência.4 Era tamanho o

orgulho de se ter uma boa coleção, que alguns chegavam a rasurar o nome da música e do intérprete nos singles, de modo a impedir que os colegas tivessem acesso aos melhores itens do acervo, guardados como segredo de estado. Um velho truque pirata, copiado das máfias do som jamaicanas. Alguns skins instalavam seu próprio sistema de som, para concorrer com os mais profissionais dos negros e com o equipamento dos outros skins. Dava pra escutar de longe a briga de amplificação (caixas cada vez maiores) dos baixos para disputar a atenção do público dançante.

Os skins mais jovens (vale dizer, a maioria) tinham que se contentar em ouvir discos na casa dos colegas ou no clube local.

Alguns sistemas de som tocavam em bailes das escolas. Fora disso, o jeito era aguardar as gigs como chance de ouvir música ao vivo e de se exibir um pouco, tentando parecer tão durão quanto os mais velhos. E se nada de novo estivesse rolando, a esquina era o melhor local para fazer ponto e ficar à toa. Até que algum filha da puta ligasse pra polícia tirar você dali.

4

Judge Dread é o nome de guerra de Alex Hughes, um dos primeiros vocalistas brancos surgidos na gravadora Trojan, onde emplacou 16 singles de sucesso, vendendo 20 milhões de cópias. Antes de lançar "Big Six", o "Juiz" trabalhara como leão-de-chácara e DJ no clube Ram Jam e como guarda-costas de astros tipo Prince Buster e os Rolling Stones. Ele começou na Trojan como cobrador de contas, mas, ironicamente, veio a arcar com prejuízo de milhão de libras quando a companhia faliu em 1975. (O nome artístico é uma variante gráfica de Judge Dredd, personagem de HQ muito popular na Inglaterra. NT)

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Outra coisa de que os skins mais novos sentiam falta era um

guarda-roupa apresentável. Não que os mais velhos tivessem grana para encher as gavetas de Ben Shermans, mas para quem ainda estava na escola a situação era particularmente dura. Ainda mais quando havia

aniversários ou Natal pela frente. Enquanto isso, chegava o sábado, e você precisava pelo menos dum par de botas e duma grana para ir ao futebol. E duma garrafa pra passar com ela escondida pela catraca. O futebol era uma das raras ocasiões em que todos os skinheads duma cidade ou área podiam se juntar duma só vez. Nos outros dias da semana, só dava chance pra coturnar junto com a própria turma, e as turmas só se cruzavam nos bailes ou para algum ajuste de contas. Mas aí vinha o sábado, e as diferenças locais eram momentaneamente deixadas de lado, em nome da torcida pelo time da casa contra os torcedores do clube

visitante.

As primeiras galeras de skinheads entraram em ação na temporada futebolística de 1968-69, quando o Leeds United, o Liverpool e o

Everton eram os times em evidência. Nada teve o dom de propagar melhor o estilo skin do que as galeras itinerantes que atuavam antes, durante e depois de cada partida. Na temporada seguinte, até os amistosos virariam campo de batalha, e a treta se alastraria pelas várias categorias do futebol inglês e também do escocês.

Cada time do sul tinha sua torcida skinhead, e os do norte logo entraram nessa. O Portsmouth foi o primeiro da temporada a se vangloriar de ter posto pra correr a torcida troglodita e cabeluda do Manchester City pelo Fratton Park afora. Isso foi num amistoso, e o quebra-pau só tenderia a aumentar, quando a temporada começasse oficialmente em Blackpool. Em poucas semanas, a primeira página do FOOTBALL MAIL alardeava a "ameaça skinhead", e o nível de violência já alarmava os gabinetes dos guardiões da moral.

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Times como o Manchester United, com sua famigerada galera Red Army (Exército Vermelho), bem como os grandes clubes de Londres, contavam aos milhares seus torcedores skins. Até um clube menor, como o Crystal Palace, tinha sempre algumas centenas deles animando o Holmesdale End. No norte, o futebol chegava a superar a música como paixão maior do movimento skinhead, a ponto de tornar a moda das arquibancadas (camisa, jeans e botas) mais típica que a da noite. Times tipo Sunderland e

Newcastle United eram grandes rivais, e ambos contavam com cerca de dois mil skins a serviço da treta nos dias de clássico.

Geralmente a treta começava por causa da ocupação de pontos

estratégicos do campo, de onde se pudesse interferir no andamento da partida. Por exemplo: a galera visitante chegava primeiro e ocupava o espaço da torcida da casa, obrigando-a a se espalhar por outros pontos da arquibancada. Outro exemplo: ao comemorar um gol do seu time, a torcida aproveitava para escorraçar a galera adversária do local que ocupava.

A princípio vacilante, a polícia foi tratando de separar as torcidas organizadas dentro de campo, o que incentivou a treta organizada fora de campo, a qual incluía emboscadas na estação do trem e nos pubs, cores dos times camufladas debaixo de outras roupas no caminho de ida ou volta, e outros macetes.

Armas eram usadas no futebol com a maior naturalidade. Garrafas, meios-tijolos, dardos, giletes dentro de laranjas, estrelas cortantes, pedaços de cano e outras "ferramentas". Até a velha espingarda de caça ou de ar comprimido era usada. Mas o melhor de todos os armamentos era mesmo o par de botas com biqueira de aço, que logo foram classificadas como arma perigosa e, muito a contragosto, tiveram que ser deixadas em casa.

As botas eram o centro das atenções da polícia, que costumava "confiscar" os cadarços para dificultar a vida dos skins mais

briguentos, que ficavam impedidos de correr ou chutar. Aquilo virou um jogo de gato & rato, pois os skins não se davam por vencidos e

substituíam os cadarços por araminhos, clipes, ou simplesmente por um par sobressalente de cordões guardado no bolso ou comprado às pressas na sapataria mais próxima. Claro que a polícia revidava, proibindo a venda de cadarços nas imediações dos estádios e revistando os caras para esvaziar-lhes os bolsos.

Aí vinha o arrocho decisivo: na saída do jogo, os skinheads eram enfileirados e obrigados a descalçar as botas, que eram jogadas a esmo numa grande pilha, enquanto os caras ficavam só de meia esperando até que a torcida adversária fosse escoltada a uma distância segura. Claro

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que isso dava aos skins mais espertos a chance de descolar os melhores pares de botas na hora do salve-se-quem-puder, quando a polícia liberava os caras para se calçarem de novo. Mas o pior era o

impressionante "efeito de máquina de lavar" que tinha a tal pilha de botas. Já é chato quando você põe um par de meias na máquina e só tira um pé. Agora imagine o ridículo de voltar pra casa depois do jogo só com um pé de bota.

A norma era a revista na hora de passar pela catraca. Era quando as garotas torcedoras entravam em ação. Elas podiam levar os "armamentos" para dentro de campo com mais facilidade, já que raramente eram

revistadas. Somente a polícia feminina podia revistar garotas, e, como as policiais eram em menor número, podiam ser facilmente evitadas. Era só dirigir-se a uma catraca onde houvesse um policial.

Não que as garotas viessem aos montes. Elas só apareciam acompanhadas do namorado ou em busca de um novo. Às vezes pintavam aquelas que realmente curtiam futebol ou eram fãs de algum jogador. Mas os melhores casos eram contados sobre gangues só de mulheres, que vinham com tudo quando o namorado de alguma delas corria perigo. Algumas tinham mais

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pique que muitos caras. Só que, em se tratando de meninas-amazonas, todo mundo sabe quem são, mas nenhum cara diz que as viu agindo em sua própria defesa, por uma questão de autodefesa. É que tá assim de cara que corre da raia mais que mulher. Isso explica muita coisa.

À medida que ia ficando mais difícil "contrabandear" armas para dentro de campo, a manha dos skins se aperfeiçoava. Jornais eram enrolados bem apertado a fim de formar os chamados "tijolos do Millwall". Outro truque era improvisar uma soqueira com moedas presas num embrulho de jornal. Afinal, você não podia ser barrado por ter muito trocado no bolso e um DAILY MIRROR debaixo do braço...

O agito maior tinha lugar no caminho do estádio. Embarcar num ônibus fretado rumo a terras estranhas, xingar a torcida inimiga no trajeto e escapar do policiamento eram as prioridades. Guerrear, se possível. Mas veja bem, a guerra muitas vezes não passava dum arremesso de garrafas, duma perseguição e duma tempestade de palavrões. Ou seja, as batalhas podiam, quando muito, descambar para um tumulto em larga escala. Nada de mais.

Depredar trens a caminho de casa virou rotina. Tanto que a British Rail teve que renovar sua frota, à medida que os velhos vagões iam ficando inutilizados. Mais um serviço de utilidade pública dos nossos

escoteiríssimos amiguinhos carecas. Mas a treta no futebol freqüentava semanalmente as manchetes que, em tom indignado, espalhavam a reputação dos skinheads pelos quatro cantos. Naturalmente acompanhadas daquelas teorias baratas sobre lares desfeitos, problemas de escolaridade, áreas carentes, etc... Que até podiam ter algum fundamento, mas que

escamoteavam o verdadeiro motivo pelo qual a molecada se envolvia no hooliganismo do futebol: porque curtiam a coisa. Tão simples que dispensa maiores explicações.

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sociedade supostamente zelosa, têm sido mais violentas que o problema em si. Ponham-nos de joelho no milho! Açoitem-nos com vara de marmelo! Reformatório neles! Trabalhos forçados! Serviço militar! Um tal Bobby Robson, falando em nome do Ipswich Town, chegou a sugerir o uso de lança-chamas contra os baderneiros da torcida do Millwall! E o cara chegou a cartola da seleção inglesa! É mole?

Os sociólogos de plantão sustentavam que os skinheads não estavam nem aí pro futebol, mas eles, os sociólogos, é que estavam por fora. Podem falar o que quiserem, mas poucos são tão fiéis torcedores dum time como os hooligans.

A cobertura da TV transformava o futebol num jogo de replays, onde cada movimento podia ser decomposto e analisado. Mas se o futebol se resumisse nisso, quem iria perder tempo assistindo merdas como o Maidstone United semana sim, semana não? Os telespectadores, refestelados e seguros em suas poltronas, talvez se disponham a ficar

passivamente acompanhando cada jogada, mas a vida nas arquibancadas são outros quinhentos. De um lado, rola o jogo de passes, lançamentos e

chutes a gol, mas isso não é tudo. É do lado de cá, fora do gramado,

que a paixão, o envolvimento e as simpatias predominam. E tem sempre um filha da puta bem na sua frente, atrapalhando sua visão nos momentos mais cruciais.

Mas a treta dos skinheads não se limitava às arquibancadas, longe disso. A maior parte das rixas era entre gangues de determinado "território", que incursionavam em outras áreas da cidade. Algumas gangues vinham de uma única rua, outras eram formadas por freqüentadores dum pub, dum café ou até duma zona. O território era tudo.

O vestuário do skinhead era ao mesmo tempo o uniforme da gangue. Tinha que refletir agressividade e ser característico da classe operária, mas

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isso não quer dizer que todos os moleques que se tornavam skins tivessem uma filosofia. Para alguns era um estilo de vida, para outros apenas um modismo, mas você não poderia usar o cabelo raspado, calçar um par de botas e se engajar no batalhão se não levasse consigo algum daqueles valores. Pertencer a uma gangue dava um puta sentimento de participação, e daí provinha o orgulho, o respeito e a lealdade que você cultivava

para com os companheiros e em prol da reputação da gangue. A lei da selva é a única válida entre bandidos. Quem não quisesse ficar indefeso tinha que entrar para uma gangue.

Em cada grupo sempre existem os líderes, os briguentos, os Romeus, os palhaços, os bodes expiatórios e os sacos-de-pancada. O núcleo da gangue consistia naqueles que só estavam a fim de briga e naqueles que eram bons de briga. A "tropa de choque", que vinha na frente e se saía melhor na hora do pega-pra-capar. Mosqueteiros que estariam a seu lado na base do "um por todos e todos por um".

Para cada membro, a gangue era o mundo. Se você fosse chutado fora, dava pra se sentir um peso morto, um otário, ou pra se julgar traído. Mas

nunca pra se dar por vencido. Um chute no rabo podia ter seu sabor de vitória, se você se tomasse de brios e corresse logo pra casa a fim de lamber as feridas e remoer alguma vingança.

Duas costelas quebradas e o nariz amassado podiam abalar um pouco mais o moral, mas você ainda poderia rir por último se, mesmo fugindo,

conseguisse xingar alguém de filha da puta. E sempre havia o dia da caça.

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As gangues de skinheads pareciam achar encrenca onde quer que fossem. Na saída da escola, na porta duma loja, numa galeria, num ponto de ônibus. E se a encrenca não viesse até você, só lhe restava uma solução: ir

atrás da encrenca. Como? Invadindo o território de outra gangue ou dando em cima duma das garotas deles. Era treta garantida. Ou isso, ou então escolher alguém pra Cristo e zoar legal com quem merecesse a honra e o prazer de conhecer o solado das suas botas.

Quem fosse estranho no pedaço era um alvo potencial da treta. Isso valia para o membro da gangue rival ou para a pobre alma que estivesse no lugar certo na hora errada. O alvo variava conforme a área. Perto de quartéis, a "malhação do reco" era o esporte favorito, muito embora vários skinheads estivessem, eles próprios, prestando serviço militar. Perto das universidades, eram os estudantes que atraíam os pés da carecada. E assim por diante.

Bichas ou qualquer um que tivesse um arzinho remotamente fresco eram cobaias preferenciais para as botinadas, principalmente se fosse na proporção de um viado pra dez bagunceiros. Os jornais viviam cheios de notícias sobre algum freqüentador ou funcionário de banheiro público que levava cacete dos skinheads só porque eles o achavam com cara de bicha velha ou enrustida.

Hippies também eram vítimas fáceis. Eram vistos pelos skins como

parasitas sujos e desgrenhados, rebeldes de araque, totalmente estranhos aos valores tradicionais da comunidade donde os skins eram oriundos. Não que os hippies passeassem de propósito pelo território dos skins, mas estes os caçavam onde quer que estivessem, como se organizassem uma expedição ou excursão. E não era difícil capturá-los. Bastava localizar a "comunidade" (o cortiço onde moravam) ou ir a um festival pop, e estavam no papo.

Na verdade, a sanha contra os hippies foi uma das causas da presença dos skinheads nos jornais. Em setembro de 1969, a ocupação dum prédio de Londres pelos hippies virou notícia, causando ajuntamento popular do lado de fora. Em meio à multidão de curiosos estavam a polícia e as gangues de skinheads, aliadas no mesmo propósito de acabar com a "invasão". Se não fosse a presença dos Hell's Angels, nada impediria que os skins atacassem o prédio. É, os hippies também se defendiam. Nos festivais pop, você não tinha trabalho para achar os hippies, já que ninguém precisava pagar ingresso. O maior festival de 69 foi o show dos Rolling Stones no Hyde Park, em julho, que atraiu 250 mil pessoas. Novamente lá estavam os Hell's Angels, pagos para manter a ordem, mas eles não puderam barrar os skins penetras, que viraram algumas motos de rodas para o ar e sabotaram algumas cestas de piquenique. No ano

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seguinte, os festivais gratuitos pululavam por toda parte, no Hyde Park de novo, na ilha de Wight, em Bath, todos formigando de hippies. Os skinheads bem que tentaram "limpar" as ruas deles, mas a tarefa era inglória. Até mesmo o crítico pop Jonathan King, que nunca foi muito amigo dos skins, chamava a fauna de Bath de "sombria, suja, baixo-astral e mal-encarada", e dizia que ela "tresandava a meia fedida e a cueca sem lavar". Isso deixava os skins ainda mais crentes que Deus estava do seu lado.

Às vezes se ouvia falar num "tratado de paz" entre skinheads e hippies, mas tudo não passava duma página esporádica no INTERNATIONAL TIMES. E como os skins não costumavam ler as cascatas dos hippies, a coisa se reduzia a isso: cascata.

Skinheads e Hell's Angels também não se beijavam, mesmo que nenhum hippy estivesse por perto precisando de proteção. Eram freqüentes os choques entre as duas tribos nas praias e cidades que sediavam uma filial dos Angels ou dalguma gangue de motoqueiros do tipo. A popstar Toyah Wilcox conta uma história escabrosa sobre a rivalidade entre skinheads e Angels no Oeste. Certa manhã, uma cabeça raspada e decapitada foi achada numa passagem de pedestres. Não admira que ela tenha desistido da criação de ovelhas em Barnet. Já em Whitby (Yorkshire) um Angel foi esfaqueado até a morte por um skin, cuja garota o motoqueiro tinha tomado. Elas por elas.

Há que ressalvar a despeitada admiração que alguns skins nutriam pelos verdadeiros motoqueiros, já que estes viviam de acordo com o estilo em que acreditavam. Até porque algo como uma moto não estava ao alcance dum skin de quatorze anos, muito menos o confronto direto com um Angel.

Apesar das roupas de couro estilo Peter Test Tube, usadas por alguns moleques motorizados que posavam de Hell's Angels. Mas isso era só pra fazer gênero.

Assim como os mods guerreavam com os rockers, os skinheads iriam guerrear com os "greasers" (sebosos), que eram descendentes diretos dos rockers, embora não se saiba qual das duas tribos, rockers ou greasers, seria o elo perdido que os antropólogos tanto procuram no meio dos fósseis. Quer dizer, existem caras sujas e caras sujos. E sujeira é do que os greasers gostavam.

O gozado é que, em certos aspectos, os skinheads tinham mais coisas em comum com os greasers que com os próprios mods. O certo é que, na crua realidade do mundo skin, não havia lugar para cabelos estilizados e bem tratados, cigarros finos ou maquiagem para homens, tão do agrado de

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certos mods.5 Enquanto o espírito do mod privilegiava a

individualidade, os skinheads valorizavam a uniformidade de pertencer a uma turma. Os greasers, por outro lado, partilhavam dos mesmos valores que os skins cultivavam em torno da masculinidade, do machismo e do companheirismo, mas as semelhanças vão só até aí. Em outros campos, as tribos não falavam a mesma linguagem. As idéias sobre roupa, música, higiene e transporte eram muito divergentes entre elas. Enquanto os greasers andavam de motocicleta, os skinheads iam de Ford Anglia, de lambreta, ou, mais comumente, de ônibus ou trem.

O ódio dos skins contra os greasers nunca se encarniçava tanto como por ocasião dos feriados bancários, quando os choques se multiplicavam pela orla marítima em todo o país. Os skins sempre estavam em superioridade numérica, mas eram mais jovens, o que fazia mais diferença do que pode parecer. É por isso que a coisa mais gostosa para uma gangue skin era pegar um greaser sozinho e desprevenido. O cara precisava de cada polegada da corrente de sua moto para manter os skins a distância!

Futebol e tretas de feriado bancário eram bons assuntos para as manchetes, mas o lado mais preocupante da violência skinhead era a hostilidade contra os asiáticos residentes na Grã-Bretanha. As coisas chegariam a tal ponto, que a "paki-bashing" ("malhação do paki", como se tornou conhecida a perseguição aos imigrantes paquistaneses) acabou

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O autor alude aqui não aos "hardmods" (ou "gangmods"), tipos mais barra-pesada dos quais derivaram os skinheads, mas sim ao lado

pó-de-arroz dos mods, os chamados "art college mods" ou "trendy mods" (mods estudantes de arte ou mods modistas), cuja vaidade na aparência beirava a frescura nos detalhes & retoques, extrapolando a "dureza" do estilo skin. Em tempo: a palavra "mod" vem de "modern", o que já indica a tendência ao lado "visual" do comportamento. (NT)

Referências

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