• Nenhum resultado encontrado

Corporativismo e democracia: Uma análise sob a ótica de Hans Kelsen e Ronald Dworkin

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Corporativismo e democracia: Uma análise sob a ótica de Hans Kelsen e Ronald Dworkin"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

Corporativismo e democracia: Uma análise sob a ótica de Hans Kelsen e

Ronald Dworkin

Diego Duarte Gonzalez

Mestrando em Direito no Centro Universitário Ritter dos Reis, pós-graduado em Direito Tributário (2015) e formado pela mesma instituição (2013). Advogado sócio do escritório Martins, Robledo e Bernardon, Porto Alegre/RS.

asg.diego@gmail.com

Resumo: Vivemos em uma sociedade democrática onde além da atual polarização de

pensamentos, existem disputas ideológicas, de classe social, profissional, dentre outras. Em nossa democracia, ditas classes muitas vezes assumem um papel altamente corporativista em defesa de seus próprios direitos e benefícios sem analisar o impacto disso perante toda a coletividade. A presente pesquisa é embasada nas teorias de Hans Kelsen cuja rejeição ao corporativismo é defendida expressamente em sua obra “Essência e valor da democracia” e de Ronald Dworkin, com sua concepção de que a liberdade individual é promovida pelo autogoverno coletivo, tendo como principal objetivo demonstrar que o exercício dos papéis das instituições deveria ser pensado de forma a contribuir com toda a coletividade, modelo que tende a tornar o estado de direito essencialmente mais democrático e por consequência mais favorável a um ambiente de proteção e garantia de direitos humanos. A pesquisa, nesse sentido, busca aproximar as ideias de rejeição do corporativismo e de autogoverno coletivo, na busca de um ideal democrático em prol do interesse público e não apenas de interesses de uma maioria ou minoria dominante.

1 Introdução

Um dos elementos característicos de uma democracia representativa é justamente a escolha direta, pelo povo, de quem serão aquelas pessoas que por determinado período terão como desafio a tomada de decisões coletivas importantes com relação ao presente e ao futuro da população. No Brasil, a polarização do debate esquerda versus direita ficou bastante clara a partir de 2014 com a eleição da presidente da república por uma diferença mínima no número de votos com relação ao opositor, mais acentuada ainda com as manifestações pró e contra o impeachment ocorrido em 2016. O ambiente de intolerância é apenas uma das consequências de uma democracia que cada vez mais tem aceitado o corporativismo como algo natural em seu âmago, mesmo que sem qualquer espécie de limites e reflexões.

É comum observarmos a defesa de um único ponto de vista, sem uma análise pormenorizada do que está sendo discutido sob uma ótica coletiva e geral, sobretudo quando se tratam de decisões políticas importantes e que muitas vezes envolvem direitos dos cidadãos. A população pede, e não pede pouco. No Brasil ela protesta cotidianamente especialmente por melhorias em saúde (hospitais, médicos, etc.), segurança (mais policiais, estrutura, presídios, políticas criminais diferentes e eficazes), educação (escolas, universidades, salários e condições melhores aos professores) e menos corrupção. Enfim, são aspirações em que é nítida a necessidade de que o estado ou respectivo ente da

(2)

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

federação possua as condições financeiras necessárias para arcar com estas demandas. Entretanto, ainda que os cidadãos saibam que para o atendimento destas demandas há necessidade de verbas, não é difícil notar a existência de uma grande demanda popular para redução de tributos (normalmente encabeçada por instituições vinculadas à indústria ou comércio). Curiosamente, este aumento de tributos é, em muitos casos, defendido ou atacado dependendo de quem estiver no governo.

Os grupos e instituições que estão envolvidos no sistema jurídico e democrático brasileiro, incluindo os próprios governantes (executivo e legislativo), os juízes, os servidores do judiciário, os policiais, os professores, os demais órgãos de classe, sindicatos e movimentos sociais e políticos, de fato possuem algo em comum: o direito (e agora, aparentemente o dever) de lutar e pedir por aquilo que entendem que merecem para si, sem muitas vezes analisar todo o contexto de demandas da nossa coletividade. Como exemplo, pode-se citar o grupo de classe que reivindica ou concede a si próprio aumento sem previsão ou capacidade orçamentária. Ou a classe que realiza manobras jurídicas para se autoconceder aumento sem considerar o já alto salário frente à realidade brasileira. Também serve de exemplo o governo que banca aumento na remuneração dos parlamentares inclusive acima da inflação para logo em seguida aplicar medidas coletivas de austeridade muito severas e que atingem grupos de menor força social e política: a famosa situação em que a corda rói sempre em sua parte mais fraca.

Trata-se, pois, de uma espécie de dever destas coletividades de assumir ou encarnarem papéis como classes ou instituições que exigem de forma extrema as suas demandas sem avaliar o impacto disso para com a coletividade. A justificativa é essa: o papel principal das instituições (na realidade dos seus representantes) é defender a sua classe, deixando o objetivo coletivo em segundo plano. Tal justificativa não apenas é equivocada como é desnecessária: o papel de todos é contribuir e participar de um autogoverno coletivo e assim buscar a maximização dos anseios da própria coletividade, como a liberdade e a igualdade (aqui remontando à polarização anteriormente citada entre esquerda versus direita).

Diante disso, este artigo pretende esmiuçar a relação entre corporativismo e democracia sob a ótica de Ronald Dworkin e Hans Kelsen, cujas teorias do autogoverno coletivo e da rejeição da representação profissional, respectivamente, figuram como marco referencial teórico do trabalho.

2 A crítica de Kelsen ao corporativismo na democracia

A prevalência do interesse privado sobre o público, bem como a apropriação privada dos recursos gerados e geridos pelo Estado – sobretudo no Brasil – estão indissoluvelmente relacionadas ao corporativismo (COSTA, 1991).

(3)

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

Arranjos corporativos são fórmulas de institucionalização do conflito entre interesses de classes antagônicas que levam ao diálogo ou a regras mínimas de convivência sob a arbitragem do Estado. Entre nós, este arranjo produziu o completo distanciamento das classes que supostamente deveria aproximar, as quais permaneceram assim dissociadas ao longo de décadas. Organizando-se em estruturas paralelas, sem nenhuma articulação institucionalizada entre si entidades representativas da classe patronal e da classe operária nunca chegariam a esse suposto espaço de interlocução que deveria ser criado pelo corporativismo (COSTA, 1991, p. 1).

Mesmo criticado, o corporativismo segue firme em suas ações cotidianas e com cada vez mais alcance e realizações. Talvez o Congresso Nacional do Brasil seja o único onde exista uma bancada do boi, da bala e da bíblia, mas não uma bancada da saúde, da segurança e da educação. Por essas e outras o corporativismo há muito já era criticado, destacando-se entre seus críticos Hans Kelsen, que trata do tema de forma relacionada à democracia.

A compreensão de Hans Kelsen sobre democracia passa inevitavelmente pelas ideias de regra majoritária e vontade do povo. A primeira como condição necessária a justamente evitar o domínio de classes e a segunda como o ideal máximo a ser realizado através da democracia (KELSEN, 2000, p. 67).

Sua obra “A Democracia” analisa a teoria democrática e, como não poderia deixar de ser, leva em consideração o contexto vivido na época, início do século XX. Na primeira parte, o autor trata justamente do princípio da maioria e da questionada reforma do parlamento, além de abordar a questão da representação profissional como uma espécie de alternativa ao sistema parlamentar. E é esta análise especificamente que nos interessa para que, conjuntamente com a ideia de autogoverno coletivo de Dworkin, possamos analisar devidamente a relação do corporativismo com a democracia.

Kelsen descreve que os conservadores que defendiam a instauração de uma democracia representada pelas classes profissionais alegavam que era necessária a mudança de uma organização “mecânica” para uma organização “orgânica” do povo, pois assim cada setor profissional participaria na formação da vontade do Estado da forma que lhe é de direito, ou seja, cada qual com a sua importância perante a nação (KELSEN, 2000, p. 61).

A partir dessa afirmação torna-se possível constatar uma série de problemas, como, por exemplo, de que forma definir a importância de cada classe profissional? Quais seriam os critérios? E mais, quem definiria estes critérios?

Kelsen trata tais dificuldades como “parcialmente insolúveis” e ainda ressalta que uma sociedade organizada com base no corporativismo, ou seja, fundada em interesses

(4)

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

coletivos comuns a grupos restritos, “não compreende todos os interesses em jogo na formação da vontade do Estado” (2000, p. 61).

Poderia se argumentar em sentido contrário que a organização em partidos políticos teria o mesmo problema, afinal seriam grupos de interesses coletivos comuns. No entanto, os partidos políticos diferentemente dos grupos corporativistas não são grupos restritos, mas sim abertos a qualquer cidadão interessado a participar e debater ideias. Não é a toa que existem correntes de pensamento diverso dentro de um mesmo partido político, assim como pessoas de diferentes classes sociais e profissões, todas reunidas não com o objetivo de tornar a sua classe ou corporação melhor, mas a sociedade como um todo.

No palco democrático não ocorrem apenas discussões de caráter e interesse profissional, mas muitas outras de espécies ou gêneros completamente diferentes e que são extremamente essenciais à sociedade, como religião e ética, por exemplo. Kelsen expõe que mesmo tendo nossa própria profissão e sabendo de nossos ideais profissionais, é nítido que também temos posições e nos interessamos por assuntos de outras searas, a exemplo da legislação de matrimônio e da regulação da relação entre Igreja e Estado. Aqui podemos acrescentar uma série de outras questões que cada vez mais todos os grupos populacionais sentem-se no dever de intervir: criminalidade, regras sobre política, drogas, etc., o que evidencia a vontade da população em opinar e atuar fora dos limites de sua profissão na busca por uma ordem social o mais justa possível (KELSEN, 2000, p. 61).

Se o argumento do autor fazia sentido no início do século passado, imaginemos na atualidade, onde a sociedade fica a cada dia mais complexa, com um número maior de profissões, de interesses, de instituições e também de divergências. Isso torna ainda mais difícil imaginar uma representação democrática organizada de modo corporativista.

Kelsen também sustenta que há bastante diferença de interesses e objetivos em cada grupo profissional (2000). Isso possivelmente ampliaria o conflito e dificultaria o próprio debate de outras questões não necessariamente objeto da divergência entre as classes profissionais.

As questões puramente profissionais poderão encontrar solução satisfatória com relativa facilidade no seio do próprio grupo profissional cujo poder autônomo na matéria tenha sido reconhecido; contudo seria o caso de perguntar se a maior facilidade de acordo entre empregadores e empregados de um mesmo grupo profissional, tão insistentemente decantada, na prática não é explicada sobretudo pelo fato de os economicamente mais fracos renunciarem a qualquer apoio por parte dos membros de sua classe pertencentes a outros grupos. Mas um número enorme de questões, ou melhor, talvez a maior parte delas, não podem ser consideradas como puramente internas, como concernentes apenas aos interessados dos membros do grupo; outros grupos profissionais também estarão interessados

(5)

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

na sua decisão e, na maioria das vezes, em sentido diferente do grupo imediatamente interessado. Mas a decisão desses conflitos é de importância capital. Tal questão capital não pode encontrar solução nem mesmo através da ideologia do princípio corporativo. (KELSEN, 2000, p. 62)

Para o autor, a solução dos problemas da representação profissional é justamente a entrega das decisões definitivas a uma autoridade formada de modo diverso, por meio de uma lei que desconsidere o princípio corporativo e que seja composta por um parlamento eleito democraticamente por todo o povo ou a um órgão autocrático. (KELSEN, 2000, p. 62) Evidentemente, a escolha pela segunda alternativa conduziria a uma sociedade autocrática que não almejamos, restando a primeira opção que é justamente a representação pela maioria, a democracia que na teoria vivenciamos.

O autor, portanto, considera “vazia e impraticável” (2000, p. 63) a fórmula da ideia corporativa frente ao princípio democrático da maioria, pois ao invés de representação partidária haveria uma representação profissional, a qual não se sustenta autonomamente porque necessitaria de alguém para definir a importância de cada grupo profissional dentro do sistema.

Mas o argumento de mais mérito para contrapor o exercício do corporativismo na democracia é o de que não há como estabelecer o cidadão como membro de um grupo ligado à sua classe profissional apenas. Kelsen entende ser

muito mais sensato estabelecer tal parlamento com base num sistema de nomeação que considere cada eleitor não simplesmente como membro de determinada profissão, mas como membro do complexo do Estado, e que o suponha interessado não só em questões profissionais mas, por princípio, em todas as questões que possam constituir objeto de regulamentação do Estado. (2000, p. 64)

Por este motivo, que consideramos principal, é que o corporativismo nunca representará uma condição superior ou mais efetiva de representatividade à população. Pelo contrário, o corporativismo serve apenas aqueles que buscam a dominação das classes economicamente e socialmente inferiores, uma vez que a construção histórica de nossa sociedade estabeleceu os respectivos status das profissões e os grupos dominantes são tão ou mais atuantes do que eram no século passado. Kelsen concorda com essa ideia, sobretudo quando sustenta que a organização profissional ou corporativa, no modo como foi concebida e realizada historicamente, sempre representou o modo como um ou mais grupos buscaram dominar outros, citando inclusive a “avidez de poder” de determinados círculos (KELSEN, 2000).

(6)

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

Não é de se estranhar inclusive o fato relatado pelo autor de que aqueles que pleiteavam incorporar uma organização corporativista no poder legislativo eram os burgueses, exatamente no momento em que o proletariado ganhava corpo e de muito tempo como minoria, havia possibilidade de que se tornasse maioria. Portanto, a iniciativa de mudança e defesa do corporativismo frente à democracia parlamentar somente foi idealizada pelo grupo que estava na iminência de perder o poder que até então o sistema parlamentar lhe garantia (KELSEN, 2000).

Corporativismo, portanto, não está ligado à essência da democracia, embora esteja enraizado em suas entranhas, sobretudo no Brasil. Afinal, o que explicaria a diferença entre salários e mordomias de parlamentares e de outras profissões também relevantes, ou a facilidade de acesso aos gabinetes de parlamentares a limitadas classes profissionais e corporativas?

O corporativismo, como visto, serve apenas à dominação por aqueles que sempre dominaram e sua utilização costuma crescer a cada vez que seu poder, ainda que não oficial, tende a reduzir-se. Desintoxicar a democracia do corporativismo, portanto, não deveria ser um ideal apenas das minorias, mas de todo aquele que defende a democracia como organização social mais tendente à justiça e a realização dos interesses coletivos da população.

3 O autogoverno coletivo de Dworkin como contraposição à democracia corporativista

A conceituação interpretativa de Dworkin propõe que seja buscado o valor fundamental e a finalidade do direito, para então ser formulado um conceito que melhor cumpra o objetivo de sua existência (MELLO, 2016). O mesmo ocorre com relação à democracia.

Na introdução da obra “O direito da liberdade”, Ronald Dworkin trata do poder de controle do judiciário perante as leis e à Constituição, defendendo a ideia de uma leitura moral como um método particular de interpretação e aplicação de uma constituição política, a fim de que os princípios constitucionais sejam aplicados de modo relacionado a princípios morais de decência e justiça (2006). Dworkin defende que a leitura moral não retira a soberania do povo em decidir sobre as questões fundamentais da sociedade, aliás, ele afirma que a leitura moral é indispensável à democracia. Mas para chegar a essa conclusão, o autor adentra à análise do que é democracia, arguindo que o debate constitucionalista sobre a leitura moral não deve estar preocupado com o quanto à democracia é relativizada por ela, mas com o que a democracia realmente é (2006).

Dworkin rejeita o princípio majoritário como essência da democracia e aponta uma nova concepção, que nomeia de concepção constitucional da democracia. O autor sustenta

(7)

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

que a premissa majoritária não representa o que a democracia norte-americana realmente é, pois dessa premissa surge o arrependimento perante decisões judiciais que corrigiram injustiças legislativas históricas, porque isso configuraria uma diminuição do poder soberano do povo (da maioria).

Na concepção constitucional, por sua vez, as instituições políticas dão igual tratamento e consideração a todos os cidadãos e é baseada na participação moral. Ou seja, existem condições democráticas, que são as condições morais de participação numa comunidade democrática. Essas condições, por sua vez, são estruturais e relacionais, sendo a condição relacional aquela que determina como um indivíduo deve ser tratado para se sentir como um membro moral de uma comunidade, por meio de participação e independência para com as decisões coletivas. O autor enfatiza que na concepção comunitária de democracia uma sociedade em que a maioria desdenha para com as necessidades das minorias não só é uma democracia injusta, mas também ilegítima. Com isso, reafirma a possibilidade de revisão judicial, ou melhor, afasta o argumento de que a leitura moral da constituição diminui ou fere a democracia (DWORKIN, 2006).

Em síntese, a teoria do direito do autor é aquela que o revela como um sistema onde deverá haver coerência moral apta a legitima-lo, um direito como integridade onde o objeto essencial é o princípio da igual consideração e respeito, o qual se pode associar com a ideia de dignidade humana e, logicamente, com a democracia na ideia de autogoverno coletivo. No caso da teoria do direito, sua aplicação fica evidente quando se trata de um caso de difícil solução, os denominados hard cases. Nestes casos, se para os positivistas o juiz tem discricionariedade para julgar conforme as normas estabelecem, para Dworkin o juiz tem um dever de atender aos princípios que fundamentam todo o sistema jurídico. O autor exemplifica isso em Taking Rights Seriously (2011) quando trata dos casos Riggs Vs Palmer e Henningsen Vs Bloomfield Motor, Inc.

O primeiro hard case diz respeito ao neto que assassina o próprio avô para receber a herança, uma vez que não havia norma alguma proibindo o herdeiro de receber o seu quinhão numa situação como essa. Nesse caso, o judiciário entendeu que o herdeiro não tinha direito à herança com base em um princípio que fundamento o direito: ninguém se beneficiária da sua própria torpeza.

O segundo caso trata do consumidor que adquiriu um veículo e assinou um contrato onde o fabricante apenas se comprometeu a cobrir eventuais danos decorrentes de problemas na fabricação do veículo. O consumidor buscava a reparação pelas despesas médicas ocasionadas pela falha no veículo, tendo ganhado a causa mesmo sem haver uma regra expressa nesse sentido, mediante uma argumentação construída com base nos princípios da equidade e justiça (DWORKIN, 2011).

A concepção de Dworkin condiciona, portanto, a democracia ao exercício de um senso de coletividade pautado na moralidade da constituição. Essa moralidade não deve servir apenas para fundamentar decisões judiciais, mas também para que os cidadãos

(8)

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

tenham, no plano político, condições de serem realmente cidadãos com participação nas decisões políticas que afetam toda a coletividade.

Por contraste com o problema da produção coletiva de poder (ou de incremento da eficácia coletiva), a questão da democracia é normalmente vista como envolvendo um problema de distribuição de poder. Tal problema se costuma tomar como dizendo respeito, antes de mais nada, ao acesso diferencial à aparelhagem institucional do estado (REIS, 2009, p. 359).

O corporativismo, nesse sentido, apresenta-se como um obstáculo à real participação do cidadão na democracia, pois graças a ele é que decisões são tomadas sem a participação e influência de minorias, pautadas sobretudo em interesses de pequenas coletividades e não de toda a coletividade.

O domínio da minoria pela maioria referido por Kelsen soma-se exatamente com o que Dworkin justifica em sua obra: que o princípio majoritário não é a verdadeira essência da democracia e a diferenciação da atuação coletiva estatística e comunitária é de supra importância para entender como a ideia da concepção constitucional da democracia faz muito mais sentido e pode produzir resultados muito mais satisfatórios do que a simples aceitação da premissa majoritária como fundamento da democracia.

O controle jurisdicional das leis produzidas pela maioria já era uma necessidade prevista por Kelsen e posteriormente é defendida com muita ênfase por Dworkin. Aliás, esse controle de fato parece muito mais democrático quando o debate judicial se torna público e é realizado mediante a leitura moral.

Ademais, a ideia de atuação coletiva comunitária (autotoverno coletivo) fica evidente quando o autor inclusive utiliza os exemplos da orquesta e do time de futebol – em resumo, uma orquestra e um time de futebol não terão o mesmo êxito em seu propósito se todos os integrantes não estiverem com o mesmo objetivo e com a mesma sincronia (DWORKIN, 2006). E para isso, é necessária uma educação para a democracia (KELSEN, 2000) e uma perspectiva de desenvolvimento da sociedade e de todo o processo democrático.

É importante não perder de vista que essas considerações só se referem à perspectiva normativa ou ideal ligando Estado de direito e democracia. O processo democrático também se defronta com formas depoder social e com a complexidade das sociedades contemporâneas. A respeito dessas questões, as sociologias política e do direito não cansam de chamar à atenção para as diferentes estratégias empregadas por interesses sociais e organizações poderosas para utilizar o processo político em causa própria. Sugerem também que a complexidade funcional das sociedades contemporâneas não permite mais o controle democrático, mas só medidas

(9)

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

administrativas indiretas orientadas pelo conhecimento de especialistas (SCHUMACHER, 2004, p. 93).

O autogoverno coletivo de Dworkin favorece a garantia de direitos humanos, pois assume uma ideia de valor na democracia, uma democracia baseada na moral permeada pelos princípios constitucionais. Ocorre que a moral e o objetivo dos princípios constitucionais não podem ser conceitos estritos aos operadores do direito, mas sim serem parte de uma consciência coletiva inteiramente atenta aos princípios estabelecidos na constituição.

A democracia não pode se resumir a uma ditadura da maioria e quanto mais se curvar e permitir a ascensão do corporativismo, mais as decisões tomadas serão seletivas e em prol de pequenos grupos dominantes. Para alcançar uma democracia cuja essência esteja relacionada a uma moral coletiva, deve haver um processo democrático no qual são respeitadas e toleradas as diferenças. O exercício da democracia também deve ser realizado com atenção à independência política e moral de cada indivíduo dentro de uma consciência de comunidade.

Com isso, poder-se-á ter uma concepção cada vez mais justa de democracia, o que demandará em longo prazo num significativo e necessário abandono da premissa majoritária.

4 Conclusão

O corporativismo é desde muito tempo um obstáculo para a realização de uma democracia mais justa e agregadora. Não apenas a preferência pelo individual ante o coletivo, mas a preferência por interesses estritos a uns ao invés de outros ou do todo é de fato um problema que assola democracias mundo a fora, colaborando para inúmeras violações de direitos.

A problemática do corporativismo enraizado na democracia favorece somente grupos seletos e cuja perpetuação no poder lhes outorga a realização de políticas de favorecimento próprio, em detrimento de políticas que reflitam positivamente em toda a coletividade. No decorrer deste trabalho foi possível observar que a teoria democrática de Kelsen que rejeita expressamente o corporativismo coaduna-se com a ideia de autogoverno coletivo de Dworkin, pois o corporativismo limita a governabilidade para a coletividade a uma governabilidade em prol de uma maioria ou de uma minoria poderosa.

Nesse contexto, o pressuposto majoritário como essência da democracia afigura-se como um elemento sedutor que, em contrapartida, somente beneficia a maioria ou seletas minorias. Por outro lado, a essência e valor da democracia relacionados à ideia de autogoverno coletivo, como uma coletividade em sintonia e com objetos em sintonia (geralmente assegurados em uma constituição democrática), possibilita uma versão de democracia mais justa e em prol do interesse público.

(10)

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

A democracia é, sabidamente, o instrumento mais capaz para a legitimação de direitos e a sua realização na forma mais justa o possível tende a colaborar com o ideal democrático de autogoverno coletivo, o qual favorece para um ambiente de proteção de direitos humanos. Por isso, a soma da teoria Kelseniana que rejeita o corporativismo com a teoria de autogoverno coletivo de Dworkin apresenta-se como uma significativa via para o alcance de uma democracia mais justa e realmente coletiva, não apenas justa apenas para a maioria.

Referências

COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Origens do corporativismo brasileiro. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, 1991.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. Ed. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição

norte-americana. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Livraria Martins Fontes,

2006.

KELSEN, Hans. A democracia. Tradução de Ivone Castilho Benedetti, Jefferson Luiz Camargo, Marcelo Brandão Cipolla e Vera Barkow. São Paulo: Martins Fontes, 2000. MELLO, Claudio Ari. Verdade moral e método jurídico na teoria constitucional de

Ronald Dworkin. Disponível em

<http://docslide.com.br/documents/verdade-moral-e-metodo-juridico-na-teoria-constitucional-de-ronald-dworkin.html> Acesso em 08/07/2016. REIS, FW. Mercado e Utopia [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009. Cidadania democrática, corporativismo e política social no Brasil. pp. 359-386. ISBN: 978-85-99662-79-3. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. SCHUMACHER, Aluisio A. Sobre moral, direito e democracia. Lua Nova: Revista de

Referências

Documentos relacionados

O lançamento em questão é de um texto sobre a escola de magia americana Ilvermorny Figura 16, juntamente de um teste para descobrir a que casa o público pertence, sendo esta, parte

(grifos nossos). b) Em observância ao princípio da impessoalidade, a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, vez que é

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Equipamentos de emergência imediatamente acessíveis, com instruções de utilização. Assegurar-se que os lava- olhos e os chuveiros de segurança estejam próximos ao local de

Com o objetivo de compreender como se efetivou a participação das educadoras - Maria Zuíla e Silva Moraes; Minerva Diaz de Sá Barreto - na criação dos diversos