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Mário Cesariny de Vasconcelos - Poesia (1944-1955)

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MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS

POESIA

(1 9 4 4-1 9 5 5)

A POESIA C IV IL • DISCURSO SOBRE A REABILI­ TAÇÃO DO REAL Q UO TIDIAN O • PENA C A P I­ TAL • M ANUAL DE PRESTIDIGITAÇÃO • ESTADO SEGUNDO • A LG U N S MITOS M AIORES ALG UN S MITOS MENORES PROPOSTOS À C IR C U LA Ç Ã O

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P O E S I A

Desenho à pena de João Rodrigues

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P R Ó L O G O Um tempo havia muito feliz em que eu pedia ao céu raiz A terra era — julgava eu — sala de espera carinho meu 11

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Nossa Senhora do Maü Ladrão chegada a hora da coroação Agrilhoado — antes, depois — chorei dobrado por nós os dois 12

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P R Ó L O G O

Pelo caminho verde vem Maria

A dos seios de rosa a dos olhos de mãe. Pelo caminho sóbrio vem

M aria

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P R Ó L O G O

O jogral do céu

riscou uma estrela no manto judeu

E o milagre veio

sem perdão nenhum sem form a sem meio

Sobre a palha loura

caiu o menino de Nossa Senhora

Menino perfeito

com fomes e prantos, com raivas e peito

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/

Cecília pediu o céu Nossa Senhora não

Teresa pediu as dores Nossa Senhora não

Inês falou ao Senhor Nossa Senhora não

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Helena morreu no circo Joana fugiu de casa Kuth cortou os cabelos

Nossa Senhora não

Senhora por humildade Nossa por submissão

Madalena teve um filho Nossa Senhora não

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P a ra que houvesse altar para nascer figura para o galo cantar à noite escura — Aquela que em vida foi desapossada foi m orta descida crucificada e ao terceiro dia não foi nada

2

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III

E uma vez uma vez só

Nossa Senhora desesperou

— A H ... A h ... A H. . . — Mas Nossa Senhora é decência claridade

pureza maternidade

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Na revolta que teve não durou

— Desapareceu na poalha do céu

E assim é que ela passa no andor

Nossa Senhora do Exterior

A que ficou no fundo a que não foi

só ao poeta doi

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IV

Alta, seroal, na tarde canora vai Nossa Senhora pelo meloal

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A ver o melão que se há-de comer — se Jesus quiser — antes da Paixão

E quer dos maiores e procuram bem os olhos de mãe quebrados de dores

Céu da Galileia que a viste fu rta r ; brisa, que ao passar na túnica feia

Não tiveste enleio nem religião que a coroação depois é que veio

Foi Nossa Senhora que está no altar sem poder andar livre como outrora

(20)

Quem ali sagrou para os filhos teus os pecados nossos a te rra e os ossos do corpo de Deus

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/. N . R . /. V

Sobre a cruz o ergueram. Assim ele veio ao mundo.

Pedro Paulo Simão Sobre a cruz o ergueram.

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Cânticos de guerreiros (Pedro Paulo Simão)

ódios de velhos monges (assim ele veio ao mundo)

Sobre a cruz o ergueram

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VI

Junto do rio cantam os galos de Jerusalém enquanto amanhece. Na relvagem os dorsos dos cavalos com uma nudês que entontece esperam a hora de amarrá-los à lida, mãe fulva do campo agora, numa estrela, todo branco e sóbrio, enquanto cantam galos

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v i l

Nossa Senhora morreu

à hora da missa. Ninguém percebeu. E o mundo que ela tanto amou

não teve uma lágrima só!

Mas soaram acordes finais quando ela, de morta, passou com círios de estrelas reais nos pés ainda sujos de pó

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E stá agora mais perto do céu sem lá te r entrado, porém. E pede, com o rosto seu naquele menino judeu, que oremos por ela também

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N o ta do Fiel Depositário

Perdida, entre tanta outra coisa que se perdeu à roda de 1944, a biografia de Nicolau Cansado moldada em verso jâmbico por Papuça de Arrebol; sumida com este nas ruas do Cais do Sodré a documentação para a descascagem ontológica de um ser a todos os títulos raro na literatura e na vida; inglòriamente perdida tam ­ bém a obra em prosa do autor do «A TI» (a qual nunca vi mas disse­ ram, em 1945, ser ainda melhor que os p oem as): — restam os versos que ora se publicam antecedidos de nótula crítica da incansável polígrafa e companheira do poeta, D. Marília Palhinha.

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de Oliveira Guimarães, lembra-me ter visto um fólio rabiscado pelo poeta a quando da sua viagem a Espanha, onde, premido pela sua bem conhecida fom e de autenticidade, Cansado fora colher, o m ais possível

in loco, alguns quadros multímodos da guerra civil espanhola. Tanto

quanto lembro, e já não lembro muito, tratava-se de um feixe de ditirambos «ao pobre Federico» claramente datados Agosto-Setembro de 1943. A s numerosas imitações feitas depois e até também lá fora, deste tem a de Cansado, nunca, quanto a mim, farão esquecer a impres­ são deixada pelo Mestre.

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E M T O R N O D A P O E SIA D E C A N S A D O

LISBOA, 1945 — Os fortes laços de amizade que desde cedo me ligaram a Nicolau Cansado fazem com que seja a expensas de uma profunda mágoa que eu deva pôr aqui uma por assim dizer restrição aos inéditos vindos agora a lume : eles não serão compreendidos «por toda a gente!

Com efeito, só uma escassa roda de iniciados na última fenomenologia poética portuguesa (futurismo, sobrerrea- lismo, nervosismo, etc.) poderá acolher sem surpresa toda a sua mensagem. Uma vez mais, digamo-lo sem disfarce, a contradição fez a obra. E nisto, como em tudo, apesar de

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umas coisas esquisitas, umas audácias aliás mais brilhantes que fecundas, o poeta seguiu a tradição. Tive oportunidade de verificá-lo ante o desprendimento que muitos «homens da rua» — (eu buscava Cansado nas suas incursões aos ha- bitáculos do povo) — m anifestaram pela Fantasia Gramá­

tica e Fuga, por exemplo *. Alguns chegaram mesmo a

interromper-me nestes termos : (tentava eu explicar-lhes a grandeza e a utilidade do poema) : «ó doutor, dê cinco tostões p ara uma sopa, que ainda lá não fui hoje!»! Em contrapartida, os literatos terão com que regozijar-se. Esses, e mais quem anda a par, sagrarão o poeta Cansado como um grande incompreendido, uma genial vítima de um meio estupefacto.

*

F alar do substractum da sua obra — para quê ? De certo modo, a poesia é o real absoluto, já o disse um editor que também escreve. Atravancador se torna portanto qualquer didatismo, e ainda mais no caso de Cansado. E ste homem, que abandonou as concepções burguesas sem por isso te r

* O poema deste título foi perdido pela própria Marília Palhinha, não tendo aparecido até hoje qualquer cópia. — M. C. V.

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mudado de vida, é um artista muito complexo. Formalmente, não é raro vê-lo brincar com as subtis experiências de um Paulo Neruda. Noutros passos, chama a si Maiakovsky, e, então, que esplendor épico! Noutros, ainda, deita um olhar amigo a, por assim dizer, Fernando Pessoa. E Camões. Conhece a fase íntima. Atravessa a fronteira do religioso. E quando desistíamos de ver nele qualquer coisa mais do que um jogral de prodigiosos recursos, eis que nos oferece as iluminações do Herói, do Raio de Luz, do A Ti! Obra pequena, sim, mas de tentado alcance e forte significado, ousando, mesmo, esperar repercussão, eu quero repeti-lo :

ainda é cedo para falar de Nicolau. Não faltará, porém, gente disposta a acusá-lo de ter, ele, o meu san to !, plagiado meio mundo e subsistido, como dizer ?, assim. Eternos incom- preensivos.

O utra coisa : Cansado nunca versou o tema do amor. Inapetência? Excesso de ombridade? Penso que nso. O amor é, para muitos poetas de hoje, um tema de segunda, para não dizer terceira categoria.

Novos luzeiros brilham no estelar do mundo, como Can­ sado, certa vez, me disse. E todos compreendemos.

M A RÍLIA PA LH IN H A

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Para A. Casais Monteiro M IG R A Ç Ã O

Ah

não me venham dizer ah

não quero saber ah_

quem me dera esquecer

Só e incerto é que o poema é aberto e a Palavra flui inesgotável!

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A TI

ó minha casta esposa

vais sofrendo ... E eu sofro de ver-te so fre r!

Espera um pouco! Façamos como o caule da rosa

des- fo-lhada

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Nosso convívio é triste. A vida, errada. Só a to rtu ra existe e o poema é. Ah

TENHO A ALMA CHEIA DE GAROTOS. Não queiras ah não queiras vir comigo para esta atmosfera

do café.

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H E R ÓI

Do claro sol e dum teatro cheo seriam dignas tão notáveis obras. Ó noite, que em, teu seio tenebroso, tão grandes feito s de arm as escondeste!

TOKQUATO TASSO — «Jeru­ salém Libertada»

Herói é o meu nome.

Meu olhar frio, arguto não vê coisa que o dome. Meu esforço rudo e sano não desmaia um minuto.

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Sou herói todo o ano.

Quando passar por vós, naturalmente,

eom este meu a r simples e no entanto diferente e no entanto diferente do a r do resto da gente não digais : é fulano.

Dizei : é o Herói.

O herói, simplesmente.

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R E A B A S T E C IM E N T O

Vamos ver o povo. Que lindo é. Vamos ver o povo.

Dá cá o pé.

Vamos ver o povo. Hop-lá!

Vamos ver o povo.

Já está.

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B RASILEIRA

Ao Manuel

O vento não varria as folhas, O vento não varria os frutos, O vento não varria as flores ...

E a minha vida não ficava Cada vez mais cheia

De frutos, de flores, de folhas

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0 vento não varria as luzes, O vento não varria as músicas, O vento não varria os aromas ...

E a minha vida não ficava Cada vez mais cheia

De aromas, de estrelas, de cânticos.

O vento não varria os sonhos E não varria as amizades ... O vento não varria as mulheres ...

E a minha vida não ficava Cada vez mais cheia

De afectos e de mulheres.

O vento não varria os meses E não varria os teus sorrisos ... O vento não varria tudo!

E a minha vida não ficava Cada vez mais cheia De tudo.

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LEVE

Leve

o roupão que foste e o horror de sê-lo

Leve

o traço vermelho no cabelo

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Leve o em forma de velho rosto aflito Leve o jasm im e a neve sobre o rito 48

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R U R A L

Como chove, Cacilda!

Como vem aí o Inverno, Cacilda! Como tu estás, Cacilda!

Da janela da choça o verde é um prato que deve ser lavado, Cacilda!

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E o ancinho, Cacilda!

E o arroz a batata o agrião, Cacilda! J á cozeste?

Eu logo passo outra vez. Em prosa, provàvelmente. Arrozinho, Cacilda!

Os melhores anos da nossa vida, lida!

— Ausente.

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PO EM A

Ao Paulo Éluard

Cavalo. Cavalinho. Cavalicoque. Deixá-lo.

Coitadinho.

Carvão de coque.

Matá-lo. Devagarinho. Lá vai ele a reboque. Cavalo.

Cavalinho.

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R A IO D E L U Z

Burgueses somos nós todos ou ainda menos. Burgueses somos nós todos

desde pequenos.

Burgueses somos nós todos ó literatos.

Burgueses somos nós todos ratos e gatos.

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Burgueses somos nós todos por nossas mãos Burgueses somos nós todos

que horror, irmãos.

Burgueses somos nós todos desde pequenos.

Burgueses somos nós todos ou ainda menos.

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UM AUTO PARA JERUSALÉM

(fragmento segundo um conto de luiz pacheco)

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Personagens, por ordem, de entrada no palco :

0 Orador

0 Servo-Porteiro

Matatias, o Sábio Rezingão Eleazar, o Intelectual Snobe Tobias, o Sensato

O Menino Jesus 0 Homem da Gestapo

A cena passa-se num tugúrio desmantelado que apresenta bem visível o dístico «Acádémico-Clube dos Sábios de

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rusalém». Tobias e Matatias usam túnica e compridas bar­ bas, Eleazar é jovem e traja com distinção. O Orador veste um guarda-pó cinzento, aberto, mangas arregaçadas, chapéu colonial. O Homem da Gestapo a p rec e numa luxuriosa fantasia abundando em, plumas e aknuletos. Capacete ro­ mano na mão direita. Botas de tenentíe.

No proscênio, cadeira e mesa D. João V, em cima de um estrado, para o Orador. Sobre a rhesa, um grande livro fechado, candeeiro, sineta, e o chapéu do Orador. Atrás da mesa um vetusto relógio de caixa alta, sem ponteiros.

Ora d o r — saindo ao proscênio — Minhas queridas se­ nhoras, estimados senhores : quando o pano cair sobre a última cena do mundo que já rola atrás desta cortina, per- cebereis que eu nem sequer chego a representar. Que vos aproveite a descoberta! Por expressa vontade do A utor o meu papel resume-se a, como se diz?, cla-ri-fi-car tudo o que vai passar-se neste palco. Por vezes intervirei — tenho poderes para isso. Mas nunca directamente : por interposta figura. Assim uma coisa à grega. Evidentemente, eu, como actor, quereria dar mais. Muito mais. Bastante m ais! — Não pôde ser.

> Enfim, quando as coisas não vão pelo caminho dos nossos desejos, o melhor que há a fazer é levar os nossos desejos pelo caminho que as coisas vão tomando, j Parece-nos. (Tira

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um vasto lenço do guarda-pó e amarra-o ao pescoço). Vou

dar início. (Dirige-se à sua secretária, senta-se, abre o livro,

faz uma rápida simulação de leitura e encara de novo io público.) A peça é admirável! (Indica o livro) E stá aqui

toda. Todinha! Uma maravilha. Garanto que nunca vistes disto em lado nenhum. É certo que os actores vão entrar por aí com roupas mais excelentes num espectáculo de feira que no favor da vossa inteligência. Mas não vos perturbeis muito com isso. • É tudo um tudo-nada para disfarçar. O rapazinho que também não traz roupa de cristão também é, oh se é, para disfarçar. (Alteando a voz) E assim é que está certo porque sem disfarce não há cenas e sem cena não há teatro. (Abre-se o pano) Ora muito bem : cena já nós temos. (Apontando) Um Académico-Clube dos Sábios de Jerusalém. Secretárias, tocheiras, janela para se poder res­ p irar... (Põe o chapéu colonial na cabeça). Ora pois;

era isto no tempo em que os animais falavam;

Jerusalém estava em festa e os meninos fugiam da com­ panhia dos pais;

iam aos magotes para os brejos, berravam entre as silvas até vir a noite;

outros metiam-se pelas veredas, iam para a feira ver os cavalinhos.

Mas este, de que fala o grande livro, não fugira para gozos e arruaças;

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fora procurar os Doutores.

Entra o Servo-Porteiro trauteando uma musicata qualquer. Acende as ve­ las das três mesas de estudo que atra­ vancam o tugúrio. A sua entrada inter­ rompe o Orador, que o fita com cara de pouca paciência.

Or ad o r — P s t ! Quero a cena deserta.

Se r v o- Po r t e ir o — Tenho de sair já, meu senhor? Or a d o r — Sabes muito bem que sim.

Ser v o- Po r t e ir o — Já? Já ? Eu n ã o d e v i a é t e r e n t r a d o . O p a n o s u b i a , v ia m - s e a s v e l a s j á a c e s a s , e p r o n t o , n i n g u é m d a v a p e l a m i n h a f a l t a .

Ora d o r — Ah isso com certeza.

Ser v o- Po r t e ir o — Sou um tolo, um frustre, um facil­ mente dispensável. Não sei ler nem escrever, embora o meu autor me faça falar com certa elegância.

Ora d o r — Eu sei. As exigências do estilo. Estás aí para dar ritm o à representação.

Se r v o- Po r t e ir o— P ara dar ritmo, pois.

Breve pausa.

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Orad o r — Então? Estamos à espera!

Ser v o- Po r t e ir o — aproximando-se do Orador — Se sou- besses que bocados de ideias, que espécies de sentimentos fervilharam em mim quando me disseram : «Tu fazes o Servo-Porteiro, fazes o escravo. E ntras, acendes a velínha, e de boca bem fechada, tratas de sair». Claro que posso sair, sumir-me, não aparecer mais!

Ora d o r — É o m a i s c o r r e c t o .

Ser v o- Po r t e ir o — Escuta. Tu és quem tudo pode e man­ da neste palco enquanto du rar a representação da nossa miséria. Peço-te um acto grande, um acto que altere o curso de certos acontecimentos.

Orador — tocando a sineta — Peço que tirem este ho­ mem daqui para fo ra !!

Ser v o- Po r t e ir o — Diz-lhes, ao menos, quem sou! Ou quem é o que faço nesta terra. Não, o que faço, n ã o ! O que às vezes parece que gostaria de querer fazer...

Orador — irado — M au! Eu não tenho o poder que me atribuis, não posso adiantar-me ao que está escrito neste livro!

Ser v o- Po r t e ir o — caindo aos pés do Orador — E ra tão simples! E ra tão pequenino! Talvez até depois nem fosse precisa esta peça!

Orad o r — Bom, de joelhos, não! Levanta-te, chega de

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lamúrias tolas. Se prometes sair mal lhes diga quem és... Mas tens de prometer!

Ser v o- Po r t e ir o — Juro, senhor, juro pela cabeça do Pro­ feta!

Orad o r — Este é o Servo-Porteiro da douta Academia dos Sábios de Jerusalém. Não serve p ara coisa nenhuma a não ser para o que não presta. Nasceu num dia em que a T erra se esqueceu de g ira r em volta do Sol...

Se r v o- Po r t e ir o— Ainda Moisés não tinha escrito as sacras tábuas!

Ora d o r — ...e o homem aproveitou a escuridão para cometer já não se sabe que horrível perfídia. Desde então, ficou assim. Não sabe quem é, desconfia do que pode vir a ser e anda meio tonto à procura de qualquer coisa. Numa palavra: este é aquele que tendo sido criado com alma de criado assim criado ficou por dentro e por fora.

Se r v o- Po r t e ir o— num salto — Mentes, ladrão!

Or a d o r — friamente — Eu sei que minto. E agora vai lá para dentro. Ainda não foi a hora da tu a verdade.

O Servo-Porteiro retira-se desalen-

tadamente.

Or a d o r — Safa! ia estragando tudo! (Retoma a sua mesa

e a leitura):

Ora pois ;

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era isto no tempo em que os animais falavam ;

e o menino Jesus fugiu mesmo : ia procurar os Doutores ; estes reuniam-se todas as tardes nesta cena que aqui vedes ; neste horrível casarão judeu.

Entra Matatias, o Sábio Rezingão; avança majestoso com vários livros a tiror-colo. Vai para a sua secretária e dispõe-na para trabalhar.

Orador — sem interrupção — Reuniam-se à saída dos seus empregos cinco horas cinco e meia ;

e falavam de coisas várias mas profundas : filosofia, reli­ gião, costumes — principalmente costumes — ; coisas estas muito acima dos entendimentos vulgares. Depois das falas vinham os trabalhos. Preparavam um livro

— obra colectiva— a que eles davam suma impor­ tância.

Título, ainda não tinham. Lá mais para o fim se veria ; mas era certo tratar-se das cem mais lindas maneiras de

g rafar o hebraico ; regras, acordos e apêndices.

Matatias — J á esperava isto mesmo. Os meus caros cole­ gas andam sempre atrasados. Depois, não há tempo para nada.

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Ora d o r — Matatias, o Sábio Rezingão. Doutor em Lite­ ratura, Crítica e Religiões. Empregado nos correios desta cidade. Mulher e filhos na mais negra miséria. Ligações duvidosas, mas, no fundo, um excelente coração. És tu?

Mata tia s — Discordo de certos pormenores, mas, a traço largo, é esse o meu retrato. Quem to forneceu?

Or a d o r — E stá tudo neste livro, meu caro doutor. A vida e a morte, a noite e o d ia...

Mata tias — Sim ? Deixa-me v e r...

Ora d o r — reconduzindo Matatias — Querido Mestre! Nunca me perdoaria se, por mero instante que fosse, o desviasse de um trabalho que sei notável e em boa hora posto em mãos de V. Ex.a!

Mata tia s — Compreendo. Provàvelmente...

Orad o r — E já anteontem, com o sieur Mabuze... Belo sinédrio. Não acha?

Mata tia s — sentando-se — Muito obrigado. Não viu por acaso, já, o doutor Tobias? Como diz? (outro tom) O mundo está cheio de tolos e os sábios nas mãos deles!

Or a d o r — já à sua banca — Muito bem. Siga a peça!

E ntra Eleazar, o Intelectual Snobe. Fala atabalhoadamente e com requinte.

Elea za r — Não ralhes, querido M atatias... Trago-te uma

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em prim eira mão! Calcula tu que Judite, conheces, Judite, a fêmea pública, teve o arrojo de ir ao palácio de Herodes protestar contra o imposto que acabam de lançar sobre a sua gente! (senta-se) Ai, deixa-me contar... Foi um pape­ linho! Bateu com as mãos, com os pés, com as ancas, à porta dos jardins do palácio, e ta n ta bulha fez, ta n ta gente juntou, que Herodes apareceu à janela do segundo andar e, zás! concedeu-lhe audiência!

Matatias — sem deixar os alfarrábios — Sim ? E depois ? Eleazar — Depois, não sei, é só isto... Mas já há quem diga que Judite vai vencer Herodes numa batalha de pros­ titu ta contra monarca!

Matatias — E é por esses dichotes que te atrasas ? Eleazar — Não ralhes, Matatias, eu acho isto tão sensa­ cional ! Ninguém se atreve a levantar a voz quando Herodes está presente, e essa meretriz arrombou-lhe o palácio com as ancas! Que número para «A Voz de Jerusalém»! (inspi­

rado) Vou escrever um poema!

Orador — Eleazar! Eleazar •— Senhor...

Orador — Diz a o p ú b lic o q u e m é s .

Eleazar — Eu, a falar de mim? Pois muito prazer. Sou Eleazar, o Intelectual Snobe. Tenho muito geito para abrir e fechar as portas por onde os outros entram e saem. (gesto) Reveste-me certa distinção, atraio bem as mulheres e não

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me queixo dos homens. Ando a ver se trabalho num jornal, «A Voz de Jerusalém», escrevi uma tragédia ao gosto persa, «A Tropa de Jerusalém», e tenho praticam ente concluídos cinco livros de versos proletários, «O Grito de Jerusalém». Mas é tão difícil publicar nesta terra! O jornalismo, então, é um horror! De forma que me decidi a trabalhar com os sábios e os filósofos... e aqui estou. São muito mais seguros.

Or a d o r — Eleazar. Elea za r — Senhor.

Or a d o r — Diz com quem vives.

Eleaza r — Ora. Que interessa isso a estes senhores? Ora d o r — Interessa tudo muito a estes senhores.

Elea za r — Vivo com a minha irm ã que me sustenta, pois estou desempregado. Por enquanto. A ela não lhe custa : é podre de rica. A nossa casa fica a quatro passos do trono de Herodes, na ru a dos milionários de Jerusalém. Mas eu detesto os ricos e estou ao lado dos pobres. São tão infelizes coitadinhos!

Mata tia s — Pobres de Jerusalém! Que Messias virá para salvá-los! Cheiram tão mal, os desgraçados...

Eleaza r — Mas os mais infelizes de todos ainda são os pobres de espírito, não é verdade, Mestre?

Mata tia s — És um vaidoso, Eleazar! Seria melhor que desses conta do muito que há a fazer. Passaste a limpo o

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propósito 4.° do capítulo 6 fascículo 2.° da nossa grande obra?

Eleazar — dando um papelinho — Aqui está, quase todo.

(sonhador)'?Fi-lo ontem à noite, ao sabor das estrelas e do

vento do outono... Que céu maravilhoso o nosso, M atatias... Faz-nos esquecer a arrogância dos legionários de Roma. Ah! por falar nisso! Sabes que a minha irmã vai casar com um fascista desses? A descarada!

Mata tias — A uma e uma caem as praças fortes que outrora defendiam, com alto e são orgulho, o povo do Se­ nhor... Quem é o intruso?

Eleaza r — Um Marco Pôncio, ou Marco Estrôncio, ou lá o que é. Um Marco qualquer.

Mata tias — Um i g n o r a d o ?

Eleazar — Ah, não. Um convencido. Passa as tardes a cacarejar-lhe os Cantos de Salomão.

Mata tias — Que humilhação para a Casa de D avid! Eleazar — Pois sim, mas ela gosta. Já com m uita negaça lhe pediu o intercâmbio: quer ler autores romanos. Petrónio antes dos outros...

Mata tias — escrevendo— É ... le, como creme. Eleaza r — idem — A ... gá, como já está. Matatias — Jó ...t a , c o m o c a p o t a .

Eleazar — Til, c o m o p a u - b r a s i l .

Or a d o r — Linda coisa é ver trabalhar ! Mas há trabalho

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que presta e trabalho que não presta. P restará para alguma coisa a trabalheira destes dois doutores? (E ntra Tobias

que vai para a sua mesa sem interromper os doutos colegas).

Os últimos serão os primeiros. Quem dá aos pobres empresta a Zéus. E n tre seja quem for não se mete o sarrafo. Boa noite, Tobias.

To b ia s — Boa noite.

Or ad o r — E s t i v e s t e p a r a n ã o v i r . To b ia s — Pela terceira vez.

Or ad o r — Fazias mal. Hoje, se desses falta, acabava-se a obra... (volta a ler) Ora pois;

era isto no tempo em que os animais falavam.

Dizia-se que Herodes, pai de Salomé, era um antigo aprecia­ dor de cabeças

e que lá nisso era ele como a filha

servidas no prato todas em cima dos ombros nem uma; ora uma vez, no próprio dia que Jesus escolhera para falar

aos doutores...

(Batem a uma porta. O Orador entra em grande agitação) Respeitável público! Chegou o momento! Chegou

o grande momento! Oh, se neste teatro houvesse um carrilhão, uma orquestra de câmara ou até mesmo um pífaro, digo-vos que neste momento tocariam músicas, ouvi- rieis sinos, assobiavam pífaros! Não sabeis porquê? que não sabeis porquê? Ora, sabeis muito bem porquê. O menino

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Jesus vai e n trar neste palco! Ele, o filho do homem, ele, o nosso amor, ele, a nossa esperança, acaba de bater à porta deste velho casarão judeu. Bateu à porta porque é uma criança, não sabe que a porta está aberta! Oh, não haver mais luz do que todas as luzes para iluminar a entrada do filho do homem! Eleazar! Bateram à porta! M atatias! To­ bias! Larguem isso! Façam qualquer coisa! Oh meu Deus!

(Tira o chapéu, limpa o suor da cara e do pescoço e fica longo tempo de cara escondida entre as mãos).

Tobias — sem deixar os alfarrábios — Parece que bate­ ram a uma porta.

Ma ta tias — Tolice.

Eleaza r — Ouvi bater à porta.

Ma ta tias — Não há porta, por que haviam de bater à porta que não há?

Tobias — Será o Presidente da Academia? Dizem que ele enlouqueceu.

Matatias — Impossível. Além de não haver porta, ele não precisa de bater.

Eleazar — trêmulo — E se fosse a polícia de Herodes ? Matatias — exasperado— Que parvoíce, E leazar! A po­ lícia de Herodes não bate às portas. Arromba-as.

Tobias — Já têm batido, só para disfarçar...

Eleazar — aterrado, erguendo-se — P ara melhor nos levar! É ela! (grita) A Gestapo!

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M a ta tia s — Se é, estam os p e rd id o s...

To b ia s — Desterrados,.. To d o s — Crucificados!

M a t a t i a s — O Tratado! Atenção ao Tratado!

Escondem os livros debaixo das secretárias. Brevíssimo silêncio. Fora, batem de novo.

Mata tia s — É m e l h o r i r l á v e r . To b ia s — Não. É melhor esperar.

A voz, fresca, de Jesus, ainda nos bastidores: «Não está ninguém nesta casa? Não ê aqui que se reúnem os Doutores? Não ...» (entra e fica um pouco confuso à vista dos três homens. Mas avança lentamente. Logo atrás, seguindo-o, farejando-o, vem o Servo- -Porteiro).

Ma ta tia s — furioso — Ora adeus! É um garoto!

To b ia s — Não te exaltes, Matatias, Ainda bem que é um garoto!

Mata tia s — repondo as coisas em cima da m esa —- M a s

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quando é que nós vamos poder trabalhar!? Em casa de Eleazar não podia ser, por causa das bailias. Em minha casa, é o que se sabe! No chalet do Tobias, foi o que se viu. / dramático, pondo as mãos) Eli, Eli, por que nos persegues? /Terem os de ir escrever para o deserto?

Tob ias — O g a r o t o n ã o f a z m a l a u m a m o s c a . E d e c e r t o q u e e s t e e n t r o u a q u i p o r e n g a n o . . .

Je s u s — Não foi engano, irmãos doutores. Eu vim para vos falar.

Eleaza r — Menino, temos mais que fa z er!

Tobias — carinhoso — Escuta, pequeno. Eu e estes se­ nhores que aqui vês, estamos a escrever um livro de que toda a Judeia se orgulhará. São cinco volumes, percebes?, cinco graaaaandes volumes onde se explica, grafa e deter­ mina a mais linda maneira de falar a nossa língua. Ora Herodes, rei dos judeus, escreve e fala horrivelmente mal o hebraico...

Eleaza r — .. .o aramaico.

To b ia s— ...e se ele sabe do que estamos fazendo haverá grande sarilho. De forma que das cinco às sete e meia não queremos gente estranha nesta douta Academia.

Eleaza r — Livre-nos D eus!

To b ia s — Enquanto não acabarmos esta obra... El e a z a r— ...A nossa grande obra.

Tobia s" ^ - . . .E tu vais brincar lá para fora que é para

(70)

nós continuarmos a labutar pela maior glória de Isçâel. Valeu? Vá, toma lá meio dracma e não maces mais.

Je s u s— sumindo o meio dracma — Mas eu preciso fa­ lar-vos. Andei léguas para vos falar.

Ma ta tia s — Tobias! Se essa criança não sai imediata­ mente, saio eu. Não respeita a velhice, nem a doutorice, nem a filosofia, nem o silêncio! Saio eu, compreendeis ?

Je s u s — batendo o pé — Ai, ai, ãi, ai! deixem-me falar! Deixem-me falar ou, com mil diabos, viro-os a todos em papagaios! Em papagaios, ouviram?

Eleaza r — rindo a bandeiras despregadas — Em papa... em papa... Ah-ah-ah-ah! J á ganhámos para o susto, agora é para o tabaco! Matatias, ouçamos o rapaz... Quanto mais não seja ele pode trazer à nossa Academia a publicidade de que ela tanto necessita... Olhem-me estas paredes...

To b ia s — Voto no intervalo. Livros são livros, descanse­ mos um pouco destas m atemáticas... (anda em volta de

Jesus) Tantos são os casos maravilhosos — e inexplicáveis

— que se têm dado na Judeia... Tantos rumores correm anunciando a vinda do Messias, salvador e redentor do povo eleito... Não virá ele da parte desse que baptisava no Jordão? Se o expulsamos, ficaremos livres de um sen­ timento de culpa, para não dizer remorso ?

Elea za r — Além disso, fazíamos uma edição especial do «Diário de Jerusalém». Imagina que furo! UM GAROTO

(71)

DESCONHECIDO VAI FALAR AOS DOUTORES!! Isto em letra-caixão, cursivo dezasseis. E mais abaixo, para o normando sete: «ontem, inesperadamente, entrou na Aca­ demia das Ciências, desta cidade, um garoto mal vestido que...»

Matatias — Basta, Eleazar, basta! Ouçamos o rapaz. Antes ele do que tu e creio que não te podes queixar...

Eleazar — sentando-se — Pronto. Je s u s — Meus irm ãos...

(72)
(73)

LOUVOR E SIMPLIFICAÇÃO

DE ÁLVARO DE CAMPOS

(74)
(75)

Há uma hora, há uma hora certa

que um milhão de pessoas está a sair para a rua Há uma hora desde as sete e meia horas da manhã que um milhão de pessoas está a sair para a rua Estamos no ano da graça de 1946

em Lisboa a sair para o meio da rua

Saímos? mas sim, saímos!

Saímos: seres usuais, gente-gente, olhos, narinas, bocas,

(76)

gente feliz gente infeliz, um banqueiro, alfaiates, telefo­ nistas, varinas, caixeiros desempregados

uns com os outros, uns dentro dos outros

tossicando, sorrindo, abrindo os sobretudos, descendo aos mictórios para apanhar eléctricos,

gente atrasada em relação ao barco para o Barreiro que afinal ainda lá estava apitando estridentemente, gente de luto, normalmente silenciosa

mas obrigada a falar ao vizinho da frente na plataform a veloz do eléctrico em marcha, gente jovial a acompanhar enterros

e uma mãe triste a aceitar dois bolos para a sua menina. Há uma hora, isto: Lisboa e muito mais.

Humanidade cordial, em suma,

com todas as conseqüências disso mesmo e a sair a sair para o meio da rua.

E agora, neste momento — que horas são ? —

a telefonista guarda o baton na mala usa os auscultadores liga elèctricamente Lisboa a Santarém

e começou o dia

o pedreiro escalou para o telhado mais alto e cantou qual­ quer coisa

para começar o dia

o banqueiro sentou-se, puxou de um charuto havano, pensou

(77)

um bocado na família e começou o dia

a varina infectou a perna esquerda nos lixos da Ribeira e começou o dia

o desempregado ergueu-se, viu chuva na vidraça, e imagi­ nou-se banqueiro

para começar o dia

e o presidiário, ouvindo a sineta das nove, começou o seu dia sem dar início a coisa alguma.

Agora fumo, trepidação,

correias volantes de um a outro extremo da fábrica isolada, cigarros meio fumados em cinzeiros de prata,

bater de portas — p á s! — em muitas repartições, uma velha a m orrer silenciosamente em plena rua e um detido a apanhar porrada embora acreditem nele. Agora pranto e pranto

na bata da., manucure apetitosa do salão Azul. Agora, regressão, milhões de anos para trás, patas em vez de mãos, beiços em vez de lábios, crocodilos a r ir em corredores bancários

apesar das mulheres terem varrido muito bem o chão. Agora tudo isto e nada disto

em plena e indecorosa licenciosidade comercial

pregando partidas, coçando, arruinando, retorcendo o facto

(78)

atrás dos vidros

— um tiro nos miolos e muito obrigado, sempre às ordens! (a velha já morreu e no seu leito de morte

está agora um automóvel verdadeiramente aerodinâmico e a tocar telefonia: and you, and you my darling?)

Há uma hora, Isto! Há duas, ISTO! E eu?

Eu, nada. Eu, eu, é claro...

Paro um pouco a enrolar o meu cigarro (chove)

e vejo um gato branco à janela de um prédio bastante alto Penso que a questão é esta: a g en te— certa g en te— sai

para a rua,

cansa-se, morre todas as manhãs sem proveito nem glória e há gatos brancos à janela de prédios bastante alto s!

Contudo e já agora penso

que os gatos são os únicos burgueses com quem ainda é possível pactuar —

vêem com tal desprezo esta sociedade capitalista! Servem-se dela, mas do alto, desdenhando-a...

Não, a probabilidade do dinheiro ainda não estragou intei­ ramente o gato

mas de gato para cima-— nem pensar nisso é bom! Propalam não sei que náusea, retira-se-me o estômago só

(79)

de olhar para eles!

São criaturas, é verdade, calcule-se, gente sensível e às vezes boa

mas tão recomplicada, tão bielo-cosida, tão ininteligível que já conseguem chorar, com certa sinceridade,

lágrimas cem por cento hipócritas.

E o certo é que ainda têm rapazes de Arte, gente

que pôs a alegria a pedir esmola e nessa mesma noite foi comprar para o cinema

porque há que ir ao cinema, ele é por força, é por amor de Deus, ah, não! não! isso não!, não se atravessem

nesta bilheteira!!

Vamos estar tão bem! Vai tudo ser Tão Bonito!

Ah, e quem é que vê o logro? A quem é que isto cheira a ranço ?

Porque é que a freguesa de Panos Limitada não exige três quartas de cinema

e sim três quartas partes pretas de lã carneira? Porque é que a pianista compra do Alves Redol

quando está a pensar nas pernas e no peito do louro galã yankee?

E porque raio despede o senhor Director três humílimos empregados

(80)

quando a verdade é que já lá vão três meses e ainda não viu um que lhe enchesse as medidas?

Com certa espécie de solidariedade lembro-me de ti, Mário de Sá-Cameiro,

poeta-gato-branco à janela de muitos prédios altos Lembro-me de ti, ora pois, p ara saudar-te,

para dizer bravo e bravo, isso mesmo, tal qual! Fizeste bem, viva Mário!, antes a morte que isto,

viva Mário a lançar um golpe de asa e a estatelar-se todo cá em baixo

(viva, principalmente, o que não chegaste a saber, mas isso é já outra história...)

E com uma solidariedade muito mais viva lembro-me de ti,'m eu vizinho de baixo,

sapateiro-gato-braneo mas no rés-do-chão, desta vez... É curioso que não te possas suicidar

só porque a tu a janela está ao nível do mundo e que cantes alegremente de manhã à noite com uma casa de seis andares em cima de ti.

Também tu foste empurrado, também te disseram: Fora, g a to !

Mas achaste isso quase natural (e não o é, deveras?)

E agora, guardando em ti todas as tuas grandes qualidades

(81)

vais vivendo um pouco à margem, um pouco no quinto andar...

Deito fora o cigarro que já me sabia a amargo

e decido-me a andar — mas para quê? Mas para onde? As lojas estão todas abertas mas nunca se viu coisa tão

fechada

Ah! heróis do trabalho, que coisas raras fazeis! Não sou um proletário — vê-se logo

— mas odeio cordialmente a gataria

e quanto a crocodilos, nem os do Jardim Zoológico me atraem quanto mais estes! — E aqui é que começa o embróglio...

0 pouco amor que eu tive à burguesia deixei-o todo numa casa de passe

quando me perguntaram : quer assim? Ou assim? E agora, era fatal, falto ao escritório,

falto ao escritório, pontualmente, todas as manhãs. Mas vejamos, ó minha alma, se podes, arrumemos um pouco a casa escura que te deram. -

Eu

estudei música, como toda a gente

(ou talvez um pouco mais do que toda a gente?)

(82)

Não. Por aqui não nos entenderemos.

Estudemos outro papel. Outro fim. Outras músicas.

Recomecemos: Um:

Estes versos não querem de modo algum ser versos porque quem hoje em Portugal quer de algum modo fazer

versos versos

está em muito maus lençóis

(este o primeiro artigo da minha constituição)

Segundo:

Apesar de tudo, saí para a rua com bastante naturalidade e que vi eu? Que é isto? (E que esperava eu ver?)

Terceiro:

(E aqui começa, talvez, o desembróglio) vi também um vapor que ia para o Barreiro e tive pena de não ir com ele

mas não sou um proletário (não, ainda não) e atravessar a nado — quem é que disse que pode?

Fiquei-me a vê-lo: primeiro junto ao cais

com um certo a r simpático de proletário dos mares e apinhado de gente — tan ta espécie dela!

Depois a meio do rio, destacado e nítido,

(83)

depois um ponto vago no horizonte (ó minha angústia!) ponto cada vez mais vago no horizonte

e de repente, ao v irar uma esquina, já depois de outra esquina,

vejo uma nova espécie de enforcado um homem novo em cima de um escadote a colar afixar cartazes deste gênero:

(84)
(85)

D I S C U R S O

SOBRE A REABILITAÇÃO

DO REAL QUOTIDIANO

(86)
(87)

D IS C U R S O

1

Quando aqueles que chegavam olhavam os que partiam os que partiam choravam os que ficavam sorriam

(88)

I I

Como a vida sem caderneta como a folha lisa da janela como a cadela violeta — ou a violenta cadela?

Como o estar egípcio e mudado no salão do navio de espelhos como o nunca te r embarcado ou só te r embarcado com velhos

(89)

Como ter-te procurado tanto que haja qualquer coisa quebrada como percorrer uma estrada com memórias a cada canto

Como os lábios prendem o copo como o copo prende a tua mão como se o nosso louco amor louco estivesse cheio de razão

E como se a vida fosse o foco de um baço, lento projector e nós dois ainda fôssemos pouco para uma tempestade de cor

Um ao outro nos fôssemos pouco meu amor meu amor meu amor

(90)

I I I

No país no país no país onde os homens são só até ao joelho

e o joelho que bom é só até à ilharga conto os meus dias tangerinas brancas e vejo a noite Cadillac obsceno

a rondar os meus dias tangerinas brancas para um passeio na estrada Cadillac obsceno

E no país no país e no país país

onde as lindas lindas raparigas são só até ao pescoço e o pescoço que bom é só até ao artelho

(91)

ao passo que o artelho, de proporções mais nobres, chega a atingir o cérebro e as flores da cabeça, recordo os meus amores liames indestrutíveis e vejo uma panóplia cidadã do mundo

a dormir nos meus braços liames indestrutíveis para que eu escreva com ela só até à ilharga a grande história do amor só até ao pescoço

E no país no país que engraçado no país onde o poeta o poeta é só até à plume

e a plume que bom é só até ao fantasm a

ao passo que o fantasm a — ora aí está — não é outro senão a divina criança (prometida) uso os meus olhos grandes bons e abertos

e vejo a noite (on ne passe pas)

Diz que grandeza de alma. Honestos porque. Calafetagem por motivo de obras.

É relativamente queda de água

e já agora há muito não é doutra maneira no país onde os homens são só até ao joelho e o joelho que bom está tão barato

(92)

IV

A velha que vende bananas o velho roxo de calor o rapaz que g rita sacanas dêem-me um pouco de amor

A outra viagem por m ar o jovem que já é livreiro a camionete a esmagar o túmulo de Sá-Carneiro

(93)

0 sapato branco do réu a imobilidade do rato

que rói a ala esquerda do hidro

A mão erecta contra o céu o céu de súbito contracto a água a morte a mosca o vidro

(94)

V

F alta por aqui uma grande razão uma razão que não seja só uma palavra ou um coração

ou um meneio de cabeças após o regozijo ou um risco na mão

ou um cão

ou um braço para a história da imaginação

Podemos pois está claro transferir-nos

(95)

e imaginar durante um quarto de hora os séculos que virão

— os séculos um e dois

da colonização — depois

é este cair na madrugada ardente na madrugada de constantemente sem sol

e sem arpão

Faltas tu faltas tu falta que te completem ou destruam

não da maneira rilkeana vigilante m ortal solícita e obrigada

— não, de nenhuma maneira resultante! Nem mesmo o amor

não é o amor que falta

falta uma grande realmente razão apenas entrevista durante as negociações oclusa na operação do fuzilamento cantante rodoviária na chama dos esforços hercúleos morta no corpo a corpo do ismo contra ismo

(96)

Falta uma flor

mas antes de arrancada

Falta, ó Lautréamont, não só que todo o figo coma o seu burro

mas que todos os burros se comam a si mesmos e que todos os amores palavras propensões sistemas

de palavras e de propensões se comam a si mesmos

muitas horas por dia até de manhã cedo até que só reste o a o b e o c das coisas para o espanto dos parvos

que aliás não estão a mais

Isso eu o espero e o faço

junto à imagem da criança m orta

depois que Pablo Picasso devorou o seu figo sobre o cadáver dela

e longas filas de bandeiras esperam devorar Picasso

— que é perto da criança, ao lado da boca minha.

(97)

V I

Afinal o que importa não é a literatura nem a crítica de arte nem a câm ara escura Afinal o que importa não é bem o negócio nem o te r dinheiro ao lado de te r horas de ócio Afinal o que importa não é ser novo e galante — ele há ta n ta maneira de compor uma estante

(98)

Afinal o que importa é não te r medo : fechar os olhos frente ao precipício

e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola

antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome porque assim como assim ainda há m uita gente que come

Que afinal o que importa é não te r medo

de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de m uita gente :

Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo à saída da pastelaria, e lá fora — ah, lá fo r a ! — rir

de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta te r lavados e muitos dentes brancos à m ostra

(99)

VII

Queria de ti um país de bondade e de bruma queria de ti o m ar de uma rosa de espuma

(100)

vm

Um grande utensílio de amor meia laranja de alegria dez toneladas de suor um minuto de geometria

Quatro rimas sem coração dois desastres sem novidade um preto que vai para o sertão um branco que vem à cidade

(101)

Uma meia-tinta no sol

cinco dias de angústia no foro o cigarro a descer o paiol — a trepanação do touro

Mil bocas a ver e a contar uma altura de fazer turismo um arranha-céus a rip ar meia quarta de cristianismo

Uma prancha sem porta sem escada um grifo nas linhas da mão

uma ibéria muito desgraçada um rocio de solidão.

(102)

I X

E é preciso correr é preciso ligar é preciso sorrir é preciso suor

é preciso ser livre é preciso ser fácil é preciso a roda o fogo de artifício

é preciso o demônio ainda corpulento é preciso a rosa sob o cavalinho

é preciso o revólver de um só tiro na boca é preciso o amor de repente de graça é preciso a relva de bichos ignotos e o lago é preciso digam que é preciso

(103)

não falem mais logo mais noite mais nunca depois sim mas não é preciso é preciso é preciso comprar movimentar comércio é preciso te r feira nas vértebras todas é preciso o fato é preciso a vida da mulher-cadáver até de manhã é preciso um risco na boca do pobre

para averiguar de como é que eles entram é preciso a máquina a quatro mil vóltios é preciso a ponte rolante no espaço é preciso o porco é preciso a valsa o estrídulo o roxo o palavrão de costas é preciso uma vista para ver sem perfume e outra menos vista para olhar em silêncio é preciso o logro a infância depressa o peso de um homem é demais aqui é preciso a faca é preciso o touro é preciso o miúdo despenhado no túnel é preciso forças para a hemoptise

é preciso a mosca um por cento doméstica 6 preciso o braço coberto de espuma a luz o grito o grande olho gelado

10 é preciso gente para a debandada ó preciso o raio a cabeça o trovão

(104)

a ru a a memória a panóplia das árvores é preciso a chuva para correres ainda é preciso ainda que caias de borco na cama no choro no rogo na treva é precisa a treva para ficar um verme roendo cidades de trapo sem pernas

(105)

X

As linhas os carros aerodinâmicos a nuvem cinzenta por cima de mim a sapateirinha noiva de três o jovem operário presa de mil o salto que dei galgando o passeio o lápis miúdo no bolso de trá s os versos que faço

(106)

sem grande alegria a voz dos amigos amigos amigos negócios àparte

sempre (qualquer dia) me darão alento

Bem vêem pensei que a coisa era outra desculpa sou jovem tenho incongruências P e n sei... bem, pensei em vida que o fosse não deu resultado não dá resultado Amigos, dizei, deu-vos resultado? Resultado o quê? A brir a barragem vazar a dispensa brincar ao herói — ou ser herói mesmo

(107)

Herói? Herói como?

Pois é. Sou novato não tenho experiência Já disse : pensei que fosse possível mas pronto. Acabou. Juro envelhecer!

— ó enforcados o tempo passa o tempo passa que desgraça!

Passa nada, amigos! A única coisa que passa é o publicista Azeredo que é chauffeur de praça Paragem. Apêrto.

Vai isso? Vai isso? Vai mal, obrigado. Palestras? Pois sim, entrego depois ... E o que é que é? Ah, isso, veremos.

(108)

Cinema. Teatro. Poesia, talvez. Bem, bem ... Bom, bom ... Saúde. Adeus. Aperto. Partida. Fico no meu sítio. Lá vem o eléctrico amarelíssimo.

As ruas as casas de zincogravura os barcos que saem a barra que eu vejo o freio nos dentes do burro inocente o forte em Monsanto o santo em Monforte o homem que é fraco o homem que é forte sempre (qualquer dia) me darão alento.

(109)

X I

Hoje, dia de todos os demônios

irei ao cemitério onde repousa Sá-Carneiro a gente às vezes esquece a dor dos outros o trabalho dos outros o coval

dos outros

Ora este foi dos tais a quem não deram passaporte de forma que embarcou clandestino

Nãó tinha política tinha física

(110)

mas nem assim o passaram

E quando a coisa estava a ir a mais tzzt... uma poção de estrienina deu-lhe a molesa ... foi dormir

Preferiu umas dores parece que no lado esquerdo da alma

Uns disparates com as pernas na hora apaziguadora. Herói à sua maneira recusou-se

a beber o pátrio mijo

Deu a mão ao Antero, foi-se e pronto. Desembarcou como tinha embarcado :

Sem Jeito P ara o Negócio

(111)

X II

Estou muito zangado

tudo isto cheira a trapo e a ervanária

tudo isto cheira a hera para estátuas líricas e eu nasci em perfeitas condições de trabalho

que fazer? que fazer?

a oxidação seria um escândalo gigante um braço de cristal servindo de sirene às aves trôpegas de tan ta música grátis

Nem os teus olhos nem o teu cabelo

(112)

me tiram hoje deste vento de cinzas armazém de retém de sofistas menores lata de tin ta de borrar a vida

enquanto não chega a mão definidora

Zangado muito zangado

o vento alisa as frinchas do organizado anoitecer geral

e a morte ronda perto

próxima como nunca da garganta dos lobos

Vamos crianças para a cova espigar um rato cinzento vamos cessando connosco todo o murmúrio

(113)

X I I I

Pequeno tambor orgia modesta o lago tranqüilo a descoloração tin tu ra de brancos e verdes floresta o lago tranqüilo a prostituição candura doçura nos olhos em festa mão no coração

A bola de vidro rola vis-a-vis

com as flores que altas são no jardim. Há justos e réprobos porque o senhor quis vingar-se de nós porque sim

(114)

X V

Eu em 1951 apanhando (discretamente) uma beata (valiosa) num café da baixa por ser incapaz coitados deles

de escrever os meus versos sem realizar de facto neles, e à volta sua, a minha própria unidade — fumar, quere-se dizer.

Esta, que não é brilhante, é que ninguém esperava ver num livro com versos. Pois é verdade. Denota

(115)

a minha essencial falta de higiene (não de tabaco)

e uma ausência de escrúpulo (não de dinheiro) notável. O Armando, que escreve à minha frente

o seu dele poema, fuma também.

Fumamos como perdidos escrevemos perdidamente e nenhuma posição no mundo (me parece) é mais alta mais espantosa e violenta incompatível e reeonfortável do que esta de nada dar pelo tabaco dos outros

(excepto coisas como vergonha, naturalmente, e mortalhas)

(Que se saiba) é esta a primeira vez

que um poeta escreve tão baixq (ao nível das priscas dos outros)

Aqui, e em parte mais nenhuma, é que cintila o tal condi- cionalismo

de que há tanto se fala e se dispõe discretamente (como quem as apanha). Sirva tudo de lição aos presentes e futuros nas taménidas (várias) da poesia local — Antes andar por aí relativamente farto antes para tabaco que para Cesariny

(Mário) de Vasconcelos

(116)

X V I

Uma corda. Uma garganta. Duas dores. 0 Infinito.

Um irmão que chora. Uma mãe que canta. E uma noiva que diz ai que eu grito.

Um soluço uma noite uma aurora Uma mesa — um suicida esquisito. Um irmão que sai porta fora Um menino que compra um apito.

(117)

Uma senhoria irritada Dois odores a gato pingado. Uma noiva inconformada, coitada. Uma mala muito bem fechada. Um quarto de novo alugado.

Uma mãe que sorri. Alguém que ama um corpo quente que nem quê.

Uma ru a cheia de lama. Uma noiva que sabe porquê.

(118)

X V II

Ia muito bem a guiar o automóvel

quando ao fazer a mudança (necessária?) tudo mudou muito mais do que esperava:

o automóvel (embora sempre andando) virou caixote do lixo

e ela — aflição! — passou a ser apenas um busto fora do caixote fechado e a dar à manivela muito depressa ...

(119)

«A rua era comprida?» perguntou a que também estava quo contou de repente que com ela era assim:

uma escada para o alto, que nunca mais acabava... Também havia quem viajasse muito

todas as noites, e no mesmo sentido.

lístava esse muito carsado, pois com os comboios normais basta não querer e pronto, mas se é sonho

não há manobra possível, tem de se ir mesmo.

(120)

X V III

À hora X, no Café Portugal à mesa Z, é sempre a mesma cena :

uma toupeira ergue a mãozinha e acena ... Dois picapaus querelam, muito entusiasmados : que a dita dura dura que não dura

a dita dita dura — dura desdita!

Um pássaro cantor diz que isto assim é pena e um senhor avestruz engole ovos estrelados

(121)

X I X

A noite como um prego a noite louca a noite com árvores na boca

(122)

X X

Arrumaram-se à luz de um candeeiro a recolher esmolas.

Mas quem passa, passa. Nem sempre há dinheiro. É assim mesmo!... — Bolas!

Não fazem pena. Não fazem coisa alguma. Estão ali.

Ela, tem a boca cheia de espuma e ele, cego, sorri.

(123)

X X I

E em toda a parte

o sexo feminino estadista e general extra-strong e super-cream

procura uma saída em caso de acidente mortal

em toda a parte

duplicações de indivíduos estranhos

esperam indicações úteis com o auscultador no ouvido enquanto cinqüenta anos de vida missionária

fazem descer o preço do café que tomamos com o vestuário em chamas

em toda a parte

(124)

aparece a palavra Napoleão

no cotovelo de indivíduos portadores das mais recentes leis da maternidade

tanto para senhoras como para os rapazes em toda a parte um mendigo dactilógrafo corta fiambre

para a edificação da grande árvore enquanto o marinheiro limpa a sua unha em toda a parte

e um crocodilo que nasceu de costas

aguarda assim a decisão injusta dos tribunais competentes de toda a parte.

(125)

P OE MA

P O D E N D O S E R V IR D E POSFÁCIO

Ruas onde o perigo é evidente braços verdes de práticas ocultas duendes

barcos de silêncio que atravancam cadáveres à tona de água

(126)

girassóis e um corpo

um corpo para cortar as lâmpadas do dia um corpo para descer uma paisagem de aves para ir de manhã cedo e voltar muito tarde rodeado de anões e de campos de lilases um corpo para cobrir a tu a ausência como uma colcha

um talher um perfume

Isto ou o seu contrário, mas de certa maneira hiante e com m uita gente à volta a ver o que é

isto ou uma população de sessenta mil almas devorando almofadas escarlates a caminho do m ar

e que chegam ao crepúsculo

encostados aos submarinos

isto ou um torso desalojado de um verso e cuja morte é o orgulho de todos

ó pálida cidade construída

como uma febre entre dois patam ares!

Vamos distribuir ao domicílio terra para encher candelabros

(127)

leitos de fumo para amantes erectos tabuinhas com palavras interditas

— uma mulher para este que está quase a perder o gosto à vida — tome lá —

dois netos para essa velha aí no fim da fila — não temos mais —

saquear o museu d ar diadema ao mundo e depois obrigar a repor no mesmo sítio

e para ti e para mim, assentes num espaço útil, veneno para entornar nos olhos do gigante

Isto ou um rosto um rosto solitário como barco em demanda de vento calmo para a noite

se nós somos areia que se filtre

a um vento débil entre arbustos pintados

se um propósito deVe atingir a sua margem — como as cor­ rentes da te rra náufragos e tempestade

se o homem das pensões e das hospedarias levanta a sua fronte de cratera molhada

se na rua o sol brilha como nunca se por um minuto

vale a pena esperar

isto ou a alegria igual à simples forma de um pulso aceso entre a folhagem das mais altas lâmpadas

(128)

isto ou a alegria dita o avião de cartas entrada pela janela saída pelo telhado

Ah mas então a pirâmide existe? Ah mas e então a pirâmide diz coisas?

Então a pirâmide é o segredo de cada um com o mundo?

Sim meu amor a pirâmide existe a pirâmide diz muitíssimas coisas a pirâmide é a arte de bailar em silêncio

e em todo o caso

há praças onde esculpir um lírio zonas subtis de propagação do azul gestos sem dono barcos sob as flores uma canção para ouvir-te chegar

(129)
(130)
(131)
(132)

Referências

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