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Slogan: a linguagem como objeto de análise e a propaganda política como discurso de poder

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LEONARDO SEVERINO LIMAS

SLOGAN​: A LINGUAGEM COMO OBJETO DE ANÁLISE​ E​ A PROPAGANDA

POLÍTICA COMO DISCURSO DE PODER

Palhoça 2019

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LEONARDO SEVERINO LIMAS

SLOGAN​: A LINGUAGEM COMO OBJETO DE ANÁLISE​ E​ A PROPAGANDA

POLÍTICA COMO DISCURSO DE PODER

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Publicidade e Propaganda, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção de grau do título de Bacharel.

Orientadora: Profa. Silvânia Siebert, Dra.

Palhoça 2019

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LEONARDO SEVERINO LIMAS

SLOGAN​: A LINGUAGEM COMO OBJETO DE ANÁLISE​ E​ A PROPAGANDA

POLÍTICA COMO DISCURSO DE PODER

Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Publicidade e Propaganda e aprovada em sua forma final pelo curso de Publicidade e Propaganda, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

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Ao meu pai, Jean, o herói de sempre que se mantém vivo nas minhas lembranças. À minha mãe, Inara, meu maior exemplo de bondade e resiliência.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que estiveram comigo nesse percurso, aos meus colegas do semestre 2015.2 de Publicidade e Propaganda da Unisul pela convivência diária durante alguns anos. À minha orientadora, Silvânia Siebert, que com toda sua sabedoria e alegria contagiante contribuiu para o meu progresso intelectual.

À professora Helena Iracy Cerquiz Santos Neto por ter me apresentado a AD. Gratidão eterna por ter me ensinado a pensar mais, a questionar mais. Obrigado pelo empurrãozinho que hoje me faz ser mais feliz pensando fora da caixa.

Ao meu grande amigo, Eduardo Mendes, por ter sido o meu maior incentivador e conselheiro. Por ter me ensinado a ser otimista, autoconfiante e me encorajado a ir em busca dos meus sonhos.

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“Minha matéria é o nada. Jamais ousei cantar algo de vida: se o canto sai da boca ensimesmada, é porque a brisa o trouxe, e o leva a brisa, nem sabe a planta o vento que a visita”. (CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, 1986).

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RESUMO

Esta monografia destina-se ao estudo discursivo dos diferentes efeitos de sentido materializados no ​slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”​. ​O bordão foi adotado

por Jair Messias Bolsonaro e se popularizou durante as eleições de 2018. Para tal investigação, optamos pelo uso da Análise do Discurso (AD), de corrente francesa, como ferramenta teórico-metodológica. Propomos analisar o discurso a partir de sua opacidade, questionando as diferentes ideias presentes no texto e compreender o funcionamento do discurso. Portanto, como analistas do discurso vamos considerar os processos e as condições de produção da linguagem, relacionando-a à sua exterioridade. A AD, que visa compreender como os objetos simbólicos produzem sentidos, em nossa análise é posta ao lado do discurso político e da linguagem da propaganda, com o objetivo de compreender o funcionamento discursivo dos ​slogans​. Concluímos, então, que o nosso ​corpus vai além da produção de sentidos que evocam o nacionalismo e a religião, é um procedimento por meio do qual o Estado produz uma rede de memória que envolve um discurso neoliberal mundializado, homogêneo e silenciado pela ideologia.

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ABSTRACT

This monograph is aimed at the discursive study of the different meaning effects materialized in the slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. The catchphrase was adopted by Jair Messias Bolsonaro and became popular during the 2018 presidential elections. For such investigation we opted to use the french approach of Discourse Analysis (DA) as a theoretical and methodological tool. We aim to analyse the discourse from its opacity, questioning the different ideas present in the text and understand the functioning of the discourse. Therefore, as discourse analysts we will take into consideration the processes and the conditions for language production, relating it to its exteriority. The DA, whose purpose is to comprehend how the symbolic objects produce meaning, is put side by side with the political discourse and the advertising language, in order to understand the discursive operation of slogans. We conclude, then, that our ​corpus goes beyond the production of meaning, which evokes nationalism and religion. It is a procedure in which the State produces a memory network that involves a neoliberal discourse, which is globalised, homogeneous and silenced by the ideology.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Outdoor de apoio a Jair Bolsonaro na Avenida Ceará, em Rio Branco (AC) .. 39

Figura 2 - ​Pesquisa Datafolha: cenário com Lula ……….. 46

Figura 3 - Pesquisa Datafolha: Haddad no lugar de Lula ………. 47

Figura 4 - Pesquisa Datafolha: apoio de Lula a um candidato ………... 48

Figura 5 - Pesquisa Datafolha: índice de rejeição ………..…... 49

Figura 6 - ​Pesquisa Datafolha: simulações de segundo turno ………... 50

Figura 7 - Resultado do 1º turno das eleições ………... 51

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LISTA DE ABREVIATURAS

AD - Análise de Discurso AI - 5 - Ato Institucional nº 5

CNT/MDA - Confederação Nacional dos Transportes/Instituto MDA Pesquisa DC - Democracia Cristã

DR - Discurso Religioso

MDB - Movimento Democrático Brasileiro PCdoB - Partido Comunista do Brasil PDT - Partido Democrático Trabalhista PHS - Partido Humanista da Solidariedade PPL - Partido Pátria Livre

PRP - Partido Republicano Progressista

PRTB - ​Partido Renovador Trabalhista Brasileiro PSC - Partido Socialista Cristão

PSOL - Partido Socialismo e Liberdade PSL - Partido Social Liberal

PSTU - Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado PT - Partido dos Trabalhadores

PTC - Partido Trabalhista Cristão PV - Partido Verde

Rede - Rede Sustentabilidade

TRF-4 - ​Tribunal Regional Federal da 4ª Região TSE - Tribunal Superior Eleitoral

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SUMÁRIO 1 ​INTRODUÇÃO ​………... 1.1 Apresentação do tema​ ​………... 1.1.1 Objetivos ​………... 1.1.1.1 Objetivo geral ……….…... 1.1.1.1.1 Objetivos Específicos​ ​……….….. 2 JUSTIFICATIVA ​……….….. 3 METODOLOGIA ​………... 3.1 AS FORMAS DE PESQUISA ………... 4 PUBLICIDADE E PROPAGANDA​ ​………​. 4.1 PROPAGANDA POLÍTICA ………...

4.1.1 Propaganda de tipo Leninista​…….……….…....

4.1.1.1 Propaganda de tipo Hitletrista​ ………...

4.2 ​SLOGANS​: DEFINIÇÕES E ANÁLISE ……….…...

5 HISTORICIDADE E CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO ​SLOGAN​ ​“​BRASIL

ACIMA DE TUDO, DEUS ACIMA DE TODOS​”​ ​…………...

5.1 OS PRINCIPAIS FATOS NA POLÍTICA NACIONAL DURANTE O ANO DAS ELEIÇÕES ……….. 5.2 DESEMPENHO DE JAIR BOLSONARO NAS PESQUISAS ELEITORAIS...

6 O DISCURSO POPULISTA NA PÓS-MODERNIDADE E O

NEOLIBERALISMO NA PÓS-DEMOCRACIA​ ………... 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ​………. 11 11 12 12 12 12 13 15 17 20 22 23 24 32 39 43 52 55

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1 INTRODUÇÃO

1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA

Nesta monografia – que surge como requisito para a obtenção do título de graduação do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade do Sul de Santa Catarina – propomos analisar o ​slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. O bordão foi adotado pelo agora Presidente da República, Jair Bolsonaro, e se popularizou durante as eleições de 2018, quando Bolsonaro ainda era candidato. A escolha do tema surge da observação pessoal em relação aos últimos acontecimentos na política nacional e do interesse pela Propaganda, em especial quando examinada pelo ângulo da Análise de Discurso (que chamaremos de AD).

Tendo como precursora no Brasil a linguista Eni Puccinelli Orlandi, a Análise de Discurso, conforme o próprio nome sugere, trata do discurso. Em seu livro ​Análise de Discurso: Princípios e Procedimentos ​, a linguista observa que etimologicamente a palavra discurso tem a ideia de movimento, de curso, de percurso. O discurso é, portanto, a palavra em movimento, a prática de linguagem, é através dele que observa-se o homem falando. Ainda segundo Orlandi (2009, p.15) “na análise de discurso, procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história”.

Quanto ao referencial teórico, recorremos aos trabalhos de Eloá Muniz (2004) e Armando Sant'Anna (1981) para amparar nossas pesquisas sobre os discursos publicitário e da propaganda. Os estudos de Sant'Anna (1981) nos conduzem a entender, principalmente, o funcionamento da propaganda política. O autor expõe algumas visões referentes ao papel da propaganda, suas influências nas forças coletivas e como ela age sobre a opinião. Para fundamentar o nosso movimento de análise em nosso objeto de estudo, o ​slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, contamos com as contribuições teóricas de Orlandi (1993; 1996; 2003; 2005; 2009; 2012; 2013) acerca da AD e também com a ajuda de Marilena Chauí (2000) para compreendermos as origens históricas de algumas palavras presentes na sentença analisada. Por fim, contamos também como base teórica no decorrer de todo o trabalho, com as contribuições de Esther Solano Gallego (2018) a partir de uma pesquisa que visa entender

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os fatores conjunturais e estruturais que resultaram no crescimento das novas direitas no Brasil.

Nosso ​corpus é constituído pelo ​slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Esse foi o bordão que marcou a campanha presidencial de Jair Bolsonaro em 2018, sendo essa campanha encomendada pela coligação​Brasil acima de tudo, Deus acima de todos – que surgiu da união entre PSL e PRTB – para a agência Alfa9 Inteligence, que ainda contou com os serviços da 9ideia Comunicação e da produtora Mosqueteiros Filmes, conforme consta em matéria da revista Época . 1

1.1.1 Objetivos

1.1.1.1 Objetivo geral

O objetivo desta monografia é analisar o discurso do ​slogan da campanha eleitoral de Jair Bolsonaro, e a relação entre política e propaganda.

1.1.1.1.1 Objetivos Específicos

1. Definir o funcionamento dos discursos publicitário e de propaganda. 2. Compreender o funcionamento do discurso político eleitoral.

3. Analisar as estratégias de comunicação empregadas na campanha e o funcionamento discursivo do ​slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

2 JUSTIFICATIVA

O meu interesse pela política não é recente, desde criança o tema já me despertava curiosidade. No meu contato com os santinhos espalhados pelas ruas, com ​jingles ​no rádio ou com propagandas na TV, era inevitável que eu não prestasse a atenção. O que mais me fazia pensar acerca do assunto era o poder de construção e desconstrução de imagem que a

1 Disponível em: <https://epoca.globo.com/produtora-de-video-que-so-existe-no-papel-recebeu-240-mil-da

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comunicação exerce. Não era fácil tentar entender toda aquela “guerra” entre os candidatos para conquistar o público, na maioria das vezes através da construção de um personagem político moldado pela retórica publicitária. Desta forma, quando iniciei a graduação em Publicidade e Propaganda, pude entender melhor esse funcionamento, principalmente quando conheci as teorias da Análise de Discurso. Recentemente, observando as propagandas eleitorais na eleição presidencial de 2018, toda aquela curiosidade despertada lá na minha infância veio à tona novamente, curiosidade essa que pretendo solucionar através da pesquisa aqui proposta.

Quanto à escolha do ​slogan do então candidato, agora presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro, deve-se ao meu interesse pessoal de estudar os diferentes efeitos de sentido produzidos pelo bordão que esteve tão presente na mídia durante as eleições de 2018. No que se refere à Análise de Discurso, que me fascina desde o primeiro contato na segunda fase do curso, faço o seu uso diante da importância de se enxergar além das palavras. Além disso, há o interesse acadêmico de contribuir na formação intelectual dos futuros profissionais publicitários, possibilitando que os mesmos exerçam o pensamento crítico com mais frequência durante a realização da atividade publicitária. Assim sendo, passamos também a contribuir com a produção científica, permitindo que outros pesquisadores façam o uso dos nossos estudos em suas respectivas pesquisas .

Considerando a relevância da linguística no estudo dos ​slogans​, estamos sendo pioneiros ao propor que a nossa análise seja feita a partir fatos recentes e pouco explorados por meio da linha francesa da AD, que demonstra a sua relevância em nosso tema ao contemplar os aspectos relacionados à ideologia. Há também o pioneirismo em nosso movimento de análise, que considera a circulação do nosso objeto de estudo em três períodos diferentes: antes, durante e depois do período eleitoral.

3 METODOLOGIA

Este tópico apresenta os procedimentos metodológicos que serão utilizados para alcançar os objetivos da pesquisa e que alicerçam o desenvolvimento do trabalho. Compreender e definir o método na linguagem é questão fundamental. O método, afirma Orlandi (1996, p.15) citando Saussure, determina o objeto. Ainda desenvolvendo essa

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afirmação, Orlandi (1996, p.15) ao citar Paul Veyne (1971) nos diz que “diante de várias perspectivas metodológicas adotadas, não se trata de um objeto visto de diferentes perspectivas, mas sim de uma multiplicidade de objetos diferentes”. Sendo assim, ao observar um fato ou acontecimento em suas mais variadas possibilidades damos origem a uma infinidade de objetos de conhecimento, cada um com suas propriedades e características.

Diante disso, tendo em vista os conceitos da ciência da linguagem, cabe fazer a distinção de dado (empírico) e o objeto (científico), conforme observa Orlandi (1996, p.15). Portanto, segundo a autora, é preciso fugir da tentação de optar por um dos lados, já que a linguagem se revela pela ambiguidade: ora circula pela arte, ora pela ciência. Ao definir o objeto através da metodologia é preciso ter em mente que nos “comprometemos com uma teoria e com um corpo de definições”, conforme salienta Orlandi (1996, p.16). Esse comprometimento é o que sustenta as correspondentes técnicas de análise.

Há uma relação necessária entre o objeto, as técnicas, a metodologia e a teoria na qual a análise se sustenta. Pressuposta a tudo isso, encontra-se uma definição de linguagem que subjaz e que determina os princípios teóricos, a metodologia e análise. (ORLANDI, 1996, p.16)

Na Análise de Discurso o problema é antes de tudo metodológico, conforme observa Orlandi (2003, p.116). Para a autora, a AD não é um nível diferente de análise, e sim um ponto de vista diferente. Na perspectiva da Análise de Discurso, há a possibilidade de se trabalhar com unidades de vários níveis – palavras, sentenças, períodos, etc. – sob o enfoque do discurso, como nos propomos a fazer ao analisar o ​slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Portanto, é sob essa mesma perspectiva que o texto como unidade de significação é o lugar mais propício para se observar o fenômeno da linguagem.

[...] nesse tipo de análise, olha-se através do texto enquanto unidade significativa. Pensando-se aqui o texto não como unidade formal, mas pragmática, ou seja, aquele em cujo processo de significação também entram os elementos do contexto situacional. Dessa forma, posso dizer que o texto e discurso se equivalem, entretanto em níveis conceituais diferentes: discurso é conceito teórico e metodológico e texto é conceito analítico. Por isso, é possível tratar um texto sob outros aspectos que não o discursivo e aí o texto e discurso se distinguem. (ORLANDI, 2003, p.116).

Em ​Princípios e Procedimentos​, Orlandi (2009) relaciona o discurso e o texto com a materialidade histórica da linguagem. Assim, segundo ela, “o texto referido à

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discursividade, é o vestígio mais importante dessa materialidade, funcionando como unidade de análise. Unidade que estabelece, pela historicidade, como unidade de sentido em relação à situação”.(ORLANDI, 2009, p.68-69). Dessa maneira, texto (unidade de análise) e discurso (unidade teórica) se complementam, sendo o discurso definido como “o efeito de sentidos entre locutores”. (ORLANDI, 2009, p.69). Então, o que importa para a Análise de Discurso é a forma como o texto organiza a relação da língua com a história no processo de significação do sujeito em sua relação com o mundo.

3.1 AS FORMAS DE PESQUISA

As formas clássicas de classificação das pesquisas, segundo Silva e Menezes (2005, p.20), podem ser do ponto de vista: da sua natureza; de seus objetivos; da forma de abordagem do problema; dos procedimentos técnicos. Do ponto de vista da sua natureza, a pesquisa pode ser básica (pura) ou aplicada. Do ponto de vista da forma de abordagem, ela pode ser quantitativa ou qualitativa. Já nos seus objetivos, podemos classificar uma pesquisa como exploratória, descritiva ou explicativa. Por último, temos os procedimentos técnicos, que podem variar entre uma pesquisa bibliográfica, documental, experimental, levantamento de campo, estudo de caso, pesquisa expost-facto, pesquisa-ação ou uma pesquisa participante.

Faremos uso da pesquisa explicativa como objeto geral. Conforme Gil (2008, p.28), as pesquisas explicativas são aquelas pesquisas que têm como preocupação central identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Tendo em vista essa definição, podemos relacionar a pesquisa explicativa com a Análise de Discurso, que também implica em tentar explicar, através da compreensão do funcionamento discursivo; implica tentar explicar a memória do dizer; implica tentar explicar porque algo foi dito de um modo e não de outro. Enfim, compreender o funcionamento do discurso implica em explicar a produção do sentido. E nós só efetivamente ​compreendemos quando conseguimos ​explicar​.

Este é o tipo de pesquisa que mais aprofunda o conhecimento da realidade, porque explica a razão, o porquê das coisas. Por isso mesmo é o tipo mais complexo e delicado, já que o risco de cometer erros aumenta consideravelmente. Pode-se dizer que o conhecimento científico está assentado nos resultados oferecidos pelos estudos explicativos. (GIL, 2008, p.28).

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Quanto aos procedimentos técnicos para a coleta de dados, este trabalho classifica-se como pesquisa bibliográfica e pesquisa documental. Na concepção de Gil (2008, p.50), a pesquisa bibliográfica “tem seu desenvolvimento a partir de material já elaborado”, sendo livros e artigos científicos os mais utilizados. Nas palavras do autor, “a principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”. (GIL, 2008, p.50). Iremos abordar esse tipo de pesquisa a partir das mais variadas referências bibliográficas utilizadas nesta monografia, entre as principais estão algumas obras de Eni Puccinelli Orlandi e ​Propaganda: teoria, técnica e prática​, de Armando Sant'Anna.

Já a pesquisa documental se insere em nosso trabalho a partir da utilização de matérias jornalísticas e pesquisas que servem de embasamento teórico para contribuir com o levantamento de informação e dados referentes aos  ​acontecimentos na política nacional aqui citados. Entre as principais fontes podemos destacar matérias do El País, Folha de S. Paulo e BBC, além da importante pesquisa ​Crise da Democracia e Extremismos de Direita​, de Esther Solano Gallego.

Segundo Gil (2008, p.51), a natureza das fontes é o que difere a pesquisa bibliográfica da documental, “enquanto a primeira faz uso da contribuição de vários autores sobre um assunto específico, a outra trabalha com materiais de primeira e segunda mão”.(GIL, 2008, p.51). Os materiais considerados de primeira mão, de acordo com o autor, são aqueles que ainda não receberam qualquer análise, tais como: documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, contratos, diários, filmes, fotografias, gravações etc. Já os os de segunda mão são aqueles que, de alguma forma, já foram analisados: relatórios de pesquisa, relatórios de empresas, tabelas estatísticas etc. Nas palavras de Gil (2008, p.51) “a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa.”

Ao analisar um discurso textualizado inserido no gênero discursivo ​slogan​, temos o registro em um suporte publicitário. Sendo assim, estamos nos aproximando de uma memória material, que já faz parte de um arquivo. A aproximação com a noção de documento se apresenta através da existência de um texto que aparece em diversas peças publicitárias, sendo esse texto o nosso ponto de partida, conforme sugere a proposta geral do dispositivo

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analítico da AD, em que o analista deve partir da materialidade textual para o discurso. O analista passa a ir além da natureza documental de um texto e passa a buscar pistas do discursos presentes no texto. A face registrada do discurso, ou seja, sua configuração documental, é o que permite a entrada do analista no gesto de interpretação e, depois, com o dispositivo de análise, tentar compreender.

Portanto, a utilização da pesquisa bibliográfica e da pesquisa documental nos possibilita explorar com profundidade os mais diversos materiais que embasam o referencial teórico desta monografia. Diante desse contexto, vale ressaltar a importância da utilização do método monográfico, que segundo Gil (2008, p.18) “parte do princípio de que o estudo de um caso em profundidade pode ser considerado representativo de muitos outros ou mesmo de todos os casos semelhantes”. Segundo as definições do autor, é através do processo formal e sistêmico da pesquisa que desenvolvemos o método científico. Dessa forma, quando aplicamos procedimentos científicos em busca das respostas para algum problema estamos lidando com o principal objetivo do pesquisador.

4 PUBLICIDADE E PROPAGANDA

Ferramentas da comunicação, a publicidade e a propaganda são frequentemente confundidas e usadas como sinônimos, embora tenham diferentes definições e aplicação distinta. De acordo com a definição de Sant'Anna (1981, p.81), publicidade vem do latim publicus e designa a qualidade do que é público, de tornar conhecido um fato ou uma ideia. O início da atividade publicitária, segundo Muniz (2004), tem seus primeiros registros no período da Antiguidade Clássica, onde se encontram, em Pompéia, tabuletas com anúncios de duelos entre gladiadores. Além disso, nessas tabuletas também havia referências a casas de massagem presentes na região. “Nesta fase, a publicidade era sobretudo oral, feita através de pregoeiros, que anunciavam as vendas de escravos, gado e outros produtos, ressaltando as suas virtudes”. (MUNIZ, 2004, p.1).

Até o período da Idade Média, essa primeira etapa da publicidade funcionava a favor dos mercadores e comerciantes. A forma de se comunicar ia dos gritos aos gestos, até surgirem os símbolos, também nesse período. “Naquela época as casas não possuíam número e as ruas não eram identificadas. O comerciante se obrigava, então, a identificar o seu

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estabelecimento com um símbolo; [...] Estes símbolos tornaram-se mais tarde em emblemas de marca e logotipos”. (MUNIZ, 2004, p.1).

Dando continuidade às informações levantadas por Muniz (2004, p.2), é importante observar que, logo mais, no século XV, a utilização do papel marcava o surgimento de uma etapa importante para a publicidade. A partir da invenção da imprensa mecânica, por Gutenberg, vemos os primeiros panfletos e os primeiros cartazes. A primeira impressão de um cartaz ocorreu pela primeira vez em 1482 para anunciar um evento religioso. Em 1625, no periódico ​Mercurius Britannicus temos o primeiro anúncio publicitário. Seis anos depois, na França, temos a primeira seção de anúncios publicada em uma gazeta. Já após 1841, nos EUA, temos registros do primeiro publicitário, Voley B. Palmer, da primeira agência e da primeira campanha, planejada por John Wanamaker.

Com o advento da era industrial, a produção em massa e a conseqüente necessidade de aumentar o consumo dos bens produzidos, a técnica publicitária foi-se aperfeiçoando, passando a ser mais persuasiva nas suas mensagens e perdendo, quase que por completo, o seu sentido unicamente informativo. A concorrência desenfreada entre as várias marcas, praticamente obrigou o aparecimento de um tipo de publicidade mais agressiva, chamada publicidade combativa, com a tentativa de impor um produto, ao invés de sugeri-lo. Isto deu origem a muitos excessos que só foram barrados com a entrada em vigor da legislação que regulou a atividade publicitária. Atualmente, a maior parte das mensagens publicitárias é sugestiva e têm por base os estudos de mercado e de motivações. A publicidade informativa e combativa, não deixou de existir completamente, seu espaço foi preenchido pelas relações públicas, enquanto a propaganda ocupou o lugar da publicidade combativa. (MUNIZ, 2004, p.2)

Já a propaganda é definida como a propagação de princípios e teorias. Foi introduzida pelo Papa Clemente VII, em 1597, quando fundou a Congregação da Propaganda, com o objetivo de propagar a fé católica pelo mundo. Deriva do latim ​propagare​, que vem de pangere​, que significa: enterrar, mergulhar, plantar. Desta forma, como bem observa Sant'Anna (1981, p.81), “a palavra propaganda tem suas origens ligadas à propagação de doutrinas religiosas ou princípios políticos de algum partido”. É importante destacar a fala de Muniz (2004, p.3) sobre o poder exercido pela Igreja no período que se deu o surgimento da propaganda: “As organizações religiosas se constituíam como as principais difusoras de ideias. O clero era o centro do conhecimento e os únicos habilitados a ler e escrever. Neste período a propaganda assumiu um caráter de divulgação de natureza religiosa para conversão dos povos gentios”.

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As diversas transformações sociais, tecnológicas e econômicas que aconteceram no decorrer do tempo fizeram com que a Igreja Católica perdesse o seu monopólio de propagação de ideias. Segundo Muniz (2004, p.4), “outras organizações não-católicas começaram a se utilizar da propaganda na difusão de novas idéias, princípios e doutrinas, a qual deixou de ser exclusividade dos sacerdotes e se tornou uma atividade peculiar a vários tipos de organizações”. A forma como a propaganda passou a ser organizada e executada por essas organizações foi fundamental para dar início ao desenvolvimento de técnicas que posteriormente dariam suporte à propaganda política.

As definições de propaganda como conhecemos hoje já não possuem ligações diretas com a Igreja. Apesar disso, fazer propaganda ainda está ligado ao ato de propagar ideias, doutrinas, crenças e princípios.

A propaganda é uma tentativa de influenciar a opinião e a conduta da sociedade, de tal modo que as personagens adotem uma opinião e conduta determinada. [...] A propaganda confunde-se com a publicidade nisto: procura criar, transformar ou confirmar certas opiniões, empregando, em parte, meios que lhe pede emprestados; distingue-se dela, contudo, por não visar objetivos comerciais e sim políticos: a publicidade suscita necessidades ou preferências visando a determinado produto particular, enquanto a propaganda sugere ou impõe crenças e reflexos que amiúde modificam o comportamento, o psiquismo e mesmo as convicções religiosas ou filosóficas. Por conseguinte, a propaganda influencia a atitude fundamental do ser humano. Sob esse aspecto aproxima-se da educação; todavia, as técnicas por ela empregadas habitualmente, e sobretudo o objetivo de convencer e subjugar sem amoldar, constituem a antítese. (SANT'ANNA, 1981, p.47).

Não cabe aqui definir quem surgiu primeiro, se foi a publicidade ou a propaganda, mas é relevante saber quais são as atribuições de cada uma das áreas. Segundo Muniz (2004, p.6) “a publicidade e a propaganda, embora tenham objetivos diferentes, apresentam pontos comuns quanto à técnica e aos veículos de que se utilizam”. Podemos ter em mente que a publicidade está mais associada a um meio de comunicação com a massa, de divulgar para o público, levando à ação. Já a propaganda se relaciona com conteúdo dessa comunicação, os seus princípios e teorias, é influenciar o público a pensar de determinada forma. Do ponto de vista comercial, podemos dizer que uma está mais para o lado da venda e a outra mais para o lado da compra.

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4.1 PROPAGANDA POLÍTICA

O surgimento da propaganda política como conhecemos hoje, a partir de suas atribuições em influenciar a opinião pública, é recente. Foi apenas no século passado que o seu campo de ação (a massa) e seus meios de ação (técnicas e teorias), começaram a ser examinados. Sant'Anna (1981, p.45) afirma que “a propaganda política foi um dos fenômenos dominantes da primeira metade do século XX. Sem ela a revolução comunista e o fascismo, por exemplo, seriam sequer concebíveis”. Para o autor, foi devido a mesma, em grande parte, que Lênin obteve sucesso ao instaurar o bolchevismo e Hitler obteve algumas de suas vitórias. Sant'Anna (1981, p.45) destaca que “mais que estadistas e líderes guerreiros, esses dois homens eram, de maneira bem diferente, dois gênios da propaganda que marcaram profundamente a história contemporânea”. Sobre essa moderna arma, ambos proclamaram sua supremacia: “O principal – disse Lênin – é a agitação e a propaganda, em todas as camadas do povo”. Sant'Anna (1981, p.45). Hitler disse: “A propaganda permitiu-nos conservar o Poder, a propaganda nos possibilitará a conquista do mundo”. (SANT'ANNA, 1981, p.45).

Ainda, segundo o autor, “a propaganda política, incontestavelmente, ocupa o primeiro lugar, antes da política, na hierarquia dos poderes do totalitarismo moderno”. (SANT'ANNA, 1981, p.45). Não podemos deixar de mencionar que durante a Segunda Guerra Mundial, a propaganda acompanhou sempre, e, algumas vezes, precedeu os exércitos. Na Espanha, as brigadas internacionais contavam com comissários políticos. Na Rússia, a Alemanha tinha companhias de propaganda. A Resistência Francesa sacrificou milhares de homens quando compreendeu obscuramente a importância vital do esforço para imprimir e difundir folhetos de conteúdo com frequência. O autor também destaca que “a propaganda fez mais para a conversão da China ao comunismo do que as divisões de Mao Tsé-Tung”. (SANT'ANNA, 1981, p.45).

Para Muniz (2004, p.5), a propaganda política concentra seus esforços na difusão de ideologias políticas e filosofias partidárias. “A propaganda política transformou-se em um dos grandes fenômenos dominantes do século XX e um instrumento poderoso para a implantação do comunismo, do fascismo e do nazismo”. (MUNIZ, 2004, p.5). A influência que a propaganda pode exercer sobre as massas é assustadora. “A propaganda é feita para as massas”. (SANT'ANNA, 1981, p.55). Nas mãos do Estado ou das grandes empresas, as massas podem ser exploradas em benefício próprio e utilizadas como instrumento eleitoral.

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“Por detrás de um símbolo, multidões e exércitos põem-se em movimento; o tema de um editorial dá a milhões de homens um único e conveniente modo de pensar”. (SANT'ANNA, 1981, p.55). Instrumento de poder, a posse de meios de influência de massa é o suficiente para que determinado grupo possa falar e agir em nome dessas massas.

As democracias não souberam inventar a tempo uma propaganda que oferecesse resistência à ideologia conquistadora do fascismo, até que a guerra as compelisse à mobilização psíquica como as demais. Foi apenas sob a pressão das grandes derrotas que a maior parte dos homens compreendeu a causa pela qual tinham sido chamados às armas. Não há democracia senão onde o povo é mantido informado, onde é chamado para conhecer a vida pública e dela participar. Não se trata unicamente de instrução, de formação intelectual, mas também de conhecimento dos negócios públicos. [...] A verdade precisa de um clima para existir e conquistar. Seria inútil crer que se lhe pudesse criar um tal clima, um tal campo de força, num século em que todos os problemas se colocam em termos de massa, sem recorrer ao poderio da propaganda. (SANT'ANNA, 1981, p.55-56).

Formar uma opinião, segundo o autor, não é tarefa fácil para um indivíduo, já que muitas vezes depende do domínio e da complexidade de determinado assunto, ultrapassando a compreensão da opinião pública. Ao citar Jean Stoetzel, Sant’Anna (1981, p.57) diz que “opinar é, para o indivíduo, situar-se socialmente em relação ao seu grupo e aos grupos externos”. Seja no hábito de consumir informação ou ao dialogar entre parentes ou amigos, o indivíduo tende a sempre procurar referências no grupo social em que vive. Por isso, Sant'Anna (1981, p.57) afirma que “a opinião não tem um caráter original, como algo que pertence a apenas um indivíduo, mas é relativa a um grupo ou a muitos grupos”. Temos, portanto, uma situação em que a opinião está sujeita a ser modificada por interesses comuns aos grupos, sejam esses interesses profissionais, interesses nacionais, de classe etc.

Agir sobre a opinião não é, pois, usurpar injustamente a autonomia pessoal: é influir sobre forças coletivas, resultantes de pressões sociais e nas quais o indivíduo não está senão secundariamente empenhado. Agir sobre a opinião não é deformar a verdade de forma forçada: é modificar uma visão que, de ordinário, já se afastou bastante da realidade, talvez a fim de reaproximar-se dela. (SANT’ANNA, 1981, p.58) .

Isso, segundo o autor, é “o suficiente para justificar o projeto de propaganda, porém, naturalmente, nem todos os seus modos de aplicação”. (SANT’ANNA, 1981, p.58). As mais variadas formas de se fazer uso da propaganda, sendo esse uso consciente ou não, dependem das intenções de quem a detém. Sendo considerada um dos discursos hegemônicos,

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para a autor, a propaganda é uma manifestação natural das sociedades, por esse motivo, Sant’Anna (1981, p.56) finaliza dizendo que “é preciso que o governo dialogue, informe, motive, eduque e participe da vida do cidadão”.

4.1.1 Propaganda de tipo Leninista

Expressões essenciais como a revelação (ou denúncia) política e a palavra de ordem são ligadas à propaganda do tipo bolchevista. Consistem essas revelações em “destrinçar, por entre os sofismas com que as classes dominantes envolvem seus interesses, a natureza e o real fundamental do seu poder e dar às massas uma representação clara”. (SANT'ANNA, 1981, p. 50). Neste tipo de propaganda temos uma ampla abrangência de elementos que formam e constituem as massas para culminar em seu ato final, a atividade revolucionária.

A palavra de ordem expressa o objetivo mais importante do momento, levando-nos ao aspecto combativo e construtivo de uma propaganda que visa traduzir verbalmente uma fase tática revolucionária. [...] ‘Todo poder aos Sovietes!’ - ‘Cumprir e superar o Plano em Quatro Anos’. [...] Balizam etapas escalonadas que compelem as demais forças a tomarem posição pró ou contra a colaboração, visando objetivos concretos e sedutores para as massas. (SANT'ANNA, 1981, p. 51).

Sant'Anna (1981) ainda afirma que a palavra de ordem deve ficar longe de se tornar uma sentença vazia ou oca, se deve ter em mente que o resultado final deve ser uma frase clara, breve e eufônica que condense a linha política do momento. Para o autor, uma palavra de ordem “não tem valor se não repercute largamente nessas consciências e, para tanto, deve distinguir as aspirações latentes no tocante ao tema mais favorável”. (SANT'ANNA, 1981, p. 51). Sendo assim, não deve responder só a situação política, mas, inclusive, ao nível de consciência das massas.

É incontestável que, sob a sua forma moderna, a propaganda política foi inaugurada por Lênin e ​Trótski. O primeiro lançando suas palavras de ordem que deram ritmo às etapas da conquista do poder e o segundo pela inovação ao dirigir-se pelo rádio às massas, passando por cima dos governantes. ​(SANT'ANNA, 1981, p. 51-52).

Além disso, Sant'Anna (1981, p.52) também observa que a propaganda, sobretudo nas democracias populares,​“​conta com a ajuda do fomento da produção para atingir os pontos mais afastados de um país ​”​. As produções cinematográficas, canções, discursos, cartazes, etc,

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criam uma​“​mística do Plano​”​, sendo todos os habitantes expostos a todo tipo de pensamento diverso, que invade as ruas e os locais de trabalho.

4.1.1.1 Propaganda do tipo Hitlerista

Tanto Hitler quanto Goebbels contribuíram significativamente com a propaganda moderna. Sant'Anna (1981, p.52) afirma que eles​“​não a inventaram, mas a transformaram​”​, e hoje todos sabemos dos resultados dessa mecânica gigantesca. Entretanto, segundo o autor, ​“​o grande número de técnicas e processos introduzidos pelo nazismo em matéria de propaganda subsiste mesmo fora do clima de ódio e delírio em que desabrocham e nada pode impedir que façam parte do arsenal da propaganda política ​”​. (SANT'ANNA, 1981, p.52). O hitlerismo não só corrompeu a concepção leninista de propaganda como também a transformou em sua arma própria, sendo utilizada indiferentemente para todos os fins. Aqui as palavras de ordem passam a ter sua base estruturada no racional.

Quando Hitler se dirigia às massas invocando o sangue e a raça, importava-lhe apenas sobreexcitá-las, nelas incutindo profundamente o ódio e o desejo de potência. Essa propaganda não mais visa objetivos concretos, ela se derrama por meio de gritos de guerra, de imprecações, de ameaças, de vagas profecias e, se faz promessas, essas são a tal ponto malucas que só atingem o ser humano num nível de exaltação em que a resposta é irrefletida. (SANT'ANNA, 1981, p.52).

Ainda segundo o autor, a propaganda hitlerista explorou as zonas obscuras mais profundas do inconsciente das massas, e fez isso “ao gabar a pureza do sangue, ao glorificar os instintos elementares de violência e destruição, ao renovar, por meio da cruz gamada, remotíssima mitologia solar”. (SANT'ANNA, 1981, p.53). A manipulação aqui é empregada sucessivamente, orientar as multidões ante as perspectivas do momento passa a ser a única preocupação, e isso muitas vezes se dá através de temas diversos e até contraditórios.

Em virtude de sua força intrínseca constitui uma verdadeira artilharia psicológica onde se emprega tudo quanto valor de choque; onde, finalmente, a ideia não conta, contanto que a palavra penetre. [...] Essa a razão efetiva do êxito da propaganda nazista em relação às massas alemãs: predomínio da imagem sobre a explicação, do sensível brutal sobre o racional. (SANT'ANNA, 1981, p. 53).

A máquina de propaganda de Hitler funcionava vinte e quatro horas por dia, o partido e o seu líder estavam por toda parte: “nas ruas, nas fábricas, dentro das casas, nas

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paredes dos quartos. Jornais, cinemas e rádio repetiam incessantemente a mesma coisa”. SANT'ANNA (1981, p.53). O autor também observa que Hitler e Goebbels eram extremamente meticulosos, não deixavam nada ao acaso, preparavam cuidadosamente toda e qualquer manifestação. Hitler inclusive deixava assinalado que havia um momento do dia mais propício “ao domínio de uma vontade alheia” (SANT'ANNA, 1981, p.53), seriam as horas do entardecer.

O êxito da propaganda nazista, segundo Sant'Anna (1981, p.54), foi explicado através da interpretação da teoria dos reflexos condicionados de Pavlov. Segundo ele, “o condicionamento realizado em larga escala pelo nazismo, entretanto, foi calcado no instinto do poder. Ou era através do apelo à grandeza ou a motivação pelo terror”. E por falar em instinto de poder, cabe resgatar o apelo sexual da publicidade que a propaganda política de Hitler se propôs a fazer uso. A figura da mulher “bela e graciosa” era importada dos clássicos comerciais da época de sabonete ou de meias e passava a fazer parte das propagandas do governo.

Em suma, é inegável que certo número de mitos hitleristas correspondiam, seja a uma constante da alma germânica, seja a uma situação criada pela derrota, pelo desemprego e por uma crise financeira sem precedentes.[...] Estimulado, o instinto de luta pode manifestar-se de duas maneiras antagônicas: uma, negativa ou passiva, exteriorizada pelo medo e pelas atitudes de depressão, de inibição; outra, positiva, que conduz à exaltação, a um estado de excitação e agressividade. A excitação pode levar ao êxtase, a um estado que, conforme indica o nome, decorre de uma saída para fora de si mesmo. (SANT'ANNA, 1981, p. 54).

Ao mesmo tempo que eram tomados pela exaltação, os cidadãos alemães eram submetidos a uma angústia imperceptível ao nível da consciência. Esse estado ambíguo era reflexo da exposição à propaganda hitlerista. Sant'Anna (1981, p.54) afirma que “tamanho fascínio os tinham tornado marionetes em suas mãos”, para o autor, na verdade, muitos que seguiam Hitler, e por ele morreram, não o amavam nem o detestavam.

4.2 ​SLOGANS​: DEFINIÇÕES E ANÁLISE

Partindo do princípio de que no texto publicitário os sentidos podem ser produzidos a partir dos enunciados construídos, apresentamos como ​corpus o ​slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, sentença essa que marcou a campanha de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018. Diante disso, cabe definirmos o que são os

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slogans​, indo além da simples significação atrelada à estratégia comercial do campo da publicidade e da propaganda. É preciso enxergá-los como ​ferramentas que integram o contexto social. Em sua dissertação de mestrado que trata das (re)significações discursivas dos slogans na mídia, Diego Felipe Garcia diz que “Os ​slogans atuam muito próximos das propagandas. São meios que tornam pública determinada ideologia e estabelecem uma forma de ver o mundo”. (GARCIA, 2018, p.55).

A história da palavra ​slogan é de origem gaélica. Garcia (2018, p.64), ao citar Reboul (1975), conta que SLUAGH-GHAIRM significava na velha Escócia “o grito de guerra de um clã”. O termo foi adotado como palavra de ordem eleitoral pelo inglês no século XVI, posteriormente obtendo uma conotação mais comercial por parte dos americanos. A essência da palavra, conforme observa Reboul (1975, apud GARCIA, 2018, p.64), não se encontra bem fixada e, cada sentido pode variar de autor para autor. Sendo assim, Garcia (2018, p.64) destaca que no francês, por exemplo, a palavra ​slogan é pejorativa e se aproxima de termos como propaganda e doutrinamento, portanto ocupa um lugar depreciativo e está normalmente associada a um sentido negativo.

Do ponto de vista comercial, segundo Sant'Anna (1981, p.223), podemos definir slogan (lema) como “uma sentença ou máxima que expressa uma qualidade, uma vantagem do produto, ou uma norma de ação do anunciante ou do produto para servir de guia ao consumidor”. Ainda segundo o autor, o ​slogan é de fato, na maioria dos casos, um lema, isto é, a expressão de uma ideia sobre o produto ou o anunciante. Já Perez e Barbosa (2008, p.141), dizem que o ​slogan é “a segunda fatia do sanduíche que representa a instância verbal de um anúncio”. A primeira é o título. Segundo eles, “ambos são vasos comunicantes, porque o slogan pode ser o fecho de um texto (ao condensar a argumentação detonada pelo título) ou aparecer com destaque visual próximo à logomarca do anunciante, que assina a peça publicitária”. (PEREZ, BARBOSA; 2008, p. 141). Por compactar o conceito de toda uma campanha, o ​slogan deriva muitas vezes de um título que, associado à imagem, por vezes também cumpre esse papel.

O estilo dos ​slogans​, segundo Garcia (2018, p.64), está caracterizado por meio de fórmula clara e concisa. A concisão na qual se refere o autor é em relação ao sentido da objetividade, sendo o ​slogan responsável por reter a atenção daqueles que são expostos a ele. O autor ressalta que “mesmo sendo por definição um ato verbal, os ​slogans não têm como função a ordem sintática, mas sim a estilística”. (GARCIA, 2018, p.64). Contudo, há uma

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relação inseparável entre o seu sentido e a sua forma, uma vez que o poder dos ​slogans se localiza tanto na forma quanto no sentido, ou na relação entre os dois. Garcia (2018, p.64) destaca que “essas estratégias são moldadas a partir da ideia dos homens como ‘seres vazios’, passivos, determinados a apenas receber conteúdo”.

A forma como o ​slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” foi construído corrobora com todas essas características, a começar pela sua estilística. A simplicidade e a rima aliterante contribuem para uma fácil memorização. E isso está dentro do que é o dito, ou seja, aquilo que de cara já percebemos. O alcance real dos ​slogans se relaciona com o não-dito, o lugar em que se encontra seu poder de incitação. Os ​slogans são produzidos para serem memorizados facilamente e repetidos com frequência. A forma como são construídos permeia temáticas que se aproximam do popular, a fim de se conseguir mais adeptos. Além disso, a aura positiva que os cerca possibilita que os ​slogans sejam encarados como instrumentos de poder.

Slogan: quando o enunciado comporta não apenas uma indicação, um conselho ou uma norma, mas uma pressão; quando as palavras não desempenham uma função de informar ou prescrever, mas a de mandar fazer; quando a linguagem não serve mais para dizer, mas para produzir coisa diferente do que diz. ​Slogan​, quando a fala é uma arma. (REBOUL, 1975, apud GARCIA, 2018, p. 65).

A Análise de Discurso se constrói como proposta crítica na problematização das formas de reflexão estabelecidas, conforme define a linguista Eni Puccinelli Orlandi em seu livro ​A Linguagem e seu Funcionamento: As Formas do Discurso​. Segundo Orlandi (2003, p.13) “[...] a AD problematiza a atribuição de sentidos ao texto, procurando mostrar tanto a materialidade do sentido como os processos de constituição do sujeito, que instituem o funcionamento discursivo de qualquer texto”. Por isso, é preciso explorar o não-dito e identificar os efeitos de sentido presentes em nosso objeto de análise.

No que se refere aos substantivos da sentença, ​Brasil e ​Deus​, nos cabe entender, primeiramente, como essas duas palavras se relacionam, por meio da evocação de sentidos nacionalistas (Brasil) e religiosos (Deus), tendo em vista que uma parte do sentido de Brasil e Deus é construída historicamente por grupos sociais determinados. Para isso, levando em conta que “nação” faz parte do sentido de “Brasil”, utilizaremos algumas reflexões de Chauí (2000) em relação à construção do mito fundador do Brasil. Segundo Chauí (2000, p.11-12), a

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construção do semióforo “nação” parte do princípio da “nacionalidade, a ideia nacional e a questão nacional”. A autora define um semióforo como “um signo trazido à frente ou empunhado para indicar algo que significa alguma outra coisa e cujo valor não é medido por sua materialidade e sim por sua força simbólica”. (CHAUÍ, 2000, p.9). As origens do semióforo “nação” possuem ligação com o surgimento de outro semióforo: “povo”. Vejamos o que diz Chauí (2000, p.11-12):

De fato, a palavra ‘nação’ vem de um verbo latino, ​nascor (nascer), e de um substantivo derivado desse verbo, natio ou nação, que significa o parto de animais, o parto de uma ninhada. Por significar o ‘parto de uma ninhada’, a palavra ​natio​/nação passou a significar, por extensão, os indivíduos nascidos ao mesmo tempo de uma mesma mãe, e, depois, os indivíduos nascidos num mesmo lugar. Quando, no final da Antiguidade e início da Idade Média, a Igreja Romana fixou seu vocabulário latino, passou a usar o plural ​nationes (nações) para se referir aos pagãos e distinguí-los do ​populus Dei​, o ‘povo de Deus’. Assim, enquanto a palavra ‘povo’ se referia a um grupo de indivíduos organizados institucionalmente, que obedecia a normas, regras e leis comuns, a palavra ‘nação’ significava apenas um grupo de descendência comum e era usado não só para referir-se aos pagãos, em contraposição aos cristãos, mas também para referir-se aos estrangeiros (era assim que, em Portugal, os judeus eram chamados de ‘homens da nação’) e a grupos de indivíduos que não possuíam um estatuto civil e político (foi assim que os colonizadores se referiram aos índios falando em ‘nações indígenas’, isto é, àqueles que eram descritos por eles como ‘sem fé, sem rei e sem lei’). Povo, portanto, era um conceito jurídico-político, enquanto nação era um conceito biológico.

De cada semióforo, surgem inúmeros efeitos de significação, que nos interessam para identificarmos os efeitos de sentido ali presentes. Para Orlandi (2012, p.129-130), um dos efeitos de sentido de “Brasil” é o silenciamento do fato de que “somos um Estado, uma nação com suas especificidades, com seu povo, suas diferenças sociais, como é próprio do capitalismo”. Outro efeito de sentido está em “Deus”, palavra também presente no nosso objeto de análise. Ao mesmo tempo que a presença desse substantivo rompe com a ideia de que o Estado é laico, temos aí o silenciamento daqueles que não acreditam em Deus, os ateus por exemplo, ou ainda, daqueles que são religiosos mas não são cristãos, tendo em vista que o referido Deus é o deus cristão.

A relação Estado-Deus é muito mais profunda do que imaginamos, cabendo destacar a observação de Chauí (2000, p.46) sobre os agentes fundadores da “nação brasileira”. Para ela, esses fundadores são Deus e a Natureza, pois “são considerados os criadores da terra e do povo brasileiro. Ideologicamente, portanto, o Estado institui a nação

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sobre a base da ação criadora de Deus e da Natureza”. Essa ideologia, segundo a autora, é o que mantém vivo o mito fundador do Brasil.

Em certo sentido, somos todos fundadores. Fundar é dedicar o pensamento, a vontade e o coração. [...) Não haveria pátria, família, igreja, se não renovasse, pelo pensamento ou pelo espírito, o ato de sua fundação. [...] Criamos nosso mito. O mito é uma crença, uma paixão. Não é necessário que seja uma realidade. É realidade efetiva, porque estímulo, esperança, fé, ânimo. Nosso mito é a nação; nossa fé, a grandeza da nação. (FRANCISCO CAMPOS, 1940, apud CHAUÍ, 2000, p.57).

Voltar ao ato de fundação é fazer uma viagem ao século XVI, à Era dos descobrimentos, ou segundo Chauí (2000), à Era dos “achamentos”. Para ela, “a América não estava aqui à espera de Colombo, assim como o Brasil não estava aqui à espera de Cabral”. (CHAUÍ, 2000, p.57). Sendo assim, estamos lidando com invenções históricas e construções culturais, ambas localizadas em um período que reuniu os principais elementos para a construção de um mito fundador.

O Brasil foi instituído como colônia de Portugal e inventado como ‘terra abençoada por Deus’, à qual, se dermos crédito a Pero Vaz de Caminha, ‘Nosso Senhor não nos trouxe sem causa’, palavras que ecoarão nas de Afonso Celso, quando quatro séculos depois escrever: ‘Se Deus aquinhoou o Brasil de modo especialmente magnânimo, é porque lhe reserva alevantados destinos’. É essa construção que estamos designando como mito fundador. (CHAUÍ, 2000, p.58)

Entre os motivos que levam ao ufanismo de nosso país, podemos citar a crença de superioridade distribuída entre a natureza, a história e o Estado.

Esses três componentes aparecem, nos séculos XVI e XVII, sob a forma das três operações divinas que, no mito fundador, respondem pelo Brasil: a obra de Deus, isto é, a Natureza, a palavra de Deus, isto é, a história, e a vontade de Deus, isto é, o Estado. Em suma, o mito fundador é construído sob a perspectiva do que o filósofo judeu-holandês Baruch Espinosa designa com o conceito de poder teológico-político. (CHAUÍ, 2000, p.58).

É interessante destacar a observação de Chauí (2000) em relação à dualidade ambígua que opera esse princípio de nacionalidade. Segundo ela, de fato, “o Brasil de que se fala é, simultaneamente, um dado (é um dom de Deus e da Natureza) e algo por fazer (o Brasil desenvolvido, dos anos 50; o Brasil grande, dos anos 70; o Brasil moderno, dos anos 80 e 90)”. (CHAUÍ, 2000, p.42). Temos nessa ação ufanista, portanto, uma relação tripla praticada por três sujeitos diferentes: “Deus e a Natureza são os dois primeiros, e o agente do

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desenvolvimento, da grandeza ou da modernização é o Estado”. (CHAUÍ, 2000, p.42). Portanto, podemos afirmar que o Brasil resulta da ação de três agentes exteriores à sociedade brasileira:

[...] os dois primeiros são não só exteriores, mas também anteriores a ela; o terceiro, o Estado, tenderá por isso a ser percebido com a mesma exterioridade e anterioridade que os outros dois, percepção que, aliás, não é descabida quando se leva em conta que essa imagem do Estado foi construída no período colonial e que a colônia teve sua existência legal determinada por ordenações do Estado metropolitano, exterior e anterior a ela. (CHAUÍ, 2000, p.42).

Esse discurso edificante, segundo Orlandi (2012), constitui um mito persistente na história da propaganda política: o da cidadania. E aí, segundo a autora, se fala em dignidade, em orgulho de ser brasileiro. Orlandi (2012, p. 124) diz que esse tipo de discurso constitui um “discurso moralista que propicia a individualização do sujeito brasileiro, sua inscrição em uma formação discursiva da posição sujeito brasileiro, na qual ele se reconhece e com a qual se identifica”. Ainda segundo a autora, esse tipo de enunciado deriva da Língua de Estado, com forte apelo populista e, é claro, neoliberal.

Portanto, nos cabe entender, primeiramente, o que é a Língua de Estado:

É uma série de estratégias de discurso obstinada em evacuar qualquer contradição e a mascarar a existência das relações de classe: ela usa uma falsa aparência para contornar indefinidamente o que todo mundo sabe e que ninguém pode dizer. Esta língua tende assim a passar pelo real, a representá-lo sem distância, a construir seu equivalente: o dizível e o existente devem coincidir sem falha nos enunciados (PÊCHEUX, 2011, Apud ORLANDI, 2012, p. 118).

O nosso ​corpus​, o ​slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” produz o que Orlandi (2012, p.124), ao citar Pêcheux (1975) chama de “retorno do saber no pensamento”. Temos, portanto, uma estrutura explicativa que se opõe ao funcionamento do pré-construído, ou seja, a estrutura determinativa. E isso, Orlandi (2012, p.124) ao citar Pêcheux (1975), diz que “dá seu objeto ao pensamento sob a modalidade da exterioridade e da pré-existência”. Vale aqui trazer a definição de pré-construído, que segundo Orlandi (2012, p. 124) “corresponde ao sempre-já-aí da interpelação ideológica que fornece-impõe a ‘realidade’ e o seu ‘sentido’ sob a forma da universalidade (o mundo das coisas)”. Dessa forma, temos o efeito de pré-construído “O Brasil ​não ​está acima de tudo, Deus ​não está acima de todos”. Aqui nega-se o pré-construído de que “Brasil ​não está acima de tudo e de que Deus ​não está

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acima de todos”, significando por um efeito de sustentação que “ ​ter um brasil acima de tudo e um Deus acima de todos​”​ ​faz parte do sentido de Brasil e de Deus.

A proposição explicativa (...) intervém como suporte do pensamento contido em uma outra proposição, e isso por meio de uma relação de implicação entre duas propriedades a e b, relação essa que enunciamos sob a forma ‘o que é a é b’. Daremos a essa relação o nome efeito de sustentação, destacando que é ela que realiza a articulação entre as proposições constituintes. O fato de que a supressão da explicativa não destrói em nada o sentido da proposição de base (...) marca claramente seu caráter incidente: pode-se dizer que ela constitui a evocação lateral daquilo que se sabe a partir de outro lugar e que serve para pensar o objeto da proposição de base. Voltaremos à natureza ambígua dessa ‘evocação, que pode ser uma evocação simulada, que introduz sub-repticiamente, um novo ‘pensamento’’ (PÊCHEUX, 1975, apud ORLANDI, 2012, p. 124-125).

A mesma possibilidade enunciativa presente em “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” se aproxima com outros enunciados já existentes. O deslizamento de sentido que provoca a negação de um pré-construído também segue a mesma lógica em “O Brasil não é um país sério”, “O Brasil não é para amadores”, “Brasil, mostra a tua cara”, “Que país é este?” e “Deus é brasileiro”.

Não poderíamos deixar de observar que, além do efeito de sustentação, também é possível identificar os diferentes sentidos empregados pelas asserções “acima de tudo” e “acima de todos”. Desta forma, podemos dizer que “Brasil” se substitui por “Estado”, “o” Estado, não “um” Estado, logo “O Estado está acima de tudo e Deus está acima de todos”. Mas quem é o “tudo” que o Estado está acima? Podemos dizer que esse “tudo” seria “o povo”, logo “O Estado está acima do povo e Deus está acima de todos”. E o “todos” aqui, assim como Brasil, seria empregado como “Estado”, logo “O Estado está acima do povo e Deus está acima do Estado”. Portanto temos a relação de que Deus está acima do Estado e o Estado está acima do povo, evidenciando a forte presença do discurso religioso na sentença.

Também é possível destacar o deslizamento de sentidos que fazem parte do pré- construído “O Brasil​está acima de tudo e Deus ​está ​acima de todos”. Os verbos que sucedem “Brasil” e “Deus” configuram uma formulação no presente do indicativo, que através de um tempo verbal forte, de assertividade, produz efeito de verdade, de realidade, de comprometimento do enunciante com o que está dizendo. A formulação com o tempo verbal no presente do indicativo atualiza uma memória de aspectos que já haviam sido dados como passado pela história. Dizer “está”, no presente do indicativo, simboliza a reinstalação de mitos fundadores da Natureza, da História e do Estado.

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Sobre as duas asserções “acima” presentes no ​slogan​, podemos pensar sobre um deslize de sentido a partir do seguinte questionamento: se Deus e Brasil estão ​acima​, quem está​abaixo​? E aqui novamente podemos destacar a presença do discurso religioso, que faz a divisão de céu e inferno, o que é bom está acima e o que é ruim está abaixo. É como atribuir a cor azul ao bom e a cor vermelha ao mau, ou na política, associar o azul à direita e o vermelho à esquerda.

Tomando como exemplo as observações de Orlandi (2012, p.126) ao analisar o slogan oficial do governo Lula: “Brasil, um país de todos”, podemos afirmar que o enunciado “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” toma característica do discurso neoliberal, “mundializado e homogêneo, possibilitando também a ocorrência de um silenciamento, como é do gosto da ideologia”. (ORLANDI, 2012, p.126). O “todos” presente no ​slogan de Bolsonaro é carregado de ambiguidade, em que não sabemos dizer se esse “todos” se refere a todos nós, brasileiros, ou ‘todos’ em aberto (outros povos, outras nações). Somos, portanto, “um todo indeterminado, parte do discurso da globalização”. Temos o que Orlandi chama de Língua de Vento,“a ‘Língua de Estado’ submetida à ideologia da mundialização. Onde todos é cada um e ninguém”. (ORLANDI, 2012, p.127).

Ao citar Nicole Loraux (1998), Orlandi (2012, p.127), conclui que “a política, entre os gregos, é a arte de lembrar de esquecer”. Dessa forma, ao possibilitar os laços sociais e os tempos de paz, “segregam-se alguns como culpados, e os outros, lembrando-se de esquecer, convivem pacificamente”. (ORLANDI, 2012, p.127). Sendo assim, é através desse esquecimento que o Estado tenta, por todos os meios, “evitar as rupturas, as revoluções, as massas”. (ORLANDI, 2012, p.127).

Os ​slogans estão em toda parte: “estão na boca dos oradores, dos locutores, dos vendedores ambulantes; nas rádios e nas telas, grandes e pequenas; nas paredes, nos muros, nos jornais”, afirma Garcia (2018, p.64) ao citar Reboul (1975). Ainda segundo o autor, os slogans estão inseridos no cotidiano e agem sobre as pessoas ao influenciá-las a incorporar determinada concepção, de modo que as mesmas não reflitam e não questionem as intenções provocadas pelo enunciado.

[...] eles se instalam com naturalidade na nossa memória, em nossa linguagem, talvez até mesmo no centro de nosso pensamento. [...] Tal é o traço característico de todo​slogan​: fazer as pessoas 'ir na onda', fazê-las agir sem que possam discernir a força que as impele. (REBOUL, 1975, p.2-3, ​apud ​GARCIA, 2018, p 64-65).

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Por fim, Garcia (2018, p.65) conclui que “dizer que o ​slogan é uma arma já exibe sua própria particularidade e ao mesmo tempo mostra o quão específica é a sua função”. O modo de ação que os slogans exercem sobre as pessoas pode ser entendido como uma ferramenta do discurso de propaganda, dentre muitas outras.

5 HISTORICIDADE E CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO ​SLOGAN​ ​“​BRASIL

ACIMA DE TUDO, DEUS ACIMA DE TODOS​”

Neste capítulo iremos pensar sobre a natureza do nosso material de análise, o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, elencando os principais fatores que contribuíram para a sua produção e circulação. A importância de fazermos esse movimento se deve à memória e à historicidade que são produzidas quando recortamos o nosso ​corpus​. Em seu livro ​Discurso em Análise: sujeito, sentido, ideologia​, Orlandi (2012, p.59) diz que a “memória discursiva, o interdiscurso, é irrepresentável”. E quando fazemos esse recorte, sem saber, acionamos essa memória em algum ponto, passando a produzir algum acontecimento, um efeito, inserindo por seu gesto a memória em uma atualidade. Desse modo, ao produzir esse efeito de memória, o recorte produz a sua historicidade, produz um passado.

A forma como um discurso se materializa implica em diversas condições fundamentais para a sua realização, uma delas são as condições de produção. Segundo Orlandi (2001) em seu livro ​Análise de Discurso: Princípios e Procedimentos​, elas compreendem fundamentalmente os sujeitos e a situação. E aqui temos uma grande relação com a historicidade, ou seja, a maneira como a memória discursiva “aciona” as condições de produção. Nas palavras de Orlandi (2001, p.30) “podemos considerar as condições de produção em sentido estrito e temos as circunstâncias da enunciação: é o contexto imediato. E se as considerarmos em sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio-histórico, ideológico”.

Partindo do princípio de que no texto publicitário os sentidos podem ser produzidos a partir dos enunciados construídos, apresentamos como ​corpus o ​slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, sentença essa que marcou a campanha de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018. É importante destacar que o bordão marca o percurso de Jair Bolsonaro desde 2014, quando após reeleição de Dilma Rousseff, o então

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deputado federal já se lançava como candidato da oposição às eleições presidenciais seguintes.

Fazendo relação com as definições de condições de produção citadas anteriormente, podemos afirmar que há um contexto imediato, onde o ​slogan foi reproduzido, o momento político na qual culminou para sua disseminação e o fato de ele ter sido adotado como um lema de campanha. Portanto, para entendermos os fenômenos que deram força e relevância ao nosso objeto de análise, vamos fazer o uso de uma pesquisa publicada em 2018 pela professora doutora Esther Solano Gallego. Segundo ela, “a pesquisa visa entender o crescimento das novas direitas brasileiras, especialmente da extrema direita mais antidemocrática, simbolizada no pensamento do deputado Jair Bolsonaro”. (GALLEGO 2018, p.3). A metodologia da pesquisa de Gallego conta com um estudo de campo que aborda, em profundidade, entrevistas com simpatizantes de Jair Bolsonaro. Porém, vale lembrar que, nesse primeiro momento, o que nos interessa é a análise teórica que a autora faz dos fatores conjunturais e estruturais que propiciaram o ressurgimento de grupos conservadores e/ou da direita radicalizada no Brasil.

Gallego (2018, p.3) diz que o primeiro passo para entender como se criou esse ambiente fértil à penetração das novas direitas é elencando alguns fatores que resultaram na instabilidade democrática nacional e na organização social e política das direitas no Brasil. Como principal fator conjuntural que resulta na ruptura da estabilidade das instituições e na fragilidade da ordem democrática, temos o processo de ​impeachment da presidenta da república, Dilma Rousseff, que ocorreu entre 2015 e 2016. Segundo a autora, esse fator não só acelerou o processo de decomposição política, mas também “instaurou um sentimento de perda de confiança das bases representativas da sociedade brasileira”. (GALLEGO, 2018, p.3).

Prosseguindo com as observações da professora Esther Solano Gallego, não podemos deixar de destacar a ingovernabilidade de Dilma diante de um Congresso pulverizado partidariamente e de matriz política conservadora, em que se manifestava a absoluta falta de respeito com o processo democrático por parte de muitos representantes políticos.

Toda essa crise política pós 2013, em paralelo com um mal-estar social formado através de uma economia enfraquecida, das altas taxas de desemprego e do aumento da vulnerabilidade e precariedade que atingem amplas camadas populacionais, são

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