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Cartografia dos centros de convivência de Campinas : produzindo redes de encontros

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SABRINA HELENA FERIGATO

CARTOGRAFIA DOS CENTROS DE CONVIVÊNCIA DE CAMPINAS:

Produzindo redes de encontros

CAMPINAS

2013

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Universidade Estadual de Campinas

Faculdade de Ciências Médicas

SABRINA HELENA FERIGATO

CARTOGRAFIA DOS CENTROS DE CONVIVÊNCIA DE CAMPINAS:

Produzindo redes de encontros

Orientador: PROF. DR. SERGIO RESENDE CARVALHO

Tese de Doutorado apresentada à Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Saúde Coletiva, área de concentração em Política, Planejamento e Gestão em Saúde

__________________________

CAMPINAS

2013

Este exemplar corresponde à versão final da tese defendida pela aluna SABRINA HELENA FERIGATO e orientada pelo

PROF. DR. SERGIO RESENDE CARVALHO

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Produção dedicada à rede de usuários, trabalhadores e gestores dos Centros de Convivência de Campinas, que trouxeram para esse trabalho e para a cidade novas tonalidades para a produção de convívio, de cuidado e de conhecimento em saúde.

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AGRADECIMENTOS

No início do curso do doutorado, tinha a ilusão de acreditar que “ser doutora” em determinado campo do saber, por si só seria um fator transformador das minhas possibilidades de vida profissional, seja na universidade, seja na rede de saúde. Hoje, prestes a ser titulada doutora, percebo que isso não deixa de ser uma realidade, mas, no entanto, é muito menos o título e muito mais tudo aquilo que o processo de doutoramento agenciou que, de fato, transformou minhas possibilidades de vida, e não apenas no âmbito profissional, mas na obra da minha vida como um todo.

Por isso, gostaria de agradecer a algumas pessoas marcantes neste processo e que de alguma forma contribuíram para essa minha transformação durante esses últimos anos.

Inicialmente, gostaria de agradecer à minha família, em especial ao meu amor Fernando, a minha mãe e a minha sogra, por proporcionarem uma rede de apoio ideal e cuidadosa para que eu conseguisse administrar essa formação e ao mesmo tempo ser mãe, dona de casa e trabalhadora. Sem vocês esse processo teria sido muito árduo. Sou imensamente grata pelo amor e dedicação que vocês me oferecem.

Quero agradecer a meu pai e minha vó Lide, que sempre me incentivavam na busca do conhecimento e de encontros generosos. Ambos se foram nos últimos 02 anos e espero que em algum lugar, eles possam sentir que esse objetivo, construído com eles, foi alcançado. Sinto pela ausência de cada um nesse momento, mas sinto a presença de ambos nessa construção.

Junto com a gestação dessa tese, a vida me presenteou com a gestação do meu filho, e não posso deixar de agradecer sua chegada grandiosa. O Lucas, ao tirar o doutorado do centro da minha vida (e ocupar integralmente esse centro que ainda transborda), me ajudou a escrever uma tese com menos

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tempo, menos cobrança, mas certamente com mais maturidade e maior intensidade. Nos momentos difíceis, seu sorriso e afeto me enchem de forças e criatividade novamente.

No campo profissional, não posso deixar de agradecer a duas mulheres em especial, duas grandes mulheres: A prof. Dra. Maria Luísa Ballarin e a prof. Dra. Rosana Tereza Onocko Campos, que me inspiraram a investir na Saúde Mental, na Saúde Coletiva e na vida acadêmica, por saberem despertar em uma estudante suas maiores paixões ou simplesmente por serem como são: Ambas altivas, poderosas, rigorosas, extraordinariamente competentes e ao mesmo tempo simples, doces, acolhedoras e amigas.

Quero agradecer também à rede de trabalhadores, gestores e usuários dos Centros de Convivência de Campinas, por protagonizarem junto comigo a produção dessa pesquisa. Obrigada pela receptiva-atividade, pelo processo de mudança que vocês operam em mim, na Saúde Pública e nos vários territórios e vidas deste município.

Ainda no percurso mais específico do doutorado é impossível não agradecer ao Coletivo Conexões e todos aqueles que o sustentam. Esse grupo de pesquisa e tudo o que produzimos nele, foram uma das maiores alegrias vivida nesse processo de doutorado e uma fonte de inspiração para cada etapa desse trabalho. A experiência que pude compartilhar com vocês, me apresentou uma reinvenção do universo acadêmico. O encontro mensal com a filosofia, com as artes, nossas performances noturnas, - nosso encontro foi um presente da vida para mim. Entre temas nuvens, debates, grafites, bienais, banquetes, cinemas e cenas, vocês me trouxerem conhecimento, risos, afetos e amigos. Entre esses amigos, agradeço em especial a Ricardo Pena, Michelle Eichelberguer, Bruno Mariani Azevedo, Ludimila Paulucci, Tadeu de Paula Souza, Bruna Reis e aos mestres Ricardo Teixeira, Beth Lima, Flavia Liberman e Renato Ferracini.

Opa! Faltou aquele que deu o ponta pé inicial para todo esse processo do Conexões e me recebeu de portas abertas na Unicamp, na sua casa e na sua vida: Meu querido orientador Sergio Resende Carvalho.

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Obrigada por ser um orientador paradoxalmente exigente e livre, presente e às vezes invisível, por ser confusamente organizado, competente e acima de tudo amigo, no sentido que Foucault atribui a amizade, ou seja, aquilo que faz com que as pessoas se disponham a “uma certa liberdade, a uma certa forma de escolha, que lhes permitia também viver relações afetivas muito intensas”. Foi um prazer viver esses anos ao seu lado, conhecer você, sua família e os quitutes cuidadosos da Lígia. O doutorado termina, mas seguimos juntos.

Por todos estes encontros, encerro essa etapa mais madura profissionalmente, mais sensível pessoalmente e mais confiante na capacidade humana de realizar a alquimia de fazer nós virarem laços e muros virarem pontes.

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Se ando cheio, me dilua. Se estou no meio, conclua. Se perco o freio, me obstrua. Se me arruinei, reconstrua. Se sou um fruto, me roa. Se viro um muro, me rua. Se te machuco, me doa. Se sou futuro, evolua. Você que me continua. Você que me continua. Você que me continua. Se eu não crescer, me destrua. Se eu obcecar, me distraia. Se me ganhar, distribua. Se me perder, subtraia. Se estou no céu, me abençoe. Se eu sou seu, me possua. Se dou um duro, me sue. Se sou tão puro, polua. Você que me continua. Você que me continua. Você que me continua. Se sou voraz, me sacie. Se for demais, atenue. Se fico atrás, assobie. Se estou em paz, tumultue. Se eu agonio, me alivie. Se me entedio, me dê rua. Se te bloqueio, desvie. Se dou recheio, usufrua. Você que me continua. Você que me continua. Você que me continua. Arnaldo Antunes

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Esse trabalho tem como objeto a produção dos Centros de Convivência de Campinas junto às redes de Saúde. Ou seja, foi nosso objetivo principal cartografar o que produzem esses dispositivos e também o que os produzem. Para isso, organizamos essa tese em quatro capítulos: O capítulo I se destina a apresentar a metodologia e métodos utilizados para fins da pesquisa. Optamos pelo uso da metodologia de pesquisa qualitativa, com alguns apontamentos quantitativos, com caráter participativo e interventivo. O método utilizado foi a cartografia, a partir do referencial teórico da Filosofia da Diferença, através de revisão bibliográfica e pesquisa de campo.

No segundo capítulo serão apresentados dados referentes a revisão bibliográfica sobre os Centros de Convivência em seu contexto nacional e municipal, a partir da apresentação de dados quanti-qualitativos sobre os Centros de Convivência de Campinas e de conceituações teórico-práticas sobre esse dispositivo.

O terceiro e o quarto capítulo se destinam a explorar a produção dos Centros de Convivência, inicialmente a partir de narrativas de cenas e episódios vividos durante a pesquisa de campo e posteriormente através da cartografia dos encontros produzidos pelos Centros de Convivência de Campinas.

Os dados produzidos apontam para diversos indicadores e análises que expressam a potência intrínseca aos Centros de Convivência para a produção de redes de saúde, de intersetorialidade, de criação de laços sociais, de movimentos de empoderamento social e de afirmação das diferenças.

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This work aims the production of Community Centers of Campinas in the Health networks. That is, our main objective was to chart what produce these devices. To this end, we organized this thesis into four chapters: Chapter I is to present the methodology and methods used for research purposes. We opted for the use of qualitative research methodology, with some notes quantitative, with characteristic of being a participatory and interventionist inquiry. The method used was the cartography, from the theoretical d Philosophy of Difference, through literature review and field research.

The second chapter will present data of the literature review about the Community Centers in their national and municipal levels, from the presentation of quantitative and qualitative data and theoretical and practical conceptualizations about this device.

The third and fourth chapters are designed to explore the production of Centers, originally from narratives of scenes and episodes experienced during the fieldwork and subsequently through the mapping of meetings produced by the Community Centers of Campinas.

Produced data point to several indicators and analyzes that express the inherent power to Living centers for the production networks of health and life, intersectionality, the creation of social bonds, empowerment of social movements and affirmation of difference.

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SUMÁRIO

Pág.

RESUMO... xvii

ABSTRACT... xxi

1- INTRODUÇÃO GERAL... 33

2- ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA... 43

3- CAPÍTULOS... 47

Capítulo I- Metodologia e método: cartografando e produzindo encontros... 49

1- O caráter qualitativo, participativo e cartográfico da pesquisa.... 51

2- O caminhar da pesquisa... 69

2.1- Revisão bibliográfica... 69

2.2- A imersão no campo: habitando um território... 71

2.3- Os registros fotográficos e os vídeos... 79

2.4- Grupos focais... 83

2.5- Oficina de devolutiva dos resultados parciais... 93

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Capítulo II- Os Centros de Convivência: dispositivos híbridos para a produção de encontros que extrapolam as fronteiras sanitárias... 99

1- Breve contextualização dos Centros de Convivência no cenário nacional e municipal... 99

1.1- A constituição da rede de CECOs em Campinas... 109

2- CECOs de Campinas: dados quanti-qualitativos... 116

2.1- Dados estruturais... 117

2.2- Dados dos usuários... 121

2.3- Dados do processo e equipe de trabalho... 129

3- Reflexões e conceituações sobre os CECOs: uma construção coletiva... 143

3.1- Os Centros de Convivência: arriscando uma definição transitória... 158

4- Ao encontro das limitações e dificuldades dos Centros de Convivência de Campinas... 164

Capítulo III- Percursos e narrativas de uma cartografia dos CECOs de Campinas... 175

1- Centro de Convivência e Cooperação Tear das Artes e a Harmonia dos Sabores... 177

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3- Centro de Convivência Casa dos Sonhos: ensinando e aprendendo... 191

4- Centro de Convivência Rosa dos Ventos: entre chinelos e panos coloridos... 195

5- Espaço de Convivência Portal das Artes: costurando novas subjetividades... 198

6- Centro de Convivência João de Barro: reduzindo danos e ampliando o acesso... 203

7- Centro de Convivência Aurélia: plantando afeto, colhendo vida... 207

8- Centro de Convivência Toninha e a vida na praça... 210 9- Centro de Convivência Espaço das Vilas tocando a vida... 215 10- Centro de Convivência Bem Viver e suas andorinhas... 219 Capítulo IV- Encontros e desencontros produzidos nos Centros

de Convivência... 223

1- Reflexões sobre a noção de encontro... 224 2- Encontros no CECO... 226 2.1- Encontro entre pessoas... 226

2.1.1- Encontro entre profissionais: a rede produzida em ato.... 227 2.1.2- Encontro de usuários e a marca da heterogeneidade... 230

2.1.3- O encontro entre profissional de saúde e o usuário: a produção de uma clínica-acontecimento... 234

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2.2- Encontro entre pessoas com a atividade - um novo corpo em cena... 245

2.3- O Encontro entre diferentes setores e a produção de práticas intersetoriais... 253

2.4- O encontro com a cidade e com o território... 256

3- O encontro entre CECOS: a gestão e a produção do comum... 264

3.1- Possíveis contribuições da Saúde Coletiva para o fortalecimento da rede de CECOs... 267

3.2- A gestão e a produção de comum: pistas para uma possível sustentação política dos Centros de Convivência de Campinas... 274

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS... 281

5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 291

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Este trabalho tem como objeto de pesquisa a produção dos Centros de

Convivência (CECOs)1 na rede de saúde de Campinas2

De acordo com nossas pesquisas realizadas em sites de busca e no banco de dados da Biblioteca Virtual da Saúde, que inclui, entre outros, a base de dados LILACS e MEDLINE não foi encontrado nenhum estudo destinado à produção de conhecimento sobre os Centros de Convivência em si como um dispositivo para a Saúde Coletiva ou para a Saúde Mental. Foram encontrados diversos estudos que tem como objeto principal ações ou ferramentas a ele associados, como o estudo das oficinas em Saúde desenvolvido por Galleti (2004), o estudo de terapias comunitárias de Cambuy (2010), ambos os estudos que tem os Centros de Convivência como campo de pesquisa, além de outros estudos desenvolvidos a partir de Centros de Convivência restritos a um núcleo profissional (Lopes e Leão, 2002) ou patologia específica pré-definidas, como por exemplo, o estudo desenvolvido a respeito dos Centros de Convivência para dependentes químicos (Matos e Vasconcelos et al, 2006) ou para idosos (Silva e Martins et al, 2006; Francisco e Rodrigues, 2003). Serviços como estes, que se restringem a uma população a partir de seu diagnóstico, não se tratam do mesmo serviço proposto pelo movimento da saúde em Campinas, nem pelo Ministério da Saúde que será apresentado neste trabalho.

. A escolha desse campo de pesquisa se deu principalmente pela implicação da pesquisadora com a rede substitutiva de saúde mental de Campinas e pelo interesse na singularidade da oferta desses serviços para os territórios e coletivos em que eles estão inseridos.

1

O nome dado a esse dispositivo sofre pequenas, porém importantes alterações em diferentes cenários nacionais, conforme os princípios e finalidade que cada município ou instância destina a ele. O ministério da Saúde os denomina como Centro de Convivência e Cultura, a capital paulista incorpora nele o termo vinculado à geração de renda Centro de Convivencia e cooperação e em Campinas eles são denominados por três nomes diferentes: Centros de Convivência, Centro de

Convivência e Cooperação e ainda por Espaço de Convivência. Para padronizar a escrita textual

optamos por manter apenas o nome “Centro de Convivência”, com a sigla CECO, já que esse é o termo que mais se repete em todo país.

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Campinas é uma cidade metropolitana localizada no interior do Estado de São Paulo, com uma população de aproximadamente 1milhão e cem mil habitantes (IBGE, 2011). A cidade se caracteriza como um polo empresarial e universitário no cenário nacional, com histórico pioneirismo nos campos da saúde pública e saúde mental.

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Neste sentido, a partir da escassez de pesquisas sobre esse objeto, um investimento teórico-prático neste campo torna-se fundamental, pois os Centros de Convivência, além de constituir-se como um campo fértil para a construção de práticas que se pretende analisar nesta pesquisa, são também um importante instrumento da Reforma Psiquiátrica, da Reforma Sanitária e das Políticas Públicas Intersetoriais quando pensamos no aspecto da criação de espaços coletivos de convívio e construção de saúde em rede.

Embora a prática constate sua relevância e eficácia, os investimentos acadêmicos e das Políticas Públicas nestes serviços mostram-se ainda insuficientes do ponto de vista nacional e merecem ser mais bem explorados, principalmente no que tange à Reforma Psiquiátrica e Sanitária no Brasil.

Campinas - como cidade emblemática e pioneira no campo da Saúde Coletiva e da Saúde Mental, se mostrou como um terreno fértil e interessado na inserção dessa pesquisa, uma vez que a cidade conta com, pelo menos 11 iniciativas consolidadas de Centros de Convivência até o presente momento.

Nesta pesquisa, iniciamos a parceria da instituição de ensino Unicamp com a Prefeitura Municipal de Campinas por meio do CETS (Centro de Educação dos trabalhadores da Saúde) em 2009.

Após aprovação pelo comitê de ética da universidade, iniciamos a prática de campo no início de 2011, quando Campinas contava com 10 CECOs implementados. Todos eles foram incluídos nessa pesquisa. Posteriormente, no final de 2011, um novo CECO (Andorinha) começou a criar maior legitimidade e reconhecimento no município, além de outras duas experiências embrionárias de constituição de CECOs acontecendo na região Noroeste (Centro de Convivência Teia) e na região do Campo Belo, porém, essas experiências não foram incluídas nessa pesquisa, pelo andamento já avançado da mesma e por exigências formais da contratação realizada junto à Secretaria Municipal de Saúde e Comitê de Ética.

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Os Centros de Convivência que participaram ativamente desse estudo foram:

- CECO e cooperativa Tear das Artes (Distrito Sudoeste)

- CECO Toninha (Distrito Noroeste)

- CECO Aurélia (Distrito Norte)

- CECO João de Barro (Distrito Norte)

- CECO Viver e Conviver (Distrito Norte)

- CECO Bem Viver (Distrito Sul)

- CECO Rosa dos Ventos (Distrito Sul)

- Espaço de Convivência Portal das Artes (Distrito Sul)

- CECO Espaço das Vilas (Distrito Leste)

- CECO Casa dos Sonhos (Distrito Leste)

O problema de que partimos ou nossa pergunta inicial foi:

O que produzem os Centros de Convivência junto às redes de saúde e o que os produz?

Essa pergunta mais ampla carrega em seu bojo uma série de inquietações da pesquisadora em relação a esse dispositivo: Afinal, o Centro de Convivência é um dispositivo da saúde? Qual sua relação com a intersetorialidade? Qual é a função que esse dispositivo cumpre na rede? Como se dá a clínica e a gestão nesse espaço? Que tipo de subjetividade se produz na lógica de seu funcionamento? Que formas de vida os Centros de Convivência produzem?

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Reconhecendo o vasto campo de contribuições, limites e desafios desses serviços, inicialmente gostaríamos de investir nossos estudos, naquilo que estendíamos como os principais frentes de ação dos Centros de Convivência que fazem interface com a Saúde Coletiva, ou seja, nossa pesquisa faria um recorte de estudo sobre os Centros de Convivência a partir de sua interface com a saúde, em seus aspectos de cuidado e de gestão, considerando que o eixo da intersetorialidade também se faz sempre presente.

A partir da imersão no campo, buscamos explorar quais são as especificidades e instrumentos da clínica no interior destes equipamentos e em sua relação com a rede. Cabe também ressaltar que essa tese se insere no doutorado em Saúde Coletiva, com ênfase em planejamento e gestão. Neste sentido, pensar a produção dos CECOs inclui pensar as estratégias, os arranjos e os dispositivos da gestão peculiares aos Centros de Convivência, entendendo que clínica, política, gestão e ética são dimensões inseparáveis nesse processo3

Clínica, gestão, teoria e prática são pensados a partir de uma das principais produções dos CECOS: A produção de encontros.

.

Para isso, trabalharemos predominantemente com dados qualitativos com a cartografia como referencia metodológica, que incluirá além da revisão bibliográfica, uma extensa pesquisa de campo, sendo que esta última se dividirá em diferentes etapas: Pesquisa documental em registros oficiais dos Centros de Convivência da Prefeitura Municipal de Campinas e Ministério da Saúde; habitação do território da pesquisa, com consequente produção de diários de campo; grupos focais semiestruturados com os Gestores, trabalhadores e usuários dos Centros de Convivência.

Utilizaremos com maior ênfase os referenciais teóricos da Filosofia da Diferença e da Clínica Psicossocial em diálogo com a corrente da Saúde Coletiva denominada “Em defesa da vida”.

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Essa inseparabilidade entre Clínica, Política e Gestão é marcada principalmente na ênfase no subsídio do Planejamento Estratégico para a gestão democrática, que caracteriza os trabalhos de Campos, Merhy, Carvalho, Onocko Campos, Cunha, Passos & Benevides, entre outros.

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É importante ressaltar que, ao nos referirmos aos CECOs, procuraremos nomeá-lo como dispositivo, e não simplesmente como serviço ou estrutura (Galletti, 2007). Um dispositivo é mais do que um serviço e ao mesmo tempo, todo serviço pode ser visto como um dispositivo. Essa definição, parte do princípio de que não nos interessa o CECO apenas em sua institucionalidade ou como estado de coisa, mas em sua potencialidade de funcionar como um catalizador para processos de transformação, de mudanças, ou, nas palavras de Wienman (2006) como um solo de subjetivação.

Mas o que é um dispositivo?

Para Foucault (1992) todo dispositivo inclui um conjunto heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas e morais. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos. Para Deleuze (1996), a partir de sua releitura de Foucault, um dispositivo é, antes de qualquer coisa, um conjunto multilinear composto de linhas de natureza diferente: linhas de visibilidade e de enunciação (máquinas de fazer ver e falar), além das linhas de força e de subjetivação (que comportam as dimensões do poder e da criação).

Mas nos referimos ao CECO como um dispositivo para que? Entre outras coisas, como dispositivos para mobilizar a vida. De acordo com Eichelberguer (2012), entendemos que mobilizar a vida passa por se pensar em dispositivos que em sua constituição, funcionamento e uso produzam potência de ação coletiva. Potência essa que é definida por um plano de relações possíveis. E é nessa perspectiva que queremos pensar os CECOs.

Para a apresentação desse estudo, contamos com duas estratégias, uma delas inclui a produção e publicação de tese formal de doutorado (e suas consequentes publicações em eventos e artigos científicos) e a segunda maneira de publicitação se dará sob a forma de um vídeo sobre os Centros de Convivência de Campinas realizado em parceria com o Núcleo de Comunicação da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas.

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O esforço de escrever essa experiência da pesquisa em forma de tese conta com a colaboração de muitas vozes, de muitos intercessores, colaboradores e muitas mãos. Trata-se por tanto de uma escrita coletiva, que faz cruzar a perspectiva da pesquisadora, com falas de usuários, trabalhadores e gestores dos CECOs de Campinas, entrevistas, citações textuais, discussões realizadas nos encontros do grupo de pesquisa Conexões, anotações feitas em aulas formais do Departamento de Saúde Coletiva da Unicamp, insights noturnos, entre outros atravessamentos...

O percurso escolhido por nós, embora apresente certa linearidade, é reflexo de processos que aconteceram e foram sendo produzidos simultaneamente, não exatamente na ordem apresentada sob a forma em que a tese se estruturou.

O primeiro capítulo se destina a apresentação da metodologia e método escolhidos para essa pesquisa. Incluir esse item no primeiro capítulo foi uma escolha meramente circunstancial, por entendermos que ficaria mais claro para o leitor o próprio caminhar da pesquisa e as estratégias que foram gradativamente sendo operadas pelo pesquisador no encontro com os Centros de Convivência. Não se trata por tanto de uma priorização estrutural do texto nos moldes ortodoxos de pesquisa que definem inicialmente a meta, e posteriormente o caminho. Ao contrário disso, como será explicitado no primeiro capítulo, valorizamos o primado do caminhar, como nos ensina Passos, Kastrup e Escóssia (2009).

No capítulo II apresentamos uma breve contextualização sobre o cenário dos Centros de Convivência no Brasil e com maior profundidade sobre o cenário do município de Campinas, desde a criação do primeiro CECO do município até o contexto atual. Essa reconstrução histórica é de um lado a produção e rememoração de uma série de acontecimentos, a narrativa do esforço e trabalho de muitos coletivos e por outro a desconstrução de algumas verdades pré-concebidas sobre as chamadas “políticas de convivência” (termo presente na fala de gestores e trabalhadores nos grupos focais e diários de campo).

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Além da perspectiva histórica, são apresentados dados quanti-qualitativos de alguns indicadores que esboçamos sobre a rede de CECOs da cidade. Neste capítulo também procuramos apresentar uma proposta de definição geral de como entendemos o que vem a ser o CECO e qual sua missão.

O capítulo III é destinado à narrativa de diferentes histórias que se produziram no encontro entre a pesquisadora com cada um dos CECOs pesquisados. As histórias escolhidas (uma narrativa de cada CECO) buscam cartografar percursos e percalços que apresentam o que se produz nos CECOs e histórias de pessoas (usuários, trabalhadores, gestores e pesquisadores) que o produzem.

No Capítulo IV realizamos uma cartografia dos encontros que se produzem nos CECOs, tanto no interior das instituições como em seu espaço extramuros. É claro que seria impossível descrever em uma tese todos os encontros ali produzidos, por isso, apresentaremos aqui aqueles encontros que entendemos que eram estratégicos para serem apresentados à Saúde Coletiva e a rede de saúde. Ainda neste capítulo nos preocupamos em cartografar qual é o plano comum que se produz na rede dos CECOs de Campinas junto à rede de saúde, a partir dos seus espaços de gestão existentes. Pensamos e apresentamos estratégias de cuidado, de planejamento e de gestão compartilhadas que poderiam contribuir para o fortalecimento dos CECOs enquanto política pública.

Não se trata de avaliar ou produzir verdades sobre os CECOs, mas de cartografar e sistematizar um conhecimento e uma produção já acumulados, produzir novos conhecimentos a partir do encontro entre pesquisador e a rede de pessoas que compõe o campo da pesquisa e colocar em debate um modo possível de fazer a partir do contexto do município de Campinas.

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2- ASPECTOS ÉTICOS DA

PESQUISA

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Esse projeto de pesquisa foi aprovado em 2010 pelo CEP (Comitê de Etica em Pesquisa) da FCM/Unicamp - parecer número 1036/2010 e foi registrada no CONEP pelo código FR-375765. A inserção no campo foi autorizada pela Secretaria Municipal de Saúde por meio do CETS (Centro de educação dos Trabalhadores da Saúde), em 2010.

Conforme apresentado anteriormente, além de realizar um levantamento bibliográfico, essa pesquisa contou com a colaboração/participação de grupos-sujeitos em quase todas as fases de sua elaboração. Para isso, todos os sujeitos envolvidos na pesquisa assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo I A e B) em duas vias (uma para arquivo próprio e outra para arquivo da pesquisa) antes de participar de cada entrevista e vídeo utilizados no processo da pesquisa.

Não é previsível nenhum tipo de dano ou risco para os sujeitos da pesquisa, em nenhuma fase do estudo ou dele decorrente, de forma direta ou indireta. Os pesquisadores se comprometem em cumprir as exigências da Resolução 196/96.

Eventuais desconfortos que poderiam emergir da pesquisa pela presença do pesquisador nos serviços e em parte na rotina de convivência de usuários e trabalhadores, procuramos minimizar mediante pactuações prévias em conjunto em relação às datas, horários, locais e modos de estar nos encontros. A participação por parte das instituições e pessoas foi sempre voluntária.

Ao final da pesquisa, é compromisso da pesquisadora garantir o retorno dos resultados da pesquisa a todos os participantes e a divulgação dos mesmos para o público interessado em geral pelos meios de divulgação de conhecimento disponíveis para a rede assistencial e de pesquisa, como convite para participação da defesa, publicação de artigos, vídeos, participação em eventos assistenciais e científicos.

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Temos clareza que garantir a aprovação formal em um comitê de ética e fazer uso de um termo de consentimento são aspectos imprescindíveis, porém apenas cumprem a formalidade dos aspectos éticos envolvidos em uma pesquisa. Mas, se desde a filosofia clássica, como nos ensina Spinoza, a ética está relacionada a uma fundamentação teórica para encontrar o melhor

modo de viver e conviver. Entendemos que a ética na pesquisa está muito mais

vinculada ao modo de produção de conhecimento, em como o pesquisador se coloca na pesquisa.

Ou seja, nos referimos aqui a certo ethos do pesquisador em relação ao processo de pesquisar, entendendo ethos, em seu sentido grego: “uma atitude (...) uma maneira de relacionar-se com a realidade atual (...) e finalmente uma maneira de pensar e de sentir; uma forma de atuar e conduzir-se que ao mesmo tempo marca a relação de pertinência e de apresentação de si mesma como uma tarefa..." (Foucault, 1988, p. 295).

Isso traduz mais abrangentemente a ética envolvida numa pesquisa do que os procedimentos formais solicitados por uma instância externa à pesquisa.

Em parte, esse modo de pesquisar, esse éthos do pesquisador cartógrafo será mais bem explanado no capítulo I deste trabalho.

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CAPÍTULO I

Metodologia e Método: cartografando e produzindo encontros4

O dever Do escritor, do poeta Não é encerrar-se covardemente num texto Num livro, numa revista de onde nunca sairá, Pelo contrário, é vir Para o exterior E sacudir, Atacar O espírito público. Ou então para que serve? Para que nasceu? (Antonin Artaud)

Este capítulo irá explorar os aspectos metodológicos do trabalho, incluindo a definição da metodologia para a pesquisa e a experimentação de diferentes ferramentas para legitimá-la.

Um estudo sobre os Centros de Convivência de Campinas poderia partir de múltiplas referências metodológicas. Já nos era claro de antemão que a pesquisa que pretendíamos realizar se trataria de uma pesquisa qualitativa e participativa, uma vez que desde o início do projeto desse estudo já vislumbrávamos a participação de pessoas com diferentes inserções nos CECOs (usuários, trabalhadores e gestores) na produção de conhecimento sobre esse dispositivo.

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Esse capítulo foi publicado parcialmente com adaptações para o formato de artigo na revista Interface: Comunicação, Saúde e Educação. Para maiores informações ver:Ferigato S, Carvalho

S. A Cartografia como método de pesquisa qualitativa em Saúde: Desafios para o

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O método escolhido por nós foi a cartografia, um modo de fazer pesquisa que toma o corpo e seus afetos como impulsionadores da produção de conhecimento, pautada especialmente nos teóricos denominados “Filósofos da Diferença”. Essa, obviamente, não se trata de uma escolha meramente acadêmica, mas parte de um intercruzamento de desejo, afinidade teórica e estratégia para a produção de conhecimento.

O desejo de cartografar os Centros de Convivência nasce de uma expectativa da autora, que inicialmente, encontra nesse objeto de pesquisa um ponto de cruzamento entre múltiplos interesses que atravessam sua vida e suas implicações com o trabalho: A Saúde Mental, a Saúde Coletiva, a Cultura, o uso de atividades humanas como recurso terapêutico e as intervenções comunitárias. Os Centros de Convivência fazem convergir em seu núcleo toda essa multiplicidade de temas.

Neste ponto, cabe uma breve análise dessas implicações: com a bagagem de ser terapeuta ocupacional, ser profissional da saúde mental e sanitarista na rede de Campinas por 07 anos e ao mesmo tempo militante da Reforma Psiquiátrica, me introduzo nesse campo de pesquisa - os Centros de Convivência - como uma pesquisadora que, em outros momentos de sua vida, fez parte da construção dessa rede de CECOs, e que o fez por acreditar em sua potência. Por acreditar nessa potência, acompanhou-a por longos 04 anos de doutorado.

Cabe ainda ressaltar que tentamos fazer um exercício ético para que a crença na potência desse dispositivo para a produção de coletivos não nos levasse à cegueira quanto a seus pontos problemáticos, suas limitações e deficiências, e também não nos redimisse dos compromissos de rigor e ética na produção de conhecimento.

No entanto, não nos interessava apenas o estudo dos Centros de Convivência em si, como um estado de coisas, como uma estrutura na rede; pretendíamos ir além disso. Interessava-nos especialmente os processos que

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produziam os Centros de Convivência e eram nele produzidos, nos interessava o CECO em sua processualidade. Por isso, optamos pelo uso de metodologia qualitativa participativa (embora o caminhar da pesquisa tenha nos levado também à produção de dados quantitativos), a partir especificamente do uso do método da cartografia.

Neste sentido, faz-se necessária a explicitação do que vem a ser o método cartográfico e de como podemos fazer uso dele no contexto das pesquisas qualitativas em saúde.

1- O caráter qualitativo, participativo e cartográfico da pesquisa

Historicamente, as pesquisas qualitativas tiveram seu pioneirismo marcado na Antropologia Social, inicialmente pela etnografia, em especial a partir dos estudos de Malinowski desenvolvidos na década de 20. Nas últimas décadas, vem ocorrendo uma complexificação crescente do campo das metodologias qualitativas, que passam a ser empregadas em outras disciplinas científicas sociais e comportamentais, incluindo a Educação, a Historia, as Ciências Políticas, a Medicina, a Enfermagem, o Trabalho Social, e a Comunicação (Denzin & Lincoln, 2005).

Além da ampliação da variedade das disciplinas que vieram a incorporar as investigações qualitativas, amplia-se também a diversidade de metodologias e correntes teóricas alternativas ao positivismo que passam a ser utilizadas como referência para os pesquisadores qualitativistas.

Formas de abordagem como essa, vêm apresentando significativo avanço nos últimos anos. Esse avanço não se situa apenas na produção de metodologias alternativas aos tradicionais métodos quantitativos, mas carrega a marca de um redimensionamento do encontro que se dá no ato de pesquisar entre pesquisador e objeto de pesquisa.

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Investigadores qualitativos tencionam a natureza socialmente construída da realidade, a relação intima entre o pesquisador e o que é estudado, e os constrangimentos situacionais que formatam a pesquisa. Tais pesquisadores enfatizam a natureza intrinsecamente valorativa da pesquisa (Denzin e Lincoln, 2005, p.10).

De acordo com Denzin e Lincoln (2005), a palavra qualitativa implica uma ênfase sobre as qualidades das entidades, sobre os processos e os significados que não são examinados ou medidos experimentalmente em termos de quantidade, quantia, intensidade ou frequência. Ele ressalta que a competência da pesquisa qualitativa é o mundo da experiência vivida.

Durante a maior parte da história das pesquisas em saúde, os modelos biomédicos e quantitativistas eram tidos como referenciais hegemônicos de investigação. No entanto, nas últimas décadas, mediante a incorporação de determinantes culturais, econômicos, históricos e psicossociais no entendimento do processo saúde-doença-intervenção, fez-se necessária a incorporação de procedimentos mais abertos, de metodologias qualitativas ou quanti-qualitativas no universo da produção de conhecimento. Essa incorporação reconhece as múltiplas maneiras de expressão da realidade, o que exige uma multiplicidade não excludente de formas de abordagem do objeto ou de metodologias de pesquisa.

Para Passos, Kastrup e Escóssia (2009) a pesquisa qualitativa enfrenta alguns impasses metodológicos atribuídos à natureza subjetiva de grande parte de suas investigações, especialmente quando essa prática se faz a partir do encontro de sujeitos e pelo que se expressa neste encontro, como são as práticas em saúde. Por isso, investigações dessa natureza pedem estratégias metodológicas e procedimentos investigativos mais abertos e inventivos.

Gil e Licht et al. (2006), apresentam algumas situações de investigação em saúde, nas quais são potentes os usos de pesquisas qualitativas, entre elas, podemos citar: a) Situações em que se pretende explicar fenômenos que ocorrem em situações muito complexas ou singulares (como os estudos de caso,

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por exemplo); b) Em situações em que o pesquisador tem uma percepção à cerca do papel da Ciência e da produção do conhecimento voltadas para a compreensão do cotidiano e para as transformações sociais das práticas do cuidado (como por exemplo, às pesquisas formalmente interventivas);

c) em situações de pesquisas exploratórias, nas quais não se imagina chegar a

uma resposta definitiva para o problema (levando em consideração a flexibilidade e particularidade da metodologia).

Entendemos assim, que a pesquisa qualitativa significa diferentes coisas em distintos momentos. Mas, embora traçando diferentes abordagens teóricas, todo trabalho de pesquisa que se define como qualitativo deve levar em conta a complexidade histórica do campo, o contexto do objeto pesquisado e a experiência vivida. Investigação qualitativa é, portanto, uma atividade que se afirma a partir do contexto situacional, da localização e implicação do observador em relação ao objeto e seu entorno. Esta mudança paradigmática marca uma tendência dessa forma de abordagem rumo a um compromisso com a mudança.

Para Denzin e Lincoln (2005) essas mudanças também se refletem na prática de produção de dados, se refere a um conjunto de práticas materiais (como notas de campo, entrevistas, conversações, fotografias, narrativas e memórias de si) que possibilitam tornar o mundo visível e o transformá-lo a partir do ato de pesquisar. Desta forma, o pesquisador procura utilizar um amplo arcabouço de métodos de pesquisa buscando melhor entender o foco de atenção de seu estudo. É sempre bom lembrar que, neste contexto, cada prática torna o mundo visível de diferentes maneiras e a partir de diferentes referenciais.

Dentro das múltiplas possibilidades que se abrem com as metodologias qualitativas, buscaremos discutir certo modo de trazer o mundo ao campo das visibilidades e dos enunciados - o método da cartografia, que não é um método exclusivamente qualitativo, mas é especialmente sob essa perspectiva que realizaremos essa pesquisa.

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Para os estudiosos dessa metodologia, é impossível captar totalmente o significado de uma ação, de um texto ou de um objeto, pois a linguagem é entendida como um sistema instável de referentes (Denzin e Lincoln, 2005), o que se faz ao pesquisar, ao invés de dar significados ou representações ao mundo das coisas e das pessoas é o desafio de acompanhar processos e dar visibilidades a eles.

No caso das pesquisas em Saúde Coletiva, o desafio de acompanhar, pesquisar e avaliar os encontros e desencontros entre sujeitos produzidos pelos cuidados em saúde parece ser o elemento que aproxima e, porque não dizer, apaixona boa parte dos estudiosos em pesquisa qualitativa no Brasil, onde se dá especial destaque à participação dos distintos sujeitos que estão envolvidos nas ações em saúde, no processo de avaliação e pesquisa, sendo incorporadas suas demandas, valores, sentidos, desejos e conflitos que se fazem presentes no ato de pesquisar. Essa é a dimensão que denominamos participativa da pesquisa, entendendo participação como um processo realizado por meio do estabelecimento de parcerias entre pesquisadores e pessoas afetadas e/ou envolvidas pelo objeto de pesquisa em questão e que não são pesquisadores senso estrito, como profissionais do serviço, usuários, familiares, gestores etc. (Onocko Campos e Furtado, 2008)

No campo da Saúde Coletiva em especial, a dimensão dessa participação de distintos grupos de interesse em estudos sobre programas e serviços de saúde, vem fortalecer a tese que a participação popular e democrática é elemento vital para a construção das políticas públicas (Campos, 2005), e por que não dizer para a produção de conhecimento sobre essas políticas.

No entanto, cabe uma ressalva quanto ao caráter participativo da pesquisa, já que o modo em que a participação dos sujeitos da pesquisa se realiza não é consensual entre pesquisadores de diferentes linhas teóricas. No caso específico do referencial teórico que nos orienta, é importante salientar que os ditos “grupos de interesse”, no caso, gestores, trabalhadores e usuários dos Centros de Convivência, são convidados a participar da pesquisa de um modo singular ao método escolhido.

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Não entendemos que aquilo que foi trazido pelos usuários presentes num grupo focal representa a “voz” de todos os usuários de CECOs, uma vez que a multidão de usuários de CECOs é um conjunto de usuários singulares e não um grupo uniforme com interesses homogêneos. Unificar o interesse dos usuários de CECOs de Campinas naquilo que foi dito por um grupo de usuários entrevistados, seria dissolver um conjunto de singularidades e a imanência que o caracterizam, para formar uma massa de usuários (Negri, 2004). Nesse caso, de acordo com o conceito da multidão de Antônio Negri, não se trata de representantes de usuários, mas usuários singulares não representáveis falando por si mesmos e pelos agenciamentos que o atravessam naquele momento enquanto usuário de um Centro de Convivência.

Mas nesse sentido, para que nos interessariam a voz de cada usuário falando por si mesmo? O que isso poderia nos dizer em termos de pesquisa?

A nosso ver, pode dizer muito, isso por que a voz de um usuário é altamente potente, e não é a expressão de um só corpo, já que para Spinoza (2004) assim como para Negri (2004), não existe nenhuma possibilidade de um corpo estar só, ele está sempre em relação. Nesse sentido, um corpo não representa, mas é uma multiplicidade.

Ou seja, cada usuário é uma singularidade, mas ao mesmo tempo constituído por uma multidão de corpos que o produzem. São como ondas do mar em constante movimento, em uma perpétua transformação recíproca no encontro e mistura com outras ondas também únicas e ao mesmo tempo múltiplas (Negri, 2004).

Além disso, concordamos com Onocko & Furtado (2008), que a dimensão participativa das pesquisas proporciona, além da inclusão de novos olhares, a minimização de eventuais prejuízos que tomadas de decisão advindas a partir de conhecimentos produzidos unilateralmente possam trazer aos participantes ligados a um dado programa ou serviço. A inserção de visões de diferentes perspectivas potencializa significantemente e culturalmente a

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apropriação do objeto por parte dos participantes, aumentando sua capacidade de intervenção na realidade cotidiana, sobretudo quando se trata de problemáticas e relações sociais que por sua natureza complexa exigem soluções coletivas.

Esta forma participativa de desenvolvimento de pesquisa pode ser verificada também nos estudos denominados como Pesquisa-Ação e Pesquisa Intervenção, além dos estudos cartográficos (que partem do princípio de que toda pesquisa é interventiva por natureza).

No Brasil, mais do que uma escolha intelectual, esta última vertente se apresenta como uma possibilidade de criação de estratégias, arranjos e dispositivos junto aos serviços e práticas de atenção no SUS e para o desenvolvimento de novas modalidades de pesquisas em saúde.

Na centralidade destas formulações, encontra-se uma leitura singular sobre estratégias de produção do conhecimento, na qual o processo de saúde-doença-intervenção se refere à complexa configuração das formas de funcionamento do subjetivo, que se constituem no agenciamento entre usuários e profissionais de saúde, instituições, procedimentos clínicos, diagnósticos, territórios, etc.

O pesquisador cartógrafo, parte da concepção de que toda prática de saúde opera no campo dos processos de subjetivação, que a produção de cuidados opera por fluxos de intensidade e afetos que circulam entre usuários, trabalhadores e gestores envolvidos no processo saúde-doença-intervenção.

Para fins de maior elucidação, podemos partir de um exemplo junto aos Centros de Convivência. Numa pesquisa tradicional sobre um estabelecimento de saúde específico, busca-se conhecê-lo a partir da sua estrutura organizacional, seu organograma, seus fluxos estruturados, e diretrizes. Pela perspectiva cartográfica soma-se a isso uma análise a partir de outros campos de visibilidade, abrindo a percepção desse dispositivo sob outros ângulos: analisar seus funcionamentos e o que eles produzem. Nesta linha, pode-se perceber a

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existência de vários Centros de Convivência em um mesmo, múltiplos agenciamentos5

Para uma pesquisa cartográfica, o que interessa no estudo desses agenciamentos são as relações de força e as forças liberadas nessas relações (política), os enunciados que regem essas forças e as colocam em funcionamento, os valores produzidos a partir delas, que permitem ao sujeito relacionar-se consigo mesmo e com os outros (ética). (Farina, 2008).

possíveis a partir de um certo dispositivo.

Além disso, é importante ressaltar que as instituições de saúde e seus dispositivos vivem atravessados por todas essas questões e enunciados, se movimentam para SUStentar ou resistir a seus determinantes externos e internos, vivem numa processualidade de reinvenção e repetição constante na qual a cartografia busca intervir. Cartografar esses processos nos Centros de Convivência é investigar o que dá expressão a eles e o que transforma os modos de produção de cuidado, escutar os seus “ruídos”, seus incômodos, fazer aparecer as coisas que estão ali, mas não têm visibilidade (Franco & Merhy, 2009).

As atividades que acontecem nos CECOs, oficinas, acolhimento, grupos, eventos em rede, quando olhados sob essa perspectiva, funcionam como dispositivos que interconectam diferentes encontros, diferentes espaços coletivos de conversa (Teixeira, 2003), o que remete aos diferentes territórios investigados na produção de cuidado (Eichelberger, 2009).

Na perspectiva cartográfica, investigar um território de produção de vida é buscar captar suas dinâmicas, seus movimentos, seus acontecimentos, o que se passa no entre instituição-território, instituído-instituinte. Um lugar que se propõe a ser um Espaço do Acontecer (Santos, 2005), um território compartilhado que se oferece a um papel analítico, o que em última instância, faz da experiência de pesquisar uma experiência de transversalidade na produção de conhecimento.

5

Um agenciamento é precisamente um crescimento das dimensões de uma singularidade ou multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas conexões (Deleuze & Guattari, 2000)

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Para Guattari (2004), a transversalidade é o que promove uma abertura do coeficiente comunicacional dos sujeitos e dos grupos, dissolvendo as hierarquias e, portanto, oferecendo espaço para a emergência da diferença. Com esse conceito, esse autor nos inspira na produção do método cartográfico no qual analisar é ao mesmo tempo descrever, intervir é também criar efeitos-subjetividade, acompanhar as linhas que compõe um determinado plano a ser pesquisado. Benevides e Passos (2005) apostam na transversalidade como o que causa a efetiva transformação das ações clínicas-políticas no plano das políticas públicas e com eles, acreditamos que as pesquisas nesse campo também podem fazer essa aposta.

Trata-se por tanto, de uma formulação, entre outras, que coloca em questão a cumplicidade com as formas instituídas de verdade, bem como as estruturas e rituais que sustentam parte da vida em sociedade. Repensa a tradição de pesquisa e seus de conceitos como a representação, a validade, confiabilidade e objetividade. Coloca em questão também a diferença entre o escrever e o trabalho de campo, afirmando, o papel de validação da escrita na investigação (Richardson e Pierre, 2005; Richardson 2000). A escrita é aqui assumida como um método da investigação que se produz a partir de sucessivos movimentos de autorreflexão e de produção de subjetividade.

Embora saibamos que não são apenas as práticas cartográficas que se propõe a valorizar a subjetividade no campo da pesquisa, escolhemos essa abordagem pela afinidade que temos em relação ao entendimento que seus teóricos apresentam sobre o sujeito e sobre a produção de subjetividade, pautados na Filosofia da Diferença.

Com o conceito de produção de subjetividade, entende-se que esta última não é entendida como origem, mas como um processo, de acordo com a configuração sócio histórica em que se situa um processo complexo, tal como um

devir. A partir deste entendimento, a subjetividade deixa de estar ligada apenas

aos domínios da representação, da interioridade e passa a ligar-se visceralmente aos conjuntos sociais (Paiva, 2000), ou ao modo pelo qual o indivíduo é colocado

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à disposição do campo social, o modo como o sujeito compõe com a vida (Peres e Borsonello et al, 2000), um constante processo social de geração (Hardt & Negri, 2000).

Essa ideia pode ser mais bem compreendida pela noção de

subjetivação (Foucault, 1990; Deleuze, 1992). Essa noção vem sempre precedida

das palavras “formas”, “modos”, “processos”, que apontam que a subjetivação nunca está acabada, está sempre sendo produzida e produzindo. Nesse contexto, o sujeito não é tomado como a priori, mas resulta de um processo de produção de subjetividade; não constitui um universal, mas o produto inacabável de um diagrama de forças contingentes e de processos de subjetivação que o atravessam. Para Deleuze (1992), se existe sujeito, é um sujeito não centrado em uma identidade, mas em constantes processos subjetivos de individuação pessoal ou coletiva, de um ou de vários. Para ele, existem muitos tipos de individuação. Há individuações do tipo “sujeito” (é você..., sou eu...), mas há individuação do tipo acontecimento, sem sujeito, por exemplo, como na paixão, como se diluísse as pessoas, não no indiferenciado, mas num campo de intensidades variáveis e contínuas...

Os Filósofos da Diferença - representados por autores como Spinoza, Nietzsche, Deleuze, Guattari, Foucault, Bergson entre outros - ofereceram um novo conjunto de conceitos para se pensar as mudanças nas formas de ser e conhecer na atualidade. Com essa inspiração, investigadores contemporâneos têm estimulado a continuidade dessas produções, incluindo a aproximação desse pensamento com teorias como a análise institucional e a teoria crítico social.

Estas vertentes têm sustentado uma proposição que no Brasil vem sendo denominada "investigação cartográfica". Entre seus destacados estudiosos brasileiros citamos, no campo da Psicologia autores como Rolnik (2007); Do Eirado (2005), Fonseca, Engelmam e Perroni (2007), Passos, Kastrup e Escóssia (2009), Barros (2007), entre outros. Na Saúde Coletiva esta vertente se faz presente na produção de Merhy (2002), Teixeira (2003), Franco (2009), Ceccin (2004), Carvalho, Ferigato e Barros (2009) etc.

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A noção cartográfica da qual partem esses autores foi expressivamente trabalhada pelo filósofo francês Gilles Deleuze

que se apropria de uma palavra do campo da Geografia - Cartografia - para referir-se ao traçado de mapas processuais de um território existencial. Um território desse tipo é coletivo, porque é relacional; é político, porque envolve interações entre forças; tem a ver com uma ética, porque parte de um conjunto de critérios e referências para existir; e tem a ver com uma estética, porque é através dela que se dá forma a esse conjunto, constituindo um modo de expressão para as relações, uma maneira de dar forma ao próprio território existencial. Por isso, pode-se dizer que a cartografia é um estudo das relações de forças que compõem um campo específico de experiências. (Farina, 2008, p.9)

De acordo com Deleuze e Guattari (1995), a Cartografia é útil para descrever processos mais do que estados de coisa. Embora nem Deleuze, nem Guattari nunca tenham falado em método de pesquisa para referir-se à cartografia, saliente-se aqui o termo processo e a possibilidade da cartografia, assim como a Filosofia da Diferença, contribuir para as pesquisas qualitativas que se propõe ao acompanhamento de processualidades, visto que o método qualitativo pode ser caracterizado como “aquele que quer entender como o objeto de estudo acontece ou se manifesta; e não aquele que almeja apenas o produto” (Turato, 2005, p.509).

Isso nos indica um procedimento de análise a partir do qual a realidade a ser estudada está em constante transformação e movimento, uma realidade composta por diferentes narrativas, contextos e linhas de força a serem consideradas em sua complexidade e singularidade. A transformação da realidade, aqui referida, também ocorre a partir do próprio observador e das interferências da pesquisa no universo real, o que implica o pesquisador com o campo problemático na transformação de si, do objeto e de seu contexto, conferindo ao trabalho da pesquisa seu caráter intrínseco de intervenção, como já nos indicava Lourau (2004).

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Segundo Kastrup (2008), a noção de pesquisa-intervenção oriunda do movimento da Análise Institucional, afirma o ato político de toda investigação, o caráter interventivo de toda pesquisa e se embasa em uma crítica direta à política de pesquisa ortodoxa, que defende a eliminação da participação do pesquisador na produção de conhecimento objetivo e a suposta neutralidade da pesquisa. Essa nova reconfiguração do modo de se produzir conhecimento alia-se ao conceito de cognição como criação, como autopoiese, conforme proposto por Maturana & Varela (1995). Ou seja, mais do que decifrar e compreender o mundo e os objetos de investigação, as pesquisas criam novos mundos e novos objetos.

Nesse referencial, subjetividade e objetividade não são tomadas como fundamentos da cognição, mas como efeitos desse processo. Por este caminho, a noção de coengendramento do sujeito e do objeto indica a crítica do modelo da representação. Sujeito e objeto são coemergentes do processo de pesquisar, são efeitos e não condição da atividade cognitiva.

Neste sentido, Passos, Kastrup e Escóssia (2009) identificam no mínimo três inversões do modo de condução da pesquisa. Primeiro, o pesquisador deixa de se orientar pelo que se sabe de antemão sobre determinada realidade (know what), e passa a orientar-se pelo modo de se fazer pesquisa (know how); em segundo lugar, direciona-se o trabalho da pesquisa do saber-fazer para o fazer-saber. A terceira reversão se contrapõe a uma tradição que define o método a partir das metas, propondo em seu lugar, a centralidade do caminho (hódos) em relação a metas (metá). O que se propõe é a efetivação de um Hódos-meta no lugar de um Método. Fazer a afirmação do primado do caminho faz com que a pesquisa seja, antes de tudo, uma experimentação, um processo em aberto em que operam séries de dobras e desdobras, de inesgotáveis problemas e descobertas.

Referimo-nos a uma aposta na experimentação do pensamento e no imprevisível próprio dos processos de produção de subjetividade. Esse movimento torna o método de pesquisa mais próximo do objeto e mais congruente com os movimentos da vida e com as ações em saúde.

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Tomando em conta o caráter de processualidade relevante a esse método e sua dimensão interventiva, para Kastrup e Barros (2009), a cartografia produz efeitos de transformação da realidade, que também devem ser analisados, como já mencionado anteriormente.

Deste modo, estamos nos referindo a um modo de pesquisar que se propõe a pesquisar processos, que serão produzidos e ao mesmo tempo transformados pelo próprio ato de pesquisar em agenciamento com as linhas de força e de subjetivação do campo problemático. Como estudar esse movimento processual de produção de subjetividade?

Instigados a mergulhar nesse desafio, Passos, Escócia e Kastrup (2009) organizaram um livro intitulado “Pistas do método da cartografia: Pesquisa intervenção e produção de subjetividade” que exprime um importante avanço para as pesquisas cartográficas brasileiras. Nessa obra, são apontadas “pistas” para a construção desse modo de pesquisar. Para eles, a cartografia como direção metodológica deve ser articulada com 08 ideias que compõem um plano de ação ou de pesquisa:

A pista (1) elaborada por Passos e Barros (2009a) indica que toda pesquisa é intervenção e que toda intervenção em saúde é sempre uma atitude clínica-política. Apoiados nos referenciais da Análise Institucional e na contribuição metodológica de Félix Guattari defendem a ideia que o campo de análise não se separa do campo de intervenção. Segundo tal abordagem, conhecer não é representar uma realidade pré-existente, mas é um processo de invenção de si e do mundo (Maturana e Varela, 1995; Kastrup, 1999). Sujeito e objeto não são polos prévios ao processo de conhecer, mas são engendrados pelas próprias ações cognitivas de modo recíproco e indissociável. Ocorre aqui uma indissociabilidade entre a produção de conhecimento e a transformação da realidade. Nas pesquisas em saúde, haveria então um coengendramento entre produção de conhecimento, política e clínica, podendo ser a pesquisa uma via para a produção de cuidado e para possibilitar a operação de mudanças, como disseram alguns dos entrevistados:

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Eu acho que essa pesquisa é ao mesmo tempo movimento político e acho que tudo que a gente falou vai nesse sentido e eu gostaria que ela tivesse também esse movimento. Ela vai movimentar, eu sei que vai. (Gestor 3 em grupo focal) Eu acho que essa pesquisa aí, se ela caísse na internet poderia ser uma lanterna pros governantes ver. (Usuário 5 em

grupo focal)

Quando eu falei lá no grupo de música do CECO que tu ia participar, eu falei um pouco da pesquisa, o que você tá fazendo, e aí, algumas pessoas falavam “Isso é muito bom! Ela vai ter que falar pro prefeito que esses espaços precisam ser reconhecidos”! Acho que foi uma fala que eu coloco como minha também. Acho que tem que ter uma coisa mais explicita sobre isso e quando isso vem com um reconhecimento acadêmico “a lá Unicamp”, por exemplo... é importante. Só espero que isso não fique só dentro do hall de publicações da Unicamp, que isso seja socializado. (Gestor 02 em grupo

focal)

Que a gente possa levar a pesquisa pra dentro das equipes… um elemento super importante para a reflexão das nossas práticas, pro fórum, um elemento histórico que vai pra biografia desse momento nosso. Isso não é pouca coisa... que você leve pro nosso Ministro. (Gestor 08 em grupo focal)

A gente tem que ver que essa pesquisa é importante pra mostrar isso, tem condição de a gente viver de outra maneira sem ser só com o remédio, uma vida morta. Como diz o Renato, “nós somos tampados de remédio”. Você, com um tapume não consegue conviver, você não é nada. Acho que a pesquisa dela é excelente, outro incentivo, acho que ela vai nesse encontro, eu to aqui, eu conto minha experiência, mas eu conto a experiência do Renato, do Luciano, do Fernando, da Regina que não puderam estar aqui. (Usuário 01

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Na Pista (2), adotando uma política construtivista, Kastrup (2009) define os quatro gestos da atenção cartográfica durante o trabalho de campo: o rastreio, o toque, o pouso e o reconhecimento atento - gestos propícios para acessar elementos processuais provenientes do território, de interesse do cartógrafo. Para inibir a atenção seletiva que habitualmente domina nosso funcionamento cognitivo, esse funcionamento atencional requer uma concentração sem focalização, através da ideia de uma atenção à espreita, ao mesmo tempo flutuante, concentrada e aberta, conforme Deleuze indica em seu Abécédaire.

A terceira pista discute a ideia já apontada neste texto de que “cartografar é acompanhar processos”; processos em seu caráter de processualidade, que também estão presente em cada momento da pesquisa. Pozzana e Kastrup (2009) afirmam que a cartografia não visa isolar o objeto de suas articulações históricas e de suas conexões com o mundo. Para isso é preciso dar conta de suas modulações e de seus movimentos permanentes, “dar língua para afetos que pedem passagem” (Rolnik, 2007, p.23). Esse acompanhamento pede a produção coletiva do conhecimento (há um coletivo se fazendo com a pesquisa) e depende de uma atitude, de um ethos do pesquisador imerso no plano das intensidades de um território que tem uma existência que agrega a pesquisa. Nas palavras de alguns sujeitos da pesquisa:

Acho que a pesquisa tem um papel importante, relevante pra situação, fazer um levantamento sobre a realidade dos CECOs e da importância deles não só pra saúde mental, mas pra convivência nos bairros, na região, com outros setores da sociedade, é um espaço aonde vai o cidadão comum e que dá condições pra irem as pessoas da saúde mental e toda gente.

(Usuário 01 em grupo focal)

A pesquisa pode ser um termômetro de como o CECO em Campinas e no Brasil interage com as pessoas, pra bem,

pra mal, o que pode ser melhorado... (Usuário 03 em grupo

(65)

De alguma forma você está dizendo que a gente existe de fato e acho que isso já é muito coisa... Poder cartografar nossa existência. (Gestor 06 em grupo focal)

A pista (4), proposta por Kastrup e Barros (2009), apresenta os

movimentos-funções do dispositivo no método da cartografia. As autoras

defendem que a cartografia enquanto método de pesquisa requer procedimentos concretos encarnados em dispositivos. O que caracteriza um dispositivo na pesquisa cartográfica é sua irrupção naquilo que se encontra bloqueado para a criação, sua potencialidade de fazer ver e falar o que se apresenta e o não explícito, o dito e o não dito.

Entre os dispositivos que utilizamos nesta pesquisa podemos citar grupos focais, foto-filmagem, formulários e diários de campo. Ferramentas que quando em agenciamento com o corpo-pesquisadora, com os corpos-trabalhadores ou usuários se apresentavam singularmente. O diário de campo possível no CECO Toninha, não é o mesmo diário do CECO Espaço das Vilas, embora o dispositivo tecnológico fosse o mesmo.

Para parte dos entrevistados, a pesquisa também pode funcionar como um dispositivo para a produção de mudança:

A função da pesquisa vem ao encontro de formalizar essas coisas, da amizade, da solidariedade que existe lá. O que eu fico pensando também é que várias ações que a gente vê hoje na prefeitura, partiram de uma universidade, então há a importância de isso estar sendo construído em parceria com uma universidade pra poder, não só ter uma base de pesquisa, mas dar visibilidade ao serviço; poder ajudar a pensar numa política pública e outra coisa muito importante que é a gente estar numa cidade reconhecida no Brasil e ter essa experiência levada pra outros lugares. (Trabalhador 1 em grupo focal)

A quinta pista, formulada por Escóssia e Tedesco (2009), aponta que, ao lado das formas e dos objetos com seus contornos estáveis, existe um plano

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que não pode ser abandonado quando se pretende compreender um objeto. A cartografia aqui é apontada como estratégia de acesso, de análise e de construção desse plano.

Algumas falas coletadas em entrevistas acrescentam nesse sentido:

Essa pesquisa coloca a luz sobre essa questão dentro da saúde e a possibilidade pra gente se emancipar. Pode-se dizer... Olha, já se refletiu sobre isso, já se escreveu sobre isso... Vai criando materialidade, por que nós não estamos ainda materializados em nível nacional. Isso ainda não existe. Então acho que um foco é a questão da emancipação.

(Gestor 08 em grupo focal).

Para mim é a valorização do nosso trabalho no CECO. Espero que essa pesquisa possa conscientizar os políticos, a prefeitura, o SUS, que esse trabalho é muito importante pra população. (Trabalhador 03 em grupo focal)

Que a gente possa (com a pesquisa) ouvir mais as experiências dos outros CECOs que dão certo, mas que ela não feche. Ouvir os trabalhadores, os usuários. (Trabalhador 2

em grupo focal)

No capítulo IV abordaremos essa pista na perspectiva de que esse plano que se constitui é um plano de produção de comum, que se produz com a pesquisa e para muito além dela.

A sexta pista, desenvolvida por Passos e Eirado (2009), aponta para a ideia de dissolução do ponto de vista do observador. A cartografia requer a suspensão da posição pessoal do pesquisador, marcada por interesses, expectativas e saberes anteriores, de modo que, no encontro entre pesquisador e o objeto da pesquisa, o primeiro possa colocar-se de forma efetivamente presente, ou seja, não perceber através do crivo de juízos prévios ou pré-conceitos (Kastrup, 2008). O texto revela uma recusa do objetivismo científico e ao mesmo tempo do subjetivismo, que apresentados a partir de posicionamentos diferentes

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