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Gestar, parir e maternar: o nascimento de um filho mediado pela internet e mídias em Natal/RN

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Academic year: 2021

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CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

CAMILA RABELO COUTINHO SARAIVA

GESTAR, PARIR E MATERNAR: o nascimento de um filho mediado pela

internet e mídias sociais em Natal/RN

Natal 2020

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CAMILA RABELO COUTINHO SARAIVA

GESTAR, PARIR E MATERNAR: o nascimento de um filho mediado pela

internet e mídias sociais em Natal/RN

Natal-RN 2020

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em

Estudos da Mídia da UFRN-Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para obtenção do grau de Mestre.

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Saraiva, Camila Rabelo Coutinho.

Gestar, parir e maternar: o nascimento de um filho mediado pela internet e mídias em Natal/RN / Camila Rabelo Coutinho Sa-raiva. - Natal, 2020.

128f.: il. color.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia, Universi-dade Federal do Rio Grande do Norte, 2020.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Ângela Pavan.

1. Estudos da mídia - Dissertação. 2. Mediação cultural - Dis-sertação. 3. Produção de sentido na comunicação - DisDis-sertação. 4. Histórias de vida - Dissertação. 5. Autoetnografia - Dissertação. 6. Parto - Dissertação. I. Pavan, Maria Ângela. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 316.774

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DEDICATÓRIA

À minha mãe, Às minhas filhas, A todas as mães.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, antes de tudo, a Deus por ter permitido a minha vida e as das minhas filhas. Agradeço a minha mãe, que foi morada para mim na Terra, minha primeira professora, melhor amiga, por me amar incondicionalmente. Por ser minha maior incentivadora, participando ati-vamente desde os primeiros esboços de projeto até a revisão final da dissertação. Agradeço ao meu pai, por sempre acreditar no meu potencial, me estimulando a vencer os desafios e por estar sempre ao meu lado, firme como uma rocha.

Agradeço ao Vinícius, amor da minha vida, que realizou meu maior sonho: o de ser mãe. Por ter permanecido o meu lado, sendo meu apoio, companheiro de jornada. Por ter me amado, em todas as circunstâncias, mesmo quando enfrentamos juntos situações impensáveis. À Giulia, que me introduziu no universo da maternidade, ensinando o que é amar alguém in-condicionalmente. A Sophia, por ser luz na minha vida, motivo para viver, renascer e me rein-ventar.

À Maria Ângela Pavan, por ser não apenas uma orientadora, mas uma amiga, com quem troquei ideias e confidências. Seu olhar tão atento e perspicaz, fez com que o trabalho fosse conduzido com muito conhecimento, humanidade e amor.

Aos pesquisadores amigos Chris, Leandro, Danielle, Paulo, Juliana Campos e Luiza por tantas contribuições relevantes ao projeto desde a sua concepção até a conclusão.

Às mulheres concederam as entrevistas por serem tão generosas em compartilhar as-pectos tão íntimos para contribuir com minha pesquisa. À Clarissa de Leon e às doulas Associ-ação Potiguar de Doulas por permitirem que eu participasse das reuniões do pré-natal coletivo no Espaço Moara e das Rodas de Gestantes, no Parque das Dunas.

Aos amigos do PPGEM pelas trocas intelectuais e pela agradável companhia durante o período do mestrado. À Capes, pela bolsa recebida durante parte do tempo de trabalho de pes-quisa.

À minha amiga-prima-irmã Giovanna por ter cuidado de mim e das minhas filhas, fa-zendo por nós muito mais do que eu poderia pedir a alguém. À Heliana e à Louise por tanto amor e dedicação à minha família. À Lelena por toda a generosidade e amor com a Sophia.

Às doulas que me acompanharam durante meus dois partos, Nicole Passos e Bella Ramjeet, por terem me proporcionado experiências lindas, fortalecedoras e transformadoras.

A todos os amigos e familiares que me apoiaram durante a minha trajetória acadêmica, direta ou indiretamente. Seria impossível nomear um a um, mas guardo no coração cada con-tribuição e serei eternamente grata por toda a ajuda que recebi.

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“Depois que um corpo comporta outro corpo nenhum coração suporta o pouco” Alice Ruiz

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RESUMO

Esta pesquisa é uma investigação de como é o processo de busca por informação na internet e mídias sociais digitais durante as fases da gestação, parto e maternidade. A centralidade da mídia no mundo contemporâneo faz com que os períodos relativos ao nascimento de um filho sejam perpassados por conteúdos midiáticos que influenciam a vivência de mulheres. Este contexto cria uma ambiência em que a sociedade está inserida, é a midiatização da maternagem. Ao mesmo tempo, as mulheres têm a possibilidade de buscar assuntos de interesse em páginas na internet e em mídias sociais digitais, bem como podem compartilhar suas vivências, dúvidas e anseios, gerando uma experiência mediada do nascimento de um filho. Temos como objetivo entender como se dá a busca de informações na internet e mídias sociais pelas gestantes e mães em Natal (RN). Para realização do trabalho escolhemos os teóricos Barbero (2003, 2006 e 2014), Lopes (2014), Braga (2012) e Silverstone (2002). O parto enquanto ritual de passagem (GEERTZ, 1989) e suas estruturas sociais e culturais no Brasil é tratado para se entender o contexto em que a maternidade está inserida. Para compreender a dinâmica dos vínculos de sentido (TRINDADE; PEREZ 2019) das mulheres foram realizadas entrevistas em profundidade com três mulheres de classe média de Natal (RN). Acompanhamos todo o processo para registrar suas histórias de vida (MAIA, 2006 e 2019) e os momentos de sua vida. A dissertação também conta com uma autoetnografia (WALL, 2006, e PEREIRA, 2017) da maternidade juntamente com um resumo dos principais conteúdos acessados durante suas vivências de gestação, parto e maternagem. A consideração final é que as mulheres buscam na internet e mídias sociais informações sobre o assunto. E a forma como cada uma desenvolve a sua busca está associada a fatores como escolaridade, redes de afeto, história de vida e condições de saúde da gestação-bebê.

Palavras-chave: estudos da mídia; mediação cultural; produção de sentido na comunicação;

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ABSTRACT

This research is an investigation of the process of searching for information on the internet and digital social media during the stages of pregnancy, childbirth and motherhood. The media's centrality in the contemporary world means that periods related to the birth of a child are per-meated by media content that influences the experience of women. This context creates an en-vironment in which society is inserted, it is the mediatization of motherhood. At the same time, women have the possibility to search for topics of interest on websites and digital social media, as well as sharing their experiences, doubts and desires, generating a mediated experience of the birth of a child. We aim to understand how pregnant women and mothers look for infor-mation on the internet and social media in Natal (RN). To carry out the work we chose the theorists Barbero (2003, 2006 and 2014), Lopes (2014), Braga (2012) and Silverstone (2002). Childbirth as a ritual of passage (GEERTZ, 1989) and its social and cultural structures in Brazil is treated to understand the context in which motherhood is inserted. In order to understand the dynamics of the meaning bonds (TRINDADE; PEREZ 2019) of women, in-depth interviews were conducted with three middle-class women from Natal (RN). We follow the entire process to record their life stories (MAIA, 2006 e 2019) and the moments of their lives. The dissertation also has an autobiography (WALL, 2006, and PEREIRA, 2017) of motherhood together with a summary of the main contents accessed during their experiences of pregnancy, childbirth and motherhood. The final consideration is that women search the internet and social media for information on the subject. And the way each one develops their search is associated with fac-tors such as education, networks of affection, life history and health conditions of the preg-nancy-baby.

Keywords: media studies; cultural mediation; production of meaning in communication; life

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Infográfico com principais resultados Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento ……….……….………... p. 24 FIGURA 2 – Terceiro mapa das mediações de Jesús Martín-Barbero ... p.46

FIGURA 3 – Convite para “Roda de Gestantes de Outubro” de 2018 realizada pela Associação Potiguar de Doulas (APD)... p. 49 FIGURA 4 - Foto da Roda de gestante de outubro de 2018, no Parque das Dunas, em Natal (RN)... p. 50 FIGURA 5 – Foto da Roda de gestante de outubro de 2018, no Parque das Dunas, em Natal (RN)... p. 51 FIGURA 6 - Convite para a “Roda de gestante” de outubro de 2018 realizada no Parque das Dunas, produzido pela Associação Potiguar de Doulas (APD)... p. 52 FIGURA 7- Foto da observação etnográfica na “Roda de gestante” realizada em novembro de 2018, no Parque das Dunas, em Natal... p. 53 FIGURA 8 - Convite para encontro do Pré-natal coletivo, promovido no Espaço Moara, em Ponta Negra, Natal (RN) em 6 de outubro de 2018... p. 54 FIGURA 9- Foto do encontro do grupo de Pré-natal coletivo realizado em 6 de outubro de 2018, no Espaço Moara, no bairro de Ponta Negra, em Natal (RN)... p. 55 FIGURA 10 – Registro fotográfico do encontro do grupo de Pré-natal coletivo realizado em 20 de outubro de 2018, no Espaço Moara, no bairro de Ponta Negra, em Natal (RN)... p. 56 FIGURA 11 - Registro fotográfico do encontro do grupo de Pré-natal coletivo realizado em 20 de outubro de 2018, no Espaço Moara, no bairro de Ponta Negra, em Natal (RN)... p.57

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TABELA 1 – Dados sobre os nascidos vivos por tipo de parto no Brasil pela base de dados Datasus ... p. 25

TABELA 2 – Dados sobre os nascidos vivos por tipo de parto no Rio Grande do Norte pela base de dados Datasus ... p. 26

TABELA 3 – Dados sobre os nascidos vivos por tipo de parto em Natal pela base de dados da Prefeitura do Municipal do Natal ... p. 26

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SUMÁRIO

1 – O PARTO MIDIATIZADO NO BRASIL

1.1 – INTRODUÇÃO ... p. 10 1.1.1- Histórico dos últimos 70 anos do parto no Brasil ... p. 18 1.1.2- Análise sociológica da mulher nos três momentos relacionados à maternidade (gestação, parto e maternagem) ... p. 27 1.1.3- Midiatização e mediação da gestação, parto e maternagem ... p. 35

2- HISTÓRIAS DE VIDAS DE MULHERES QUE SÃO MÃES: A MEDIAÇÃO

DA MATERNAGEM ... p. 43

2.1- Gestar ... p. 66 2.2- Parir ... p. 73 2.3- Maternar ...p. 81

3- AUTOETNOGRAFIA DA MATERNAGEM ... p. 88

3.1- Gestar ... p. 91 3.2- Parir ... p. 98 3.3- Maternar ... p. 109 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ... p. 118 Referências bibliográficas ... p. 123

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1 – O PARTO MIDIATIZADO NO BRASIL

1.1- INTRODUÇÃO

O nascimento de um filho é um acontecimento que muda a vida de qualquer mulher. O corpo se transforma, as emoções e a mente se voltam para a geração de uma nova vida. Independente da personalidade, tornar-se mãe é uma experiência única, difícil de ser comparada com qualquer outra já vivida. Como encarar este momento é algo bastante particular para cada uma, mas que diz muito sobre uma construção social e cultural acerca do feminino e do que se espera de uma mãe.

As etapas de gestação, parto e maternidade podem ser analisadas sobre o prisma da teoria latino-americana da mediação cultural e midiatização. No presente trabalho pesquisamos como estas fases são tratadas na cultura brasileira, por meio dos discursos que são encontrados na mídia e por pessoas comuns em seus ambientes de convívio social, sejam eles mediados ou influenciados por outros discursos midiáticos.

A gestação é um período de planejamento, principalmente quando se trata do primeiro filho, no qual a mulher formula as suas expectativas acerca de si mesma como mãe. Durante as 40 semanas de gravidez ela pensa como deseja se colocar no mundo na estreia do seu novo papel social. O parto tem grande importância neste processo, pois é um ritual de passagem (MACY & FALKNER, 1979), que marca a entrada no universo da maternidade.

Por esse motivo, nesta pesquisa o assunto será tratado de forma mais aprofundada, pois as escolhas que as mulheres fazem acerca do parto dizem muito da sua história de vida, das suas expectativas, sonhos e anseios. O Capítulo 1 é composto, portanto, por uma análise sobre a midiatização do parto no Brasil, que começa com uma revisão bibliográfica da obra de Martín-Barbero (2003, 2006 e 2014).

O autor nos mostra como a comunicação ocupa uma posição de destaque na vida de pessoas comuns na contemporaneidade. No entanto, a forma como os “receptores” fazem uso do conteúdo que acessam não pode mais ser encarada como uma via de mão única, em que cabe apenas reproduzir e receber as mensagens. Outros autores como Braga (2012), Castells (2013), Lopes (2014), Santaella (2003) e Silverstone (2002) contribuem para a discussão, pois nos ajudam a pensar como o assunto maternidade por ser tratado dentro dos estudos acadêmicos da área da Comunicação e, mais especificamente, dentro dos Estudos da Mídia.

No primeiro capítulo também fazemos uma análise sociológica de como a maternidade está inserida na nossa cultural. Habermas (2012) nos ajuda a entender como existe uma

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“superestrutura” com relação ao nascimento de um filho que determina como as instituições e relações de poder operam, de forma que o “mundo da vida” das mulheres seja perpassado por estes conceitos, deixando pouca abertura para que individualmente elas tenham controle sobre o que ocorre no momento do parto.

Além disso, o parto é uma prática social que sofre influência das relações sociais e culturais onde se insere. Como descreve Geertz (1989), a cultura não é um poder, que pode ser atribuído a acontecimentos sociais, comportamentos, instituições e processos. “ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos com intensidade” (GEERTZ, 1989, p. 24).

Para verificar quais são os valores, regras e padrões de comportamentos que identificamos como sendo próprios da cultura brasileira, analisei empiricamente como as pessoas se comportam coletivamente quando o assunto é gestação, parto e maternidade a partir de relatos em reuniões de pré-natal coletivo realizadas no Espaço Moara, em Natal (RN), durante o segundo semestre de 2018.

A observação etnográfica realizada detectou, então, que os casais que participam das reuniões no Espaço Moara o fazem com o objetivo de obter informações acerca do parto normal e Parto Humanizado. As falas dos participantes evidenciam como se dá a relação entre indivíduos de acordo com o ambiente onde estão inseridos. Além disso, é possível perceber como o comportamento é moldado pelo o que se espera das pessoas dentro de um grupo social (GEBAUER & WULF, 2004; MERLEAU-PONTY, 1999). A partir da forma como se expressam diante do outro, em uma situação pública, podemos compreender em que contexto se dão as relações entre as mães e quem as cerca, o conhecimento, as instituições e o poder.

Completei a análise com um breve histórico do parto no Brasil na segunda metade do século XX e início do XXI, por entender que a forma de se encarar o parto tem a ver com aspectos culturais e sociais (LUZ, 2014). Com isso, é possível compreender como o evento parto sofreu mudanças significativas durante os últimos 70 anos, até se chegar ao cenário em que se encontra hoje.

As principais alterações se devem ao fato de a maioria dos partos ter mudado de ambiente, passando de nascimentos que ocorriam em casa, com a assistência de parteiras tradicionais e cercado de familiares, para ocorrer dentro de hospitais, assistido por médicos obstetras e com o uso de tecnologia e uma cascata de intervenções. Para tratar sobre esta mudança de perspectiva com relação ao parto apresentarei algumas pesquisas recentes, de diversas áreas do conhecimento, a respeito do assunto como Carneiro (2011), Diniz (2005) e Jones (2009).

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Uma das consequências desta realidade para as brasileiras é que o país é um dos campeões mundiais em número de cirurgias cesarianas, conforme dados do Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento, coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz. Segundo a pesquisa, realizada entre os anos de 2011 e 2012, 52% das mulheres têm seus filhos por meio da cirurgia cesariana. O percentual é ainda mais alto quando se considera exclusivamente a sua incidência na rede privada, chegando a 88% do total.

A recomendação da Organização Mundial da Saúde é que até que no máximo 10% dos nascimentos ocorra por meio da cesárea, pois apenas em casos específicos e pontuais é que se aplica a necessidade da intervenção cirúrgica. O Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento detectou que, todos os anos, mais de 1 milhão de mulheres são submetidas à cirurgia cesariana sem que haja uma justificativa clínica real para isso. O procedimento as expõe a maiores riscos de morbidade e mortalidade, além de aumentar sem necessidade os custos com a saúde (SOUZA et al., 2010).

Alguns grupos de mulheres brasileiras têm buscado outras formas de viver este momento, seguindo os preceitos defendidos pelo Movimento pela Humanização do Parto (DINIZ, 2005). Elas ainda são a minoria no país, mas têm como uma das suas principais estratégias a busca por informações científicas atualizadas em termos da assistência ao parto.

Diante deste cenário, interessa responder: como as mulheres se informam sobre gestação, parto e maternagem? O processo de busca por informações as ajuda a fazer melhores escolhas? A experiência com a gestação, parto e maternagem é mais adequada às suas expectativas, sonhos e crenças com as informações e redes de apoio em mídias sociais digitais e internet?

Para responder a estas perguntas, explorei diversas possibilidades metodológicas para se utilizar no trabalho. A opção escolhida foi, portanto, se fazer um trabalho de campo para verificar na prática como as mulheres utilizam dos recursos tecnológicos para apoiar as suas escolhas durante a gestação, parto e maternagem. Esta é a base do segundo capítulo.

Para entender o percurso de cada uma delas foram realizadas entrevistas presenciais com um questionário semi-estruturado, desta forma, foi possível colher dados com profundidade. A partir dos relatos de cada mulher, tive acesso às suas histórias de vida e, posteriormente, os depoimentos foram classificados em categorias e analisados pela pesquisadora.

As participantes foram selecionadas com a participação em três encontros de pré-natal coletivo realizados no Espaço Moara, duas rodas de gestantes da Associação Potiguar de Doulas, realizadas no Parque das Dunas e também nas aulas semanais de Kundalini Yoga que

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eram conduzidos pela própria pesquisadora para gestantes. Todos estes eventos aconteceram ao longo de seis meses, de julho de 2018 a dezembro de 2018.

Além de ter o objetivo de escolher as mulheres que concederiam as entrevistas em profundidade, os relatos presentes nos grupos relacionados ao assunto maternidade foram registrados em um caderno de campo e apresentados à orientadora durante o desenvolvimento do trabalho. Algumas percepções foram incluídas em trechos da dissertação e outras serviram para analisar os depoimentos daquelas mulheres que concederam entrevistas, a partir de uma observação etnográfica (ANGROSINO, 2009).

As falas das reuniões dos grupos de gestantes e mães foram gravadas, mediante consentimento dos participantes, e foram feitos também registros fotográficos. A participação nestes grupos que reuniam o nosso público alvo permitiu uma busca detalhada por modelos, que passou por observação e entrevistas junto à comunidade em estudo.

A partir destes encontros foram feitas entrevistas informais para identificar as mulheres que seriam convidadas para participar da entrevista em profundidade. Foram escolhidas duas mulheres de classe média na cidade de Natal/RN, com diferentes histórias de vida, mas com algo em comum: o fato de estarem gestantes durante o período da primeira rodada de entrevistas.

Elas responderam presencialmente um questionário semi-estruturado que trazia questões relativas ao processo por busca de informações durante gestação, parto e maternagem. Os dados coletados por meio das entrevistas foram divididos em blocos e tratam sobre as condições socioeconômicas de cada mulher; as condições clínicas da gestação-bebê; o processo de busca por informações sobre o parto (midiatização e mediação); e como avaliam que as informações acessadas contribuíram para a experiência do parto.

Posteriormente foi incluída mais uma gestante no trabalho. Ela estava morando na Espanha, portanto, o questionário foi enviado por e-mail. O relato desta mulher complementou o trabalho pelo fato de também ser do Rio Grande do Norte (Natal), ter tido a experiência de viver a gestação em diversos países e ter escolhido dar à luz a seu bebê em território espanhol, o que traz a riqueza de um novo olhar para o parto a partir de uma outra localidade.

Investigar como se dá esta relação individual e também coletiva das mulheres da nossa cultura com os assuntos relacionados ao nascimento de um bebê é o foco desta parte da dissertação. Por meio das análises, verifiquei como o que as mulheres usam a história oral para relatarem sobre suas experiências de vida (MAIA, 2019), fazendo com que elas se tornem produtoras de conteúdo midiático, influenciando as pessoas com as quais se relacionam, e

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também sofrendo influência do que assistem, leem, acessam na internet e em mídias sociais digitais (LOPES, 2014).

A partir do terceiro mapa das mediações proposto por Martín-Barbero (2010), discuti como as mídias sociais digitais e sites de busca na internet reconfiguram as relações das mulheres com conteúdos relacionados à maternidade. Analisei como se dão as mutações culturais contemporâneas, tendo como eixos a temporalidade/formas de espaço e mobilidade/fluxos. A crise da experiência moderna do tempo, se manifesta na transformação profunda da estrutura da temporalidade, no culto ao presente, no debilitamento da relação his-tórica com o passado e na confusão dos tempos que nos prende à simultaneidade do atual.

Sacramento (2014) destaca como as biografias comunicacionais permitem que se entenda, a partir das histórias individuais das pessoas retratadas, as mediações culturais implícitas em suas falas. A identidade é, portanto, formada na relação entre o “um” para o “outro”. No presente trabalho a história de vida foi a técnica utilizada por se tratar de uma pesquisa qualitativa, pois o nosso objetivo é entender em profundidade e particularidade o comportamento de pessoas ou coletividades.

Com um levantamento de dados “direto na fonte”, ou seja, a partir dos relatos das próprias mulheres, consegui analisar suas falas e desenvolver uma teoria baseada na empiria

(MARTINEZ, 2015, p. 76). O questionário foi elaborado e dividido em blocos de perguntas com objetivos de se levantar informações específicas sobre cada entrevistada.

Se no Capítulo 2 apresento o caminho percorrido por mulheres na sua trajetória pessoal durante o “tornar-se mãe”, por que não, apresentar aos leitores o meu próprio? A minha trajetória como mãe e o trabalho como pesquisadora sobre o assunto se misturam de tal maneira que há um entrelaçamento das duas esferas, contribuindo para que um enriqueça o outro.

Desta forma, o Capítulo 3 é composto por uma autoetnografia da maternagem, permeada por dados encontrados em minhas buscas por referências informativas desde a primeira gestação, parto e maternagem, complementadas pelo o que vivi com a segunda gestação que ocorreu concomitantemente com o presente trabalho. Fizemos, então, uma revisão bibliográfica sobre o tema recorrendo a Pereira (2019), Santos (2017) & Wall (2006), para entender como aplicar os conceitos ao meu próprio relato no percurso informativo durante a gestação, parto e maternagem.

Apresento, então, páginas em mídias sociais digitais, na internet, livros, filmes e séries de televisão que fui buscando durante a minha vivência. Fazer uma autoetnografia permitiu que eu inserisse o meu olhar diante do objeto de estudo proposto, já que eu poderia me colocar no ambiente da pesquisa, analisando como a cultura em que estamos inseridos opera também no

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meu jeito de maternar. Para fazer este relato em um trabalho acadêmico conto sobre o que vivi, com meus anseios, emoções e planejamento, e, ao mesmo tempo, analiso quem eu sou, em que contexto estou inserida e quais fatores contribuíram para compor a minha história de vida.

É como se visse o meu próprio depoimento como se fosse de uma outra pessoa. Para tanto, utilizei as mesmas categorias que desenvolvi para compreender os dados das entrevistadas para analisar o meu relato. O resultado, é uma pequena amostra que reflete sobre a posição da mulher brasileira que se torna mãe diante das suas relações pessoais, do seu lugar no mundo e das escolhas que faz acerca do nascimento de um filho.

Ao longo do desenvolvimento do trabalho continuei buscando diversos materiais relacionados ao tema como vídeos, livros, textos, filmes, séries, páginas em redes sociais, grupos de gestantes e mães. Apresento estes conteúdos para que contribuir com futuras pesquisas sobre o assunto ou como fonte de informação para outras mães que também queiram ter um conhecimento mais aprofundado sobre os temas tratados.

Durante a primeira gestação, minhas buscas se deram no sentido de me preparar para o parto e os primeiros cuidados com o bebê, então apresento um breve resumo dos livros “Conscious pregnancy: a Kundalini Yoga guide to conception, pregnancy and birth” (KHALSA, 1983) e “Bountiful, beautiful, blissful: experience the natural power of pregnancy and birth Kundalini yoga and meditation” (GURUMUKH, 2004).

Para me situar sobre o cenário do parto no Brasil, assisti a sequência de três filmes do documentário “O renascimento do parto”, (CHAUVET & DE PAULA, 2013). Posteriormente, na segunda gestação, aprofundei sobre o tema com os outros dois filmes da trilogia que tratam sobre Violência Obstétrica e casos bem sucedidos de hospitais, clínicas e casas de partos com uma abordagem da Humanização do Parto, que foram lançados em 2018 (CHAUVET & MOISES, 2018; CHAUVET, 2018).

Diante destas informações, ficou claro que no Brasil, uma mulher só consegue concretizar seus planos com relação às escolhas durante a maternidade se estiver empoderada (BERTH, 2019). O conceito desenvolvido por Berth (2019) nos ajuda a perceber que o sistema (hospitalar, médico, institucional, legal, etc) na rede privada direciona quase todas as gestantes para uma cirurgia cesariana, conforme foi tratado mais detalhadamente no Capítulo 1 da dissertação.

Se deseja fugir desta estatística, é necessário que as mulheres tenham a noção da estrutura onde ela está sendo inserida, sob pena de não suportar as pressões que virão de muitos lados para que ela passe por uma cirurgia cesariana. Não nos cabe neste trabalho problematizar, no entanto, o motivo de a realidade brasileira ser assim, desta forma. O que nos interessa

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investigar nesta pesquisa, portanto, é o que as mulheres fazem diante deste cenário e como a busca das informações sobre gestação, parto e maternidade apoia as escolhas que ela faz.

Com Bondia (2002) apresento uma reflexão sobre a diferença entre informação, conhecimento e experiência. Os conceitos se aplicam ao que, de fato, ocorre durante o parto, pois não basta se informar, é preciso que o conteúdo acessado seja colocado em prática na forma de conhecimento para que haja uma experiência coerente o que foi planejado por cada mulher. Martín-Barbero (2010) nos ajuda a refletir como os conteúdos digitais acessados não implicam em uma mudança de atitude com relação à prática, pois a velocidade da internet não dá espaço para que sejam vividos rituais, que fazem parte da entrada no mundo da maternidade. Gutman (2013, 2014 e 2016) nos conta sobre como a maternidade impacta no estado psicológico das mulheres, pelo fato de representar uma oportunidade de vivenciar processos de renascimento para a mãe a partir da presença do seu bebê.

A primeira temporada da série australiana “Turma do peito” (O’Donell, 2017) trata sobre como o universo da maternidade pode ser diverso, com personagens exemplificam como a experiência de ser mãe tem inúmeras possibilidades. No entanto, para a pesquisa é importante observar que mesmo passando em um outro país (Austrália) a série apresenta diversos pontos em comum com a realidade das brasileiras.

A experiência de ter que decidir sobre o tipo de parto que teria ao mesmo tempo que precisei lidar com o início do tratamento do câncer de mama também é retratada no Capítulo 3, de forma que será possível que o leitor entenda a importância de uma mulher ser bem informada quanto ao nascimento do seu filho.

Como explica Santos (2017) a autoetnografia ajuda a pensar a relação do pesquisador com o objeto ou tema pesquisado. Além da vivência com o parto, conto as reflexões que faço na trajetória como mãe e pesquisadora. Esta experiência é salpicada de vivências e referências que acessei conforme os desafios da maternidade foram se apresentando. Este é o caso do livro Besame Mucho (GONZALES, 2015), no qual o pediatra espanhol Carlos Gonzalez explica a necessidade de os bebês de serem amamentados, receberem colo e estarem perto de suas mães na sua mais tenra infância.

Também fazem parte dos meus conteúdos acessados páginas em mídias sociais digitais, principalmente no Facebook, que apresentam postagens e contam com outras mães e especialistas que tratam sobre temas como Criação com Apego, introdução alimentar, amamentação prolongada, feminismo e parto humanizado. Algumas das referências mais importantes na minha trajetória são apresentadas também no capítulo da autoetnografia para que se entenda a forma como conduzi minha trajetória.

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Além de páginas na internet que acessei, assisti filmes de ficção e documentários que trazem uma abordagem mais sensível sobre temas acerca da geração de um filho. O documentário, “A Parteira” (DOOLAN, 2018) conta a história de uma parteira tradicional do Rio Grande do Norte que, em pleno século XXI, continua ajudando bebês a virem ao mundo de forma natural e em casa.

Filmes que tratam sobre a maternidade como “O olmo e a gaivota” (2014), dirigido por

Petra Costa e Lea Glob; “O que esperar quando se está esperando” (2012), dirigido por Kirk

Jones; “Pequenos Espiões 4” (2011), dirigido por Robert Rodrigues; Tully (2018), dirigido por Jason Reitman; “Um evento feliz” (2012), dirigido por Rémi Bezançon; nos ajudam a entender como as mães são retratadas no cinema. As tramas evidenciam como a indústria cinematográfica fornece, em alguns casos, modelos de consumo, como conceitua McCracken (2003), acerca da maternidade. Em outros casos, as tramas propõem reflexões sobre o que gerar e ter um bebê pode representar na vida destas mulheres, sobre como é possível traçar caminhos não tão convencionais, que fogem dos estereótipos românticos sobre o que é “ser mãe”.

Com a proposta de trabalho descrita acima, o objetivo é contribuir para o desenvolvimento da pesquisa no Brasil dando visibilidade a questões relativas ao universo feminino, território ainda pouco explorado no mundo acadêmico. Ao contar sobre experiências reais, baseadas em histórias de vida, recorremos a documentos (relatos) pouco convencionais nos estudos das Ciências Humanas, resgatando conhecimentos e saberes muitas vezes colocados em segundo plano, já que outras formas de documentação como texto impressos e fotografias são considerados mais “isentos”, “reais”, “fidedignos”.

O objetivo é dar visibilidade às vozes das mulheres, para que suas questões sejam representadas, ouvidas e compreendidas, de forma que outras pesquisas possam surgir no sentido de contribuir com outras histórias e vivências femininas. Analisando histórias de vida de pessoas de uma mesma comunidade podemos verificar se encontramos padrões de valores culturalmente compartilhados. Isso é possível no trabalho quando investigamos a forma como interpretamos dentro de uma sociedade conjuntos normativos que podem ser acionados em diferentes situações, de acordo com as experiências de pessoas-indivíduos. (KOFES, 2015).

A reflexão pode servir como exemplo para que se entenda que há algumas questões que são individuais de cada mulher e outras que se relacionam mais à cultura em que elas estão inseridas. Vivendo em uma sociedade midiatizada, nossas experiências pessoais são perpassadas pelo o que acessamos, compartilhamos, lemos e assistimos, pois, estes conteúdos nos fornecem modelos sobre o que é ser mãe e como devemos encarar este papel.

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Este trabalho, porém, não tem a intenção de esgotar o assunto da busca de informações sobre gestação, parto e maternidade. Este é um tema amplo e que, com um recorte direcionado para responder ao problema de pesquisa, leva a novos questionamentos que não poderão ser esgotados no prazo de dois anos previstos para a conclusão do trabalho.

No entanto, é importante destacar, antes de se adentrar na pesquisa propriamente dita que este percurso informativo percorrido por cada mulher apresentado na dissertação, pode ter resultados não esperados.

Quando buscam informações as mulheres o fazem para que elas apoiem suas escolhas. No entanto, as consequências deste processo não conduzem unicamente para a ação livre, o sucesso e a concretização dos planos. Em alguns casos, depois de muito de informarem, as mulheres podem se ver diante de uma encruzilhada em que não há nenhum caminho garantido, sendo conduzidas igualmente àquelas que não se informaram para um desfecho que não esperavam.

Ao buscarem informações, as mulheres experimentam uma certa liberdade de se fazer escolhas. Porém, como se informam, se posicionam de acordo com o que descobrem e o que de fato ocorre com elas, é, portanto, o resultado do trabalho que será apresentado a seguir.

1.1.1- Histórico dos últimos 70 anos do parto no Brasil

O nascimento de um filho é um acontecimento marcante para a vida de qualquer mulher. O corpo se transforma, as emoções e a mente se voltam para a geração de uma nova vida. Independente do perfil de cada mulher, é uma experiência difícil de ser comparada com qualquer outra já vivida. A forma de encarar este momento é algo bastante particular de cada mulher e diz muito sobre uma construção social e cultural acerca do feminino e o que se espera de uma mãe.

A mulher não passa passivamente pelo processo de gestação e seu modo de vida também não permanece intacto, pois a gestante precisa passar por adaptações psicológicas importantes (MACY & FALKNER, 1979, p. 22). Ela se adapta à condição de geradora de uma nova vida, à condição de mulher sem filhos para a de mãe.

Neste tópico tratarei especificamente sobre o parto, pois o evento pode ser considerado um ritual de passagem que faz com que a mulher se torne mãe. O período de gestação é uma etapa em que a mulher se prepara para a chegada do bebê, colocando em jogo suas aspirações, desejos e projeções do que imagina que seja ser mãe. O parto representa, então, o desfecho de um período de planejamento e espera que abra as portas para a vivência real da maternidade.

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A gravidez pode ser vista como uma oportunidade para o desenvolvimento pessoal (MACY & FALKNER, 1979). No entanto, este processo de amadurecimento não é automático nem na gravidez, nem na maternidade biológica. “A transição para a vida plenamente adulta por meio da constituição de uma família não se completará a não ser que a mulher se adapte bem à sua nova tarefa e à sua nova situação” (MACY & FALKNER, 1979, p. 27).

Os autores esclarecem que a chegada de um filho caracteriza uma crise, que é considerada uma ação que poderia der ocasionada por uma ameaça ou uma promessa. “Representa o desafio apresentado quando a situação habitual é alterada ou perturbada, ou quando está a ponto de o ser – quando os nossos velhos padrões de comportamento já não são eficientes”. (MACY & FALKNER, 1979, p. 22). É importante destacar que muitas vezes o termo crise é atrelado à ideia de algo negativo, mas ela também pode ser determinada por um acontecimento feliz, como o recebimento de uma herança ou o nascimento de um filho.

Ainda que o parto seja um evento relativamente seguro na sociedade moderna industrial, ele ainda constitui um grande misterioso acontecimento. Sem levar em conta algumas singularidades ocasionadas por emergências, “(...) é ele quiçá o trabalho mais difícil executado pelos seres humanos. Não é à toa que se chama “trabalho”. E, todavia, até recentemente, a exata natureza do trabalho a realizar e o modo de fazê-lo permaneceram ocultos” (MACY e FALKNER, 1979, p. 27). Conforme contextualiza Luz (2014), a maneira como se lida com o parto tem a ver com aspectos sociais e culturais, e a forma como os partos estão acontecendo atualmente no Brasil é resultado de transformações que ocorreram principalmente nos últimos 70 anos. Antes disso, o nascimento era visto como um acontecimento natural, que ocorria normalmente em casa e era assistido por mulheres, fossem elas familiares ou parteiras. A proposta deste trabalho é discutir a realidade brasileira em relação ao parto e fazer uma breve análise dos pontos em comum com outros países e sua influência.

Diniz (2005) descreve que, a partir da segunda metade do século XX, no modelo de parto dominante nos países industrializados passou a ser hospitalar. Em um primeiro momento as mulheres passavam pelo parto inconscientes, mediante sedação, mas a prática caiu em desuso e elas voltaram a viver o parto acordadas, porém, com uma série de intervenções. “(...) as mulheres “deveriam viver o parto (agora conscientes) imobilizadas, com as pernas abertas e levantadas, com o funcionamento de seu útero acelerado ou reduzido, assistidas por pessoas desconhecidas” (DINIZ, 2005, p.629). Elas também estariam separadas de seus parentes e pertences e seriam submetidas a uma cascata de procedimentos.

No Brasil, aí se incluem como rotina a abertura cirúrgica da musculatura e tecido erétil da vulva e vagina (episiotomia), e em muitos serviços como os hospitais-escola, a

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extração do bebê com fórceps nas primíparas. Este é o modelo aplicado à maioria das pacientes do SUS hoje em dia. Para a maioria das mulheres do setor privado, esse sofrimento pode ser prevenido, por meio de uma cesárea eletiva (DINIZ, 2005, p. 629).

Um aspecto importante com relação à temporalidade é que o projeto de modernidade da Europa Ocidental reforça a ideia de que no futuro estão as possibilidades, ao mesmo tempo que evoca uma ruptura com o passado. Esta análise pode ser utilizada para se analisar a forma como o parto é encarado no Brasil, pois o que se relaciona a este evento que tem a ver com a tradição, ao passado e ao conhecido é visto, de uma forma geral, como pior ou um retrocesso, ao passo que a tecnologia, a medicina e as intervenções médicas são encaradas como coisas que apontam para o futuro.

Desta forma se faz um julgamento de valor acerca do passar do tempo de forma que o melhor está sempre no que está por vir, como sendo resultado de uma evolução e de um desenvolvimento. “Desta maneira, a partir do final do século XVIII, a história é concebida como um processo de melhora contínua e crescente da humanidade” (ROCHA & DE LA ROCHE, 2019, p. 61).

Permeado por violências e restrições à expressão da individualidade da mulher, muitas que não se identificam com esta abordagem hegemônica de se encarar o parto, integram um movimento social que tem ganhado força e representatividade junto à mídia, chamado comumente no Brasil de Movimento pela Humanização do Parto. Este movimento também ocorre em outros países há mais de 30 anos e recebe nomes diferentes de acordo com sua localidade (DINIZ, 2005). O movimento tem como algumas de suas principais bandeiras a defesa do uso racional e apropriado da tecnologia na assistência ao parto, a assistência baseada em evidências científicas atualizadas e a qualidade na interação entre parturiente e seus cuidadores (DINIZ, 2005).

Apesar de esta luta não ser nova, ganhou novos contornos e projeção com o acesso à internet e mídias sociais digitais, que são espaços que garantem mais visibilidade aos pleitos femininos. Como afirma Carneiro (2011) as mulheres que buscam por um parto “mais natural” geralmente são de classe média e possuem perfis bastantes diversos, com crenças e histórias de vida distintas, mas o que as une é o fato de estarem conectadas por mídias sociais e blogs, com a possibilidade de trocarem informações e relatos.

Luz (2014) corrobora com esta visão afirmando que fazer valer o direito da gestante de escolher como e onde dar à luz, munindo-a de informações para uma tomada de decisão cons-ciente, é uma das principais bandeiras de um movimento feminino que cresce a cada dia no

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Brasil, principalmente por meio de redes sociais e blogs. Tal movimentação por parte das mulheres fez com que o assunto também ganhasse repercussão junto à mídia tradicional. Nos últimos anos a grandes veículos de circulação nacional têm dado visibilidade a diversos movimentos sociais, dentre eles o que luta por mudanças no tipo de assistência ao parto praticada atualmente no Brasil (DINIZ, 2005).

Ao longo de sua história, o Movimento pela Humanização do Parto contou a com o apoio e o incentivo de movimentos feministas, de mulheres e de direitos humanos (LUZ, 2014). Jones (2009) confirma que a humanização do nascimento passa por uma mudança nas mulheres, que estabeleceram diálogo com grupos feministas, de mães, consumidoras, ativistas do nascimento e da amamentação. Segundo o autor, a imprensa pode ter papel fundamental no debate público sobre a importância de mudar a maneira como estão ocorrendo os nascimentos. Ele destaca, ainda, que este diálogo vem sendo promovido, principalmente, nas mídias sociais digitais, como alternativa à mídia de massa, que tende a reproduzir o discurso dominante.

Martin (2006) explica que grande parte da forma como a assistência hospitalar tradicional encara o parto se deve a uma série de “metáforas médicas” presente na literatura médica que tratam sobre o corpo da mulher como uma máquina. Desta forma, o principal objetivo da “máquina-corpo” é produzir, no caso, um bebê perfeito. A imagem é bastante significativa e condiciona toda a lógica que rege o modelo de assistência médico/hospitalar em vigência em várias partes do mundo ocidental, inclusive, no Brasil. A partir desta concepção, a forma como o evento parto é tratado nos manuais de obstetrícia segue uma lógica mecanicista, na qual o que é esperado que ocorra e os prazos considerados “normais” devem acompanhar parâmetros muito bem delimitados.

Em suma, o imaginário médico justapõe duas imagens: o útero como máquina que produz o bebê e a mulher como a trabalhadora que produz o bebê. Em alguns momentos, as duas talvez se juntem, de maneira consistente, como a mulher-trabalhadora cujo útero-máquina produz o bebê (MARTIN, 2006. p.117).

Esta lógica industrial também está alinhada à forma como a temporalidade passou a ser encarada na Europa Ocidental moderna. A concepção de tempo reforça que o futuro é algo promissor, cheio de possibilidades e esperança. Ao mesmo tempo, provoca uma ruptura com o passado, como sendo algo que deve ser superado, que está ultrapassado. Podemos analisar que a transição dos partos que ocorriam em domicílio até a primeira metade do século XX e passaram a ser em hospitais, se encaixa nesta visão. Nascer em casa passou a ser visto como uma prática rudimentar, tradicional e, portanto, pior e mais arriscado.

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Ao mesmo tempo, a tecnologia e as intervenções médicas são encaradas como coisas que apontam para o futuro. Portanto, o parto hospitalar e centrado no médico é considerado pela sociedade como melhor, fruto de uma evolução e de um desenvolvimento. “Desta maneira, a partir do final do século XVIII, a história é concebida como um processo de melhora contínua e crescente da humanidade” (ROCHA & DE LA ROCHE, 2019, p. 61).

No nosso país a consequência mais evidente desta transição dos partos para o ambiente doméstico para o hospitalar é o salto significativo no número de cirurgias cesarianas. Segundo o Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento1, coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz, 52% das mulheres têm seus filhos por meio da cirurgia cesariana. O número é ainda mais alto quando se considera exclusivamente a sua incidência na rede privada, chegando a 88% do total. Segundo dados da pesquisa, todos os anos mais de 1 milhão de mulheres são submetidas à cirurgia cesariana, sem que haja uma justificativa clínica real para isso2. O procedimento as expõe a maiores riscos de morbidade e mortalidade, além de aumentar sem necessidade os custos com a saúde.

A pesquisa destacou também, que entre as mulheres que tiveram o parto vaginal predominou um modelo de atenção bastante medicalizado, ignorando as melhores práticas disponíveis na literatura médica mais atualizada, observada em outros países. Dentre as intervenções mais comuns aplicadas estão a restrição à liberdade de movimento (ficaram restritas ao leito), falta de alimentação durante o trabalho de parto, uso de medicamentos para acelerar o trabalho de parto (ocitocina sintética intravenosa), episiotomia (corte entre a vagina e o ânus), posição de litotomia (deitada de costas), com uso frequente de manobra de Kristeller (empurrando a barriga para baixo). O inquérito da Fundação Oswaldo Cruz destaca que estes procedimentos, quando realizados sem indicação clínica, causam dor e sofrimento e são desaconselháveis pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como procedimento de rotina.

A Nascer no Brasil também constatou que apenas 5% das mulheres consegue ter um parto natural, isto é, sem as intervenções descritas anteriormente. O padrão foi notado em todas as regiões do país, evidenciando que a medicalização do parto é uma prática disseminada por todo o território brasileiro. A título de comparação, no Reino Unido, o índice de partos naturais chega a 40%.

1 Essa foi a primeira pesquisa a oferecer um panorama nacional sobre a situação da atenção ao parto e nascimento no Brasil. No total, 23.894 mulheres foram entrevistadas. A pesquisa foi realizada em maternidades públicas, privadas e mistas (maternidades privadas conveniadas ao SUS) e incluiu 266 hospitais de médio e grande porte, localizados em 191 municípios, contemplando as capitais e também as cidades do interior de todos os estados do Brasil. A coleta de dados se iniciou em fevereiro de 2011 e terminou em outubro de 2012.

2 Apesar de muitos médicos oferecerem justificativas para a realização das cirurgias cesarianas, a maioria delas

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A pesquisa destaca ainda que os partos em que enfermeiros obstétricos ou obstetrizes são os responsáveis primários pela assistência ao parto vaginal, aumentam as chances de partos espontâneos e diminuem as intervenções desnecessárias, sem comprometer a saúde da mãe e do bebê. No Brasil, esta não é a realidade encontrada, pois apenas 15% dos partos são assistidos desta maneira e geralmente ocorre em regiões mais pobres, onde não há médicos. Isso é resultado, então, de uma situação de falta de acesso a obstetras e não de uma confiança de que o enfermeiro obstetra tem a capacitação necessária para assistir um parto.

Segundo o inquérito, 70% das mulheres começa o pré-natal com o desejo de ter um parto vaginal. No entanto, recebem pouco apoio para esta decisão. Na rede privada, apenas 15% do total conseguem realizar o que haviam planejado quando é o primeiro parto. Apesar da escolha inicial por um parto vaginal, ao longo do pré-natal as mulheres mudam de ideia, o que leva a crer que a orientação do obstetra pode estar levando a uma maior aceitação da cesariana. Um terço das mulheres que optou pela cirurgia cesariana desde o começo relata como principal motivo para a escolha o medo da dor.

Outro aspecto detectado pela pesquisa é a relação que se faz entre nível de satisfação recebido nos hospitais pela mãe e bebê durante o parto e pós-parto. O inquérito nacional detectou que os aspectos relativos à relação entre profissionais de saúde e parturientes como tempo de espera para o atendimento, respeito, privacidade, clareza nas explicações, possibilidade de fazer perguntas e participação nas decisões, influenciam na satisfação relatada pelas mulheres com o atendimento. Foi observado que a forma como são tratadas as parturientes varia de acordo com a classe social, raça, escolaridade e região do Brasil, sendo a Norte e a Nordeste com os priores resultados. Fica claro, portanto, que há uma elitização da qualidade do atendimento.

Também foi analisada a saúde mental materna pela pesquisa. A depressão materna é um tema relevante, apesar de pouco estudado no país, e foi detectada em 26% das mães de 6 meses a 18 meses após o parto, sendo mais frequente nas mulheres com baixa condição social e econômica, nas pardas e indígenas, nas que não possuem companheiro, nas que não desejavam a gravidez e nas que tinham três ou mais filhos. Destaca-se a importância da insatisfação com o atendimento prestado à mãe e bebê durante a internação para o parto e pós-parto como fator associado. A depressão pós-parto tem influência negativa na saúde da mulher, da família e dificulta o estabelecimento do vínculo mãe-bebê, prejudica o aleitamento materno, que é importante para o desenvolvimento da criança sob diversos aspectos.

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FIGURA 1 - Infográfico com principais resultados Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento.

CRUZ, Oswaldo Cruz. Infográfico com principais resultados Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento. Sumário executivo temático da pesquisa: a mãe sabe parir, e o bebê sabe como e quando nascer. Disponível em: http://www6.ensp.fiocruz.br/nascerbrasil/principais-resultados2/ Acesso 12/02/2020

A Organização Mundial de Saúde (OMS)3 emitiu um relatório sobre taxas de cesáreas no Brasil e destaca que a cirurgia é uma intervenção efetiva para salvar a vida de mães e bebês, porém apenas quando indicada por motivos médicos. Ao nível populacional, taxas de cesárea

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maiores que 10% não estão associadas com redução de mortalidade materna e neonatal. Isto é, não se justificam cientificamente.

Apesar de o Inquérito Nascer no Brasil ser a pesquisa mais representativa em termo de número de mulheres ouvidas e abrangência no país, como o objetivo desta pesquisa é retratar a realidade dos nascimentos em Natal, levantei dados sobre a via de nascimento no Rio Grande do Norte e no Brasil, a título de comparação, junto ao Ministério da Saúde, na base de dados Datasus, onde não há dados relativos aos municípios, apenas ao Estado. O período selecionado para se fazer a pesquisa foi entre os anos de 2016 e 2018 pelo fato se serem os três últimos anos disponíveis na base de dados no momento da coleta, já que esta dissertação foi desenvolvida entre 2018 e 2020.

Na base de dados do Datasus foram utilizados os seguintes filtros para se chegar ao resultado que será apresentado a seguir: linha (unidade da federação); coluna (tipo de parto); conteúdo (nascimento por ocorrência). Os resultados evidenciam que no país o percentual de nascimentos via cirurgia cesariana chega a representar mais da metade do total, se mantendo praticamente estável nos últimos três anos, com 55,93% em 2018; 55,66% em 2017 e 55,39% em 2016.

TABELA 1 – Dados sobre os nascidos vivos por tipo de parto no Brasil pela base de dados Datasus

Ano-Tipo de parto

Vaginal Cesáreo Ignorado Total

2018 1.295.541 (43,99%) 1.647.505 (55,93%) 1.886 (0,06%) 2.944.932 2017 1.294.034 (44,26%) 1.627.302 (55,66%) 2.199 (0,07%) 2.923.535 2016 1.272.411 (44,52%) 1.582.953 (55,39%) 2.436 (0,08%) 2.857.800 Quando se analisa o cenário do Rio Grande do Norte, a participação das cesáreas é ainda maior, chegando a 62,35% em 2018, 61,63% em 2017 e 60,52% em 2016. Com estes dados, é possível concluir que a situação do Rio Grande do Norte é ainda mais tendenciosa para a cirurgia cesa-riana e, portanto, as mulheres que desejam um parto normal, enfrentam ainda mais resistência sistemática.

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TABELA 2 – Dados sobre os nascidos vivos por tipo de parto no Rio Grande do Norte pela base de dados Datasus

Ano-Tipo de parto

Vaginal Cesáreo Ignorado Total

2018 18.243 (37,5%) 30.331 (62,35%) 67 (0,013%) 48.642 2017 17.856 (37,42%) 28.791 (61,63%) 62 (0,013%) 46.709 2016 18.056 (39,31%) 27.786 (60,52%) 67 (0,014%) 45.909

Esta dissertação de mestrado trata sobre a realidade da assistência ao parto enfrentada pelas mulheres no período de gestação, parto e nascimento em Natal. Para retratar o cenário, recorri à Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura Municipal do Natal, que enviou as infor-mações solicitadas por e-mail. Ressalto que, para que pudesse comparar os dados municipais com os nacionais e estaduais, utilizei também o total de nascimentos nos anos de 2016, 2017 e 2018, como pode ser verificado abaixo.

Com 11.606 nascimentos registrados em 2016, 6.797 (58,56%) se deram via cirurgia cesariana, enquanto 4.798 (41, 34%). Já no ano seguinte, as cesáreas chegaram a 59,63% e os partos vaginais 40,27%. Em 2018, 59,93% dos bebês nasceram via cirurgia cesariana e os de parto vaginal representaram 40,01%. Os três anos analisados permitem concluir que em Natal a maioria dos bebês nasce por meio de procedimento cirúrgico e pelo fato de a representativi-dade de cada tipo de parto permanecer praticamente estável, com variações menores do que dois pontos percentuais no período analisado, evidencia que há um padrão no tipo de conduta com relação aos nascimentos, que tende para o lado da cirurgia cesariana.

TABELA 3 – Dados sobre os nascidos vivos por tipo de parto em Natal pela base de dados da Prefeitura do Municipal do Natal

Ano-Tipo de parto

Vaginal Cesáreo Ignorado Total

2018 4.899 (40,01%) 7.338 (59,93%) 7 (0,05%) 12.244 2017 4.600 (40,27%) 6.812 (59,63%) 10 (0,08%) 11.422 2016 4.798 (41,34%) 6.797 (58,56%) 11 (0,09%) 11.606

Mulheres que engravidam se deparam com a realidade de assistência ao parto brasileira, quer se identifiquem com ela ou não. No presente trabalho nos interessa investigar qual é o caminho que as mulheres tem percorrido na busca por informações sobre o parto. Onde se informam, quais são suas expectativas, que postura adotam, o que sentem, como relatam a sua experiência são alguns dos questionamentos que norteiam esta pesquisa.

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1.1.2- Análise sociológica da mulher nos três momentos relacionados à maternidade (gestação, parto e maternagem)

Uma discussão proposta por Habermas (2012) que se aplica à forma como o parto é encarado no Brasil é o paradoxo entre sistema e mundo da vida, que são os pilares constituintes da sociedade moderna. Neste tipo de organização social são necessários mecanismos para se controlar a sua racionalidade para que os processos funcionem. O sistema, composto por instituições, Estado e regulado pela moral e pelas leis operam com o objetivo de intermediar as relações sociais. O seu funcionamento independe dos desejos individuais dos que compõem a sociedade. “Nas sociedades organizadas na forma de Estado, surgem mercados de bens controlados por dinheiro, ou seja, por relações de troca simbolicamente generalizadas”. (Habermas, 2012, p. 298).

Quando se fala de mundo da vida (HABERMAS, 2012), no entanto, estamos nos referindo ao universo particular de cada pessoa, que é composto por suas experiências, crenças e é expresso por meio da linguagem. A esfera do mundo da vida é a que relaciona à socialização e ao universo simbólico.

Na verdade, as formações da sociedade não se diferenciam apenas de acordo com o grau de complexidade do sistema. Elas são determinadas, em maior ou menor grau, por complexos de instituições (grifo do autor) que ligam (idem) qualquer novo mecanismo de diferenciação sistêmica ao mundo da vida: a diferenciação segmentária é institucionalizada na forma de relações de parentesco; a estratificação, na forma de status; a organização estatal, na forma de poder político; e o primeiro mecanismo de controle, na forma de relações entre pessoas privadas detentoras de direito. As instituições correspondentes são as seguintes: os papéis do sexo e da idade, o status de grupos de descendência, o ministério político e o direito privado burguês (HABERMAS, 2012, p. 301).

É o que pode ser relacionado ao paralelo estabelecido por Habermas com os conceitos de Marx de “base” e “superestrutura”. Segundo o autor, o primeiro tem a ver com os impulsos para uma diferenciação do sistema da sociedade, que vem da reprodução material. O complexo institucional, que liga o mecanismo sistêmico preponderante ao mundo da vida, conta como “base”, que se liga à sua inserção no espaço em que se move a intensificação complexificadora, possível em uma sociedade. A base seria, então, os problemas a serem levados em conta quando se tenta explicar a passagem de uma formação de sociedade para outra. A partir deles seriam propostas inovações, como é o caso da institucionalização de nível superior de diferenciação do sistema.

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Os conceitos se aplicam à realidade do parto no país, pois a forma como o evento é encarado pela medicina e instituições de saúde segue, em grande parte das vezes, a lógica industrial, em que os recursos físicos de hospitais e maternidades devem ser utilizados com eficiência, de forma padronizada e impessoal. Mulheres que desejem viver este momento a partir de outros parâmetros, respeitando o tempo do bebê e confiando na fisiologia do corpo para um nascimento mais natural possível, precisam se valer de estratégias de resistência para ir contra o sistema.

Individualmente elas não possuem força, pois o peso do “sistema” é muito maior do que o do “mundo da vida”, de forma que há uma relação de poder que pende para o lado institucionalizado, do que é padrão e o que vale para as maiorias. Se cada uma delas tentasse ir contra o sistema, o seu poder de ação seria pequeno, tendo em vista a força institucional da visão hegemônica do parto.

Com o objetivo de unir forças e ir contra esta abordagem padronizada sobre o parto no Brasil, muitas destas mulheres se unem, formando um movimento social que ficou conhecido como Humanização do Parto, que possui representantes em todas as regiões do Brasil e também em outros países.

Diante disto, é importante considerar que as construções sociais acerca dos processos de gestação, parto e maternidade são culturais. Consideramos o conceito de cultura de Geertz (1989) que a considera como sendo composta por estruturas de significado socialmente estabelecidas. É a partir dela que as pessoas fazem certas coisas como sinais de conspiração e se aliam ou percebem os insultos e respondem a eles, sem que estes atos sejam resultado de fenômenos psicológicos, características da mente, da personalidade, da estrutura cognitiva de alguém, ou o que quer que seja.

Portanto, quando tratamos a forma como as mulheres se relaciona com cada uma destas etapas que orbitam ao redor da geração de um filho, estamos dizendo que elas se referem mais ao que a sociedade lhes oferece como opções de escolha para a construção de sua identidade própria, do que de uma escolha autônoma e livre, individualmente falando. Para o autor, para se compreender a cultura de um povo é necessário entender a sua normalidade, sem excluir a sua particularidade. Geertz (1989) oferece uma definição de cultura, que relaciona à sua perspectiva semiológica.

Como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis (o que eu chamaria de símbolos, ignorando as utilizações provinciais), a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser

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descritos de forma inteligível – isto é, descritos com intensidade (GEERTZ, 1989, p. 21).

Neste trabalho interessa tratar sobre a cultura, como sistema simbólico, pois ela permite que possamos isolar sistemas simbólicos e a partir deste processo, caracterizar todo o sistema de uma forma geral. Os símbolos básicos, em torno dos quais ela é organizada, dá pistas sobre as estruturas subordinadas às quais são ligadas ou os princípios nos quais se baseia. Quando uma mulher faz uma escolha com relação ao tipo de parto que pretende ter, por exemplo, ela está implicitamente revelando seus valores e crenças acerca de si mesma e do lugar que ocupa na sociedade.

Não é o intuito desta pequisa julgar os motivos que levam cada mulher a agir desta ou daquela determinada forma, mas podemos inferir que quando opta por seguir todas as recomendações médicas acerca do pré-natal e parto, sem questioná-las, ela considera que não possui capacidade para entender e discutir sobre o que ocorre com seu corpo e seu bebê. Para ela, cabe ao médico obstetra fazer tais julgamentos, pois ele estudou bastante sobre o assunto e tem experiência para decidir melhor por ela. Provavelmente ela considera que não é seu papel se informar por conta própria, confrontá-lo ou expor a sua vontade sobre como gostaria de vivenciar o parto.

Ao passo que uma mulher que adota uma postura crítica com relação ao seu próprio parto provavelmente questiona os lugares sociais que é colocada, se vê como atuante nas suas escolhas e com liberdade para dar voz às suas convicções. “Deve atentar-se para o comportamento, e com exatidão, pois é através do fluxo de comportamento – ou, mais precisamente, da ação social – que as formas culturais encontram articulação (GEERTZ, 1989, p. 27)”.

Um livro que trata sobre estas construções sociais e culturais acerca de processos biológicos femininos é o “A mulher no corpo: uma análise cultural da reprodução”, da antropóloga norte-americana Emily Martin. A autora apresenta como as mulheres se sentem fragmentadas, sem autonomia diante do mundo e como se forças externas as arrastassem por caminhos fora do seu controle. Alguns fatores podem estar relacionados a este sentimento, dentre eles Martin (2006) aponta as metáforas médicas, que pressupõem que o corpo da mulher tem como função primal a “produção” de um bebê. Estes termos associados a um universo fabril leva a separar a mulher do seu corpo e do seu bebê. Cada um dos componentes desta equação seria independente e com pouca relação entre eles: “trabalhador e trabalhadora, trabalhador e produto, trabalhador e trabalho e gerente e trabalhador” (MARTIN, 2006, p. 302).

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A autora aponta que paralelamente a esta situação da fragmentação, as mulheres apresentam uma combinação rica de conscientização de mundos sociais e alternativos, que de forma a impor resistência a estas situações consideradas externas a elas (Martin, 2006). Ela sugere uma discussão acerca da ciência médica, que, segundo ela, é um código com aparência de abstrata, mas que, na verdade, conta uma história bem concreta, enraizada em nossa forma de hierarquia social e controle.

Em geral, não ouvimos a história, ouvimos apenas os “fatos”, e é isso que, em parte, torna a ciência tão poderosa. Mas as mulheres – cujas experiências corporais são denegridas e destruídas pelos modelos que sugerem produção fracassada, desperdício, decadência, colapso – trazem literalmente dentro de si subsídios para confrontar a história contada pela ciência com uma outra história, baseada em sua própria experiência (MARTIN, 2006, p. 303).

O livro trata sobre lutas e debates sobre menstruação, síndrome pré-menstrual, parto e menopausa, com o intuito de se discutir as terminologias, processos, significados e alocação de recursos. Dada a atual conjuntura, as mulheres não podem ter determinados tipos de trabalho, devido à força física, hormônios, tamanho ou à possibilidade de se ausentar da atividade por causa de gestações. Martin (2006) destaca que feministas estão buscando novas concepções do eu particular das mulheres. Isso se justificaria pelo fato de que, como as experiências de vida são bastante diversas entre homens e mulheres, eles desenvolvem “fronteiras muito mais rígidas ao redor do eu do eu as mulheres”. (MARTIN, 2006, p. 305).

A autora cita como a identidade masculina frequentemente é construída tendo como base conceitos como abstrato, mental, cultural e ideal, enquanto, dicotomicamente, a feminina se associa ao concreto, corpo, natureza, real, mudança. No entanto, como a experiência feminina tem profundo envolvimento com processos concretos do nascimento, da criação dos filhos e dos afazeres domésticos, ela experimenta a vida como algo mutante e não dual.

Como seus processos corporais são indissociáveis do seu eu, as mulheres tendem a justapor biologia e cultura, vislumbrando uma concepção de um outro tipo de ordem social. Para Martin (2006), quando as mulheres desenvolvem uma consciência sobre os seus processos corporais elas chegam à conclusão que não se identificam com os modelos culturais e que gostariam de vivenciar um mundo em que as oposições e separações atuais deixem de existir.

No entanto, esta percepção não faz, necessariamente com que haja uma ação revolucio-nária ou mudança social. Mas, apesar disso, as mulheres apresentam diversas alternativas de como o mundo poderia ser. Um dos pontos mais interessantes da pesquisa é que ela chega à conclusão de que mulheres de diferentes classes sociais expressam com a mesma consciência e clareza a resistência.

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Este tipo de reflexão nos leva à discussão sobre a maneira pela qual o indivíduo – no caso a mulher - e o social operam sobre gestação, parto e maternidade. Levando em consideração o que propõem Gebauer & Wulf (2004) a relação do homem com o mundo se dá por meio de uma relação recíproca em que o sujeito se constitui e se relaciona com um mundo pré-existente e estruturado, que, por sua vez, constitui o indivíduo.

Desta forma, não é possível definir qual das duas relações (do eu para o mundo ou do mundo para mim) se estabelece primeiro ou se há uma hierarquia entre elas. Como eles explicam o sujeito-agente sobre influência de outras pessoas com as quais mantém contato, exercendo influência em seu mundo ao lhe fornecer exemplos, palavras, imagens, etc. É importante destacar, que o sujeito sofre a influência do seu meio e de outros de forma ativa, integrando-os ao seu ser e à sua forma de ver e agir no mundo.

Podemos pensar que esta visão funciona também para as concepções sobre os processos de gestar, parir e maternar. Como cada mulher concebe cada fase ligada ao nascimento de um filho tem a ver com uma concepção individual, que, por sua vez é constituída por suas vivências, acessos, convivências com outras pessoas e o mundo. “O eu, como os outros, é uma categoria aberta, pensada de maneira tal que ambos os lados se constituam mutuamente” (GEBAUER & WULF, 2004, p. 118).

É ao que Merleau-Ponty (1999) se refere quando diz que entre minha sensação e mim há sempre um “saber originário”, que impede minha experiência ser clara para si mesma. “Experimento a sensação como modalidade de uma existência geral, já consagrada a um mundo físico, e que crepita através de mim sem que eu seja seu ator” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 291).

Esta relação fica bastante evidente quando se observa os relatos de mulheres que participam de grupos de gestantes e mães em Natal, nos quais fiz observação etnográfica para esta pesquisa. Um destes grupos é o de Pré-Natal Coletivo que ocorre no Espaço Moara, voltado para cuidados da gestação e parto, que realiza reuniões quinzenais para casais grávidos e apresenta temas relacionados ao assunto, além de realizar consultas individuais às gestantes.

Em uma das reuniões pude observar diversos relatos que trazem à tona esta mescla entre universo individual e compartilhado que habita em cada um. Em seu momento de apresentação uma das gestantes, que será identificada neste trabalho pelas iniciais para que seja preservada a identidade, afirmou: “É muito bom poder contar com um espaço como este, em que podemos acessar informações de qualidade. Pelo o que já vimos, o que existe aí é que eles querem empurrar uma cesariana para nós” (M.F., 6 de outubro de 2018)

Referências

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