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Inclusão digital e literacia informacional em Ciência da Informação

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ARMANDO MALHEIRO DA SILVA VIVIANA FERNANDEZ MARCIAL

FERNANDA MARTINS [Eds.]

A LITERACIA DA INFORMAÇÃO EM PORTUGAL Um diagnóstico, um modelo e uma reflexão prospetiva (2007-2010)

PORTO CETAC.MEDIA

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Ficha técnica:

Título: A literacia da informação em Portugal: Um diagnóstico, um modelo e uma reflexão prospetiva (2007-2010)

Editores: Armando Malheiro da Silva, Viviana Fernandez Marcial, Fernanda Martins

Autores: Armando Malheiro da Silva, Viviana Fernandez Marcial, Fernanda Martins, José Azevedo, Maria Manuela Azevedo Pinto, Susana Guedes, Letícia Silva, Maria Helena Padrão Coleção: eCAI 1

Edição: CETAC.MEDIA/ Faculdade de Letras da Universidade do Porto ISBN:978-989-8648-67

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INCLUSÃO DIGITAL E LITERACIA INFORMACIONAL EM

CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

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ARMANDO MALHEIRO DA SILVA

Resumo Na Era da Informação e, mais precisamente, na conjuntura de rede onde estamos imersos, muitos são os desafios e os problemas que não podemos apenas enfrentar, mas devemos estudar com minúcia e profundidade a fim de irmos encontrando as respostas globais e específicas mais adequadas. Neste artigo aborda-se um problema composto a partir de problemáticas que foram surgindo e sendo abordadas em diferentes disciplinas e campos científicos e que não pode ser omisso ou até secundarizado na agenda de pesquisa em Ciência da Informação.

O problema aqui tratado tem a ver com a convergência, no comportamento informacional das pessoas, da inclusão digital, em curso (com as respetivas competências TIC) com a literacia informacional, traduzida na capacidade crítica de buscar, avaliar, escolher e usar informação nos mais diversos contextos. Evoca-se, propósito, um projeto ainda em curso, intitulado A Literacia informacional no Espaço Europeu do Ensino Superior eLit.pt, no qual é ensaiada uma abordagem exploratória da aptidão instrumental em nível informático associada à capacidade crítica face à informação. E enfrenta-se o problema e desenha-se um esboço de programa de pesquisa geral e norteador.

Abstract In this Informational era, and more precisely, in this net conjecture that we are immersed, many are the challenges and the problems that not even can we deal with, that also we should study in detail and with deepness to find more global, specific and adequate responses.

In this article it is broached a problem composed by other problems that emerged and were approached in different subjects and scientific fields and cannot be omitted or even had as minor in the Informational Science research timing.

The problem here mentioned refers to the convergence in course (with the respective TIC skills), in the people’s Informational behavior, the digital inclusion, with the Informational literacy, translated in the skills to find, evaluate, choose and use the informational on the most diverse environments. It is invoked a project still in course, entitled “The informational Science in the European Space in the Higher Education eLit.pt, in which it is rehearsal an exploratory approach of the instrumental skills in informatics level associated to the critical ability towards information. And we stand up to the problem and draw a sketch for a research of directional and global program.

10 Silva, A. M. (2008). Prisma.com, 7, pp. 16-43.

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Um problema compósito no campo da Ciência da Informação

O título condensa a formulação de um problema composto a partir de problemáticas exógenas à Ciência da Informação (C.I.), tal como a concebemos, embora ela se inscreva na interdisciplina Ciências da Informação e da Comunicação (C.I.C.), onde algumas dessas problemáticas são “nativas”. Aliás, esta inserção no espaço epistemológico C.I.C. é genericamente postulada, num viés demasiado semiótico e sociológico, por professores e investigadores franceses, reunidos em torno da SFSIC11 e acantonados em certas universidades, como a de Bourdeux, de Rennes,

d’Avignon, de Lyon ou a Stendhal em Grenoble.

Posto por outras palavras (diferentes das do titulo) e para que seja, de imediato, percebido, o problema compósito em pauta consiste em saber como estudar, a partir da C.I., a convergência entre as competências instrumentais e as competências cognitivas e criticas das pessoas, sendo certo que é possível estabelecer uma distinção entre elas: dominar os requisitos de manipulação informática e de navegação internética não dá, por si só, nenhuma garantia de que se consiga selecionar, assimilar e usar, com enriquecimento cultural próprio e coletivo, a informação procurada.

Uma pesquisa rápida, através de um motor de busca na internet, permite verificar que as temáticas e problemáticas do comportamento informacional, da literacia informacional e da inclusão digital/literacia digital têm crescido bastante no índice de estudos publicados12, evidenciando o interesse que cada um destes tópicos

tem suscitado a uma gama variada de estudiosos e de especialistas, entre os quais se incluem, naturalmente, os profissionais e, sobretudo, os pesquisadores em C.I. se é verdade que os estudos bibliométricos, cienciométricos e infométricos (em sentido mais geral e atual) ocupam ainda a centralidade das agendas de investigação em C.I., por várias razões, entre as quais a mais forte é, sem dúvida, a ideia epistémica de que o reforço da cientificidade de uma área, tradicionalmente profissional e tecnicizante, se opera pela via quantitativa, ou seja, dos estudos estatísticos; não é menos exata a crescente importância que uma certa investigação qualitativa tem vindo a adquirir, incidindo sobre o(s) modo(s) de produção e, em especial, de busca e de uso, isto é, sobre as necessidades na procura e as competências criticas (de avaliação e escolha) com vista à assimilação da informação pretendida. O tópico do comportamento informacional, com os respetivos problemas, tem uma origem óbvia: na Psicologia, aspetos como o da motivação, as capacidades cognitivas e a dimensão emocional geraram um caudal de estudos e de resultados exportáveis para diferentes disciplinas e

11 Ver Société Française des Sciences de l’Information et de la Communication. Consultado em Jan. 10, 2009 em:

www.sfsic.org/content/blogcategory/37/153/ . Ver também Boure (2002) e Lamizet e Silem (1997).

12 Sugere-se uma pesquisa básica através do motor de busca Google e que pode começar pelas expressões

Information behaviour studies (15.000.000 resutados); information literacy (819.000 resultados); e digital inclusion (562.000

resultados) / digital literacy (3.580.000) (Consulta a 8-01-2009). Desta incipiente e exploratória busca conclui-se, com relativa facilidade, que a primeira e últimas expressões elencadas são as mais conhecidas e usadas, estando, actualmente, mais disseminadas que as demais.

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32 sectores de catividade. Em C.I. o interesse pelos aspetos cognitivos terá sido decisivo para que, na leitura de Rafael Capurro, o “paradigma” físico fosse substituído pelo “cognitivo”, devido às propostas de autores como Bertram C. Brookes (Capurro, 2003; Silva, 2006, pp. 56-57), com implicações diretas no modo de encarar o utilizador. O olhar descentrou-se: saiu do serviço ou do sistema, para quem o utilizador era um destinatário passivo que deveria ser satisfeito à medida das possibilidades da entidade mediadora (a mediação é um ponto central dentro do processo de transição do paradigma custodial, patrimonialista, historicista e tecnicista para o emergente paradigma pós-custodial, informacional e científico13), e tem vindo a centrar-se nas

necessidades, estratégias de busca e meandros do uso. Trata-se de uma alteração sugerida pelas expressões, em circulação e em confronto – “estudos de leitores/utilizadores [do serviço ou do sistema] ” versus “information

behaviour/comportamento informacional [dos utilizadores de múltiplos tipos de

informação] ” -, e explicada por Aurora González Teruel numa sinopse esclarecedora de onde extraímos o seguinte:

Trás los desarrollos anteriores y, como resultado del empeno de hacer de los estudios de necesidades y usos una herramienta verdaderamente útil para el diseño y mejora de los sistemas de información, la década de los ochenta fue en la que mayor atención se presto al marco teórico y metodológico (...) (Siatri, 1999).

En primer lugar, los estudios de necesidades y usos planteados desde el punto de vista del sistema consideraban el usuário un receptor passivo de la información, sin tener en cuenta los aspetos que influyen en su conducta cuando busca información. Igualmente, asumían una perspectiva sociológica, haciendo especial énfasis en observar el modo en que utilizaban la información diferentes grupos de usuários con características similares (...).

En segundo lugar, la línea de investigación emergente orientada al usuário atribuía al usuário un rol activo en el proceso de búsqueda de información, de tal manera que el valor de la información dependia de su própria percepción. Esta consideración supuso que comenzaron a tenerse en cuenta aquellos aspetos que condicionan la conducta del

13 Adoptámos o conceito paradigma numa acepção diferente da que Rafael Capurro utiliza e propôs. A este

propósito remetemos para o verbete Paradigma do Dicionário Eletrônico de Termonologia em Ciência da Informação –

DeltCI - http://www.ccje.ufes.br/dci/deltci/index.htm; e Silva (2006, p.158). E ainda para os outros dois

verbetes do DeltCI - paradigma custodial, historicista, patrimonialista e tecnicista (Silva, 2006, p. 158) e paradigma pós-custodial, informacional e científico (Silva, 2006, pp. 158-159). Diferente da nossa proposta e da de Capurro, embora haja coincidência com esta quanto à significação atribuída ao termo paradigma, ver a de José Maria Izquierdo Arroyo: Pues bien, atendiendo al cumplimiento efectivo de una o varias de esas fases por parte del documentalista, y

desde el critério del Tratamiento documental del contenido (TDC), podemos distinguir três paradigmas – así ordenados en el decurso histórico – de la Documentación, entendida como disciplina (Documentación-Char): 1o) Paradigma biblioteconômico, o pré-documental (PB); 2o) Paradigma actual (PLD); la Ciencia Normal de la Documentación; 3o) Paradigma semiótico-pré-documental (PSD); o interdocumental (Izquierdo Arroyo, 1995, p. 20).

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individuo cuando busca información, además de sus características sociodemográficas” (González Teruel, 2005, pp. 54-55)

Na nossa conceção de C.I., obtida através da simbiose construtiva dos legados teórico- práticos da Arquivística, da Biblioteconomia, da Documentação e da Ciência da Informação, entendida como disciplina/profissão centrada no processamento e recuperação eletrónicos de conteúdos, o comportamento informacional constitui uma das três áreas do campo de estudo desta ciência de matriz transdisciplinar, e com natural vocação interdisciplinar, em especial no âmbito das Ciências da Informação e Comunicação. A C.I. é uma ciência social que investiga os problemas, temas e casos relacionados com o fenómeno info-comunicacional percetível e cognoscível através da confirmação, ou não, das propriedades inerentes à génese do fluxo, organização e comportamento informacional (origem, coleta, organização, armazenamento, recuperação, interpretação, transmissão, transformação e utilização da informação); e

Tem como dispositivo metodológico geral o Método Quadripolar e o seu campo de estudo e intervenção compreende três áreas interligadas a ponto de se interpenetrarem: a [Produção] Gestão da Informação, a Organização e Representação da Informação e o Comportamento Informacional (Silva, 2006, pp.

140-141). São áreas que agregam problemas e casos específicos e, neste sentido, é conveniente convocar uma relação hierárquica, do geral para o particular ou vice-versa, entre estes e a área correspondente. Em concreto, entendemos que a inteligibilidade da literacia informacional se instaura, em pleno, na área do comportamento informacional, sendo, como este, um tópico exógeno à C.I.

A problemática da literacia informacional chegou à C.I. vinda de outras procedências e abordagens. Na área da gestão empresarial e dos recursos humanos e na zona de confluência interdisciplinar da Pedagogia e da Didática com a Psicologia Educativa e a Sociologia tornou-se, a partir da década de 70 do séc. XX, pertinente identificar e promover competências pessoais para o desempenho de um conjunto estipulado ou estipulável de tarefas e catividades: identificar, mediante uma análise rigorosa dos perfis de estudantes e de profissionais, e promover, mediante programas de formação dirigida para/no emprego. Foi neste sentido que Paul Zurkowsky, bibliotecário americano e Presidente da Information Industry Association, usou pela primeira vez a expressão information literate, preocupado essencialmente com o uso da informação em contexto de trabalho e da resolução de problemas. Esta vertente formativa foi facilmente acolhida por bibliotecários, documentalistas e arquivistas na perspetiva de que os utilizadores de Biblioteca, de Centro de Documentação e de Arquivo precisam de ser orientados dentro dos meandros de instrumentos de pesquisa concebidos com aparente sofisticação e implícita dificuldade. Foi, pois, pelo primado da ajuda ao leitor e ao utilizador (ajuda na descoberta do “prazer da leitura de livros” e na “descodificação” dos longos e complicados catálogos e inventários disponibilizados para aceder à informação) que o problema da literacia informacional entrou na agenda dos estudos biblioteconómicos. E entrou colocando o bibliotecário numa dupla função: a de professor que acuta sobre o letramento e a de facilitador ou guia de alguém no interior do sistema de informação, seja este convencional (uma bateria de catálogos

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34 de madeira ou metálicos com milhares de fichas em papel), seja já um sistema digital (uma Base de Dados pesquisada on- line). No papel de facilitador é assumida uma mediação que pode perversamente condicionar o leitor/utilizador, mesmo que isso suceda em nível básico, obrigando-o a seguir passos rígidos, na pesquisa, que podem desanimá-lo ou até frustra-lo. Esses passos foram facilmente convertidos em boas práticas ou bons procedimentos de busca, conceito operatório que inspirou e legitimou os Standards de Competências em Literacia Informacional como os da American Library

Association (ALA, 2000), do Council of Australian University Librarians (CAUL, 2001) e do Australian and New Zeland Institute for Information Literacy (Bundy, 2004). No entanto, uma

distinção critica se impõe no âmbito do paradigma emergente pós- custodial, informacional e científico: fixar critérios e habilidades que as pessoas têm de possuir para buscar, encontrar e selecionar a informação pretendida corresponde a uma atitude muito diversa da científica que exige compreender, por exemplo, se uma mediação baseada em standards, na atual conjuntura de rede (redes colaborativas mediadas cada vez mais por computador), ajuda ou violenta e inibe a expressão de necessidades e a liberdade criativa dos utilizadores que podem ser também autores.

Por último, temos o tópico da inclusão digital ou literacia digital, embora esta expressão carregue uma equivocidade indesejável e isto porque literacy, em inglês, tanto significa uso de capacidades cognitivas e criticas como alfabetização ou aquisição de competências, básicas (saber ler, escrever e contar). Mas em outras línguas, como o português, o termo literacia (ou o termo sinónimo letramento) pode acolher distinções mais subtis e, também, ser dicionarizado como sinónimo de alfabetização14.

Pretendemos, assim, justificar a preferência pela expressão inscrita no título deste estudo e que, apesar de bastante geral, absorve bem as competências de cariz tecnológico que é necessário adquirir para escrever e ler mediados por computador. A inclusão digital implica, pois, dois grupos de competências básicas: as tradicionais de

14 A alfabetização pode consistir apenas no aprendizado do alfabeto e de sua utilização como código de

comunicação. Mas também está registado um uso mais abrangente, associada ao processo pelo qual o indivíduo constrói a gramática e suas variações. Esse processo não se resume apenas na aquisição dessas habilidades mecânicas (codificação e descodificação) do acto de ler, mas na capacidade de interpretar, compreender, criticar, ressignificar e produzir conhecimento. Este sentido mais abrangente surge condensado no termo/conceito de letramento em uso no Brasil: Letramento não é necessariamente o resultado de ensinar a ler e a escrever. É o estado ou a condição

que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita (Soares, 2003). Surge, então,

um novo sentido para o adjetivo letrado, que significava apenas que, ou o que é versado em letras ou literatura; literato (Michaelis), e que agora passa a caracterizar o indivíduo que, sabendo ler ou não, convive com as práticas de leitura e escrita: Por exemplo, quando um pai ler uma história para seu filho dormir, a criança está em um processo de letramento,

está convivendo com as práticas de leitura e escrita. Não se deve, portanto, restringir a caracterização de um indivíduo letrado ao que domina apenas a técnica de escrever (ser alfabetizado), mas sim aquele que utiliza a escrita e sabe "responder às exigências de leitura e escrita que a sociedade faz continuamente (Michaelis; http://pt.wikipedia.org/wiki/Literacia#Letramento; e ainda

Soares, 2003 e Soares, 2004). No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: literacia é a qualidade ou condição de quem é letrado e é o mesmo que alfabetização. Sendo a qualidade ou condição de quem é letrado significa, também, o mesmo que Letramento: conjunto de práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de material escrito (Houaiss, 2003, p 2294). Segundo alguns autores é possível identificar vários tipos de literacia: Functional Literacy,

Full Literacy, Basic Literacy, Critical Literacy, Survival Literacy, Proper Literacy, Improper Literacy, Domesting Literacy e Liberating Literacy, (Castell; Luke; Maclennan, 1981)

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35 domínio do ler, escrever e contar e as novas derivadas do impacto direto, na conduta humana, das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC), ligadas a um processo histórico global (com conjunturas detetáveis a partir do eixo geo-civilizacional Europa Ocidental, América do Norte, Oceânia...), que para uns é a Pós-Modernidade, para outros a Era Digital, na gíria sociológica, rapidamente expandida, é a Sociedade da

Informação, mas, em rigor e seguindo a inspiração de Manuel Castells (Castells, 2002), é

a Era da Informação, iniciada a partir de 1945 com a conjuntura pós- industrial e, desde o final da década de oitenta, com a conjuntura da rede (Silva, 2007, p. 239). Sistemas de Informação (Silva, 2008, p. 36), Sociologia da Comunicação e Ciências da Educação formam o núcleo duro onde nasceu e se desenvolveu a preocupação avassaladora de explicar e de medir/avaliar como a tecnologia em expansão influencia, afeta e até modifica as práticas humanas e sociais. Esta indagação tem tido acolhimento nas Ciências Cognitivas com o desenvolvimento de experiências e de pesquisas concretas sobre a eventual modificação que o meio pode causar no agente/manipulador a ponto de podermos aceitar a metáfora do cérebro 2.0. reforçada cada vez mais pelo trabalho em laboratório:

(...) Habituados desde criança ao conteúdo digital e à comunicação instantânea. os jovens que nasceram nos anos 80, em diante, são considerados os nativos digitais e desenvolveram em seus cérebros uma condição de reflexão diferente da de seus pais e avós. A exposição à tecnologia intensa presente em computadores, smartphones e videogames libera neurotransmissores e provoca alterações nas células cerebrais. Novas conexões neurais são formadas.

Embora os mais jovens sejam os mais afetados por esta modificação estrutural da consciência os efeitos de uma vida digital são observados em todos, destacando-se os idosos que parecem ter, segundo pesquisa cientifica realizada, seus circuitos neurais incrementados ao utilizar e fazer buscas na web. Já não há dúvidas de que esse processo está transformando o cérebro das pessoas num ritmo sem precedentes.

Uma das primeiras pesquisas que relacionaram o comportamento da chamada Geração Net, pessoas que nasceram nos anos 80 e após foi liderada pelo canadense Don Tapscott. Analisando entrevistas feitas com 300 jovens, Tapscott observou que aquela era a primeira geração que crescia cercada de tecnologia digital. e que nestas pessoas as configurações da consciência para perceber, pensar, executar tarefas, decidir, criar eram completamente diferentes dos nascidos antes de 1980 que seriam os migrantes digitais. Uma outra pesquisa recente mostrou como a tecnologia digital afeta o cérebro humano. Uma equipe da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) fez um experimento para avaliar os efeitos das buscas online em idosos. A equipe liderada pelo neurocientista Gary Small descobriu que córtex frontal elabora estratégias cognitivas, mas e por intermédio de outras conexões ele é capaz de desenvolver estratégias de perceção e interiorização avançadas e reconstruir neurônios. Essa região controla a habilidade de avaliar informações complexas, aceita-las ou não e tomar decisões preceptivas. Apenas cinco horas de buscas na web já se produzem novas conexões neurais e isso funciona para qualquer idade.

Paul Kearney na Universidade neozelandesa UNITEC mostrou que jogos de computadores melhoram a capacidade cognitiva e a condição de executar multitarefas.

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Gary Small da UCLA em seu livro iMind realizou pesquisas avançadas que demonstram que, nas mentes lidando com contextos web, o índice médio de inteligência tem crescido devido ao avanço da participação na cultura digital.

Existem pesquisas nacionais que mostram as mesmas evidências internacionais de que a interiorização pela percepção de informação digital gera conhecimento diferenciado e mais elaborado; a escrita digital induz a uma assimilação do conhecimento com aumento na possibilidade para avaliar informações complexas e engendrar configurações de memória e aceitação das informações percebidas com mais criatividade e qualidade de mediação. (O Cérebro 2.0, 2008)

Toda essa problemática ganhou, entretanto, raízes no âmago das C.I.C., tornando-se, hoje, um tópico recorrente em C.I., sobretudo pelas implicações diretas que possui no plano profissional: a transferência da produção, armazenamento, recuperação e difusão da informação do suporte tradicional (papel) para a plataforma digital gerou, nos profissionais da informação, o impulso inevitável e exponencial para seguirem e adotarem na sua catividade as inovações tecnológicas (desde as Bases de Dados proprietárias e livres até aos processos colaborativos da Web 2.0) que não param de sair dos laboratórios com destino às comunidades de open source e aos circuitos comerciais.

O que pretendemos enfatizar é que o problema em foco neste artigo não deriva do “património de problemáticas” das disciplinas práticas integrantes da C.I. transdisciplinar, que entendemos ser a resposta epistemológica adequada aos desafios atuais e futuros da Era da Informação e só possível em face da existência, cada vez mais nítida, de um novo paradigma (pós-custodial, informacional e científico). Deriva sim da forte permeabilidade interdisciplinar que ela possui quer dentro da interdisciplinar C.I.C. quer na interação com as Ciências Humanas e Sociais, onde aquela se insere naturalmente, e com as denominadas Ciências Exatas e Naturais (ou

duras). Trata-se, pois, de um problema compósito que por via das trocas

interdisciplinares intensas invadiu o campo da C.I. e assume, hoje, uma acuidade que não pode ser ignorada. Parece-nos, por isso, oportuno esmiuçá-lo com algum detalhe e rigor.

Competências TIC e informacionais: o ponto de convergência

Como ciência social aplicada que investiga os problemas, temas e casos relacionados com o fenómeno info-comunicacional e vinculada ao emergente paradigma pós-custodial, informacional e científico, a C.I. precisa construir o seu objeto científico reformulando o que se encontra no legado das disciplinas práticas que a constituem, através de uma intensa dinâmica transdisciplinar em curso, e isto significa reordenar a escala de relevância de conceitos operatórios centrais. Assim, a ênfase tem de ser posta no conceito de informação, sem a qual não é possível aceitar a existência epistémica de documento e de comunicação. Não é, pois, inútil ou sequer impossível definir ou, dito de melhor forma, adotar uma definição de informação que deverá ser

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37 o mais consensual possível enquanto for validada pela pesquisa e pela prática profissional. Este posicionamento teórico coloca-nos em divergência com os que consideram tratar-se de uma propriedade fundamental do universo e, tal como a energia, possuir realidade própria, não podendo, por consequência, ser definida de forma genérica: da mesma forma que a energia, torna-se mais compreensível quando acompanhada

de um qualificativo: energia elétrica, energia hidráulica, energia nuclear, etc.; informação científica e técnica, informação codificada, informação social, informação estratégica, informação genética, etc.

(Robredo, 2003, p. 147). O equívoco desta proposta reside em algo muito simples: as palavras podem servir conceituações completamente diferentes e para que não haja um “ruído” comunicacional grave há que delimitar e separar as suas aplicações ou usos semânticos. Foi o que Anthony Wilden (2001b) ensaiou fazer, ainda que de um modo demasiado generalista, ao distinguir, logo no início do seu importante e útil verbete

Informação na Enciclopédia Einaudi, dois sentidos recentemente surgidos e relativamente específicos:

O primeiro é o sentido estritamente técnico ou tecnológico: informação como

quantidade mensurável em bit (binary digit). É a informação métrica da teoria clássica da

informação [Claude Shannon], a teoria combinatória e estatística da informação, baseada na lógica e na matemática da probabilidade.

O segundo sentido pertence a uma abordagem diversa, abordagem esta que pode, porém, servir-se da primeira nos casos em que seja aplicável, como acontece, por exemplo, na logística da transmissão da informação mediante sistemas artificiais, como a comunicação via radar ou satélite. O segundo sentido é, porém, sempre qualitativo antes de ser quantitativo, como de facto deveria ser (apesar de tudo, a quantidade é um tipo de qualidade, ao que o inverso não se verifica). O segundo sentido conserva, muito mais do que o sentido métrico ou quantitativo, o significado quotidiano do termo ‘informação’. Hoje, porém, aplicamos muito mais a ‘informação’ em contextos relativamente insólitos ou pouco familiares (por exemplo, para explicar as características do sistema imunitário corpóreo, ou o comportamento de uma membrana celular) (Wilden, 2001b, p. 11).

Do ponto de vista etimológico informação deriva do latim informare que significa dar forma a... Quando começou a ser empregue com mais visibilidade no séc. XIX ajustou-se ao desenvolvimento da tipografia e da imprensa e passou a designar notícia (dar forma verbal a acontecimentos). E só no séc. XX se daria a sua passagem e expansão entre as ciências exatas e naturais, contribuindo imenso para isso o artigo seminal de Claude Shannon e Warren Weaver, publicado pela primeira vez em 1949 (Shannon & Weaver, 1962). Batizada de “teoria matemática da comunicação” não tardou a ser muito conhecida como “teoria da informação”, começando, assim, uma extrapolação que se deveu sobretudo ao segundo autor: a partir de resultados de investigações

sobre a tecnologia telefônica, Weaver promoveu generalizações imprecisas e apressadas para o estudo da comunicação interpessoal. A comunicação humana foi, assim, reduzida a uma mera transmissão de informação (Primo, 2007,p. 141). E, acrescentamos, a informação humana e social foi,

por sua vez, reduzida a um processo (quantificado) de redução de incerteza! Não é, de facto, possível, generalizar ao ponto de se considerar que informação é uma

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38 propriedade fundamental do universo, porquanto ela é apenas uma palavra que pode ser conceituada operatoriamente em função de um campo de fenómenos e de problemas concretos e contribuir, dentro da abordagem cientifica respetiva, para a sua compreensão e eventual resolução. Neste sentido, informação em Biologia é um conceito diverso do que pode e deve ser usado em C.I., em Informática ou em Gestão e Economia. Note-se que, neste campo disciplinar, consagrou-se a distinção entre dados, informação e conhecimento, com algumas variações, como a introduzida por Michael Polanyi ao distinguir entre conhecimento tácito e explícito, sendo aquele

pessoal, específico ao contexto e, assim, difícil de ser formulado e comunicado (Quel, 2006, p. 83) e

este refere-se ao que é passível de codificação, transmissível em linguagem formal e sistemática (Quel, 2006, p. 83).

Em C.I. informação e comunicação, não sendo conceitos simétricos, são complementares e reportam-se a uma fenomenalidade (info-comunicacional) que decorre da capacidade simbólica do Homo sapiens modelada e desenvolvida socialmente. Há, aqui, um recorte e uma especificação: os dois conceitos aplicam-se apenas a um processo inerente à condição humana e social, condensado em algumas propriedades válidas unicamente nesse âmbito restrito15, Em C.I. informação é um conjunto

estruturado de representações mentais e emocionais codificadas (signos e símbolos) e modeladas com/pela interação social, passíveis de serem registadas num qualquer suporte material (papel, filme, banda magnética, disco compacto, etc.) e, portanto, comunicadas de forma assíncrona e multidireccionada (Silva, 2006, p. 150). A representação codificada (através de palavras, de números, de gestos organizados, de traços e cores, etc.) de factos, de ideias e de emoções na mente de cada indivíduo pode não chegar a ser materializada através do aparelho fonador, da escrita, da técnica fotográfica, do desenho, da pintura, etc., e nesse caso a informação não se metamorfoseia em documento (informação registada num suporte), facto decisivo para que a comunicação aconteça. Mas não basta documentar para comunicar (Izquierdo Arroyo, 1995, pp. 36-37), se entendermos por comunicação a ação de estabelecer uma

15 A indicação expressa de que competiria à C.I. estudar as propriedades da informação surge na definição

resultante das conferências do Georgia Institute of Technology, realizadas em Outubro de 1961 e Abril de 1962, posteriormente assumida e publicada por Harold Borko num artigo clássico intitulado Information science – what is

it? (Silva& Ribeiro, 2002, pp. 53-54). No entanto, Borko não especificou a natureza de tais propriedades, mas a

semente ficara lançada e Yves Lê Coadic viria a deter-se sobre o assunto afirmando que a C.I. tem por objecto o

estudo das propriedades gerais da informação (natureza, génese, efeitos), ou seja, mais precisamente: a análise dos processos de construção, comunicação e uso da informação; e a concepção dos produtos e sistemas que permitem sua construção, comunicação, armazenamento e uso (Le Coadic, 1996, p. 26). Em contraponto a estas “propriedades instrumentais” foram

propostas, em 2002, e buriladas em 2006, seis propriedades ou características essenciais/”universais” relativas ao fenómeno info-comunicacional: estruturação pela acção (humana e social) – o acto individual e/ou colectivo funda e modela

estruturalmente a informação; a integração dinâmica – o acto informacional está implicado ou resulta sempre tanto das condições e circunstâncias internas, como das externas do sujeito da acção; pregnância – enunciação (máxima e mínima) do sentido activo, ou seja, da acção fundadora e modeladora da informação; quantificação – a codificação linguística, numérica,figurativa é valorável ou mensurável quantitativamente; reprodutividade – a informação é reprodutível sem limites, possibilitando a subsequente retenção/memorização; e transmissibilidade – a (re)produção informacional é potencialmente transmissível ou comunicável (Silva &

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39 relação com alguém ou de partilhar algo com uma outra pessoa ou um grupo de pessoas, e o resultado dessa ação.

Etimologicamente, comunicar é pôr em comum, partilhar (Lamizet & Silem, 1997, p. 120), sentido original que converge facilmente para interagir ou interação. Abraham Moles formulou uma definição operatória mais complexa e abrangente, que incorpora a noção de interação mútua (Primo, 2007, pp. 99-134), a saber: comunicação é a ação de fazer participar um organismo ou um sistema situado num ponto determinado “R” aos estímulos e às experiências do meio ambiente de um outro individuo ou sistema situado em um outro lugar e a uma outra época “E”, utilizando os elementos de conhecimento que eles têm em comum (Lamizet & Silem, 1997, p. 120). Anthony Wilden (2001a), no verbete comunicação da Einaudi, enfatiza um aspeto, aparentemente consensual, mas equívoco, de que na comunicação, em geral, o que importa é perceber como a informação vai ser organizada e percebida pelo recetor, desvalorizando-se algo difícil de negar – ela sai de um qualquer emissor com sentido próprio e, assim, ao contrário do que reproduz Wilden, tem sempre, em si mesma, um sentido ou significado original, de origem:

No sentido próprio do termo, ‘comunicação’ não implica, pois, necessariamente compreensão, consciente ou inconsciente. Refere-se quer à transmissão de mensagens entre séries sistemicamente organizadas de emissores-recetores (por exemplo, organismos, células ou pessoas) quer à receção de informação de um emissor-recetor integrado numa rede sistémica de outros emissores-recetores. O problema que se põe, na comunicação em geral, não diz respeito à “natureza” ou ao “conteúdo” da informação – a qual em si mesmo não tem significado ou sentido –, mas antes ao modo como a informação deve ser definida, reconhecida, orientada e utilizada por sistemas específicos e no interior deles. Só então, de facto, a informação pode ser traduzida em significado e conhecimento (deve -se, todavia, que um modo de comunicar – entre seres humanos – é a recusa de identificar ou reconhecer uma mensagem ou o não utilizar a informação transmitida) (Wilden, 2001a, p. 111).

O objeto de estudo em C.I. é, pois, preenchido pelo binómio informação – comunicação que se revela, tradicionalmente, através do documento, enquanto coisa, artefacto palpável, mas não se esgotando de modo algum nele. No paradigma custodial, patrimonialista, historicista e tecnicista16, as disciplinas práticas Arquivística e

Biblioteconomia esgotavam-se na custódia, descrição e possibilidade de acesso ao documento, mas, na atual Era da Informação e, por consequência, no emergente paradigma pós-custodial, informacional e científico, a problemática da mediação atravessa o objeto da C.I. e renova-o, obrigando a que perscrutemos toda a vasta e complexa processualidade que vai da origem, coleta, organização ao armazenamento, recuperação e ainda à transmissão e transformação da informação. Já não basta

16 Este atributo foi adicionado já no início do séc. XX graças a inovações de ordem técnica, isto é.catalográfica e

classificativa, que tiveram no legado dos belgas Paul Otlet (Otlet, 1996) e Henri Lafontaine um marco teórico-prático ainda hoje muito valorizado e seguido, nomeadamente em Espanha

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40 aperfeiçoar e desenvolver instrumentos de busca para o utilizador que interpela os serviços e sistemas tecnológicos de informação, mas concebê-los dentro de modelos que não podem resultar apenas do senso comum e da experiência prática ou profissional, mas também e cada vez mais da pesquisa científica sujeita a revisões e constantes aperfeiçoamentos. E nesta perspetiva o estudo da mediação ganha em C.I. uma especificidade própria e demarca-se da abordagem meramente sociológica.

No desenvolvido verbete do dicionário, coordenado por Bernard Lamizet e Ahmed Silem (1997), ‘mediação’ é definida como uma instância articuladora, na comunicação e na vida social, entre a dimensão individual do sujeito e sua singularidade e a dimensão coletiva da sociabilidade e da relação social. A língua e o simbólico fundam as mediações, porque asseguram, no decurso do uso que é feito pelos sujeitos, a apropriação específica dos códigos coletivos. A língua e os símbolos são códigos socialmente determinados, cujas regras e estruturas são coletivas, e que cada pessoa usa para se exprimir a título individual. Temos, assim, na codificação linguística e simbólica um primeiro e elementar tipo de mediação (Lamizet & Silem, 1997, pp. 364-365).Os

media e outras formas sociais de comunicação ou interação são, também, mediações

porque permitem, no espaço público, a apropriação singular, pelos seus leitores ou utilizadores em geral, da informação que enforma a cultura coletiva definidora da identidade de um grupo social ou de um pais num determinado momento da sua história. Na comunicação mediatizada a mediação constitui o elo que liga o enunciador ao recetor/destinatário e pelo qual se fundam e garantem a coerência e a continuidade institucional da comunicação comprometida com um ideal, causa ou “lema”. Especificando um pouco mais e seguindo o referido verbete, a mediação surge através da emergência de uma linguagem, de um sistema de representações comum a toda a sociedade, a toda a cultura, e, ao mesmo tempo, a emergência deste sistema de representação constrói um sistema social, coletivo, de pensamento, de relações, de vida – uma sociabilidade, entendida como o conjunto de condutas, de representações e de práticas pelas quais é reconhecida numa pessoa a sua pertença a uma sociedade ou que são comuns a todos os que pertencem a uma mesma comunidade. A partir do individual, este tipo de mediação implica a aparição do social na consciência pessoal e, nesta medida, opera-se a secundarização da individualidade pela inscrição nas estruturas sociais em que cada pessoa se reconhece como pertencente. Deparamos, assim, com o segundo tipo de mediação através da comunicação no espaço social.

Um terceiro e último tipo de mediação pode formular-se no plural: mediações institucionais e estratégias de comunicação. Estas são formas de mediação e de comunicação ativadas por sujeitos de comunicação na sua dimensão institucional de atores sociais determinados por lógicas institucionais e orgânicas17. São mediações

17 Usamos o adjectivo associado ao sentido de organicidade: Uma acção consciente (humana e social), seja rotineira ou

criativa, jurídico-administrativa ou artística, científica ou literária, geradora de informação numa situação, dentro de um contexto orgânico (institucional e informal) e condicionada por um determinado meio ambiente, evidencia organicidade, cuja variação e “textura” é avaliável. A organicidade será tanto maior quanto mais clara e profunda for a articulação entre o sujeito da acção (pessoal ou institucional) com a sua estrutura própria (conceito lato: vai do corpo humano ao dispositivo organizacional de uma qualquer entidade instalada em imóveis e com equipamento vário) e os objectivos mobilizadores que se propõe naturalmente atingir (Silva,

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41 institucionais porque representam o uso comunicacional das instituições pelos atores que as integram. Daqui decorre o facto de a influência constituir a forma mais característica do uso comunicacional das instituições pelos atores, tornando-se o modo de poder que eles exercem sobre outros sujeitos do espaço social (Lamizet & Silem, 1997, p. 365).

Tendo em consideração os três tipos de mediação expostos, a informação tal como a definimos e a estudamos constitui o primeiro tipo de mediação, uma vez que integra a língua e outros códigos essenciais ao primado da representação mental e emocional. O artefacto documento, seja em papel, seja resultante da simbiose do

hardware com o software (que em si é já um tipo específico de informação, designado,

algo grosseiramente, por “linguagem- máquina”) através do qual as representações vertidas em códigos “naturais” (linguístico, numérico, figurativo, cromático, etc.) são processadas, pode ser visto como um media através do qual a informação passa de um ou vários emissores a um só ou a vários/indeterminados recetores. E não é preciso fazer um grande esforço para descobrirmos a dinâmica info- comunicacional nas mediações institucionais. Aí os agentes/funcionários cumprem um complexo papel mediador quer sendo coletores/produtores de informação, quer avaliando e escolhendo (se a escolha é feita ao arrepio de critérios e valores éticos, dir-se-á tratar-se de flagrante manipulação...) matéria de decisão superior e de subtratar-sequente comunicação aos interessados, clientes e público em geral.

Não é possível, deste modo, compreender e tentar intervir, de forma construtiva, no fenómeno que subjaz ao binómio informação-comunicação, sem nos confrontarmos com a mediação, ou seja, a instância articuladora entre o sujeito e sua singularidade e o grupo, ou a comunidade envolvente: uma instância que implica competências individuais tornadas coletivas pela aprendizagem. Apesar dos diversos significados dicionarizados, que o termo possui, fixamo-nos, aqui, apenas nas seguintes aceções: competência é a capacidade que um indivíduo possui de expressar um juízo de valor sobre algo a respeito de que é versado, e a soma de conhecimentos ou de habilidades que lhe permitem desempenhar algo ou atingir algum objetivo concreto.

Sem a capacidade específica de emitir juízos de valor e sem a tal “soma de conhecimentos ou de habilidades” a mediação não acontece e, por isso, as competências são inerentes aos processos de mediação e cumprem um papel decisivo impossível de ser ignorado. Chegamos, assim, ao cerne do problema que aqui nos ocupa e que põe em confronto competências de mediação à partida diferentes.

De que falamos quando evocamos as competências TIC? Falamos de duas coisas indissociáveis: a existência e expansão comercial de dispositivos com determinadas características, nomeadamente a infraestrutura de base (a rede elétrica e

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42 telemática), e a capacidade instrumental para usá-los. Simplificando temos um computador com acesso à internet e pessoas habilitadas a usar este equipamento com grau comprovado de eficiência. Alfabetização informática (ou digital), literacia digital ou inclusão digital são expressões sinónimas quando significam exatamente a situação descrita18. E as pessoas dotadas dessas competências ou habilidades entram na

categoria de alfabetizadas digitais, info-incluídas ou de nativos digitais (born digital). Estes, em rigor, são os nascidos na Era Digital (após 1980) com acesso às tecnologias digitais em rede e dotados de sólida formação no uso de computadores: Digital Natives

share a common global culture that is defined not strictly by age but by certain attributes and experiences related to how they interact with information technologies, information itself, one another, and other people and institutions (Palfrey & Gasser, 2008, p. 346).

Nesta curta e incisiva definição descortina-se uma nuance que complexifica a abordagem redutora entre competências instrumentais e as informacionais. Os nativos digitais sabem “mexer em computadores e demais tecnologia digital” e, também, revelam predisposição e capacidade para lidar com a informação propriamente dita. Quer isto dizer que se é verdade e observável que muitas crianças, jovens e adultos usam bem e intensamente os computadores e seus programas sem, no entanto, revelarem indícios de literacia informacional, ou seja, da capacidade de buscar, organizar e avaliar a informação, formulando opiniões válidas e baseadas nos resultados obtidos (Vives i Gràcia, 2006, p. 70), as TIC não são neutras e estimulam bastante as faculdades cerebrais, afetando de algum modo a produção, as necessidades, os esquemas de organização, memória e recuperação da informação, em conformidade com o que atrás referimos e comprovamos a respeito do cérebro 2.0 reforça esta ideia. O livro de Steven Johnson a respeito dos jogos de vídeo da tv e da internet, valorizando a tese de que estes recursos tecnológicos, pode contribuir positivamente para o desenvolvimento das competências cognitivas e emocionais de crianças e jovens (Johnson, 2006) contribui para nos mostrar que há um ponto crucial de convergência entre as duas dimensões à partida distintas, mas também complementares.

No aspeto que concerne especificamente ao campo de estudo da C.I. convém deixar bem claro que a implementação das políticas consignadas nos livros verdes da Sociedade da Informação e de planos tecnológicos tendentes a cumprir objetivos de acesso e uso às redes de banda larga, de massificação do uso de computadores desde a escola básica até aos centros-de-dia e residências para idosos e a intensificação do

18 A situação oposta configura o denominado analfabetismo digital. Analfabeto digital é a pessoa incapaz de obter

informações por meios informáticos e digitais, como a internet e a microinformática. Trata-se de um tipo de analfabetismo contemporâneo bastante comum em regiões que não possuem electricidade e/ou suporte à rede mundial de computadores, mas também ocorre entre os que sentem desinteresse pela máquina, preferindo as fontes mais tradicionais de informação. Nas próximas décadas, espera-se uma expansão digital em todos os sectores económicos e culturais do globo, podendo causar exclusão social aos que não estejam aptos a interagir com a informação digital.

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43 governo eletrónico, não constituem só por si matéria central de análise e de exploração sistemática pelos cientistas da informação. No entanto, é impossível desligar o alastramento globalizado das TIC e as competências técnico-cognitivas exigidas pelo seu uso do conjunto de competências informacionais, elencadas, por exemplo pela

Association of Collegue and Research Libraries (ACRL, 2000): identificação das necessidades

de informação; criação e organização da informação; estratégias de busca da informação; avaliação e tratamento da informação; utilização e comunicação da informação; e aspetos éticos, sociais, políticos, etc., da informação (Vives i Gràcia, 2006, p. 72). E, quando ambas as competências se mesclam, configura-se um problema novo e instigante para o desenvolvimento da própria C.I., tanto no plano teórico, como no aplicacional. Este problema refere-se a identificar de como se está a processar, na transição entre o paradigma custodial e o pós-custodial, a mediação informacional, tanto nas instituições culturais e científicas da Modernidade (Arquivos, Bibliotecas, Museus e Centros de Documentação), como no ciberespaço, no “espaço de fluxos” ou na infoesfera, onde, a par das Bibliotecas Digitais, dos Arquivos Digitais, de Bases de Dados e Repositórios de vários formatos e teores, bem como de motores de busca revolucionários, como o Google, nascido à revelia da “lógica mediadora do bibliotecário ou documentalista”. E, talvez por isso, visto com tantas reservas, apesar de muito usado, por esses mesmos profissionais, porém inexoravelmente convertido, hoje, por esse Mundo afora, no principal e mais popular recurso de acesso à infoesfera, em que emergem manifestações colaborativas, das quais a Wikipedia é a expressão mais emblemática, em que os leitores/utilizadores são convidados a participar e a tornarem-se autores. A mediação custodial nascida e detornarem-senvolvida no tornarem-seio das mencionadas instituições culturais permitia que os agentes mediadores (bibliotecários, arquivistas e documentalistas) condicionassem o acesso à informação guardada/custodiada através de práticas e de instrumentos de articulação impositiva e até manipuladora. Agora está a emergir uma mediação nova e diferente que precisa ser estudada e acompanhada com toda a atenção e cuidado: deslocalizada ou dispersa (na Internet/redes conexas), institucional, coletiva, grupal, pessoal e até anónima, interativa e colaborativa - possíveis traços caracterizadores, entre os quais importa destacar a interação e os processos colaborativos, sociais, de participação cívica, espontânea e militante.

A mediação pós-custodial em desenvolvimento é confrontada com um exponencial excesso de informação (overload information), que torna imprescindíveis elevados níveis para a garantida info-inclusão.

As competências elencadas pela ACRL foram pensadas a partir do profissional da informação para um leitor passivo e esta perspetiva está a mudar rapidamente: os serviços e sistemas de informação começaram, na década de 90 como se viu atrás a propósito do comportamento informacional e dos estudos de utilizadores, a buscar uma efetiva compreensão do perfil cognitivo e das necessidades informacionais dos seus potenciais interagentes. Esta rotação de perspetiva, de uma mediação custodial passiva e, quando muito reativa, para uma mediação pró-ativa, animada pelo impulso de atrair leitores/público e de, para isso, adotar estratégias de puro marketing, que está a ser suplantada pela mediação plural e colaborativa emergente um pouco por todo o

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44 lado, tem reflexos diretos na abordagem da problemática da literacia informacional na ótica da C.I.: os standards produzidos, como vimos desde a década de oitenta, para orientar os serviços e sistemas de informação no acompanhamento a dar aos seus utilizadores a fim de que eles possam adquirir as boas praticas e obter os melhores êxitos na busca, avaliação, seleção e uso da informação, vêm dando lugar, paralelamente, ao estudo sistemático de como os leitores e utilizadores em geral se comportam face à informação que necessitam a partir das situações, contextos e meio ambiente em que se inserem. E esta ênfase no utilizador-cidadão, em especial da criança ao jovem universitário e depois, mais tarde, ao adulto frequentador de ensino sénior, confina, em C.I., aquele conceito a espaços marcadamente formativos a fim de ser possível determinar com rigor como se adquirem e desenvolvem as competências informacionais próprias, independentemente da ajuda de bibliotecários, documentalistas e arquivistas, tanto mais que agora as competências se apoiam de forma evidente na info-inclusão digital, ou seja, pressupõem a existência de uma formação básica e intensiva sobre informática na ótica de quem a usa e sobre navegação na internet.

A limitação do processo de literacia a espaços formativos torna o conceito, bastante em voga, da long life literacy, trazido pelas Ciências da Educação e pelas políticas públicas apostadas no combate ao desemprego e à requalificação dos ativos demográficos, sinónimo de comportamento informacional e, por consequência, inútil em C.I. No âmbito desta disciplina científica tem vantagem recortar, na área do comportamento informacional, a problemática da literacia informacional desde que centrada em pessoas e grupos sujeitos a contextos de educação formal dentro dos quais é exercido um forte estímulo à busca e uso crítico da informação e podem ser ensinadas estratégias e procedimentos facilitadores desse desiderato. No ponto seguinte e último, cabe esboçar o modo como perspetivamos a pesquisa sobre literacia informacional, a partir do campo de C.I. e convocando, subsequentemente, o contributo de outras disciplinas e tecnologias, em primeira instância, as que ocupam o espaço C.I.C.

Para um programa de pesquisa do problema compósito

Antes de apresentarmos um esboço de programa de pesquisa, construtivo e instigador de debate, é importante que fique, uma vez mais, clara a conceituação de literacia informacional, para o que foi dada, em 2006, uma achega em forma de verbete. Aí se diz que é oportuno em

Ciência da Informação operar com o conceito de literacia informacional para significar as competências e a capacidade seletiva e sintetizadora na busca e uso da informação. Este tipo de literacia relaciona-se estreitamente com a geral, que enfatizamos, mas pode ser posta em destaque como uma espécie de introdução geral e interdisciplinar aos estudos comportamentais em torno da informação. Determinar o tipo de competências aprendidas, assim como as necessidades espontâneas ou induzidas ao longo do processo de escolarização no que toca a buscar, reproduzir/citar, interiorizar e comunicar

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informação envolve um diálogo proveitoso com as Ciências da Educação e permite desenvolver pesquisas dentro da Ciência da Informação (Silva, 2006, p. 154).

À luz desta definição operatória foi apresentado, em 2006, um projeto de investigação proposto pelo Centro de Estudos em Tecnologias e Ciências da Comunicação (CETAC.Media) à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), no âmbito de candidaturas a financiamento científico, e aprovado tendo por título A

literacia informacional no Espaço Europeu do Ensino Superior: estudo da situação das competências da informação em Portugal (eLit.pt), com início em Junho de 2007 e conclusão prevista para

Dezembro de 2009. Trata-se de um projeto assumido no campo da C.I., mas aberto a uma efetiva interdisciplinaridade, espelhada na composição da própria equipa com sociólogos, psicólogos e educadores, além de cientistas da informação (Silva et al., 2008, pp. 103-123). O âmbito da pesquisa é nacional e foi elaborado um inquérito, cuja aplicação, precedida por proveitoso teste de focus group, está quase terminada e da qual há já alguns resultados parciais divulgados (no prelo). Um inquérito construído a partir de seis grupos de questões, em dois dos quais é evidente a preocupação com as competências TIC e sua convergência natural com as informacionais:

Tabela 2

Âmbito das Questões Conteúdo

Contexto pessoal Grupo de questões que visa aferir informações relacionadas com o género, idade, local de residência, habilitações dos pais, motivo de continuação de estudos, acesso a computadores e à Internet na residência.

Contexto escolar Grupo de questões que visa aferir o acesso a computadores e à Internet no estabelecimento de ensino, frequência de disciplinas de TIC e informações sobre os trabalhos académicos/escolares que realizam.

Utilização da Biblioteca da

Faculdade / Escolar Grupo de questões que visa aferir a frequência e modos de utilização das bibliotecas de Escola Secundária e de Faculdade e/ou Universidade, bem como os recursos de informação que estas disponibilizam.

Utilização da Biblioteca

Pública Grupo de questões que visa aferir a frequência e modos de utilização das bibliotecas públicas, bem como os recursos de informação que estas disponibilizam.

Utilização da Internet Grupo de questões que visa aferir a frequência e locais de acesso à Internet, bem como dos recursos e motores de busca que utilizam, e ainda as temáticas de maior interesse para estes alunos.

Recuperação e Uso Grupo de questões, através das quais, se pretende conhecer outros recursos de informação utilizados, formas de seleção e tratamentos

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46 Esse instrumento constituiu a base única da coleta de elementos com vista à determinação do nível de literacia informacional alcançada no 12º ano do Ensino Secundário (de norte a sul, de oeste a leste do Pais) e a meio dos estudos universitários em cursos de diferentes áreas. Objetivo que passa pela criação de um modelo – o modelo eLit.pt – cuja validade será comprovada por esta e posteriores pesquisas e para o qual são cruciais alguns conceitos operatórios, a saber:

Situação – Em comportamento informacional identifica o estado

circunstancial, temporário, de duração mais ou menos reduzida e contínua, que dá historicidade à acção informacional propriamente dita. (...) Quando um contexto é demasiado efémero confunde-se com situação, mas, em geral, cada contexto orgânico compreende um número ilimitado de situações e é dentro destas que se desenrolam as atitudes e as necessidades comportamentais dos sujeitos face à informação (Silva, 2006, p. 163)

Contexto – Em Ciência da Informação, mais precisamente nos estudos

de comportamento informacional, é um conceito operatório oportuno a par de meio ambiente, embora possa ser dispensado por quem use de forma extensiva e intensiva a teoria sistémica. Há, porém, óbvias vantagens de usa-lo estritamente no âmbito das atitudes humanas e sociais emergentes do fenómeno info-comunicacional. Neste sentido, define-se como uma unidade agregadora de elementos materiais (um edifício, um ou mais aposentos quaisquer que constituam cenário para a acção info-comunicacional), tecnológicos (mobiliário, material de escritório, computadores com ou sem ligação à internet, etc.) e simbólicos (o estatuto e os papeis desempenhados pelas pessoas ou actores sociais) que envolvem o(s) sujeito(s) de acção através de momentos circunstanciais delimitados cronologicamente (situação). Engloba dois tipos essenciais: orgânico e efémero. O contexto orgânico pode ainda ser institucional (em que a unidade agregadora é determinada estruturalmente por uma instituição pública ou privada, mas com de informação, a estrutura que habitualmente atribuem a um trabalho, o suporte e ferramentas de apresentação desses trabalhos, que fases em todo o processo de elaboração de um trabalho são consideradas as mais importantes e quais os mais morosos; perceber ainda até que ponto os estudantes conhecem uma norma para elaboração de referências bibliográficas, bem como se sabem identificar referência bibliográfica e citação bem elaboradas; e, por último, determinar como os inquiridos avaliam a sua pesquisa, seleção, e sistematização e produção do trabalho. Excluir: avaliam a sua pesquisa, seleção e sistematização e produção do trabalho.

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47 aparelho político-administrativo) e informal (em que a unidade agregadora é determinada estruturalmente por unidades individuais e colectivas, sem ou com reduzido aparato burocrático e de génese e extinção rápidas). O contexto efémero possui uma variedade de graus que vão do mais acidental e volátil, como é o caso de um grupo de pessoas conhecidas que se encontram na rua a conversar (emitir e receber informação), o caso dos comícios, das manifestações espontâneas e organizadas, etc., podendo confundir-se com situação, até ao mais perene e regulado, como é o caso das tertúlias de amigos que se reúnem periodicamente. Este tipo concreto de contexto efémero pode converter-se em contexto orgânico informal. A linha divisória é ténue, mas existe. Quando os contextos se cruzam, sobrepõem ou coexistem estamos perante uma relação contextual de complexidade variável (Silva, 2006, pp. 144-145).

Meio ambiente – Expressão usada em modelos de comportamento

informacional para significar a realidade política, económica, social e cultural que condiciona e envolve os contextos e situações comportamentais relativas ao fluxo e ao uso/reprodução de informação (Silva, 2006, p. 154).

Conjuntura – No sentido geral que historiadores como Pierre Vilar consagraram é o conjunto das condições articuladas entre si que caracterizam um

dado momento no movimento global da matéria histórica. Neste sentido, trata-se de todas as condições psicológicas, políticas e sociais, como das econômicas ou das meterológicas (Vilar, 1985, p. 77). Um sentido que em Ciência da

Informação pode mesclar-se com o de meio ambiente, tornando-o utilíssimo nos estudos de comportamento informacional (Silva, 2006, p. 144).

Se destacamos, sobretudo estes conceitos, é porque precisamos sempre deles para explorar a mediação e através dela como se evidencia a literacia informacional (ou a iliteracia) em estreita articulação com o que Varis (2003) designou por brecha digital numa dupla perspetiva. Assim, por uma parte, podemos falar de uma distância entre diversos sectores da sociedade, segundo distribuição geográfica, social, geracional no que refere à utilização das TICs; e, por outra bem mais subtil, existe uma separação entre as expectativas que tem a sociedade e a escola no uso das tecnologias e no uso real que se faz delas. Acrescente-se ainda que a essa brecha esteja associada à separação entre os países e os segmentos sociais “ricos” e “pobres”, a qual tem paralelo na brecha informacional porquanto é desigual o acesso à informação. Varis insiste, aliás, que a segunda perspetiva da brecha digital incide essencialmente na denominada geração net ( Kárpáti, 2003) ou born digital (Palfrey & Gasser, 2008).

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48 declarar como correta a premissa básica em que ele assentou: as competências críticas na procura, na avaliação e no uso da informação dependem diretamente de condições do meio ambiente (político, jurídico-administrativo, económico, social, cultural de uma região, de um país ou de “espaço” civilizacional mais alargado), do contexto concreto em que se inscreve a(s) catividade(s) da pessoa e cada situação específica que, geralmente no interior de um contexto, desencadeia o motivo ou a necessidade informacional. Dentro do foco do eLit.pt, é possível mostrar a influência de uma iniciativa política no comportamento informacional: a criação do Espaço Europeu de Ensino Superior (decorrente da Declaração de Bolonha, 1999) está a provocar mudanças no sistema educativo de cada país e mais especificamente no contexto institucional de cada escola de ensino superior, afetando, assim, a ação dos estudantes universitários. E mostrar, também, como o meio ambiente está a globalizar-se, ultrapassando barreiras geográficas através do poder comunicacional de uma língua tendencialmente universal (o inglês): a galáxia da Internet, expressão usada por Manuel Castells como título de um seu livro (Castells, 2004), tanto veicula e faz incidir sobre as pessoas a pluralidade de fatores do meio ambiente nacional e internacional, como lhes permite que elas se integrem em contextos organizacionais específicos e desenvolvam aí uma catividade informacional formativa e profissional através do e-learning ou do teletrabalho. Do ambiente à situação, o que ressalta na caracterização do comportamento e, mais especificamente, da literacia informacional é a componente psicológica e social das necessidades que, de forma genérica e até imprecisa, são envolvidas pelo termo motivação. A pessoa é motivada, ou seja, impulsionada para agir e neste movimento singular pode ter que buscar a informação necessária para, usando-a, criar informação própria. Aplicando esta ideia para o que se passa no sistema educativo percebe-se facilmente que o contexto escolar gera, através dos professores, situações (nas aulas) que tornam inevitável a aquisição e criação de informação, mas este processo de aprendizagem só é bem-sucedido se os estudantes estiverem predispostos (motivados) a participar ativamente com cada docente. Este aspeto é, de facto, essencial para o projeto eLit.pt: o plano e a ação curriculares do ensino secundário ou o plano e ação de uma licenciatura nunca mudarão o comportamento informacional dos estudantes se eles não tiverem um mecanismo interno que facilite uma mudança da conduta. Se um estudante tem baixas expectativas perante os recursos de informação convencionais disponíveis este aspeto pode ter reflexo direto na génese e expansão das suas necessidades informacionais, que serão naturalmente baixas, afetando a sua disposição e capacidade para avaliar e selecionar. Esta constatação sugere que não devemos cingir, na Era da Informação em que estamos, o comportamento informacional dos estudantes aos recursos apenas formais (biblioteca, recursos educacionais), inserindo, também, na análise, os informais, nomeadamente os fornecidos pela internet, e ainda o rádio, televisão, videojogos e as pessoas (professores, amigos, família), entre outros.

No projeto eLit.pt, apesar do inquérito ter contemplado questões que no contexto escolar e noutros contextos justapostos visam perceber o grau de inclusão digital dos estudantes e, por consequência, a destreza com que usam a informática e

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49 navegam na internet, o problema compósito, que aqui nos interessa, não constituiu o foco principal. No entanto, ele emerge com alguns contornos visíveis e justifica, em nossa opinião, um programa de pesquisa que será tanto mais profícuo, quanto mais interdisciplinares forem as iniciativas de pesquisa a realizar.

Para esse programa são necessários princípios, conceitos e procedimentos que configuram um esquema geral e norteador:

Tabela 3

Este é, apenas, um esboço de programa de pesquisa concebido a partir do campo de C.I. e evoluindo a partir daí. Pode servir de guião no prosseguimento dos estudos de um problema que é transversal a todo o campo info-comunicacional e que, na conjuntura de rede onde estamos imersos, povoada já de digital natives, um complexo e difícil desafio se está impondo a políticos, educadores, psicólogos, cientistas da 1a etapa Subdividir o problema compósito de forma a ser possível estudá-lo de forma monográfica e rigorosa: (a) como é que o uso instrumental das TIC condiciona a preferência e determina a busca de certos tipos de informação em detrimento de outros (hipertextos de “temas vários e leves” com baixa exigência de leitura em vez de sites com informação científica, literária, política etc.)? (b) qual a relação entre a alfabetização primária (saber ler, escrever e contar) com o uso instrumental das TIC e sendo essa relação desequilibrada em favor da inclusão digital qual o impacto direto na aquisição das competências informacionais? (c) qual a relação do binómio meio ambiente-contexto de uma amostra de sujeitos, marcados por certos traços socioeconómicos, com o respetivo grau de inclusão e o nível (baixo, médio ou elevado) das competências informacionais?

2a etapa Opções teórico-metodológicas face à decomposição utilitária do problema: o inquérito não é o instrumento mais indicado para penetrar com maior precisão nas pessoas e daí que os questionamentos supra exijam a coleta de fichas biográficas com algum detalhe e a colaboração das pessoas para a realização de experiências, em que deve ser valorizada a dimensão colaborativa, cada vez mais potenciada pela evolução das TIC; a análise orgânico-funcional pode ser, também, um auxiliar precioso em estudos de comportamento informacional; as técnicas etnográficas de observação e análise revelam-se também aconselháveis, mas o seu emprego implica estudar um número pequeno de pessoas por pesquisa 3a etapa Abrir a etapa anterior a uma dinâmica interdisciplinar no âmbito, em primeira

instância das CIC, significa, por exemplo introduzir a abordagem sociológica na caracterização dos atores nas situações, contexto e meio ambiente em foco, convocar a construção de sites colaborativos ou outras ferramentas de interação e observação que vêm da Informática/Multimédia e trazer para a dimensão qualitativa da pesquisa o contributo analítico e explicativo da Psicologia Cognitiva e demais Ciências Cognitivas.

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50 informação, jornalistas, cineastas e agentes culturais: as pessoas que farão o Mundo que já aí está a chegar são profundamente diferentes das que se formaram e formataram há vinte, trinta ou cinquenta anos atrás. Essas pessoas exigem uma abordagem diversa e, sobretudo, construtiva no seu processo de desenvolvimento e formação. Segundo Palfrey e Gasser (2008, pp. 36-37).

Parents and teachers are on the front lines. They have the biggest responsibility and the most important role to play. (...) Rather than banning the technologies or leaving kids to use them on their own in their bedrooms – two of the most common approaches – parents and teachers need to let Digital Natives be their guides into this new, connected way of living. Then the conversation can begin. To many of the questions that arise, common sense is a surprisingly good answer. For the others, we’ll need to work together on creative solutions. (...)

It would be too simple to say that the Internet age represents only an amplification of the trends that began to emerge in the industrial age. In fact, something quite new is happening: The use of new technologies by Digital Natives – the most sophisticated of wired young people – is leading to changes in our understanding of identity. The changes are far greater for social than for personal identity. (...)

So the Digital Natives – the savvy users – are not in great danger. The people we should worry about instead are those users who fall on the other side of the participation gap: young people growing up in the digital age who do not have the digital literacy skills to control their identities. These paradoxes can be managed – and perhaps resolved – but only through a broad, all-hands-on-deck community effort, starting with young people themselves

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