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Por este rio acima: a bacia hidrográfica do Tejo na conquista e implantação romana no ocidente da Península Ibérica

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Academic year: 2021

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Por este rio acima: a bacia hidrográfica do Tejo

na conquista e implantação romana no ocidente

da Península Ibérica

CARLOS FABIÃO FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

Resumo:

Dois conhecidos apontamentos, de Estrabão e Plínio-o-Velho, constituem as notórias refe-rências a estabelecimentos militares romanos no baixo Tejo. Desde há longa data a investi-gação procurou identificar os seus vestígios materiais, na margem norte do rio, tidos como posições-chave para as campanhas de conquista em direcção ao norte. Presenças análogas na zona da Extremadura espanhola, como o grande estabelecimento de Cáceres el Viejo, são usualmente encaradas como decorrendo de uma outra linha de penetração também dirigida a paragens setentrionais, mas não relacionada com o ocidente.

O que aqui se propõe é olhar estas duas realidades como partes de uma mesma estratégia, devidamente articulada, tendo o Tejo como eixo. O registo arqueológico permite iden-tificar histórias comuns: instalação no último terço do séc. II a.C., refluxo e abandonos durante o conflito sertoriano, reocupação posterior e consolidação nos inícios do Princi-pado.

Nos últimos anos tem-se verificado que esta ocupação se distribui por ambas margens da bacia hidrográfica do Tejo, sugerindo que mais do que simples rectaguarda de apoio à conquista toda a região teria um real interesse para Roma, provavelmente, pela riqueza aurífera cuja exploração pode ter começado nessa época e não mais tarde como habitual-mente se tem pensado.

Summary:

Two well-known quotations from ancient literature (Strabo and Pliny-the-Elder) are the major references for Roman military presence in the lower Tagus area. From long time ago historians and archaeologists search in the river’s northern bank the material remains of those places, seen as major rear guard points for Roman conquest of Iberian Peninsula’s northern parts. Similar settlements are known at Spanish Extremadura, chiefly the huge Roman camp of Cáceres el Viejo, also seen as a key settlement for Roman northern con-quest but not related with the western sites.

The aim of this article is to collect evidence for an actual relationship of the sites from both areas, seen as parts of the same strategy, not just for the northern conquest but also to control some key areas and resources all along the river. Archaeological evidence shows a similar story for those sites: settlement in the late second century B.C., abandonment during Sertorian conflict, reoccupation and consolidation under the Principate.

Recent research have documented a more dense occupation during this period in both banks of Tagus river, probably due to the relevant alluvial gold, which exploitation may have begun by then and not just in Julio-Claudian period as usually was thought.

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“O Tejo tem de foz uma largura de uns 20 estádios e uma profundidade tão grande que pode ser remontado por barcos de dez mil ânforas de capacidade. Na altura das cheias, produz dois esteiros, nos baixios interiores, a ponto de formar como que um mar de 150 estádios, de tornar a planície navegável e de isolar, no esteiro superior, uma ilha, de cerca de 30 estádios de extensão e com uma largura um pouco menor, muito fértil e com belas vinhas. Esta ilha situa-se junto da cidade de Móron, que se ergue num monte próximo do rio, a 500 estádios de distância do mar no máximo, e está rodeada por uma região fértil.

A navegação até aí é fácil mesmo para barcos de grande porte numa boa parte do seu trajecto e, no resto, por embarcações de rio. Para cima de Móron a navegação ainda é mais longa.

Brutos, denominado o Galaico, utilizou esta cidade como a base das operações, quando entrou em guerra contra os Lusitanos e os submeteu. Em seguida amuralhou Lisboa, nas margens do rio, para ter livres a navegação e o acesso aos víveres. Estas cidades são também as maiores que se encontram junto ao Tejo.”

Estrabão, Geografia, III, 3, 1 - tradução de José Ribeiro Ferreira (Kalb; Höck, 1988: 190).

“As colónias são: Augusta Emerita, situada junto ao rio Anas; a de Metellinum, a de Pax Iulia e a de Norba com o apelido de Caesarina, da qual dependem administrativamente Castra Seruilia e Castra Caecilia; a quinta é Escálabis que se designa Praesidium Iulium. O município de cidadãos romanos é Olisipo, cognominado Felicitas Iulia (…)”

Plínio-o-Velho, História Natural, 4, 117 - tradução de Amílcar Guerra (Guerra, 1995: 35).

1. Os textos

Graças a dois curtos apontamentos de dois autores clássicos, o Tejo foi desde sempre tido como um eixo fundamental de instalação romana, nos primeiros tempos da sua presença em paragens ocidentais da Península Ibérica. A estes apontamentos poderá acrescentar-se ainda a referência a um Aritium praetorium, um topónimo de evidente ressonância militar, que o chamado Itinerário de Antonino situa no eixo de uma das vias que estabelecia a comunicação entre Olisipo e aquela que seria mais tarde a capital da Lusitania, Avgvsta

Emerita. Mas, se para os dois primeiros lugares havia uma indicação de natureza cronológica,

o último terço do século II e os meados do I a.C., respectivamente, para o praetorium nada de seguro se poderia apontar, ainda que uma cronologia dentro dos séculos II / I a.C. para a sua instalação pareça óbvia pelo que se conhece da dinâmica da conquista.

Durante décadas os investigadores tentaram localizar Móron e Aritium, uma vez que se davam como adquiridas as identificações de Olisipo com Lisboa e a de Scallabis com Santarém, ainda que com maior convicção a primeira do que a segunda, só verdadeiramente esclarecida pelos trabalhos arqueológicos de Ana Margarida Arruda. Não têm faltado também as tentativas de identificar nas actuais áreas urbanas de ambas os vestígios dessas antigas instalações militares, tarefa importante, sem dúvida, mas que não deixa de revelar alguma propensão para a chamada “arqueologia ilustrativa”, ou seja, procurar documentar materialmente uma informação que se constrói a partir das narrativas literárias e não do registo arqueológico em si. No caso de Aritium, existe o problema adicional de haver um suposto outro lugar com o mesmo nome e o epíteto vetus e / ou a possibilidade de se tratar

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do mesmo aglomerado associado a uma célebre epígrafe, muito comentada, mas hoje perdida, encontrada na zona de Alvega, junto do ponto onde a ribeira de Lampreia desagua no Tejo (IRCP, 467). Pelo local de achado da epígrafe, a zona de Alvega é apontada como o da implantação de um ou ambos aglomerados – para uma discussão do tema v. Alarcão, 1988: 50-51 e Guerra, 1998: 296-8. Ainda como possível lugar de instalação militar, foi sugerido o lugar de Medelim, junto de Monsanto, Idanha-a-Nova, que obviamente conserva a mesma memória toponímica da actual Medellín, na Extremadura espanhola, a antiga colonia romana de Metellinum, associando-se deste modo às operações de Q. Caecilio Metelo (Alarcão, 1988: 35-6). Embora pouco mais se possa acrescentar ao debate sobre localização e funções destes dois locais, como veremos, há dados que de algum modo sugerem presenças militares por estas paragens. Ao longo dos últimos anos, sobretudo pelo persistente e sistemático trabalho de João Pimenta e Henrique Mendes, começa a desenhar-se a ideia de uma robusta presença militar romana ao longo do Tejo, somente a título de exemplo refira-se a revisão dos dados de sítios já conhecidos, mas muitas vezes quase esquecidos, como o Alto do Castelo, Alpiarça ; o Porto de Sabugueiro, Muge (Pimenta; Mendes, 2008; Pimenta; Mendes; Arruda; Sousa; Soares, 2014); o Alto dos Cacos, Almeirim (Pimenta; Henriques; Mendes, 2012), obviamente, para além do Monte dos Castelinhos (Pimenta, 2013). Contudo, creio que a região tem sido vista mais como a rectaguarda de apoio à conquista das regiões setentrionais e não tanto como área em si mesma estrategicamente importante para Roma.

Antes de nos centrarmos no registo arqueológico, importa reter ainda alguns dados da literatura antiga que me parecem interessantes justamente para entender o valor da bacia hidrográfica do Tejo. Registo os apontamentos geográficos de Estrabão, a saber, as qualidades portuárias da zona da foz do Tejo e tão importante quanto estas a extensa navegabilidade do rio, que permitia bom acesso ao interior peninsular. Outros apontamentos literários merecem especial consideração, Estrabão, primeiro, e Plínio-o-Velho, depois, referem explicitamente a riqueza aurífera dos rios lusitanos: “A região de que falamos [Lusitânia] é fértil

e é percorrida por rios grandes e pequenos que correm todos desde o levante paralelos ao Tejo. Quase todos são navegáveis e são os que mais areia aurífera possuem” (Geografia,

III, 3, 4); “O Tejo é famoso pelas suas areias auríferas” (Plínio-o-Velho, História Natural, 4, 115). O mesmo Naturalista regista ainda as grandes quantidades de ouro obtidas pelo método dito de “ruina montium” nas Astúrias, Galécia e Lusitânia, embora sublinhando o maior peso da primeira região, não deixa de mencionar as outras (Nat. 33,78), mas a moderna investigação preferiu sempre conceder maior atenção a paragens mais setentrionais e menos à Lusitânia. Veremos como estes textos podem ser convocados na hora de tentar explicar a persistência da presença militar romana ao longo da bacia hidrográfica do Tejo e não somente no seu estuário.

Figura 1

Mapa do baixo Tejo, com indicação de alguns dos locais mencionados no texto.

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2. Dos textos para o registo arqueológico

Passando aos dados do registo arqueológico, deve sublinhar-se a notória importância de

Olisipo nestas primeiras etapas do processo de ocupação do território empreendido pelos

romanos, aferida pelos dados obtidos nas intervenções arqueológicas na zona do Castelo de S. Jorge. Os estudos de João Pimenta revelaram uma impressionante quantidade de ânforas itálicas de época republicana, ou seja, algo cronologicamente compatível com os primórdios de uma instalação permanente no último terço do séc. II a.C., bem como com o papel de rectaguarda de abastecimento e de porta de entrada (e saída) ao interior peninsular deste aglomerado indígena ao longo do período da conquista (Pimenta, 2005). No caso que mais directamente interessa, sublinharia a presença das ânforas do tipo greco-itálico documentadas, por serem o mais firme indicador de um processo que claramente arranca no séc. II a.C. (Id: 48-50; 118-120). Novos dados apresentados no contexto deste Congresso reforçam estas ideias já devidamente consolidadas, onde pode inclusivamente caber algo que permita entender o sentido dado à “fortificação” do local empreendida pelo governador da Ulterior a que se refere Estrabão. Interessante será, no futuro, avaliar mais extensos impactes e transformações na área do estuário, uma vez que parece claro que, pelo menos, um outro núcleo relevante localizado na margem esquerda, o sítio de Quinta do Almaraz, Almada, se manteve ocupado neste mesmo período ou, em alternativa, foi reocupado em momentos posteriores, os dados disponíveis não são ainda claros (Barros; Henriques, 2002), configurando uma nítida situação de controle de ambas margens do estuário. Naturalmente, análoga reflexão se poderá fazer relativamente a outros povoados de altura, mais distantes do curso do rio, mas certamente integrados na rede do povoamento local, conhecidos sobretudo na margem norte.

Chões de Alpompé, Santarém, poderia ser o local da antiga Móron, como de há longa data se propõe. Os dados disponíveis, se não permitem uma categórica identificação entre um aglomerado que figura uma única vez em toda a tradição literária antiga, justamente na referência do geógrafo grego que abre o presente texto, e o sítio arqueológico implantado junto da confluência entre o Alviela e o Tejo, possibilitam francamente essa aproximação, veja-se o que em outro local escrevi, tentando realizar o balanço dos conhecimentos disponíveis e remetendo para a numerosa bibliografia já publicada (Fabião, 2002). A abundante presença de ânforas de época republicana no local, onde não faltam também os exemplares de tipo greco-itálico (Fabião, 1989: 99-101), produzidas nas costas tirrénicas da Península Itálica, esclarece cabalmente sobre a importante ocupação neste período, ao mesmo tempo que os materiais antigos de tradição indígena constituem indício de uma ocupação anterior à presença romana, confirmando de algum modo o estatuto de relevante povoado mencionado por Estrabão, ainda que estas referências se prestem a outra ordem de considerações, ou seja, quando o geógrafo menciona Olisipo e Móron como os mais relevantes do baixo Tejo, é admissível que assim os considerasse por terem sido aqueles que Roma elegeu para instalar as suas forças. Aos já expostos argumentos em favor de uma utilização militar de Chões de Alpompé pode agora acrescentar-se um elemento bem expressivo que atesta a produção local de glandes de chumbo, um dado já mencionado por José Ruivo (Ruivo, 1999: 102), que aqui se pode apresentar, graças às diligências realizadas por João Pimenta e Henrique Mendes junto dos autores das recolhas ali efectuadas com recurso a detectores de metais.

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Vale a pena determo-nos sobre este eixo Olisipo – Móron, que terá sido importante nas primeiras acções de conquista e instalação do exército romano, mas não isento de algumas vicissitudes, que terão alterado a sua configuração ao longo do tempo. Sobre o núcleo do estuário do Tejo, pouco haverá a dizer, uma vez que não restam dúvidas da sua longevidade sob a égide de Roma, como o registo obtido nas escavações da área urbana de Lisboa tem demonstrado e o testemunho de Plínio-o-Velho já indicava. Mas, a putativa Móron ou, mais concretamente, o sítio arqueológico de Chões de Alpompé coloca algumas questões interessantes, de difícil esclarecimento, no estado actual dos conhecimentos. Como se referiu, não volta a ser mencionado na literatura antiga e não há nenhuma epígrafe latina que se lhe refira, ou seja, parece constituir local abandonado e de que não restou memória toponímica. Infelizmente, nunca houve escavações arqueológicas nos Chões, pelo que tudo o que dali conhecemos resulta quer de recolhas de superfície, mais ou menos intensivas, quer de elementos obtidos sem efectivo controle arqueológico. José Ruivo deu a conhecer um notável lote de moedas, obtidas por acção de detectoristas (Ruivo, 1999), que se vieram acrescentar a um par de exemplares já antes publicado (Diogo; Faria, 1985). O conjunto é abundante, ultrapassando a centena de numismas, quase todos de perda individual, embora um lote de 20 denários constitua um pequeno tesouro, a fazer fé nas informações disponibilizadas pelos achadores (Ruivo,1999: 106-107). O número impressiona por si, trata-se do maior conjunto de moeda romana de época republicana, resultante de perdas individuais conhecido no ocidente da Península Ibérica.

A composição do conjunto estudado revela uma expressiva presença de numerário em prata, 64 exemplares, cerca de 60% do total, e 42 em bronze, cerca de 40%, às quais se deverão adicionar as duas já anteriormente publicadas. A distribuição das moedas pelos períodos em que Crawford dividiu as séries de emissões de denários republicanos, permite supor que se trata do registo de moeda em circulação durante um lapso de tempo mais ou menos longo ao mesmo tempo que uma regular distribuição pelos diferentes períodos de emissão, com especial incidência na fase imediatamente anterior ao episódio da rebelião sertoriana, após o qual não se registam mais denários nos Chões de Alpompé (Ruivo, 1999: Quadro 1). Esta ideia é reforçada pelas emissões de bronze, quer as cunhadas na Hispânia, sobretudo na Ulterior, quer as emissões itálicas (Ibidem). Num total de 106 numismas, a esmagadora maioria (103) remonta ao período republicano e somente 3 constituem cunhagens dos inícios do principado de Augusto (Ruivo, 1999: 102).

Figura 2 Chapa de chumbo com glandes não terminadas, procedente de Chões de Alpompé, Santarém (fotos gentilmente cedidas por João Pimenta)

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Os mais relevantes aspectos suscitados por este acervo numismático são, respectivamente, a clara identificação de um momento de introdução / difusão / uso de moeda romana no ocidente em cronologia compatível com a notícia de Estrabão; a existência de um regular abastecimento e circulação nas décadas seguintes; a aparente quebra da sua chegada em cronologia compatível com o conflito sertoriano, ainda que a presença dos exemplares mais recentes sugira que não terá de todo cessado a frequência do local.

Assim, ao já expressivo acervo de materiais arqueológicos de procedência itálica (cerâmicas, moedas), haverá a adicionar a existência de uma produção local de armas e também de materiais de construção, como os tijolos romboidais, dados a conhecer pela primeira publicação que apresenta artefactos dos Chões de Alpompé (Zbyszewski; Ferreira; Santos, 1968), e algumas tegulae, que não sabemos se podem dtar destes períodos tão recuados (Diogo; Trindade, 1993-1994: 269-270 e Est.V). Infelizmente, pela ausência de escavações, não temos nenhuma ideia de como seria a organização do espaço e as suas arquitecturas, mas parece razoável supor que a instalação teria conhecido um carácter permanente e se as tegulae tiverem sido fabricadas nesta época de primeiras instalações, constituem as mais antigas cerâmicas de cobertura romanas documentadas no ocidente peninsular

O rico panorama numismático de Chões é comparável ao conhecido para o estabelecimento militar de Cáceres el Viejo, onde a menor proporção de numerário de prata poderá em parte resultar da distorção introduzida pelo pequeno tesouro recolhido em Alpompé. Sublinhar este aspecto e estabelecer a comparação afigura-se relevante porque, como bem sublinhou Hildebrandt o espólio numismático do estabelecimento militar extremeño configura claramente um contexto de circulação monetária que se teria estendido, no mínimo, por cerca de dois decénios, cessando abruptamente cerca de 80 a.C. (Hildebrandt, 1984: 296-7). Os novos exemplares recolhidos no âmbito dos mais recentes trabalhos de valorização deste estabelecimento aumentaram em número os numismas conhecidos, sem alterar no essencial a composição do conjunto, embora tenham aumentado o número das emissões em bronze, quer itálicas, quer peninsulares (Abásolo Álvarez; González Fernández; Mora Serrano, 2008). Estas observações, que poderiam parecer naturais

Figura 3 Espólio numismático de Chões de Alpompé (Santarém), até 81 a. C., segundo Ruivo, 1999.

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em âmbito meridional romanizado (por assim dizer), ganham outra dimensão quando colocadas no devido contexto espácio-temporal, ou seja, atendendo a que ambos sítios arqueológicos se encontram em área distante do foco central mediterrâneo, em locais onde ainda não circularia a moeda e num lapso temporal, entre os finais do século II e os inícios do I a.C., em que se davam os primeiros passos da instalação romana, pois somente há bem pouco tempo terminara a chamada “guerra lusitana”.

Chões de Alpompé e Cáceres el Viejo podem ser considerados (e assim têm sido) como dois dos principais eixos de penetração romana para norte, em direcção às áreas ainda não controladas por Roma. O que aqui se propõe é uma perspectiva distinta, ou seja, encarar estes dois pontos como pólos (extremos?) de uma linha de instalação e controle territorial que tem na bacia hidrográfica do Tejo o seu eixo de ligação e que poderá incluir outros lugares de função militar, como o sítio de El Santo de Valdetorres, Badajoz, nas proximidades de Medellín, na margem norte do Guadiana (Heras Mora; Bustamante Alvarez, 2007; Heras Mora, 2009) ou a utilizações de povoados indígenas pelo exército romano, como parece ser o caso de Villas Viejas del Tamuja (Hernández Hernández; Rodríguez López; Sánchez Sánchez, 1989; Blázquez Cerrato, 2014).

A imagem que se vai compondo para a região da Extremadura espanhola é rica e interessante, como bem sublinhou recentemente Cruces Blázquez Cerrato (2014), embora a relação entre essa estratégia de ocupação do espaço e a zona do baixo Tejo não

Figura 4 Comparação dos conjuntos numismáticos de Chões de Alpompé, Santarém (segundo Ruivo, 1999); Cabeça de Vaiamonte, Monforte (segundo Fabião, 1998) e Cáceres el Viejo (segundo Hildebrandt, 1984)

Nota: não estão incluídas as moedas de Cáceres el Viejo resultantes dos mais recentes trabalhos.

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pareça estar devidamente articulada, diria, sobretudo por falta de informação para a parte portuguesa que permita vencer a distância entre estas regiões. Há todavia alguns dados que podem ser acrescentados e que parecem conferir sentido à ideia de um verdadeiro eixo Este-Oeste, estabelecendo a necessária comunicação entre aquela região hoje espanhola e o litoral ocidental.

Neste caso assume particular interesse o conjunto numismático recolhido no sítio arqueológico de Cabeça de Vaiamonte, Monforte, que tive ensejo de estudar (Fabião, 1998). O seu interesse reside, em primeiro lugar, na localização geográfica, grosso

modo, a meio caminho entre os dois estabelecimentos militares de Chões de Alpompé e

Cáceres el Viejo - embora afastado, para sul, da bacia do Tejo, como sucede com o grande estabelecimento de Cáceres -, e porque o local conheceu a instalação de um contingente militar romano em dada fase da sua existência (Fabião, 1998. 45 e ss.; 2005; 2006: 121-3 – sobre a Cabeça de Vaiamonte, veja-se a comunicação apresentada no âmbito deste mesmo Congresso, para além do que em outro lugar escrevi (Fabião, 1998: 145 e ss.). O conjunto monetário apresenta evidentes afinidades com o de Chões, com robusta representação de numerário de prata (denários), embora os apontamentos resultantes da escavação que até nós chegaram não permita determinar se algum pequeno tesouro ali terá sido identificado também. Assim, devemos considerar o acervo, na generalidade, como resultante de perdas individuais (Fabião, 1998: Ap. Num. p. 5-15). A composição corresponde ao padrão dos Chões, com uma significativa representação de numerário de bronze da Ulterior, escassa presença de numerário da Citerior, quase todo de bronze, embora se registe também um denário de Bolskan, e numerário de bronze de Roma, sobretudo asses.

Independentemente de outras considerações que este acervo monetário coloca, interessa sublinhar a cronologia das emissões de prata procedentes de Roma visto que, como recentemente foi observado, estas constituem um dos mais seguros indicadores do contexto específico em que se movimentam os exércitos romanos na região (Blázquez Cerrato, 2014).

Comparação dos conjuntos monetários de prata:

* Ruivo, 1999

** Fabião, 1998

Para além dos exemplares listados, regista-se ainda 1 exemplar de P. Hvpsae Aed. Cvr., de 58 a.C. (RRC. 422 / 1b) e uma emissão de Bolskan.

Na categoria de outros estão todos os exemplares que não permitem identificação segura.

A quase totalidade das moedas de Cabeça de Vaiamonte (Monforte) está já disponível on line na base de dados dos museus portugueses:

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Ainda sobre o tema da dispersão da moeda de prata por ambientes regionais que não estão necessariamente associados a presenças militares romanas, refira-se o caso do Castelo Velho de Veiros, Estremoz, localizado a sul da bacia do Tejo, em região não muito distante. Deste local, tenho conhecimento da existência de um impressionante acervo de materiais metálicos (recolhido por detectoristas), tais como: glandes de chumbo, fíbulas, fragmentos de asas de simpula e outros elementos de baixela de bronze tardo-republicana, um aplique em bronze de arreios de cavalo e mais de sete dezenas de denários republicanos, muitos deles forrados, entre outros materiais (Fabião, 1998). Pelas circunstâncias de recolha, só podemos afirmar que se trata de vestígios consideráveis de uma ocupação de época romana republicana, sem que se afigure possível avançar com outras considerações de ordem cronológica. Naturalmente, para além de lamentar que continuem a existir estas situações de extensa espoliação de sítios arqueológicos que retiram importantes elementos ao nosso conhecimento sobre o passado, poderemos igualmente interrogar-nos sobre quantos sítios deste tipo haverá ainda na vasta região que aqui consideramos.

Em síntese, pode dizer-se que Chões de Alpompé e Cáceres el Viejo apresentam evidentes afinidades até onde tal se pode perceber na comparação entre um local que nunca foi objecto de intervenção arqueológica e outro que foi extensamente escavado, mesmo se sem os critérios que hoje se aplicariam. Ambos registam acervos numismáticos que remetem para um início de ocupação compatível com o avanço das forças romanas depois de terminada a chamada guerra lusitana e ambos parecem ter sido abandonados ou no mínimo perdido a sua relevância na sequência do conflito sertoriano. Para ambos temos um registo de produção no próprio local de equipamento militar, glandes de chumbo, nos Chões, grevas em Cáceres el Viejo (Mutz, 1988); em ambos há registo de produção de material laterício, os tijolos romboidais, cuja finalidade desconhecemos no primeiro caso, mas que foram utilizados como material de pavimentação, no segundo (Ulbert, 1984) – a título de curiosidade, refira-se que idênticos tijolos foram utilizados nos sítios de Monte dos Castelinhos, Vila Franca de Xira (Pimenta, 2013: 36-38) e Alto dos Cacos, Almeirim (Pimenta; Henriques, Mendes, 2012), em cronologias mais tardias.

Para Cáceres el Viejo creio que poderemos reconhecer tratar-se de um estabelecimento de carácter permanente, importante elemento de controle territorial do exército romano (a possibilidade de ser local ocupado e reocupado por diversas vezes parece-me menos credível, atendendo aos elementos de sofisticação construtiva ali observados). Mesmo sem fundamentos sólidos, de índole estratigráfica ou arquitectónica, penso que análogas funções se poderão atribuir a Chões de Alpompé. Ambos foram abandonados no contexto do conflito sertoriano, que terá representado um importante retrocesso nos espaços sob o domínio de Roma. Contudo, certamente pela sua relevância estratégica, as áreas onde ambos se ergueram voltaram a ser ocupadas pelos romanos, sublinhe-se, as mesmas zonas, mas não os mesmos locais. Para o baixo Tejo, a colónia de Scallabis teria substituído Chões de Alpompé e, na Extremadura espanhola, a colónia de Norba Caesarina teria assumido as funções do antigo estabelecimento de Cáceres el Viejo, sublinhe-se, ambos aglomerados com estatuto colonial, implantados nas mesmas áreas, mas não nos mesmos sítios, como se a ideia de se tratar de lugares nefastos tivesse motivado esta deslocação.

A extensão do recuo romano poderá ter sido bastante mais ampla, como o exemplo de Cabeça de Vaiamonte sugere – no sítio arqueológico de Monforte, há vestígios de uma certa continuidade na utilização do local, ainda que sem o vigor e relevância passados. A estes dados pode ainda acrescentar-se o testemunho dos tesouros ocultados durante o conflito sertoriano (Ruivo, 1991) com algumas ocorrências no baixo Tejo (Hipólito,

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1960-1961:75-81; Faria, 1987; 1991-1992), sendo o de Santana da Carnota um dos mais expressivos (Viegas; Parreira, 1984; Ruivo, 1991), mas também com notórias ocultações na zona de Castelo Branco (Hipólito, 1960-1961: 68-71; Raddatz, 1969; Fabião, 1998; 2004) e Extremadura espanhola, particularmente na chamada mesopotâmia extremeña, entre o Guadiana e o Tejo (Blázquez Cerrato, 2014: 419, Fig. 5), sublinhando deste modo as analogias, mas também a evidente conexão entre estas distintas regiões.

Vale a pena conceder alguma atenção à região albicastrense, desde há longa data identificada como importante lugar de concentração de ocultação de tesouros de época republicana (Raddatz, 1969; Faria, 1991-1992; Fabião, 2004 e Blázquez Cerrato, 2014). Informações já antigas referem inúmeros tesouros na zona que, por vicissitudes várias, não puderam ser extensamente estudados. Deles se poderá dizer que são seguramente ocultações ocorridas em período romano republicano, ainda que também não faltem outros de clara cronologia augustana (Hipólito, 1960-1961: p. 29-89). A abundância de numerário de prata nestas paragens foi registada por Leite de Vasconcelos, no decurso de uma extensa excursão arqueológica realizada na região da Beira Baixa, em 1916: “É notável que por todo o aro e

Monsanto apareçam com frequência denários de idade consular. O povo já os conhece perfeitamente e na colecção numismático-arqueológica organizada pelo falecido médico Dr. Barbosa Correia, natural de Monsanto, e que foi muito querido dos seus conterrâneos, havia bastantes, adquiridos por ele in

loco” (Vasconcellos, 1917: p. 305). Pelas circunstanciadas notícias, ficamos a saber que a dita excursão rendeu ao director do Museu Ethnologico a obtenção de 25 denários romanos e mais 2 ibéricos (sic), bem como o registo de um novo tesouro de Monsanto, Idanha-a-Nova (Idem; Fabião, 2004).

A quantidade de denários de prata desta região, quer guardados em tesouros, por norma, mistos, incluindo objectos e moedas, quer resultantes de perda individual é indissociável da riqueza aurífera da região, de há longa data documentada (Domergue, 1987; 1990), mas nunca extensamente estudada. Estas riquezas naturais, na fase da conquista e em territórios tão distantes das áreas meridionais de tradicional instalação romana sugerem que o exército deveria estar envolvido no seu controle e exploração. É certo que não dispomos de dados concretos que permitam estabelecer esta relação (para além dos argumentos de “senso comum” e de analogias com outros casos conhecidos), menos ainda para estabelecer cronologias firmes, mas haverá a registar a recolha de uma ponta de catapulta e um pilum de alvado na zona de Monsanto, no decurso da aludida excursão arqueológica do fundador daquele que é hoje o Museu Nacional de Arqueologia (Vasconcellos, 1917: p. 341-2 e Est. II, Figs. 7-9). Da primeira, sabemos que terá sido recolhida em Adingueiro, no sopé de Monsanto, do lado sul, do segundo nada sabemos em concreto, mas não será de excluir a possibilidade de ter sido encontrado no mesmo local, visto que foi a mesma pessoa que ofereceu ambas peças a Vasconcellos (Idem: p. 305). Retomando as palavras iniciais destas páginas, lembraria que a grande elevação de Monsanto se encontra nas proximidades da aldeia de Medelim, pelo que se poderá dizer que até há por aquelas bandas alguma prova arqueológica de presenças militares romanas, embora seja aventuroso relacionar estes dados com a expressiva toponímia. Poderíamos ainda acrescentar as observações de Sánchez Palencia e Pérez García que, através de fotografia aérea, supõem identificar um grande recinto de eventual função militar nas imediações da mina da Presa, em Penamacor (Sánchez Palencia; Pérez García, 2005). Não faltam pois elementos indiciadores de uma particular atenção dada à região pelos romanos desde momentos precoces do processo de conquista.

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No mapa conservaram-se as indicações de Chões de Alpompé, Santarém, Cabeça de Vaiamonte, Monforte, e Cáceres el Viejo, Cáceres, para melhor visualização das relações espaciais entre os diferentes lugares.

Voltando à zona do baixo Tejo, gostaria de sublinhar um aspecto mais dos recentes trabalhos sistemáticos empreendidos por João Pimenta e Henrique Mendes, que é o da crescente identificação de realidades de época romana republicana na margem esquerda do Tejo.

Figura 5

– Área de concentração de tesouros quase sempre mistos (jóias, recipientes e denários) da zona de Castelo Branco.

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De facto, nesta região havia já o registo do grande recinto do Alto do Castelo, Alpiarça, usualmente associado ás ocupações proto-históricas da região, mas que acabou por entrar nos registos das presenças militares romanas no Ocidente, depois da intervenção ali efectuada por Ph. Kalb e M. Höck, que revelou a existência de um sistema defensivo constituído por duplo fosso e muralha de aterro (Kalb; Höck, 1980; 1984). Como bem observaram os autores, uma estrutura defensiva deste tipo assemelha-se fortemente às fortificações típicas dos estabelecimentos militares romanos, designadamente às de Cáceres el Viejo. Embora não tenha sido possível datar a construção destas defesas, existia de há longa data entre o acervo recolhido em Alpiarça (e conservado no Museu de Etnologia do Porto) alguns materiais romanos de época republicana (Marques, 1972; Fabião, 1989). Em concreto, não sabemos se estes materiais foram de facto recolhidos no Alto do Castelo e nada de esclarecedor se pôde até à data obter. Contudo, haverá a registar a suposta presença de um possível estabelecimento militar romano na margem sul do Tejo, em frente da zona onde se erguem Chões de Alpompé e Scallabis (Kalb; Höck, 1984). Com os novos trabalhos, passamos a conhecer dois novos locais com ocupação romana nas imediações, respectivamente, Porto de Sabugueiro, Muge, Salvaterra de Magos (Pimenta; Mendes, 2008; Pimenta; Mendes; Arruda; Sousa; Soares, 2014) e Alto dos Cacos, Almeirim (Pimenta; Henriques; Mendes, 2012). O conjunto já apresenta uma apreciável densidade de sítios que se estende às duas margens do rio, no fundo, sugerindo uma estratégia de controle territorial que não se limita ao mero estabelecimento apoios para expedições setentrionais.

Figura 6

Armamento romano obtido em Monsanto, Idanha-a-Nova, por José Leite de Vasconcellos em 1916

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Embora com as inerentes limitações que decorrem da desigual informação disponível, poderemos dizer que há um primeiro momento, datável ainda do séc. II a.C., em que a ocupação romana se concentra em Olisipo e Chões de Alpompé. Pela mesma altura estão igualmente ocupados (ou são utilizados) o local onde se veio a erguer a colonia de Scallabis e também o aglomerado de Porto de Sabugueiro (Pimenta; Mendes, 2008; Pimenta; Mendes; Arruda; Sousa; Soares, 2014). Para todos podemos usar o critério da presença de ânforas do tipo greco-itálico de importação itálica, a menor relevância que atribuímos ao sítio de Santarém prende-se com a escassa representação no local deste tipo de ânfora, apesar das extensas escavações ali realizadas (Bargão, 2006; Arruda; Viegas; Almeida, 2002). Todos estes locais pertenciam já à rede de povoamento indígena e não resulta claro, no estado actual dos conhecimentos, o modo como os romanos deles se apropriaram. Provavelmente já nos primeiros decénios do século I a.C. esta ocupação assumiu maior densidade, aferida pela presença das ânforas do tipo Dressel 1 que se registam já em todos os locais mencionados para esta região (Fig.1). Aparentemente, no decurso do conflito sertoriano terão ocorrido transformações consideráveis na zona, que se estendem até áreas francamente anteriores, com o abandono ou notória perda de importância de vários locais, como Chões de Alpompé, Cabeça de Vaiamonte ou Cáceres el Viejo. Mas a reocupação do espaço rapidamente se deu, escolhendo agora o poder de Roma novas instalações. Procurando escolher um indicador cronológico minimamente fiável, diria que são agora as ânforas produzidas no Guadalquivir, cuja tipologia vem sendo afinada (García Vargas; Almeida; González Cesteiros, 2011) que dominam, como parece ser o caso de Quinta do Almaraz (Barros; Henriques, 2002), Monte dos Castelinhos (Pimenta, 2013); Santarém (Almeida, 2008) ou Alto dos Cacos (Pimenta; Henriques; Mendes, 2012). Para o sítio de Lisboa, não conseguimos identificar nenhuma descontinuidade no registo das importações, pelo que se afigura provável que tenha permanecido incólume a estas perturbações e continuado a desempenhar papel relevante. Todos estes locais acabaram integrados na nova estratégia de ocupação do baixo Tejo que se consolida no principado de Augusto e, pode dizer-se, o panorama das importações de ânforas que se conhece nos diferentes sítios é acompanhado pelos achados ocasionais que pelo rio os pescadores vão fazendo e o Museu Municipal de Vila Franca de Xira guardando (Quaresma, 2005). Resta naturalmente uma palavra sobre o não identificado Aritium.

Tem sido enfatizada uma notícia publicada por Mário Saa relativa ao achado, no sítio do “terroal”, do Casal de Tamazim, de “uma boa provisão de pelotas de chumbo (balas de dois bicos,

do feitio de bolotas), que serviam aos fundibulários romanos” (SAA, 1956: 256-257), uma clara

indicação de que o local teria sido frequentado pelo exército romano. Esta concentração de glandes, cujo paradeiro se desconhece, uma vez que foram oferecidas a desconhecidos pelo dono da propriedade em que apareceram (Ibidem), recorda uma situação similar, registada no Casal da Cascalheira, Ulme, Chamusca, de onde foram trazidas nove exemplares para o Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, sem que se saiba, porém, em que circunstâncias (Guerra, 1987: 170-171). Com as provas actualmente conhecidas da produção destes artefactos bélicos em Chões de Alpompé, não custa admitir que outros lugares de estacionamento permanente de tropas romanas os fabricassem também. Não deixa de ser interessante registar a ocorrência destes materiais em sítios e circunstâncias tão diversificadas como a Cabeça de Vaiamonte ou o Castelo Velho de Veiros (em paragens

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mais distantes do rio) ou na Foz do Enxarrique, Vila Velha de Ródão, encontradas em contexto pouco esclarecedor da cronologia da sua produção e uso (GUERRA, 1987: 172, Fig. 1 e Quadro 2, nº 26-28).

Claro que as glandes dos casais de Tamazim e de Cascalheira não constituem por si indicadores que nos levem ao Aritium da literatura antiga, mas não deixam de sublinhar a importante densidade de vestígios de ocupação militar romana na bacia hidrográfica do Tejo já bem longe da zona da foz.

O que levou os romanos a privilegiar estas paragens desde época tão precoce terão sido, por certo, diferentes motivos. A relevância estratégica do porto olisiponense ou da via natural de penetração para norte marcada pelo lugar de Santarém constituem seguramente fortes razões que inclusivamente justificaram a densificação da ocupação, estendendo-se a ambas margens do rio. Contudo, há seguramente zonas ainda falhas de informação que futuramente ajudarão por certo a conhecer melhor o panorama, por exemplo, pela sua implantação e localização, Abrantes terá desempenhado também algum papel de relevo, uma vez que os lugares de relevância estratégica nunca o deixam verdadeiramente de o ser; e, deve sublinhar-se, o muito trabalho que haverá ainda por fazer nos distintos sítios arqueológicos aqui mencionados.

Olhando para este panorama de densa ocupação militar, não deixo de pensar que seria provavelmente a riqueza do aurifer Tagus a suscitar este interesse, provavelmente, muito para além das razões estratégicas aduzidas e aí estão as extensas “conheiras” de ambas margens da bacia hidrográfica e as imensas redes de galerias que se vêm identificando junto do estuário, na margem esquerda a demonstrar eloquentemente a relevância do processo, como recentemente comentámos (Cardoso; Guerra; Fabião, 2011). Falta somente obter elementos suficientes para saber se tal exploração se iniciou logo nos primórdios da ocupação ou somente mais tarde. Contudo, se o estado actual das investigações arqueológicas é ainda pobre, praticamente incipiente é o da arqueologia mineira da bacia do Tejo.

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Figura 2 Chapa de chumbo  com glandes  não terminadas,  procedente de  Chões de Alpompé,  Santarém (fotos  gentilmente cedidas  por João Pimenta)
Figura 3 Espólio numismático  de Chões de Alpompé  (Santarém), até 81 a.  C., segundo Ruivo,  1999.
Figura 4 Comparação  dos conjuntos  numismáticos de  Chões de Alpompé,  Santarém (segundo  Ruivo, 1999); Cabeça  de Vaiamonte,  Monforte (segundo  Fabião, 1998) e  Cáceres el Viejo  (segundo Hildebrandt,  1984)
Figura 5 – Área de  concentração de  tesouros quase  sempre mistos (jóias,  recipientes e denários)  da zona de Castelo  Branco.

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