• Nenhum resultado encontrado

Download/Open

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Download/Open"

Copied!
134
0
0

Texto

(1)1. UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO. ABILIO TADEU ARRUDA. A DOUTRINA TEOLÓGICA E SOCIAL DE CALVINO E A EDUCAÇÃO PARA A SOLIDARIEDADE. São Bernardo do Campo - 2006.

(2) 2. UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO. ABILIO TADEU ARRUDA. A DOUTRINA TEOLÓGICA E SOCIAL DE CALVINO E A EDUCAÇÃO PARA A SOLIDARIEDADE. Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para a obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Jung Mo Sung. São Bernardo do Campo – 2006.

(3) 3. À Lirian e Paula Giovanna.

(4) 4. AGRADECIMENTOS. A Deus. Aos meus pais, Rita e Abilio, por me educarem na fé cristã. À Lirian, minha esposa, pelo incentivo e paciência. À Paula Giovanna, minha filha, por existir. À Fundação “Mary Harriet Speers”, pelo apoio financeiro inicial. Ao Instituto Ecumênico de Pós Graduação, pelo apoio financeiro em dias difíceis. Ao Prof. Dr. Jung Mo Sung, pela orientação precisa, segura e clara e pela compreensão nas horas difíceis. Aos colegas e professores da área de Práxis Religiosa e Sociedade, pela feliz caminhada juntos. Aos membros e amigos da Igreja Presbiteriana Independente de Americana, por abrir mão, por muitas vezes, dos meus préstimos como pastor durante a confecção desta dissertação..

(5) 5. “Quando o sacramento do altar se separa do sacramento do irmão, a liturgia se degenera em magia e o irmão se esvai em sangue na sarjeta da história...” Victor Codina.

(6) 6. RESUMO. A Doutrina Teológica e Social de Calvino emerge como processo cognitivo para o aprendizado da solidariedade por levar as pessoas que o colocam em prática a vivenciarem experiências relacionais pessoais e sociais. No contato com o outro, e com o intermeio, é possível ao ser humano desenvolver uma sensibilidade com aqueles/as que sofrem, vítimas do sistema capitalista e excludente. Aprender a ser solidário pressupõe a aquisição de conhecimentos e adquirir conhecimento tem a ver com educação. Uma educação que leve as pessoas a desenvolverem a sensibilidade e que as capacite com competências, para que a solidariedade possa ser efetiva, é possível, desde que as nossas certezas sejam relativizadas pelo reconhecimento do outro como igual. Desse modo, a Igreja, como instituição que comunica e educa, ao levar a cabo sua missão de implantar o Reino de Deus e sua justiça, pode emergir como espaço onde a solidariedade seja aprendida, vivenciada e traduzida em ações efetivas e permanentes..

(7) 7. RESUMEN. La doctrina teológica y social de Calvino surge como proceso cognitivo para el aprendizaje de la solidariedad para tomar a la gente que lo pone en práctica para vivir experiencias emparentadas personales y sociales. En el contacto con el otro, y con el intermedio, es posible al ser humano desarrollar una sensibilidad con los que sufre, víctimas del sistema capitalista y exclusivo. Aprender a ser solidario estima la adquisición del conocimientos y adquirir conocimiento tiene que ver con la educación. Una educación que permite la gente desarrollar la sensibilidad y que la capacite con competencias, de modo que la solidariedad pueda ser eficaz, es posible, desde entonces que nuestras certezas sean relativizadas por el reconocimiento del otro como igual. De este modo, la Iglesia, como institución que comunica y educa, al conducir la manija su misión de implantar el Reino de Dios y su justicia, puede emerger como espacio donde se aprende la solidariedad, sea vivida y traducida en acciones eficientes y permanentes..

(8) 8. SUMÁRIO. INTRODUÇÃO...........................................................................................................10. CAPÍTULO I - A DOUTRINA TEOLÓGICA E SOCIAL DE CALVINO........................13 1. O Contexto Histórico e Social da Reforma Calvinista............................................13 2. A Doutrina Teológica e Social de Calvino..............................................................25 2.1. O humanismo......................................................................................................26 2.2. Trajetória biográfica de Calvino humanista.........................................................29 2.3. A crítica de Calvino ao Estado............................................................................32 2.4. A graça e a educação para a solidariedade........................................................42. CAPÍTULO II - EDUCAÇÃO PARA A SOLIDARIEDADE...........................................51 1. O Ser Humano é “ser aprendente”.........................................................................52 2. Duas Noções de Solidariedade..............................................................................57 2.1. A solidariedade como um fato.............................................................................58 2.2. A solidariedade como uma exigência ética.........................................................62 3. Solidariedade e Competência................................................................................68 4. Solidariedade e Espiritualidade..............................................................................79.

(9) 9. CAPÍTULO III – A DOUTRINA TEOLÓGICA E SOCIAL DE CALVINO E A EDUCAÇÃO PARA A SOLIDARIEDADE...................................................................90 1. Estado, Igreja e Solidariedade...............................................................................90 2. A Fé e a Práxis Política..........................................................................................98 3. Solidariedade e Missão: a Práxis Religiosa Crista e a Educação para a Solidariedade............................................................................................................105 3.1. Educação anti-dialógica e insensibilidade.........................................................107 3.2. Solidariedade e a dimensão profética da Igreja................................................112 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................126 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................129.

(10) 10. I. A DOUTRINA TEOLÓGICA E SOCIAL DE CALVINO. 1. O Contexto Histórico e Social da Reforma Calvinista. O contexto histórico e social da reforma calvinista é a Suíça e, de modo mais específico, a cidade de Genebra, no século XVI. É de suma importância a delimitação, neste tópico, do contexto onde ocorrera a reforma calvinista, contexto este que vai, concomitantemente, sofrer alterações inesperadas com a chegada de João Calvino e cunhar o “reformador de Genebra” bem como a sua doutrina teológica e social. Também é de salutar importância, nesta pesquisa, a compreensão da organização política, administrativa e religiosa da cidade de Genebra, onde se daria a reforma calvinista, para se obter com clareza um melhor entendimento da relação entre Estado e Igreja em Calvino, tendo em vista que é da crítica destas duas instituições que Calvino dá início ao desenvolvimento de sua doutrina teológica e social. A Suíça do século XVI, desde muito antes de se poder falar em Reforma, seja ela de caráter social ou religioso, já experimentava transformações históricas e sociais que suscitavam na população anseios de liberdade. E estas transformações, bem como os anseios de liberdade que delas resultavam alcançariam a cidade de Genebra, palco de uma das maiores reformas social, econômica, política e religiosa de todos os tempos. Segundo Biéler, “os movimentos sociais e religiosos na Suíça determinam, em larga medida, a história de Genebra e de Calvino”.1 De maneira bastante sucinta, segue o levantamento de importantes transformações que vão, historicamente, ter influências determinantes tanto no desenvolvimento da história de Genebra quanto de Calvino. Desde o século XI o comércio já estava estabelecido na Suíça, o que suscitava um forte movimento de independência. No século XII, os habitantes da região encontram no transporte de mercadorias uma fonte de prosperidade, ao mesmo tempo em que se unem para 1. BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 68..

(11) 11. defenderem seus interesses comuns formando as chamadas “comunas juradas”, e mais tarde, uma Confederação “jurada”.2 Do século XIII ao XV importantes mudanças vão agitar a Suíça. Forma-se, no século XIII, uma cidade de burguesia em Lucerna; a facção popular derruba, no século XIV, o governo aristocrático, e com o desenvolvimento e fortalecimento da população operária, ou artesãos, toma o poder em 1336; os burgueses derrubam os nobres e se unem aos Confederados, em 1530; cidade e campo se unem e formam a Confederação dos Oito Cantões, no século XV.3 Pode-se perceber facilmente que os acontecimentos históricos que precedem a Reforma, na Suíça, são responsáveis pela promulgação de ideais libertacionistas que vão estar presentes de maneira muito forte na chamada reforma calvinista, em Genebra. Segundo Silvestre, “para Calvino, era preciso reconhecer que a abertura de espírito e o amor à liberdade, trazidos pelo comércio e pelas trocas humanas, contribuíram para introduzir a Reforma em Genebra...”4 Como não podia deixar de acontecer, todo esse clima de revolução, de liberdade, atinge também a esfera religiosa. Na Suíça, o primeiro a dar impulso à Reforma foi Ulrich Zwínglio, mais propriamente na cidade de Zurique, e mais tarde o movimento chega a Genebra, por meio de Guillaume Farel no ano de 1532.5 Portanto, embora Calvino seja reconhecido, e com muita propriedade, como o reformador de Genebra, a reforma genebrina é anterior a ele. Alguns fatos históricos apontam nesta direção e demonstram que Genebra não fica imune ao vírus revolucionário que desencadeia uma série de transformações nas esferas social, política, econômica e religiosa na Suíça. Na Suíça, os reformadores estavam preocupados em atacar, com a mensagem reformada, os problemas sociais gritantes existentes na sociedade. Com isso, atraem os envolvidos nos movimentos sociais populares, mas também provocam a reação dos conservadores. Assim, segundo Biéler, “a nobreza e o 2. Cf. BIÉLER, André. Op. cit., p. 69. Idem. 4 SILVESTRE, Armando Araújo. O direito de resistir ao Estado no pensamento de João Calvino, p. 46 –Tese. 5 Cf. GAMBLE, Richard C. Suíça: Triunfo e Declínio. In: REID STANFORD, W. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, p. 63. 3.

(12) 12. campesinato permanecem católicos, enquanto os burgueses e as chamadas camadas populares das cidades adotam a nova fé”.6 Desde o século XIII os negócios da cidade de Genebra estavam sob a direção do ducado de Sabóia, que tinha como propriedade inúmeras áreas rurais e algumas vilas ao seu redor. Inclusive, segundo MacGrath, Sabóia possuía “o direito de escolher o indivíduo responsável pela manutenção da justiça civil e criminal, que era aplicada aos leigos dentro da cidade”.7 Durante muito tempo, a cidade de Genebra fora uma potência econômica, como resultado de sua política de produção, serviço e exportação. Nos séculos XIV e XV, segundo observa Silvestre,. Genebra conhecera, um dos mais regulares e fortes crescimentos de sua história. [...] Esta época foi caracterizada pelo sucesso de suas feiras, [...] que [...] veio a torna-la uma das principais praças financeiras e comerciais da Europa.8. Mas,. a. capital. financeira. da. Europa. vai. enfrentar. o. declínio.. O. enfraquecimento das “feiras”, decorrente da proibição, imposta pelo duque de Sabóia e por Luiz XI, aos franceses de participarem destas, faz com que Genebra enfrente uma crise econômica e política sem precedentes. Embora as feiras continuassem a existir em Genebra, já não possuíam nem o esplendor nem a freqüência de outrora, e o resultado disso foi a incapacidade da cidade de se auto-sustentar economicamente. Com a alta nos preços, derivada do livre comércio de metais preciosos9, a chegada de refugiados políticos e religiosos advindo das nações vizinhas e a conseqüente carência de alimentos bem como de. 6. BIÉLER, André. Op. Cit., p. 84-85. MAcGRATH, Alister. A Vida de João Calvino, p. 107. 8 SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., pp. 26-27. 9 Cf. GAMBLE, Richard C. op. cit., p. 41. 7.

(13) 13. seguidos anos de epidemias, provocaram uma situação de extrema pobreza na Genebra que terminava o século XV.10 Na esfera política, a influência do ducado de Sabóia sobre Genebra era tão grande que até sua diocese fora conquistada, tendo como resultado a diminuição gradativa do poder do líder espiritual e temporal da cidade de Genebra, o Bispo.11 Na sua ausência, o poder era exercido “pelo conselho episcopal e pela assembléia de trinta e dois cânones da catedral”.12 Com o domínio do ducado de Sabóia, o episcopado de Genebra passa para as mãos de homens ligados diretamente a este, que tinha a prerrogativa de nomear o bispo. Resultado disso é a nomeação de João de Sabóia, em 1513.13 Assim, segundo Durant, “o outrora excelente governo episcopal e a moral do clero sob sua jurisdição foram de mal a pior”.14 Neste tempo, Genebra vivia uma situação de acentuada imoralidade, inclusive contando com a participação ativa de seus clérigos.15. A este respeito aponta. Ferreira, ao expor com bastante clareza a situação da cidade:. Havia bebedeira, discussões, adultérios, etc... A prostituição era oficializada, sancionada pelas autoridades. Os prostíbulos eram supervisionados por uma mulher eleita pelo concílio, que recebeu do povo o nome de “rainha do bordel”.16. Quando se dá o início do século XVI, o poder e a influência do ducado de Sabóia estão em declínio, e duas facções iniciam um confronto em Genebra, a saber, os mammelus17 e os Eiguenots18. Na discussão sobre apoiar Sabóia ou a. 10. Cf. SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., pp. 47-50. DURAN, Will. A História da Civilização VI – A Reforma, p. 390. 12 MAcGRATH, Alister. Op. cit., p. 108. 13 IRWIN, C. H. Juan Calvino: su vida y su obra, p. 25. 14 DURAN, Will. Op. cit., p. 390. 15 ESTRELLO, Francisco E. Breve Historia de la Reforma, p. 38. 16 FERREIRA, Wilson Castro. Calvino: vida, influência e teologia, p. 78-79. 17 SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., p. 12. “Referência negativa aos mamelucos orientais que preferiam ser escravos ou servos a viver em liberdade”. 11.

(14) 14. Confederação Suíça19, estes últimos, favoráveis à Confederação Suíça, desafiavam incessantemente a autoridade do Duque de Sabóia, Charles III. Segundo MacGrath,. Os mercadores da cidade [...] defendiam um estreitamento dos laços com a Confederação Suíça. Dentro da cidade começou a surgir uma tensão, à medida que as facções se formavam. Oitenta e seis cidadãos de Genebra, [...] participaram de uma jornada até a cidade suíça de Friburgo, onde foram declarados cidadãos, em 7 de janeiro de 1519. No mês seguinte, a cidade de Genebra, agindo sem autorização de Sabóia, entrou em aliança com Friburgo. A pressão de Sabóia resultou na anulação desse combourgeoisie, em abril daquele ano; quatro meses mais tarde, o principal ativista do combourgeoisie foi executado em praça pública. Embora fisicamente reprimida, porém, a facção pró-Suíça não demorou a se reorganizar. As atas do Conselho Municipal, no ano de 1519, registram como aguynos o nome dado a esse grupo; as atas de 1520 o identificam como eyguenots.20. Para dar um fim a este confronto, o Bispo Pierre de La Baume faz aliança com Charles III, Duque de Sabóia que envia tropas para atacar Genebra, em 1535. Os magistrados denunciam o Bispo a Roma, que ignora a denúncia. Em contrapartida, Genebra funda sua própria Casa da Moeda, proclamando, assim, sua independência frente à hierarquia romana.21 Mas, a liderança política genebrina não aceitou o domínio imposto pelo Duque de Sabóia, e para refuta-lo, faz aliança com Berna e Friburgo optando assim, pela Confederação Suíça. Esta opção dá a Genebra grande impulso no seu movimento pela independência, atraindo para a cidade muitos reformados, entre eles, para citar 18. MAcGRATH, Alister. Op. Cit., p. 109. Segundo o autor, “a palavra suíça-alemã para “confederado”, Eidgnoss, provou-se praticamente impossível de ser pronunciada no dialeto de Genebra (...) A expressão eiguenot ou eyguenot representa a tentativa feita pelos moradores de Genebra para reproduzir a palavra usada para “confederado” (Eidgnoss). 19 “Em julho de 1291, os cantões de Uri, Unterwalden e Schwyz uniram-se contra os Habsburgos numa aliança que lhes garantia ajuda mútua perpétua e tornou-se o núcleo da Confederação Suíça. Novos aliados logo se uniram à confederação: Lucerna em 1332, Zurique em 1351, Glarus e Zug no ano seguinte e Berna em 1353”. 20 MAcGRATH, Alister. Op. Cit., p. 108. 21 Cf. GAMBLE, Richard C. Op. cit., p. 64..

(15) 15. alguns dos que mais se destacaram, Claude Bernard, Étienne Dada, Pierre e Robert Vandel, Ami Perrin.22 Embora, em Genebra, Igreja e Estado se confundiam, o que se percebe do exposto até aqui, é que Genebra, através do seu magistrado, aniquilou o poder do Bispo e do Duque sem a influência do clero.23 Este fato denuncia que, na Genebra do século XVI, antes de ocorrer uma reforma religiosa, houve uma reforma política ou civil.24 Nas palavras de William Martin, “a Reforma não foi engendrada pelos Reformadores; nasceu ela fora deles e se lhes impôs”.25 Estes acontecimentos começam a abalar a esfera religiosa a partir do momento em que o Conselho Municipal de Zurique aderiu aos princípios fundamentais da reforma zwingliana. Segundo argumenta MacGrath,. Isso foi um marco no curso da Reforma Suíça, pelo fato de haver estabelecido um princípio crucial: as cidades independentes iriam decidir se adotariam ou não a Reforma, após ouvirem os argumentos contrários e favoráveis a ela e, então, procederem a uma votação.26. Desse modo, um debate entre favoráveis e contrários à fé reformada vai ocorrer em Berna. Juntando-se a este acontecimento, outros, tais como a introdução das obras de Lutero através da chegada à cidade de mercadores alemães e a propagação da fé reformada através das pregações de Guillaume Farel, faz com que Genebra venha a ceder, gradativamente, espaço às novas idéias reformistas. Com relação ao clima revolucionário na qual estava embebida a Suíça do século XVI e do qual Genebra não ficaria imune, as convicções de Farel, que já “havia tomado parte no movimento reformista em Meaux [...] e pregado em muitas. 22. GAMBLE, Richard C. Op. cit., p. 13. Vide nota de rodapé nº 7 deste capítulo. Cf. SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., p. 16. 24 Cf. MAcGRATH, Alister. Op. Cit., p. 104. 25 apud BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 16. 26 MAcGRATH, Alister. Op. Cit., p. 110. 23.

(16) 16. áreas ao redor de Berna”,27 são uma denúncia deste fato. Durant afirma que antes de sua chegada a Genebra, esteve ele. Sob a influência de Jacques Lefèvre d’Étaples, cuja tradução e explicação da Bíblia transformaram-lhe a ortodoxia; pois, não pode descobrir. nas. Escrituras. vestígio. algum. de. papas,. bispos,. indulgências, purgatórios, nem dos sete sacramentos, missa, celibato do clero, adoração da Virgem Maria ou de santos. Desdenhando a ordenação, seguiu viagem como pregador independente, vagueando de uma cidade a outra, na França e na Suíça.28. Por causa de seu estilo agressivo e por não poupar, nas suas pregações, de seus vícios o clero, ficou conhecido, segundo Ferreira, como o “azorrague dos padres”.29 Como resultado dos acontecimentos precedentes, um culto reformado é celebrado publicamente em 10 de abril de 1533, por Garin Muète, fato cujo corolário foi a irrupção de “uma revolta na qual um cônego foi morto”.30 Pierre de la Baume, Bispo de Genebra, manda prender os líderes da revolta, que são em seguida libertados pelo Magistrado, que “era incumbido da defesa da cidade, da guarda e execução dos prisioneiros, dispondo de direito de justiça restrito”,31 sob a alegação de que a corte episcopal não tinha jurisdição em caso de assassinato.32 O Bispo La Baume, que já não era bem visto pelos genebrinos, foi obrigado a deixar a cidade.33 No ano seguinte, 1534, Genebra promove um debate público entre Farel, incubido de defender os princípios da Reforma, e o dominicano Guy Furbity, doutor em Teologia, que iria defender a forma católica do cristianismo, o que leva Friburgo, que era predominantemente católica, a protestar contra a permanência do 27. WALLACE, Ronald. Op. cit., p. 21. DURANT, Will. Op. cit., p. 391. 29 FERREIRA, Wilson Castro. Calvino: vida, influência e teologia, p. 77. 30 GAMBLE, Richard C. Op. cit., p. 63. 31 SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., p. 15. Cf. nota de rodapé nº 13. 32 Idem. Ibidem, p. 14. 33 Cf. REID, W. Stanford. A Propagação do Calvinismo no Século XVI, p. 45. 28.

(17) 17. reformador em Genebra, bem como a romper, em 15 de maio, sua aliança com a cidade. Uma conseqüência peculiar destes debates é levantada por Wallace:. O clero romano e as comunidades monásticas, ao longo de todo o conflito, quando eram desafiadas para discussão pública, foram incapazes de responder, não conseguindo oferecer nenhuma defesa razoável para suas posições teológicas ou para suas superstições, sendo que, gradativamente, outras instituições religiosas e igrejas tornaram-se vazias.34. Este fato coloca em evidência a rápida difusão da Reforma na Suíça do século XVI, e de modo mais específico a adesão em larga escala por parte dos moradores de Genebra. No dia 8 de agosto de 1535, Guillaume Farel, que havia dado início às suas pregações em Genebra em 153235, obtém permissão para pregar pela primeira vez na Catedral de São Pedro e, dois dias depois, faz o mesmo perante o Conselho da cidade. O resultado, segundo Ferreira, foi a explosão da “violência por parte da massa popular, que invadiu a catedral de São Pedro e praticou atos de iconoclastia e vandalismo”.36 Este tipo de violência se deve, obviamente, ao conteúdo anticatólico das prédicas de Farel, que denunciava “o papa como Anticristo, a missa como sacrilégio e as imagens de igreja como ídolos que deviam ser destruídos”.37 Ao final das controvérsias, com a derrota da ala católica, e após as pregações de Farel, o Conselho Municipal abole a missa, em 10 de agosto de 1535, culminando na excomunhão de toda a população de Genebra por parte do seu Bispo, em 22 de agosto.38 Por esta ocasião, Berna permanece como a única aliada da cidade.. 34. WALLACE, Ronald. Op. Cit., p. 21. Cf. DURANT, Will. Op. cit., p. 391. 36 FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 76. 37 DURANT, Will. Op. cit., p. 391. 38 Cf. MAcGRATH, Alister. Op. Cit., p. 112. 35.

(18) 18. Como os ataques anteriores a Genebra haviam fracassado, o Duque de Sabóia novamente investe contra a cidade, sitiando-a, em janeiro de 1536, mas Berna vem em socorro e liberta Genebra. Segundo McGrath,. Genebra teria sido totalmente devastada por essa ofensiva, não fosse a aliança militar feita com a cidade de Berna, a qual era adepta do evangelicalismo desde o final da década de 1520. [...] Como conseqüência, a pressão externa para preservar o catolicismo foi mais do que contrabalançada. A Reforma poderia prosseguir.39. Guillaume Farel, que já havia pregado na Catedral de São Pedro e perante o conselho em 1535, recebe, então, autorização deste para pregar publicamente, em 10 de março de 1536, onde conclama os cidadãos genebrinos a viverem segundo os preceitos do Evangelho.40 Nas suas prédicas, Farel pressionava o Conselho a adotar definitivamente a fé reformada. Com a falta de argumentos dos clérigos católicos e com a adesão cada vez mais crescente dos moradores de Genebra à Reforma, o Conselho decide então acolher a proposta de Farel, reiterando parte do que fizera no ano anterior. Segundo Durant,. Em 21 de maio de 1536, o Pequeno Conselho decretou a abolição da missa e a remoção de todas as imagens e relíquias das igrejas. As propriedades eclesiásticas foram empregadas pelos protestantes para fins de culto religioso, instituições de caridade e ensino; o ensino tornou-se compulsório e gratuito, e uma severa disciplina moral ficou consolidada em lei.41. 39. MAcGRATH, Alister. Op. Cit., p. 105. Cf. SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., p. 14. 41 DURAN, Will. Op. cit., p. 391. Também Cf. IRWIN, C. H. Op. Cit., p.29; LESSA, Vicente Themudo. Calvino: sua vida e sua obra, p. 70. McGRATH data o mesmo acontecimento em 25 de maio. Cf. McGRATH, A. Op. cit., p. 115. 40.

(19) 19. Genebra, enfim, adota a fé reformada. Mas, apesar de a adesão à fé reformada ter produzido importantes avanços na sociedade genebrina, bem como, nas palavras de Ferreira, “favorecer a causa evangélica”42, esta estava longe de se tornar protestante, segundo o entendimento dos reformadores. O que se percebe do exposto até aqui é a ocorrência de importantes mudanças ocorridas em Genebra mesmo antes da chegada de João Calvino, bem como a íntima relação entre as duas principais instituições governamentais, a Igreja e o Estado, o que é comum no século XVI. Biéler assim a explica, com relação a Genebra:. Estão elas nas mãos de três autoridades: o bispo, o magistrado e os burgueses. Ora, o bispo, chefe espiritual da Igreja, é ao mesmo tempo o “príncipe de Genebra”. É ele, teoricamente, o soberano da cidade, debaixo da suzerania do Imperador, que confia ao duque de Sabóia o vicariado imperial; [...] O magistrado é incumbido da defesa da cidade, da guarda e da execução de prisioneiros; dispõe ele de direito de justiça restrito. Os Conselhos [formado pelos burgueses] são encarregados das questões criminais importantes concernentes aos leigos; têm a missão de velar pelo abastecimento da cidade, de gerir-lhe as finanças, [...] manter a boa ordem, [...] suas fortificações e de salvaguardar os seus direitos garantidos pelas “Franquias”.43. Este tipo de relação entre a Igreja e os magistrados, na direção da cidade de Genebra, terá como resultado a proeminência do Estado sobre a Igreja. Calvino irá criticar ininterruptamente esta gerência do Estado em assuntos que, segundo ele, é de incumbência restrita da Igreja. Esta crítica será objeto de análise um pouco adiante. O levantamento do contexto histórico e social de Genebra, onde se daria a reforma calvinista no século XVI completa-se, nesta pesquisa, com a compreensão. 42 43. FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 77. BIÉLER, André. Op. Cit., p. 86-87..

(20) 20. da sua organização política e administrativa, para se obter com clareza um melhor entendimento da relação entre Estado e Igreja, tendo em vista que é da crítica desta inter-relação que Calvino irá desenvolver sua doutrina teológica e social. A começar pela população genebrina, esta era formada por cidadãos, ou seja, pessoas nascidas ou batizadas por pais nascidos em Genebra; burgueses, ou pessoas não nascidas em Genebra mas que adquiriam esse título, que era pago, após longo período de residência na cidade; habitantes, isto é, estrangeiros que residiam em Genebra, sujeitos às mesmas leis mas sem direito a voto e a participação em cargos públicos.44 Com relação à sua administração, a cidade de Genebra era administrada por quatro tipos de conselhos: Pequeno Conselho, Conselho dos Sessenta, Conselho dos Duzentos e Conselho Geral, sendo que o de maior importância era o Pequeno Conselho. Era formado pelos magistrados ou ex-magistrados e, coletivamente, pelos Senhores de Genebra ou Síndicos, título de honra conferido pelo Conselho dos Duzentos aos cidadãos.45 Cabia ao Pequeno Conselho julgar as causas criminais e civis, além da eleição dos membros do Conselho dos Duzentos e nomeação dos Diáconos, que eram responsáveis pelo funcionamento dos hospitais e pela assistência aos pobres. Seus membros eram eleitos anualmente e não recebiam salários. Formado por vinte e cinco homens que fossem cidadãos de Genebra e mais quatro síndicos, tornou-se o verdadeiro governo municipal de Genebra.46 O Conselho dos Sessenta, que fora criado, segundo Lessa, “em conseqüência da aliança com Berna e Friburgo”,47 era uma relíquia do século XIV e de caráter puramente diplomático. O Conselho dos Duzentos existia em Genebra desde 1527, sendo criado, conforme Mcgrath, “como um tipo de concessão, permitindo que o amplo caráter representativo 44. do. Conseil. General. fosse. mantido sem. que. houvesse. a. Cf. McGRATH, A. Op. cit., p. 130. Idem, pp. 130-131. 46 Cf. DURAN, Will. Op. cit., p. 390; LESSA, Vicente Themudo. Op. Cit., p. 67. McGRATH, talvez por um equívoco, diz que o número de cidadãos que compõem o Pequeno Conselho é de “vinte e quatro”. Op. Cit., p. 131. 47 LESSA, Vicente Themudo. Op. Cit., p. 67. 45.

(21) 21. inconveniência da participação em imensas assembléias de indivíduos”,48 e cabialhe eleger os ex-magistrados como membros do Pequeno Conselho, aprovar as propostas de mudanças na lei, servindo como corte de apelação nas causas criminais. O Conselho Geral ou Assembléia Geral era formada por “todos os cidadãos de Genebra, com propriedade ou título de honra conferido pelo Conselho dos 200, por alguma razão especial”.49 Toda esta organização político-administrativa já existia antes da chegada de Calvino a Genebra e demonstra, segundo Silvestre,. que toda cidade é multiforme: elas mostram suas diferenças, produzem a desigualdade, mesclam de um reduzido espaço populações diferenciadas pela fortuna, cultura, origem, e que se singularizam também por seus comportamentos demográficos socialmente diferenciados.50. No caso de Genebra, a estratificação social denuncia a existência de abastados e miseráveis. As medidas tomadas para atenuar a situação de pobreza de muitos que viviam na cidade denunciam este fato. Segundo Biéler,. em 1535, é fundado o Hospital Geral, destinado a dar assistência aos enfermos, aos pobres, aos órfãos e aos idosos. Depois, em consideração à penúria de víveres, a pobreza de uma parte da população e a avareza de outra, medidas de ordem econômica são tomadas imediatamente contra o monopólio e a especulação [...]. O Conselho fixa o preço do pão, do vinho e da carne.51. 48. McGRATH, A. Op. cit., pp. 130-131. Ferreira diverge desta informação e afirma que o “Conselho dos Duzentos” fora criado à imitação do governo de Berna, em 1526. Cf. FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 76. 49 Idem, Ibidem, pp. 130-131. 50 SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., p. 31. 51 BIÉLER, André. Op. Cit., p. 222..

(22) 22. Um outro fato que corrobora a existência de abastados e miseráveis em Genebra, por ocasião da reforma calvinista, é a instituição, por parte de Calvino, do que ele denomina a quarta ordem do governo eclesiástico, a saber, os diáconos. Segundo Calvino, nas suas Ordenanças, comentando sobre as funções dos diáconos,. deles sempre houve duas espécies na Igreja Antiga: uns são comissionados para receber, dispensar e conservar os bens dos pobres, tanto esmolas diárias quanto posses, rendimentos e pensões; outros para tratar e pensar os doentes e administrar a porção dos pobres, costume esse que mantemos ainda no presente.52. Todos estes acontecimentos ocorridos em Genebra antes da chegada de Calvino, corroboram, como já foi salientado, a íntima relação entre Estado e Igreja, culminando, logicamente, com a subordinação desta àquele, subordinação esta que Calvino irá combater durante sua vida, como cristão, humanista e pregador. A crítica de Calvino a esta inter-relação,. com base nas novas idéias engendradas pela. Reforma, vai culminar no desenvolvimento de sua “Doutrina Teológica e Social”.. 2. A “Doutrina Teológica e Social” de Calvino. Discorrer sobre o desenvolvimento do humanismo social de João Calvino põe-se como uma tarefa instigante, visto que tal desenvolvimento ocorrerá dentro de uma relação dialética entre Calvino e o contexto onde está inserido, a saber, a cidade de Genebra. Instigante, também, pelo fato do desenvolvimento do humanismo social de Calvino evidenciar-se como processo pedagógico, o que será proposto no terceiro capítulo deste trabalho. 52. apud BIÉLER, André. Op. Cit., p. 223. Cf. nota nº 545..

(23) 23. Talvez se faça necessária a compreensão, mesmo em rápidas pinceladas, do que vem a ser o Humanismo, mesmo porque, compreendê-lo revela sua íntima relação com a Reforma Protestante, com a reforma calvinista, e com o desenvolvimento da doutrina teológica e social de Calvino, ou seu humanismo social.. 2.1. O humanismo. Em seus primórdios, o Humanismo queria se referir a um processo pedagógico que se dava através do aprendizado do grego e do latim clássicos. De acordo com McGrath, o termo “foi inicialmente utilizado pelo educador alemão F. J. Niethammer, em 1808”.53 O Humanismo se caracterizava pelo entusiástico retorno às fontes. Os clássicos gregos, como Xenofonte, Diodoro Sículo, Homero e Tucídides eram estudados e pesquisados a fundo, formando-se verdadeiros focos culturais. Segundo Daniel-Rops, “o movimento recrutara adeptos em todas as classes: magistrados, professores, clérigos e burgueses ricos”.54 Pode-se perceber a importância do Humanismo dentro das profundas mudanças ocorridas nos séculos XV e XVI na síntese que McGrath faz do movimento, a saber,. o Humanismo estava interessado em como as idéias eram transmitidas e expressadas, em vez de se preocupar com a precisa natureza dessas próprias idéias. Um humanista poderia ser um adepto de Platão ou de Aristóteles – mas em ambos os casos as idéias envolvidas eram derivadas da Antiguidade. Um humanista poderia ser um cético ou um religioso – mas ambas as atitudes poderiam ser defendidas a partir da Antiguidade. A diversidade de idéias, que é tão característica do Humanismo renascentista, é 53 54. McGRATH, A. Op. cit., p. 70. DANIEL-ROPS. A Igreja da Renascença e da Reforma – I. A reforma protestante, p. 346..

(24) 24. baseada em um consenso geral a respeito de como essas idéias devem se originar e ser expressas.55. Todo esse conjunto de novos saberes, somado à destreza de seus anunciadores, encontrará melhor guarida na Europa Protestante, do que na Católica, devido àquela estar mais banhada nos rios do escolasticismo.56 Segundo Chaunu, o Humanismo tem seu berço na Itália do século XIV, e é introduzido na França por Guilherme Fichet, que juntamente com Robert Gaguin, serão “os verdadeiros pioneiros do italianismo em Paris”.57 O Humanismo vai ser difundido na Europa, segundo McGrath, por meio de três canais, a saber, o ingresso de estudantes do Norte da Itália nas Universidades do Sul, que retornavam com as novas doutrinas; através das inúmeras correspondências enviadas. ao exterior pelos humanistas italianos; e através da. imprensa, que possibilitou o aumento do montante de livros que circulavam pela Europa, disseminando as novas idéias humanistas.58 Contudo, o humanismo italiano não possui características de rejeição. Já mais revolucionário é o de Pádua e o do Reno, descrito por Chaunu como “um humanismo [...] tardio e poderoso, contra uma fortaleza universitária relativamente recente, intransigente”.59 O Humanismo, de certa forma, lança as bases para a Reforma Protestante, tendo em vista que seu espírito engendra reformas. Com relação à esfera religiosa, a Igreja é arrastada pelo Humanismo a um retorno às línguas originais: o hebraico, o grego e o latim. Segundo pondera McGrath, “em vez de lidar com a confusão conceitual e a deselegância literária dos comentários bíblicos medievais, era preciso retornar aos próprios textos bíblicos e redescobrir seu frescor e vitalidade”.60. 55. McGRATH, A. Op. cit., p. 72. Grifos do autor. Cf. CHAUNU, Pierre. O Tempo das Reformas (1250-1550): História religiosa e sistema de civilização. – II. A reforma protestante, p. 55. 57 CHAUNU, Pierre. Op. cit., p. 56. 58 Cf. McGRATH, A. Op. cit., p. 72-73. 59 Idem, p. 56-57. 60 Idem, Ibidem, p. 73. 56.

(25) 25. Assim, forma-se uma sincronia entre as obras de cunho humanístico e a crescente difusão da Bíblia, que passam a ser publicadas em língua vernácula, graças à imprensa. O Humanismo alcança o altar, questionando-o como um apóstata e sacrílego. Em contraposição a prática ritualística da Igreja, as idéias humanistas disparam:. a palavra de Deus comanda uma religião de amor, uma obediência em espírito e em verdade. A maior parte dos gestos são inúteis (sic), quando não são mesmo sacrílegos. O humanismo conduz a um evangelismo simplificador.61. Para além das qualidades do Humanismo, uma questão se lhe sobressai quando se trata de utiliza-lo como ferramenta crítica da Igreja: o seu exacerbado antropocentrismo, colocando o ser humano como o centro de todas as coisas. Segundo Reid,. O humanismo renascentista, com sua ênfase sobre o indivíduo, particularmente sobre o homem de “virtu”, deu uma força adicional ao ponto de vista de que o indivíduo é a figura central de qualquer conceito a respeito do homem e de suas atividades.62. Na Suíça, especialmente na cidade de Genebra, um homem vai engendrar um humanismo que salta das páginas da Bíblia, como resultado da aplicação das idéias humanistas na leitura desta. Desse modo, lançando mão de princípios evangélicos fundamentais, João Calvino vai criticar duramente a hostilidade do Estado, sua posição de mantenedor do status quo, favorecendo as camadas mais abastadas em detrimento de uma grande multidão de alijados do sistema.. 61. CHAUNU, Pierre. Op. Cit., p. 59. REID STANFORD, W. A Propagação do Calvinismo no Século XVI. In: REID STANFORD, W. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, p. 38. 62.

(26) 26. Assim, ao direcionar sua crítica ao Estado, Calvino elabora sua doutrina teológica e social, denominada por Biéler de “O Humanismo Social de Calvino”.63 O mesmo autor diz que este humanismo social pode ser entendido como “um humanismo teológico que inclui a um tempo o estudo do homem e da sociedade através do duplo conhecimento do homem pelo homem, de um lado, e do homem por Deus, de outro”.64 Porque se pode afirmar que Calvino era um humanista? E ainda mais: que seu humanismo era social e teológico? Para responder as perguntas acima, faz-se necessário uma rápida análise da formação recebida pelo “reformador de Genebra”, bem como da sua crítica à relação entre Igreja e Estado em Genebra.. 2.2. Trajetória biográfica de Calvino humanista. João Calvino nasce “às doze horas e vinte e sete minutos do dia 10 de julho de 1509, [...] filho de Gerard Cauvin e Jeanne de La Franc”65, na cidade de Noyon, na província de Picardia, departamento de Oise. Era uma cidade eclesiástica, ou seja, estava sob a direção do bispado.66 Gerard Cauvin se estabelece em Noyon no ano de 1481, ocupando, nesta cidade, os cargos de “escrivão do governo, [...] solicitador da corte eclesiástica, agente fiscal da região, secretário do bispo e procurador do capítulo”.67 Calvino faz o primário e o secundário no Colégio dos Capetos68 e, posteriormente, é encaminhado pelo pai, secretário do bispo, para exercer o sacerdócio, por volta dos 12 anos. Em 1521, começa a receber uma capelania69, o 63. BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino. – Trad. de A Sapsezian – São Paulo: Edições Oikumene, 1970. 64 BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 13. 65 FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 38. 66 Cf. CHAUNU, Pierre. Op. Cit., p. 201; DURAN, Will. Op. cit., p. 383; LESSA, Vicente Themudo. Op. Cit., p. 19; ESTRELLO, Francisco E. Breve Historia de La Reforma, p. 34. 67 BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 113. Cf. IRWIN, C. H. op. Cit., p. 10. 68 FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 37. 69 BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 114. “Benefício ou rendimento de uma função eclesiástica”. Cf. nota 211; também: ESTRELLO, Francisco E. Op. Cit., p. 34; IRWIN, C. H. Op. Cit., p. 10..

(27) 27. que irá garantir-lhe o sustento dos estudos. Assim, aos 14 anos é enviado a Paris, em 1523, onde estuda durante cinco anos nos colégios de La Marche e de Montaigu, da Faculdade de Artes da Universidade de Paris. No colégio de Montaigu, Calvino irá receber uma excessiva educação ortodoxa católica,70 que traz no seu bojo uma grande influência do Humanismo. Após este período de estudos em Paris, em 1528, contando então com 19 anos71, deixa a cidade e vai para Orleans, onde termina seus estudos filosóficos e em 1529 é mestre em Artes. Embora a Europa esteja impregnada das novas idéias advindas da Reforma, Calvino está cada vez mais convicto das suas posições humanistas, um legado de seus mestres de Montaigu e de seus amigos de Orléans. Em 1529 vai estudar Direito na Universidade de Bourges, e é licenciado em leis em 1532.72 Com a morte do pai em 153173, se sente desobrigado a seguir a carreira de jurista, e apesar de ser licenciado em Leis, segue para Paris onde, segundo Ferreira, “podia agora dedicar-se à carreira de sua preferência. O seu pendor natural era para letras clássicas, seguindo a linha humanista da época”.74 Em 4 de abril de 1532 publica seu primeiro livro, um comentário à DE CLEMENTIA, de Sêneca.75 Esta obra vai lhe trazer rápido prestígio entre os humanistas. Nas palavras de Biéler, esta publicação. de imediato granjeia a Calvino grande autoridade no mundo humanista. Mostra-nos ela, [...] a que ponto o futuro reformador está ainda fielmente ligado, nesta época, ao pensamento em honra entre os humanistas católicos.76. 70. Cf. IRWIN, C. H. Op. Cit., p. 10; DURANT, Will. Op. cit., p. 383; FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 34. 71 Cf. FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 43. 72 DURANT data sua formação em 1531. Cf. DURAN, Will. Op. cit., p. 384. 73 Cf. CHAUNU, Pierre. Op. Cit., p. 203. 74 FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 63. 75 Cf. BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, pp. 113 – 116; CHAUNU, Pierre. Op. Cit., p. 203; FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 48. 76 BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 116..

(28) 28. Subitamente, após a publicação do comentário a DE CLEMENTIA, de Sêneca, Calvino aparece preocupado com as novas doutrinas religiosas em Paris. Suspeito de haver inspirado um discurso reformista realizado por seu amigo, Nicolas Cop,77 reitor da Universidade de Paris, Calvino é perseguido, juntamente com os demais envolvidos, mas escapa, deixando Paris em 153378 e vai se refugiar em Saintongue, na casa de um amigo, “Louis du Tillet, o então cânone de Augoulême e reitor de Claix”79, onde começa a redigir sua grande obra, as Institutas, ou Instituição da Religião Cristã. De Augoulême, Calvino “vai para Nerac na Gascônia, refúgio de muitos protestantes que a rainha de Navarra acolhia”80, seguindo, posteriormente, viagem para Noyon e daí para Paris. Provavelmente, ao redigir as Institutas, Calvino já havia decidido romper com o catolicismo,81 o que será posteriormente sinalizado com a renúncia da capelania82 em maio de 1534, quando da sua estada em Noyon, possivelmente também revela sua conversão ao cristianismo evangélico reformado. Nas palavras de Biéler, Calvino, nesta época,. não é mais o humanista conformista que teme os remoinhos da política e recusa comprometer-se com aqueles que são qualificados como revolucionários; bem pelo contrário, é o cristão que, sem fugir aos riscos intervém, com todas as suas forças, contra os grandes deste mundo para restabelecer a justiça e a verdade.83. 77. Cf. DURANT, Will. Op. cit., p. 384; ESTRELLO, Francisco E. Op. Cit., p. 36; IRWIN, C. H. Op. Cit., p. 15; McGRATH, A. Op. cit., p. 83-85. Quanto ao fato de Calvino ser o autor do “discurso”, McGRATH vai oferecer, nas páginas citadas, provas históricas favoráveis e contrárias. 78 Cf. McGRATH, A. Op. cit., p. 85. 79 McGRATH, A. Op. cit., p. 91. 80 FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 64. 81 Cf. BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, 121-122. 82 Vide nota nº 51 deste capítulo. Também Cf. DURAN, Will. Op. cit., p. 384; CHAUNU, Pierre. Op. Cit., p. 204; IRWIN, C. H. Op. Cit., p. 16. 83 BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 124..

(29) 29. Segundo Daniel-Rops, Calvino “deslocou-se incessantemente durante todo o ano de 1534, umas vezes voltando a Paris”.84 Neste mesmo ano deixa definitivamente a França, passando por Estrasburgo e chegando provavelmente a Basiléia em 1535. Em Basiléia, Calvino termina de redigir a sua obra prima, as Institutas, em 23 de agosto deste mesmo ano.85 Após uma rápida passagem por Ferrara, na Itália, “onde os protestantes se abrigavam sob a proteção da Duquesa Renée de Ferrara”,86 retornou a Noyon, em junho de 1536, para resolver pendências relativas à herança de família, aproveitando-se do “Edito de Coucy, de 16 de julho de 1535, [que] deu permissão aos exilados religiosos para regressarem à França”.87 Ao sair de Noyon, acompanhado de seus irmãos Antoine e Marie, segue para Estrasburgo, em 15 de julho de 153688, para ali, possivelmente, residir. Mas, por causa das batalhas entre “o Imperador Carlos V e o rei Francisco I da França”89, a estrada que dava acesso à cidade estava bloqueada, forçando-os a passar por Genebra. Após esta sucinta divagação sobre a vida do reformador de Genebra, sua educação familiar e formação acadêmica, pode-se agora discorrer sobre a crítica que Calvino faz ao Estado em Genebra, compreender os seus objetivos, bem como sua relação com a Igreja, visando um melhor entendimento do humanismo social de Calvino.. 2.3. A crítica de Calvino ao Estado. Para Calvino, Igreja e Estado eram duas ordens que tinham a mesma origem e objetivo: provinham de Deus e foram instituídas por ele para a promoção de seu. 84. DANIEL-ROPS. Op. cit., p. 371. Cf. McGRATH, A. Op. cit., p. 95; DANIEL-ROPS. Op. cit., p. 373. 86 McGRATH, A. Op. cit., p. 96; DANIEL-ROPS. Op. cit., p. 374; IRWIN, C. H. Op. Cit., p. 25; FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 65. 87 McGRATH, A. Op. cit., p. 96-97. 88 Idem. 89 FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 70. 85.

(30) 30. reino.90 Toda a sua crítica ao Estado91, e posteriormente à Igreja, está relaciona com o que presencia em Genebra, quando da sua chegada em julho de 153692, e após ser persuadido por Farel a permanecer e ajuda-lo a transformar Genebra numa cidade evangélica. Aceito o convite e recebido oficialmente pelo concílio, Calvino rapidamente empreende esforços para a organização da cidade nos moldes protestantes. Convoca uma reunião com toda a cidade para renúncia coletiva ao papado e aceitação da fé reformada; propõe a aprovação individual do Catecismo e da Confissão de Fé, sendo que ambas as tentativas não lograram o êxito esperado por ele.93 Mas o que vai realmente contrariar Calvino e demonstrar a proeminência do Estado sobre a Igreja é o que ocorre posteriormente. O Concílio, talvez com medo do descontentamento do povo em relação às medidas propostas por Calvino, resolve assumir a jurisdição em assuntos religiosos e morais. Calvino não aceita tamanha jurisprudência do Estado sobre assuntos que, conforme pensava, caberia à Igreja resolver.94 Um exemplo disso diz respeito ao direito de excomunhão. Esse direito estava nas mãos dos magistrados95 cabendo à Igreja apenas o direito de admoestação. Calvino vai lutar durante mais de quinze anos para conseguir que a excomunhão fosse prerrogativa da Igreja, o que vai ocorrer apenas em 1555.96 Somando-se a estes aborrecimentos, nas eleições de 1538 há um considerável aumento de pessoas no Concílio “favoráveis a uma atitude mais liberal com respeito aos costumes”.97 A situação de Calvino e dos demais pastores de Genebra se torna insuportável quando são obrigados pelo Concílio a ministrarem a Santa Ceia a quem cometesse pecado considerado grave, desde que a pessoa se 90. CALVINO, Juan. Institución de La Religión Cristiana. Libro IV, Capítulo XX, pp. 1167-1170. “Calvino usava as expressões príncipes, magistrados, ordem civil e ordem política no lugar do termo Estado”. Cf. SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., p. 153. 92 Cf. IRWIN, C. H. Op. Cit., p. 29. 93 FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 78. 94 Cf. FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 78. 95 Cf. SILVESTRE, Armando Araújo. Op. Cit., p. 16. 96 Cf. FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 104-105. 97 FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 79. 91.

(31) 31. considerasse apta, o que contrariava profundamente a concepção do sacramento por parte dos reformadores.98 Para não comprometer as relações com Berna, os concílios de Genebra aceitam a imposição da cidade aliada, no que diz respeito à adoção das práticas religiosas bernenses.99 Assim, conseqüentemente, os pastores de Genebra são obrigados pelo Conselho a seguirem os rituais religiosos de acordo com Berna. Calvino e Farel se recusam a faze-lo e são proibidos de pregar.100 Desobedecem as ordens e são expulsos de Genebra em 23 de abril de 1538.101 O. que. estes acontecimentos. querem. demonstrar? Uma. diminuição. considerável e gradativa da autoridade dos pastores, e conseqüentemente, da Igreja, e cada vez mais o aumento do poder do Estado em detrimento ao da Igreja, na Genebra do século XVI. Também, para além de demonstrar a diminuição gradativa da autoridade da Igreja em Genebra, os fatos expostos acima vêm derrubar a tese de alguns historiadores de que Calvino era um verdadeiro ditador e sua intenção era promover uma verdadeira teocracia em Genebra.102 Calvino começa então sua crítica ao despotismo do Estado e à omissão da Igreja pelo levantamento das suas obrigações. Segundo Calvino, nas suas Institutas, as obrigações do Estado consistiam em. manter e conservar o culto divino externo, a doutrina e a religião em sua pureza, o estado da Igreja em sua integridade, fazer-nos viver com toda justiça, instruir-nos numa justiça social, colocar-nos em comum acordo uns com os outros, manter e conservar a paz e a tranqüilidade comuns.103. 98. Idem, Ibidem, p. 80. Cf. McGRATH, A. Op. cit., p. 105. 100 Cf. FERREIRA, Wilson Castro. Op. Cit., p. 82. 101 Cf. DURANT, Will. Op. cit., p. 392; IRWIN, C. H. op. cit., p. 34. 102 Cf. DURANT, Will. Op. cit., pp. 394-395. DURANT se refere ao clero de Genebra como “verdadeira teocracia” e a Calvino como a “voz mais influente em Genebra”. 103 CALVINO, Juan. Op. Cit., Libro IV, Capítulo XX, p. 1169. “mantener y conservar el culto divino externo, la doctrina y religión en su pureza, el estado de la Iglesia en su integridad, hacernos vivir con 99.

(32) 32. O levantamento das obrigações do Estado, em sua crítica, parece evidenciar o não cumprimento destas, no todo ou em partes, da parte deste. Mas, como se irá constatar no desenvolvimento desta pesquisa, a crítica está direcionada muito mais à dominação do Estado sobre a Igreja, ou dito de outra maneira, à intervenção do Estado em áreas onde somente a Igreja, segundo Calvino, tinha autoridade. Na relação entre Estado e Igreja, o primeiro possuía autoridade para manter a pureza da doutrina cristã e a integridade da Igreja, mas não se pode confundir esta autoridade sobre os cidadãos, com o fim de mantê-los em certa ordem e obediência com a autoridade que somente o Espírito Santo tem sobre a Igreja. Assim Calvino, comentando João 18,36 em Comentários ao Novo Testamento, diz:. O Reino de Cristo, sendo espiritual, deve ser fundamentado na doutrina e no poder do Espírito. Dessa forma, sua edificação é promovida, pois, nem as leis nem os editos dos homens, nem as punições impostas por eles participa nas consciências. Contudo, isto não impede, por acaso, os príncipes de defender o Reino de Cristo. Em parte pela disciplina externa, e em parte, emprestando sua proteção contra os homens maus.104. Para Calvino, o Estado tem limites bem definidos: está a serviço de Deus e do povo. Comentando Romanos 13,4, ele diz que. Os Magistrados podem daqui aprender no que consiste sua vocação, para não governarem mais em seu próprio interesse, mas para o bem toda justicia, (...) instruirnos en una justicia social, ponernos de acuerdo los unos con los otros, mantener y conservar la paz y la tranquilidad comunes.” (Tradução minha). 104 CALVIN, John. Commentary on the Gospel According to John. – Volume Second – p. 210-211. “ the Kingdom of Christ, being spiritual, must be founded on the doctrine and power of the Spirit. In the same for the Kingdom of Christ, being spiritual, must be founded on the doctrine and power of the Spirit. In the same manner, too, its edification is promoted; for neither the laws and edicts for men, nor the punishments inflicted by them, enter into the consciences. Yet this does not hinder princes from accidentally defending the Kingdom of Christ; partly, by appointing external discipline, and partly, by lending their protection to the Church against wicked men”. (tradução minha)..

(33) 33. público, nem são imbuídos com poder desenfreado, mas restrito ao bem-estar de seus assuntos; em resumo, são responsáveis a Deus e aos homens no exercício de seu poder.105. Sendo o Estado instituído por Deus, tanto quanto a Igreja, este serviço prestado ao povo implica, em contrapartida, obediência e submissão por parte deste ao Estado. Esta obediência e submissão visam, ao mesmo tempo, a manutenção da fé e da ordem social, que teimam em ser desmanteladas tanto pela insubmissão quanto pelo conformismo à ordem civil. Segundo Calvino,. en el día de hoy existen hombres tan desatinados y bárbaros, que hacen cuanto pueden para destruir esta ordenación [gobierno] que Dios ha establecido; y, por su parte, los aduladores de los príncipes, al engrandecer sin límite ni medida su poder, no dudan en ponerlos casi en competencia con Dios. Y así, si no se pone remedio a tiempo a lo uno y a lo otro, decaerá la pureza de la fe.106. Mas esta obediência e submissão também são limitadas pela obediência e submissão a Deus. Ainda nas Institutas, Calvino deixa isso bem claro ao dizer que,. Mas, en la obediencia que hemos enseñado se debe a los hombres, hay que hacer siempre una excepción; o por mejor decir, una regla que ante todo se debe guardar; y es, que tal obediencia no nos aparte de la obediencia de Aquel bajo cuya voluntad es razonable que se contengan todas las disposiciones de los reyes, y que todos 105. CALVIN, John. Commentaries on the Epistle of Paul the Apostle to The Romans. – Chapter XIII. 4 – p. 481. “Magistrates may hence learn what their vocation is, for they are not to rule for their own interest, but for the public good; nor are they endued with unbridled power, but what is restricted to the wellbeing of their subjects; in short, they are responsible to God and to men in the exercise of their power”. (tradu;áo minha). 106 CALVINO, Juan. Op. Cit., Libro IV, Capítulo XX, p. 1168. “hoje em dia existem homens tão desatinados e bárbaros, que fazem tudo quanto podem para destruir o governo que Deus estabeleceu; e, de outra parte, os aduladores dos príncipes, ao engrandecer demasiadamente seu poder, não suspeitam que os estão colocando quase em competência com Deus. E assim, se não se remedia a tempo a um e a outro, decairá a pureza da fé”. (Tradução minha)..

(34) 34. sus mandatos y constituciones cedan ante las órdenes de Dios, y que toda su alteza se humille e abata ante Su majestad.107. Para Calvino, as pessoas devem submeter-se primeiramente a Deus, o que não abole sua tese de que devem submeter-se também às autoridades, visto serem estas instituídas por Deus para a manutenção da ordem social. Porém, esta submissão primeira a Deus vai evoluir para uma teoria da resistência, visto que o próprio Calvino vai concluir, dando continuidade à sua teoria da submissão a Deus e ao Estado, que. después de Él hemos de someternos a los hombres que tienen preeminencia sobre nosotros; [...] Si ellos mandan alguna cosa contra lo que Él ha ordenado no debemos hacer ningún caso de ella, sea quien fuere el que lo mande. [...] Por el contrario, el pueblo del Israel es condenado en Oseas por haber obedecido voluntariamente a las impías leyes de su rey (Os. 5,11). Porque después que Jeroboam mandó hacer los becerros de oro dejando el templo de Dios, todos sus vasallos, por complacerle, se entregaron demasiado a la ligera a sus supersticiones (1 Re. 12,30), y luego hubo mucha facilidad en sus hijos y descendientes para acomodarse al capricho de sus reyes idólatras, plegándose a sus vicios. El profeta con gran severidad les reprocha este pecado de haber admitido semejante edicto regio.108. 107. CALVINO, Juan. Op. Cit., p. 1193-1194. “Mas, na obediência que temos ensinado que se deve aos homens, tem-se que fazer uma exceção, ou melhor dizendo, uma regra que deve ser guardada antes de tudo; isto é, que tal obediência não nos aparte da obediência d’Aquele sob cuja vontade é razoável que se contenham todas as disposições dos reis, e que todos seus mandatos e constituições cedam ante às ordens de Deus, que toda alteza seja humilhada e abatida perante Sua majestade.”. (Tradução minha). 108 CALVINO, Juan. Op. Cit., Libro IV, cap. XX, p. 1194. “depois d’Ele havemos de nos submeter aos homens que têm proeminência sobre nós. (...) Se ordenam alguma coisa que contraria o que Ele há ordenado, não devemos fazer nenhum caso dela, seja quem for que ordene. [...] Pelo contrário, o povo de Israel é condenado em Oséias por ter obedecido as ímpias leis de seu rei (Os 5,11). Porque depois que Jeroboão mandou fazer os dois bezerros de ouro, abandonando o templo de Deus, todos seus súditos, por condescendência, se entregaram demasiadamente rápido às suas superstições (1 Rs 12,30), e logo com muita facilidade seus filhos e descendentes se acomodaram aos caprichos de.

(35) 35. Se cabe à ordem civil, segundo Calvino, entre outras coisas, “hacernos vivir con toda justicia, [...] instruirnos en una justicia social, ponernos de acuerdo los unos con los otros, mantener y conservar la paz y la tranquilidad comunes”,109 toda ordem dada que venha a ferir os principios evangélicos da justiça, da solidariedade, da paz entre os seres humanos deve ser rechaçada, ou melhor, resistida como prova de obediencia a Deus. Calvino termina as Institutas afirmando que “verdaderamente daremos a Dios la obediencia que nos pide, cuando antes consentimos en sufrir cualquier cosa que desviarnos de su santa Palabra”.110 Já foi visto que para Calvino a Igreja é um meio pelo qual a graça justificadora de Deus visa alcanças os seres humanos e melhorar suas relações sociais. Mas a Igreja, formada por uma parcela da sociedade, continua com resquícios do pecado, não podendo, por isso, restaurar completamente esta sociedade. Assim, segundo Calvino, Deus estabelece uma outra instituição que irá servir como instrumento de Deus para balizar as relações sociais de homens e mulheres ainda submetidos ao pecado, de maneira que consigam viver em comunidade. Conforme nos diz Biéler, “para evitar, pois, que todas as coisas descambem para a desordem e o caos, Deus suscita, no quadro geral da sociedade, uma ordem provisória a que Calvino dá o nome de ordem política”.111 Calvino algumas vezes teve que combater a indiferença política dos cristãos, que muitas vezes queriam reduzir a vida à esfera espiritual. Embora para ele, o reino espiritual de Cristo e o poder civil sejam coisas muito diferentes entre si112, “esta distinción no sirve para que tengamos el orden social como cosa inmunda y que no. seus reis idólatras, conformando-se aos seus vícios. O profeta severamente lhes censura este pecado, de haver admitido semelhante edito real”. (Tradução minha). 109 CALVINO, Juan. Op. Cit., p. 1169. “fazer-nos viver com toda justiça, [...] instruír-nos em uma justi;a social, colocar-nos de mútuo acordo uns com os outros, manter e conservar a paz e a tranqüilidade comuns”. (Tradução minha). 110 CALVINO, Juan. Op. Cit., Libro IV, cap. XX, p. 1194. “verdadeiramente daremos a Deus a obediência que nos pede, quando antes consentimos em sofrer qualquer coisa que desviar-nos de sua santa Palavra.” (Tradução minha). 111 BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 25. 112 Cf. CALVINO, Juan. Op. Cit., p. 1168..

(36) 36. conviene a cristianos”.113 Muito pelo contrário, ele entende que a Igreja tem uma missão política a desenvolver na sociedade. Segundo Biéler, o humanismo social de Calvino compreende que. A política não é, pois, sem relação com a ordem de Deus. Ela deve representar, em todas as sociedades, a ordem que mais se aproxima da ordem de Deus, tendo-se em conta o desenvolvimento espiritual dos habitantes em um lugar e um momento dados.114. Esta missão política da Igreja pode ser dividida em quatro momentos ou tópicos, segundo Biéler. São eles: “orar pelas autoridades, advertir as autoridades, tomar a defesa dos pobres e dos fracos contra os ricos e poderosos, recorrer à autoridade política na aplicação das sanções disciplinares”.115 Esta pesquisa privilegiará o segundo e o terceiro tópicos, onde parece estar contida a missão profética da Igreja. A Igreja tem uma missão profética, porque é ininterruptamente conclamada a denunciar as injustiças sociais, ao apregoar o Evangelho de Jesus Cristo, embora muitas vezes promova, ela mesma, com sua omissão, a desordem social. Para Biéler, a Igreja, de acordo ao humanismo social de Calvino,. é o fermento regenerador da vida social, política e econômica. E se a Igreja é morta, [...] se sua presença não imprime à sociedade total o impulso de sua própria e constante regeneração pela Palavra de Deus, então, ela mesma participa na propagação da desordem social.116. 113. Idem. “esta distinção não serve para que tenhamos a ordem social como imunda e que não convém a cristãos.” (Tradução minha). 114 BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 25. 115 Cf. BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, pp. 382-389. 116 BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 26..

(37) 37. Aqui se evidencia a crítica de Calvino àqueles cristãos que, por conformismo, não vivenciam a fé cristã na esfera política. Aqueles incumbidos de anunciar o Evangelho, por vezes são suspeitos de desordem social e política.117 Isto ocorre porque a ordem estabelecida e defendida pelos magistrados, pela ordem civil, está longe de ser uma ordem segundo os preceitos do Evangelho. Para Calvino, aqueles que consideram os cristãos fiéis como suspeitos de propagar a desordem, são os verdadeiros responsáveis por esta. Ao comentar At 17,6 em seus Comentários ao Novo Testamento, ele diz que. Tal é a condição do Evangelho, que os tumultos que Satanás suscita para combate-lo lhe são imputados. Eis também qual a maldade orgulhosa dos inimigos de Jesus Cristo, que lançam a culpa das perturbações sobre os santos e modestos professores, que eles mesmos obtêm.118. Ao anunciar a verdadeira ordem que o Evangelho quer estabelecer, a Igreja denuncia a ordem vigente corrupta e a seus mantenedores, o que pode acarretar na perda de privilégios por parte destes. De acordo com Calvino, em sua dedicatória ao livro dos Atos dos Apóstolos,. muitos príncipes, embora vejam o estado asqueroso de corrupção da Igreja, não tentam nenhum remédio, pois, quando a questão é alijar as. corrupções. de. sua. possessão. antiga,. da. qual. fruíram. tranqüilamente, temem que a novidade e a mudança os ponham em perigo, e esta apreensão os retarda e os impedem de cumprir o seu dever.119. 117. Carta al cristianísimo Rey de Francia. Cf. CALVINO, Juan. Op. Cit., p. XXVIII. CALVIN, John. Commentary upon The Acts of the Apostles. Volume Second, chapter XVII. 6, p. 136. “This is the state of the gospel, to have those uproars which Satan raiseth imputed to It. This is also the malicious-ness of the enemies of Christ, to Iay the blame of tumults upon holy and modest teachers, which they themselves procure”. (Tradução minha). 119 CALVIN, John. Commentary upon The Acts of the Apostles. Volume First. – Epistle Dedicatory, p. XVII. “many princes, although they see the estate of the Church filthily corrupt, yet dare they attempt 118.

(38) 38. Aqui está o cerne da crítica de Calvino ao Estado. No não cumprimento de suas obrigações, torna-se evidente sua corrupção. Por ser corruptível, o Estado não tem autoridade para invadir a área de atuação da Igreja. Fixam-se os limites para ambas as instituições: à Igreja cabe a missão profética de denunciar a corrupção do Estado, e ao Estado a manutenção da ordem política. Segundo Biéler, para o humanismo social de Calvino,. o Estado, ao qual cabe manter pelas leis e pela coerção a ordem política, não dispõe de outra garantia contra sua própria corrupção. Com efeito, se a Igreja não o chamar constantemente à sua missão, o Estado torna-se também um fator de desordem.120. A Igreja, através da denúncia e da resistência à ordem estabelecida, acaba por contribuir com a restauração da sociedade. Pode contribuir se permanecer fiel ao Evangelho, ou seja, seguir firme na sua missão de denunciar as injustiças, muitas vezes promulgadas pela própria ordem civil, colocando-se como defensora dos pobres e dos oprimidos. É o que se pode depreender do comentário de Calvino sobre Jeremias 7,6:. Quanto aos estrangeiros, e órfãos, e viúvas, [...] são quase destituídos de todo socorro e ajuda e estão sujeitos às injúrias de muitos, como se postos por presa. Portanto, cada vez que se faz referência a um governo bom e reto, Deus menciona os estrangeiros, e as viúvas, e os órfãos, por isso que daí se pode facilmente ver qual é a forma da administração pública da justiça. Não é, pois, de surpreender se os outros obtêm seu direito, porque têm eles advogados para defender-lhe as causas [...] Assim, quando alguém no remedy; because that danger which they fear will proceed from innovation, when evils must be driven out of their old and quiet possession, doth hinder and keep them back from doing their duty”. (Tradução minha). 120 BIÉLER, André. O Humanismo Social de Calvino, p. 26..

Referências

Documentos relacionados

- “Desenvolvimento de habilidades pessoais”: por fim, neste agrupamento foram reunidas as respostas dos alunos que tinham como enfoque a ideia de que o estágio se configura como

obtido no segundo pico de carregamento das curvas força versus deslizamento relativo dos modelos. Obviamente, a primeira alternativa se mostra mais

5.2.1.  As  rubricas  de  despesa  de  transferências  correntes  ou  de  capital  e  de  subsídios  para  organismos  da  Administração  Central  devem 

The effect of prophylactic percutaneous endoscopic gastrostomy (PEG) tube placement on swallowing and swallow-related outcomes in patients undergoing radiotherapy for head

Sabendo-se que o tema de ensino, objeto de estudo para este trabalho, é a química do ensino médio e reconhecendo-se as vantagens do uso de objetos de aprendizado no ensino, tais

a) Havendo desistência do estudante do Programa de Iniciação Científica (PIC – UNISANTA) o orientador é responsável por substituí-lo, o quanto antes, por estudante que

[r]

Resultados de um trabalho de três anos de investigação da jornalista francesa Marie-Monique Robin, o livro Le Monde Selon Monsanto (O Mundo Segundo a,Monsanto) e o