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Tensões dentro de um mesmo grupo: os japoneses do pósguerra e os antigos imigrantes

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Tensões dentro de um mesmo grupo: os japoneses do

pós-guerra e os antigos imigrantes

Célia Sakurai

Resumo

O retorno de cerca de 5 milhões de japoneses dos territórios ocupados após a derrota na Segunda Guerra Mundial produziu um efeito impactante na sociedade japonesa sobretudo na questão do emprego. Uma das saídas para uma crise iminente foi a emigração, sendo o Brasil, por ter acolhido cerca de 200.000 imigrantes até a guerra, um dos destinos preferenciais da emigração japonesa do pós-guerra. Ao mesmo tempo, o Japão passa a investir em indústrias no Brasil aproveitando a conjuntura favorável que o nosso país apresentava no período.

Dos anos 1950 até meados dos 70, o Brasil recebe cerca de 50.000 novos imigrantes japoneses. Uma pesquisa sobre essa imigração de japoneses no pós-guerra aponta um perfil diferente daquele do período anterior, já que se trata de uma imigração de pessoas com um perfil ocupacional mais qualificado, de melhor nível educacional. Esse novo contingente tem uma posição privilegiada diante daqueles que tinham vindo até a guerra porque já chegam com empregos nas novas indústrias japonesas, alguns em cargos de chefia. Esse fato criou uma forte tensão entre os novos e os antigos imigrantes.

A proposta desta apresentação é refletir sobre os motivos que o antigo grupo tinham para hostilizar os recém chegados. O ponto central é a questão da ocupação, tendo como base de dados pesquisa ora em andamento, em contraste com dados similares do censo da população japonesa no Brasil realizada em 1958.

Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em

Caxambu-MG – Brasil, de 20 – 24 de Setembro de 2004.

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Tensões dentro de um mesmo grupo: os japoneses do

pós-guerra e os antigos imigrantes

Célia Sakurai

1. Apresentação

Este ano de 2004 coincide com os festejos dos 450 anos da fundação da cidade de São Paulo. Há pelo menos cem anos, os imigrantes fazem parte da história dessa cidade e, unanimemente são considerados como parte fundamental da sua modernização e urbanização. Os livros, exposições, mesmo desfiles de escolas de samba no Carnaval apontam para as contribuições dos imigrantes na construção da história da cidade.

Pode soar estranho apresentar um trabalho sobre imigrantes japoneses numa sessão sobre marginais e estigmatizados. No entanto, ao olhar para o passado, verificamos que ao longo de mais de cem anos de história os imigrantes foram tratados como marginais àquilo que se consideraria o mainstream da sociedade brasileira vista pelas elites. E em particular, os imigrantes japoneses.

Este trabalho está dividido em duas partes: na primeira faço uma síntese das discussões que envolvem a imigração com atenção especial aos japoneses até a Segunda Guerra Mundial, e na segunda parte abordo o período pós-guerra vendo novamente os japoneses.

Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em

Caxambu-MG – Brasil, de 20 – 24 de Setembro de 2004.

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2. A trajetória de pressões sobre os japoneses até a segunda guerra mundial

No último quarto do século XIX havia uma intensa discussão sobre a substituição da mão-de-obra escrava pela dos imigrantes em São Paulo, que não é preciso retomar. No entanto, existe uma particularidade nesse processo de discussões que se volta especialmente para os possíveis imigrantes de origem asiática. Ou dos ‘amarelos’, como se dizia na época. No passado o Brasil sempre se alinhou junto aos outros países que recebeu imigrantes na sua conduta em relação à classificação daqueles que seriam bem vindos como imigrantes.

Se forem analisadas as leis imigratórias dos Estados Unidos e do Brasil, por exemplo, verifica-se uma enorme similitude. Os Estados Unidos antecipam leis que mais tarde são também adotadas pelo Brasil e modificadas conforme as circunstâncias locais. Mas, no geral, encontram-se semelhanças em ambos os países que visam adotar um padrão de nacionalidade no qual os imigrantes são também os seus gestores. Nos Estados Unidos, uma lei de 1798 já previa a expulsão de estrangeiros considerados perigosos, o Aliens Act; seguida por outras inúmeras leis restritivas a imigrantes. Os chineses (1882, 1884, 1888, 1892), e mais tarde os japoneses (1907, 1911), englobados sob a sigla de amarelos, são proibidos de entrar naquele país em 1917 e 1924. A lei de cotas norte-americana é de 1924 (a do Brasil é de 1934) estabelece, como no Brasil, uma cota de 2% de entradas calculadas pelo número de imigrantes já residentes no país. Nos Estados Unidos o parâmetro utilizado foi o censo de 1890 ao invés do de 1910, o último antes da promulgação desta lei porque reduzia bastante o número de novas entradas 1.

No Brasil, antes mesmo do início da Grande Imigração iniciada por volta de 1870, a política de imigração era restritiva e classificatória para buscar a formação de um povo brasileiro com fenótipo branco, apagando as marcas da miscigenação com o negro. Desta forma, a política imigratória desde os primeiros assentamentos de alemães em 1818 tinha como alvo os imigrantes brancos, nem todos, com preferência aos alemães, italianos do norte, bascos, excluindo-se os espanhóis, portugueses e italianos do sul (Seyferth, 2002: 101).

O caso sobre os amarelos no Brasil se remonta à mesma época em que chegam os primeiros imigrantes italianos, por volta dos anos 1870. A chamada ‘questão chinesa’ gera mais uma polêmica no conturbado cenário da época: abolição definitiva da escravatura, inserção de imigrantes, a discussão sobre raça e miscigenação. Dentro desse contexto, há uma corrente que defende a vinda de mais imigrantes chineses para o Brasil, tal como ocorreu em

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1855 (entraram de 368). Ela é contestada até com violência pela maioria dos pensadores da época (Lesser, 2001 e Dezem, 2003) que não aceitavam a substituição do escravo negro pelos chineses. Esses eram considerados viciados, de raça inferior. A discussão chega a um ponto que até o escritor Machado de Assis que assinava uma coluna num jornal carioca, transcreve um artigo da Gazeta de Londres de 1883 escrito pelo Vice-Rei da Índia que faz uma analogia do chimpanzé com o ‘chim’ (chinês). O escritor ironiza a discussão dizendo que o chim (chimpanzé) é mais econômico e com as mesmas aptidões do ‘outro’, mas ao contrario, receava o abastardamento da raça pois o chimpanzé não se cruzará com as raças do país: “que venha o chimpanzé” (Dezem: 65-66). Esses tipos de consideração se acirram nas reuniões do Congresso Agrícola de 1878 que reúne membros da aristocracia rural e do governo imperial que descartam de vez a vinda dos chineses. Com o advento da República, a Constituição de 1891 proíbe a entrada de asiáticos em território nacional.

Em 1895, o Brasil assina o Tratado de Amizade e Comércio com o Japão, isto é, os dois países passam a manter relações diplomáticas. Esse Tratado é favorável ao Japão não apenas pela possibilidade de abrir caminhos para o seu comércio exterior, mas também para direcionar parte de sua população para outras partes do mundo além dos Estados Unidos. A imigração para os Estados Unidos tivera início por volta de 1875 quando a população japonesa era de 33 milhões em 1871. Comparativamente, a tabela abaixo aponta o problema populacional japonês e a sua opção para a emigração como saída:

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População do Japão, Estados Unidos, Grã Bretanha e França *. 1871. País População (em milhões de habitantes)

Japão 33

Estados Unidos 39

Grã Bretanha 26

França 36

*Grã Bretanha e França incluídas as suas colônias. Fonte: Grun, 1982.

Sabe-se que o Japão após 1868, com a centralização do poder em torno do Imperador (antes, o modelo japonês era muito semelhante ao feudalismo europeu), passou por um período de acelerado crescimento econômico e prosseguindo a tendência do período anterior de melhoria da qualidade de vida com maior produtividade no campo, pela proibição do infanticídio. As áreas disponíveis para a prática agrícola (atividade predominante na época) não eram suficientes para sustentar a crescente população. Por isso, o Japão optou pela emigração e colonização. A explicação para as guerras Sino-Japonesa, Russo-Japonesa está na necessidade de mais terras para a agricultura e uma forma de drenar parte de sua população para outros lugares. É nesse contexto que os japoneses se dirigem para a Coréia, Formosa, Manchúria e iniciam a emigração para as Américas.

O Brasil é uma opção para o governo japonês enviar imigrantes e aliviar a pressão demográfica, sobretudo em vista da política norte-americana de restrição a novas entradas. Comparativamente aos chineses, para os japoneses, o clima de animosidade é um pouco mais ameno, mas nem tanto. Ao longo de seu estudo, Dezem (Dezem, op. cit.) mostra como a imagem do japonês muda com a vinda efetiva dos imigrantes para o Brasil. Até 1908, a imagem do Japão era a do Japão idealizado através de imagens como de Madame Butterfly, do país das cerejeiras. A chegada dos imigrantes muda todo esse panorama favorável e dá lugar a um clima de apreensão sobre as possibilidades de sucesso dessa corrente imigratória. Os costumes, língua, religião totalmente desconhecidos eram alertas a um eminente fracasso.

No quadro da imigração até a Segunda Guerra Mundial, os japoneses são, junto com os judeus, por razões diferentes, os grupos mais discriminados. Os judeus pelo anti-semitismo disseminado em todo o mundo; os japoneses por outras razões. É interessante notar que observando as discussões que envolveram a imigração no Brasil ao longo dos anos desde o início do século vinte, percebe-se que os japoneses estão sempre na mira dos responsáveis pela elaboração das políticas restritivas de imigração. Começa antes da vinda da primeira leva em 1908 com ressalvas tanto econômicas (o custeio da passagem imigrante japonês era o

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dobro do europeu) como de ordem racial. No momento em que as elites brasileiras estavam preocupadas com o branqueamento da população, o japonês era o elemento estranho dentro desse contexto: nem branco nem negro. Seria um elemento a mais na discussão racial brasileira, sobretudo no receio quanto à miscigenação. Havia dúvidas sobre o resultado da miscigenação com o japonês na formação da ‘raça brasileira’ (Lesser, 2001).

A vinda dos japoneses criou um outro tipo de apreensão nas elites além da racial: a concorrência. É preciso esclarecer que nem todos os japoneses chegaram ao Brasil na condição de imigrantes propriamente ditos. Uma pequena parcela, cerca de 5% veio como proprietário de glebas nas colônias adquiridas pelas Companhias de Imigração no Estado de São Paulo, depois no Norte do Paraná. A primeira colônia foi criada no Vale do Ribeira em 1913, ou seja, cinco anos depois do início da imigração. Essas colônias tinham uma organização bastante sofisticada para a época pois contavam com uma infraestrutura que tinha um sistema que previa não apenas a produção agrícola, mas o processamento dessa produção até a sua comercialização. Havia também escolas de preparo de jovens para técnicas agrícolas, havia a previsão de abertura de estradas, de portos, de armazéns. Parte desses projetos foram concretizados. As colônias de Bastos, Pereira Barreto, Sete Barras são exemplos desses empreendimentos que funcionaram e deixaram as autoridades brasileiras em alerta. São projetos até então desconhecidos que se assemelham ao que denominamos de agroindústria na atualidade (Sakurai, 1999)

As famílias que vieram como imigrantes propriamente ditos, depois de sua estada nas fazendas de café para o cumprimento do contrato de imigração, passam rapidamente a ser ou arrendatários ou pequenos proprietários. Nessa etapa, passam a desenvolver a policultura em suas propriedades, o que nas décadas de 1920, 30 eram ainda novidade em São Paulo. Destaca-se também a produção intensiva do algodão nas chamadas regiões pioneiras do Estado de São Paulo nas zonas das estradas de ferro Noroeste e Alta Sorocabana. E em torno da cidade de São Paulo, iniciam a prática das cooperativas (a Cooperativa Agrícola de Cotia nasce em 1927) que produziam e comercializavam produtos como legumes, verduras, ovos.

Todo esse quadro dá visibilidade ao grupo, que além do fenótipo, introduz novidades. Em 1925 há uma tentativa de seguir o modelo norte-americano de proibição definitiva de aceitar novos contingentes japoneses, um ano depois que os fazendeiros paulistas deixaram de subsidiar as viagens de até então. A contrapartida foi dada pelo governo japonês que passou a custear as viagens. Ou seja, havia um choque de interesses que foi postergado até a Constituinte de 1934 (Luizetto, 1975) que estabeleceu o sistema de cotas de 2%, tal como nos

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Estados Unidos. Entretanto, nessa década entre 1924 e 1934 ocorrem as maiores entradas de toda a história da imigração japonesa no Brasil, tal como vê na tabela abaixo:

Imigração Japonesa para o Brasil por período

Total 234.636 100.0%

1908- 1923 31.414 13.4%

1924-1941 137.572 67.1%

1952-1963 45.650 19.5%

Fonte: Suzuki, 1964:16

Esse período coincide também com as maiores críticas aos japoneses, desta vez com outros argumentos. O mais contundente é aquele que associa a formação das colônias (tanto as dirigidas pelo governo japonês como as mencionadas acima, como também as que se formaram espontaneamente pelos pequenos proprietários), com o avanço do ‘perigo amarelo’. É preciso lembrar que em 1932 o Japão ocupa oficialmente a Manchúria criando um governo seu naquela região da China. Avança também por outras regiões da Ásia Oriental movimentando intensamente os seus exércitos. Se no final do século XIX já havia a idéia do perigo amarelo, ela se amplia com muito mais vigor no início dos anos 1930. O militarismo japonês é visto como uma ameaça pelos norte-americanos e também no Brasil. Os deputados constituintes falam sobre a ‘fome da terra’ dos japoneses e usam esse argumento para barrar novas entradas. Segundo esses deputados, o Japão, pela pequena extensão do seu território, teria interesse em invadir a América do Sul usando os imigrantes aqui estabelecidos para facilitar essa invasão (Sakurai, 2000).

Essas discussões tomam corpo quando também se acusam os japoneses de se enquistarem dentro das colônias, de não quererem se misturar aos brasileiros e portanto, não se assimilarem, tanto do ponto de vista cultural como também racial. São argumentos suficientes para que o sistema de cotas fosse aprovado. Pode-se afirmar que o estabelecimento dessa política visa diretamente os japoneses desde que as outras correntes imigratórias como a dos italianos, já estavam diminuindo desde o início do século. Ao mesmo tempo, o Brasil passa a receber refugiados que estavam fugindo dos regimes totalitários na Alemanha, Itália, Espanha além dos judeus da Europa Oriental (Paiva, Odair, 2000). A política nacionalista do Estado Novo, proibindo a circulação de jornais e do ensino de línguas estrangeiras afeta diretamente o grupo dos imigrantes japoneses.

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Esse cerco em torno dos imigrantes japoneses se agrava com a declaração de guerra aos países do Eixo2. É o corolário de um período que se estende de antes de 1908, ano do início da imigração até o final da guerra em 1945. Há estigmas, há sempre o olhar de desconfiança sobre ‘o outro’.

O final da guerra também gera problemas para os japoneses com a cisão no interior do grupo entre aqueles que não acreditaram na derrota do Japão na guerra e aqueles que aceitaram os fatos. Os primeiros empreendem perseguições que acabam em assassinatos e listas de pessoas mortas seria alto caso a polícia brasileira não interviesse3. Esse movimento durou do final de 1946 até o início de 48.

Embora o Brasil ao final da guerra tivesse adotado a linha de apagar as marcas do Estado autoritário em vigor desde 1937 adotando uma nova Constituição em 1946, ainda assim, para os japoneses, o problema continuava. No próprio processo de elaboração da nova carta constitucional, a discussão sobre a continuidade do fluxo migratório de japoneses para o Brasil foi novamente alvo de muita polêmica. A decisão só ocorreu a favor porque o presidente da Constituinte deu o seu voto a favor porque houve empate na votação desta questão 4. Se por um lado havia restrições, ao mesmo tempo, o Brasil abriu as portas e continuou a receber refugiados de guerra a partir de 1947, um ano após a polêmica sobre os japoneses (Salles, 2001).

3. Imigração no pós-guerra

O que denomino imigração do pós-guerra é aquela que se inicia a partir de 1947 quando chegam os primeiros refugiados da Europa e se estende o final da década de 1970. Dentro da periodização da história da imigração no Brasil seria o segundo período, entre a imigração tal como é comumente conhecida e o terceiro, do movimento de emigração para a América do Norte, Europa e Ásia. Este segundo período é muito pouco estudado no contexto das migrações, inclusive dentro da bibliografia internacional.

Esta imigração do pós-guerra possui alguns traços que a diferenciam do período anterior, por isso o seu tratamento em separado. A Segunda Guerra Mundial foi um marco importante para o Brasil em diversos sentidos. Como foi assinalado acima, o Brasil procura novos caminhos depois de terminada a guerra perseguindo o seu desenvolvimento interno. Decorre daí, o movimento de industrialização como uma das vertentes para alcançar a

2 As restrições aumentam pelo estado de guerra em si, pois são cidadãos japoneses vivendo num país inimigo. 3 Sobre esse movimento, vide Nakadate, 1988, Hatanaka 1993, Moraes, 2000 e Dezem 2000.

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melhoria da qualidade de vida da população brasileira e disputar mercados no plano internacional. A imigração do período se encaixa dentro desse novo contexto e por isso, tem características que a diferenciam do período anterior à guerra cuja prioridade era a questão da mão-de-obra.

O fim da guerra marca também uma nova inserção do Brasil no campo das relações internacionais com a participação em organismos como a ONU. Já nos anos imediatamente posteriores à guerra, em 1948 foi formada uma comissão mista Brasil - O I.R. (Organização Internacional de Refugiados) (decreto 25.796 de 10-11-1948) a partir da qual o governo brasileiro se comprometia a receber uma cota de refugiados de guerra, embora o país já os recebesse desde 1947.

A partir de 1951, as atividades da O.I.R. foram paulatinamente reduzidas, como reflexo do fim da recolocação dos deslocados de guerra dos campos de refugiados na Alemanha e na Áustria. Não se tem o número exato de deslocados, mas estima-se que em julho de 1947 havia aproximadamente 1.000.000 de refugiados na Alemanha e Áustria ocupadas pelas forças aliadas. Destes, a grande maioria não desejava voltar para suas regiões de origem 5. Para o Brasil, em 1947 o jornal O Estado de São Paulo 6 dizia que o Brasil receberia 700.000 deslocados de guerra, mas dados de 1949 demonstram que chegaram ao país pouco mais de 19.000.

A grande diferença no perfil desses novos imigrantes com o período anterior é a sua qualificação profissional. Embora os governos dos países receptores utilizassem o discurso humanitário para receber os refugiados, na realidade, o que se verificou foi uma seleção rigorosa em favor de candidatos com alguma ocupação especializada, sobretudo as de caráter urbano. O quadro abaixo é ilustrativo da escolha de candidatos com alguma qualificação profissional, de preferência, os que pudessem se engajar no ramo industrial:

5 Esta questão foi tema da exposição Destino Brasil: Refugiados da Segunda Guerra Mundial em São Paulo,

organizada no Memorial do Imigrante, sob a curadoria de Odair da Cruz Paiva, aberta ao público no período de 24 de junho a 28 de agosto de 2000; também está apontada em : Refugiados de Guerra e a Imigração para O Brasil nos anos 1940 e 1950. Revista Travessia. Ano XIII, n. 37 mai/ago de 2000: 25-30.

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QUADRO DEMONSTRATIVO DAS PRINCIPAIS PROFISSÕES DOS IMIGRANTES DESLOCADOS DE GUERRA, COLOCADOS NO ESTADO DE SÃO PAULO, NOS ANOS DE

1947 A 1949 TOTAL Ajustadores 37 Ajustadores Mecânicos 27 Alfaiates 26 Auto-Mecânicos 32 Carpinteiros 225 Costureiros 24 Eletricistas 188 Encanadores 33 Ferramenteiros 11 Ferreiros 35 Fiandeiros 74 Fundidores 18 Marceneiros 93 Mecânicos 569 Mecânicos-Eletricistas 26 Montadores 72 Pedreiros 84 Pesponteadores 10 Pintores 116 Polidores 15 Prensistas 43 Relojoeiros 20 Salameiros 12 Sapateiros 59 Serralheiros 93 Soldadores 34 Tecelões 66 Torneiros 35 Torneiros-Mecânicos 30 Vidreiros 20 Assistentes de Engenheiros 5 Assistentes de Técnicos 14 Bacteriologista 1 Calculistas 5 Classificador de Algodão 1 Desenhistas 89 Eletro-Radiologista 1 Enfermeiros Auxiliares 19 Fotógrafos 22 Hdro-Técnicos 3 Ictiologista e Piscicultor 1 Protéticos 6 Químicos 35 Técnico em Acumuladores Elétricos 1

Técnico-Eletricistas 50 Técnicos de Rádios 36 Técnico-Hidráulicos 4 Técnico-Mecânicos 30 Técnico-Mineralogistas 4 Técnico-Construtores 37 Técnico em Cimento 1 Técnico em Fiação 1 Técnicos em Papéis 2 Técnicos em Laticínios 2 Técnicos Diversos 78 TOTAL 2575

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Logo em seguida, o Brasil se torna membro do CIME (Comitê Intergovernamental para Migrações Européias), formado por países de emigração e de imigração. Esse comitê tinha a função de administrar os deslocamentos de europeus para países interessados em receber imigrantes. As décadas de 1950 e 60 são marcadas por deslocamentos de populações da Itália, Espanha, Alemanha, entre os mais significativos numericamente, em direção aos Estados Unidos, Canadá, Austrália, África do Sul e também para a América Latina. O Brasil, Argentina, Venezuela, México são os principais receptores desse novo fluxo migratório.

4. Imigração japonesa no pós-guerra. Tensões dentro do grupo

1. Perfil dos imigrantes do pós-guerra.

A imigração de japoneses para o Brasil só foi reconhecida oficialmente em 1963 (Decreto nº 52.920 de 22 de novembro de 1963 promulga o Acordo de Migração e Colonização Brasil – Japão), dezoito anos após o término da guerra. As relações diplomáticas com o Japão foram retomadas em 1952, relembrando as polêmicas na Constituinte de 1946. A atmosfera em torno da questão dos japoneses no Brasil não mudou com o término da guerra e nem com o novo contexto político do país 7. Há portanto, um tratamento diferenciado no tocante à política imigratória, repetindo-se a mesma tendência do período anterior. O trecho transcrito abaixo, não é diferente do discurso do período do Estado Novo:

“pela razão de ser o colono nipônico inassimilável, constituindo destarte, verdadeiro quisto onde se encontre agrupado” (Jornal Folha Carioca 30/06/1952). Opiniões como essa não

eram unânimes, mas esses pareceres foram emitidos por membros do Conselho Nacional de Imigração e Colonização, órgão que controlava todo o processo de imigração no período. A marca negativa continuava a existir e os japoneses continuam sendo o grupo mais visado pelas autoridades de imigração.

O elemento novo que entra na discussão do período é o repúdio ao racismo, já que um país que tinha o desenvolvimento como meta, este poderia ser um fator que colocaria o Brasil em situação constrangedora diante das outras nações desenvolvidas: “É anacrônica a

discriminação racial, pelo menos oficializada. Reconhecemos que existem determinados grupos étnicos que se isolam calculadamente, ocasionando sempre transtornos desagradáveis conseqüências. Mas oficializar o racismo, isto é revoltante e inadmissível para um mundo futuro que tem no presente o seu início. Muito menos no Brasil, que um

7 A retomada da imigração italiana ocorreu em 1950, assim como no mesmo ano foram suprimidas as cotas de

entradas para imigrantes portugueses, espanhóis e franceses. Em 1951 foi assinado o Acordo de Imigração e Colonização entre o Brasil os Países Baixos.

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eminente sociólogo classificou como a única democracia racial existente no mundo inteiro.”

(idem – grifos meus). A diretriz para evitar o enquistamento dos japoneses é a “integração

dos imigrantes em coletividades já estruturadas, ou então, quando criadas as colônias, ali serem colocados iguais números de autóctones ...” (ibidem). Terminam apelando para os

valores cristãos para justificar a necessidade de integração.

Ao mesmo tempo em que os formuladores da política de imigração emitiam opiniões contrárias, o próprio Presidente Getúlio Vargas agia em direção contrária. Os primeiros imigrantes japoneses do pós-guerra vieram com autorização especial de Vargas em projetos de colonização para o Mato Grosso e Amazônia em 1952, e pouco mais tarde, por um acordo com a Cooperativa Agrícola de Cotia. São agricultores engajados em projetos de colonização previamente planejados com o intuito de colonizar partes desocupadas de nosso território. Por isso, os projetos de colonização se voltam para a Amazônia Legal, o interior do Nordeste e alguns pontos da região Sul.

O objetivo dessas autorizações especiais é bem claro: é o de preencher aquilo que o governo brasileiro tinha estabelecido como meta para o seu desenvolvimento, ou seja, o incentivo à imigração dirigida: “Imigração dirigida é a orientação político –econômica que

um Governo impõe à sua máquina administrativa, a fim de encaminhar técnica e

cientificamente as correntes imigratórias para uma colonização racional, observadas as

questões de etnologia, concentração, assimilação, bem como as condições de ordem política, social e moral” (Decreto nº 3010, de 20 de agosto de 1938 grifos meus). Se analisarmos os

discursos em favor da imigração desde os anos 1870, verificamos que os argumentos se repetem por quase um século: o bom imigrante para o Brasil é aquele que vem para colonizar o nosso território, que é assimilável. Os japoneses preenchem o requisito da colonização, mas ainda a assimilação é vista com ressalvas. Somente o interesse de colonizar faz o governo priorizar o elemento econômico e chamar japoneses para desbravar e plantar em regiões pouco desenvolvidas.

No pós-guerra a imigração é predominantemente dirigida, com exceção das vindas por cartas de chamada de parentes ou conhecidos já estabelecidos no país. É nesse contexto que se desenvolve a pesquisa “Novos Imigrantes – Fluxos Migratórios e Industrialização em São Paulo (1947-1980)” 8 com documentação depositada no Memorial do Imigrante em São Paulo. Essa documentação faz parte do acervo deste órgão da Secretaria da Cultura do Estado

8 8 Pesquisa que envolve uma equipe do NEPO/UNICAMP utilizando documentação inédita depositada no

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de São Paulo constituindo-se de fichas de entradas dos imigrantes na antiga Hospedaria dos Imigrantes e de avisos de chegada de imigrantes cuja recepção estava a cargo do D.A.I.S (Departamento de Amparo e Integração Social) subordinado ao S.I.E. (Serviço de Imigrantes Estrangeiros). Os imigrantes japoneses são parte da extensa documentação que soma cerca de 40.000 registros que está sendo informatizados num banco de dados. As considerações a seguir serão feitas a partir de dados ainda parciais da documentação sobre os japoneses, já que o banco de dados ainda não está pronto. É preciso levar em consideração que a documentação não está organizada cronologicamente, portanto a alimentação dos dados ocorre aleatoriamente. Assim, não há a possibilidade de tirar conclusões definitivas, mas apenas parciais.

Outra fonte de dados para as considerações abaixo é o Censo da colônia japonesa realizado em 1958 na comemoração do aniversário dos 50 anos da vinda dos primeiros imigrantes japoneses. Sobre esse Censo, há uma ressalva a se fazer. Ele foi realizado num momento em que a imigração japonesa do pós-guerra ainda era muito incipiente. Segundo Maria Stella Levy que fez um extenso levantamento nos censos demográficos brasileiros (Levy, 1974), o número de entradas de japoneses de 1945 a 1957 é de 22.724, correspondendo a 36,5% num universo de 62.220 (entre 1908 e 1972). Os dados da pesquisa que realizamos no Memorial do Imigrante (que a partir daqui denominaremos com a abreviatura MI), demonstram que as entradas são proporcionalmente significativas depois de 1972, como na tabela abaixo:

Entrada de Imigrantes Japoneses no Pós-guerra * Ano chegada Freqüência Porcentagem

1946-1955 145 7,2 1956-1965 394 19,8% 1966- 1972 243 12,2 1973-1980 1213 60,8% Total 1995 100,0% *Dados parciais Fonte: Banco de dados MI

Como assinalado acima, os imigrantes do pós-guerra se diferenciam daqueles do período anterior por algumas características. Tal como os refugiados, uma parcela dos japoneses vem com ocupações de caráter urbano, embora não seja a sua maioria.

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Entradas de imigrantes japoneses por setor da economia 1946-1980* Ocupação Nº absoluto % Agricultor 931 44,8 Ocupação urbana ** 634 30,5 Prendas domésticas 214 10,3 Sem ocupação 300 14,4 Total 2079 100,0 *Dados parciais

** agregados os setores secundário e terciário Fonte: banco de dados MI

Quando se subtraem os sem ocupação (englobando aí as crianças e idosos) e as mulheres (prendas domésticas), considerando-se apenas a população economicamente ativa, a proporção é de 59,5% para os agricultores e 40,5% para os não agricultores, imigrantes que vieram com ocupações no setor urbano.

O cruzamento de dados entre o ano de entrada no Brasil e o setor da economia aponta uma nítida diferença entre os dois grupos porque chegam 51,2% dos agricultores até 1965 enquanto que para os de ocupação urbana a taxa é de apenas 7,3% até o mesmo ano. Os picos de entradas dentro deste último grupo ocorrem entre 1973 e 1977. Este é o período que coincide como Programa Nacional de Cooperação Técnica Brasil- Japão cujos objetivos, entre outros, eram o de intercâmbio de tecnologia com envio de bolsistas brasileiros para o Japão (foram cerca de 400 entre 1972 e 1974), vinda de técnicos japoneses ao Brasil para a transmissão de conhecimentos técnicos sobretudo nos setores têxtil, agrícola, análise de solos e eletricidade Com a finalidade de assegurar o suprimento de matérias-primas e produtos primários, em setembro de 1974 o primeiro-ministro Tanaka vem ao Brasil e fica decidida a participação japonesa nos projetos:

• ALBRÁS (Alumínio do Brasil)

• FLONIBRA (papel e celulose no Espírito Santo) • CENIBRA (papel e celulose em Minas Gerais)

• Siderúrgica de Itaqui (Maranhão) utilizando o minério de ferro de Carajás (PA) • Siderúrgica de Tubarão (ES)

• Incorporação de empresas japonesas produtoras de máquinas e equipamentos para centrais elétricas para a construção da hidrelétrica de Itaipu

• Associações entre grupos empresariais japoneses e empresas privadas brasileiras:

1. Furukawa Electric Co. com firmas brasileiras para a montagem de uma fábrica de cabos para telecomunicações em Curitiba (PR)

2. Sumitomo Shoji Kaisha com a Companhia Cacique de Café Solúvel

3. de frutas e legumes para o mercado brasileiro e para exportação em Atibaia (SP)

4. Japan Gasoline Co. e C. Itoh Co. par a prestação de serviços de engenharia na expansão das refinarias Alberto Pasqualini e Gabriel Passos. (apud Ferreira, 1991).

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O banco de dados confirma a demanda do mercado industrial brasileiro com a vinda de técnicos que correspondem a 10,3% do total da amostra até agora informatizada. Desses, 78 % são técnicos mecânicos e técnicos industriais; 22,5% são desenhistas projetistas. Interessante notar a presença de 6 especialistas em instalação de telefones e telégrafos e 13 técnicos em instalações de ventilação, calefação e refrigeração, 187 estão registrados apenas com a rubrica industriário, o que dificulta a análise. De qualquer forma, pode-se perceber que esses técnicos são de nível médio contando-se até agora apenas 11,7 % de engenheiros: um engenheiro (sem especificação do ramo de especialização), um engenheiro civil, um de oceanografia, 8 engenheiros elétricos, 11 mecânicos, 2 químicos, todos destinados a empresas privadas de capital japonês com a média de idade de 36,4 anos. Há um número pequeno de mulheres com ocupação: 3 enfermeiras, 5 professoras especializadas em recuperação de crianças deficientes, 1 freira e 4 domésticas. As outras imigrantes do sexo feminino estão registradas sob a rubrica prendas domésticas ou sem ocupação.

Ainda sobre os japoneses que vieram exercer ocupações urbanas, nota-se uma predominância de solteiros:

Imigrantes japoneses do pós-guerra em ocupações urbanas- estado civil*

Estado_Civil Freqüência Porcentagem

casado 163 25,3% nc 10 1,6% solteiro 470 73,0% viúvo 1 0,2% Total 644 100,0% *Dados parciais Fonte: Banco de dados MI

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Imigrantes japoneses do pós-guerra – estado civil *

Estado_Civil Freqüência Porcentagem

casado 749 35,7% nc 58 2,8% solteiro 1276 60,9% viuvo 13 0,6% Total 2096 100,0% *Dados parciais Fonte: Banco de dados MI

Imigrantes japoneses agricultores no pós-guerra – estado civil *

Estado Civil Freqüência Porcentagem

Casado 307 32,9% Nc 18 1,9% Solteiro 605 64,9% Viúvo 2 0,2% Total 932 100,0% *Dados parciais Fonte: Banco de dados MI

Nota-se que o número de solteiros entre os que foram para as cidades é mais alto do que para os agricultores.

Comparando-se os dados dos que vieram depois da guerra, percebe-se uma nítida diferença com relação ao estado civil dos imigrantes do período até a guerra. Como a condição para emigrar para o Brasil era de que viessem famílias, o equilíbrio demográfico dessa população (1908-1945) é significativo:

Imigrantes japoneses – distribuição por sexo 1908-1945

Sexo Freqüência Porcentagem

Masculino 100918 55,2

Feminino 81803 44,8

Total 182721 100,0

Fonte: Suzuki, 1964 tabela 320: 398

Sobre a idade: em 625 casos dos imigrantes que foram se fixar nas cidades, a média de idade é de 17,7 anos, a mínima de 12 anos para um comerciário, o a máxima de 66 anos para um industriário. A moda é de 24 anos e a mediana é de 27 anos.

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Imigrantes japoneses - distribuição etária - 1908-1958

Idade Total geral Até 1945 Pós-guerra

Nº absoluto % Nº absoluto % 0 –6 5591 5591 11,1 - 7 –14 11688 11678 23,3 10 0,3 15 –19 10383 10329 20,6 54 1,6 20 – 29 15378 14370 28,8 1008 29,1 30 –39 7117 6091 12,2 1026 29,5 40 + 3379 2007 4,0 1372 39,5 Total 55.536 59066 100,0 3470 100,0

Fonte: Suzuki, 1964 tabela 203: 269

O banco de dados do MI aponta que a média etária total (2096 registros) é de 27,5 anos, sendo a moda de 24anos, a mediana de 25, o mínimo de idade é de 0 anos e o máximo de 81 anos.

Para os agricultores (915 casos), a média é de 24,6 anos, o mínimo de 13 anos e o máximo 63. A mediana é de 25 anos e a moda 21 anos.

O quadro da distribuição etária dos imigrantes urbanos é a que se segue:

Imigrantes japoneses do pós-guerra – distribuição etária - ocupações urbanas*

Idade Freqüência Porcentagem

12 – 20 26 4,1% 21 –25 220 35,2% 26 –30 203 32,5% 31 –40 140 22,4% 41 – 66 36 5,8% Total 625 100,0% *Dados parciais Fonte: Banco de dados MI

São Paulo ainda é o grande centro polarizador dos empregos, embora já se tenha sido feito o comentário sobre os projetos de colonização agrícola.9 É curioso que há casos de imigrantes que se dirigiram para Belém (PA) e a documentação está preservada no MI. Os imigrantes que vieram para trabalhar nos projetos de colonização passam por outro processo sem a necessidade de passar pela Hospedaria dos Imigrantes, por isso a inexistência de seus registros no arquivo estudado. Os agricultores aqui registrados vieram através de outros

9 Sobre este aspecto há o problema de que os dados do MI se referem basicamente a São Paulo. As entradas pelo

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processos ainda não levantados pela pesquisa, provavelmente por cartas de chamada de parentes ou conhecidos. Sabe-se por exemplo, que os que se dirigiram para Santa Catarina e Rio Grande do Sul são recrutados para desenvolver colônias mantidas pelo governo japonês e não pelo governo brasileiro como os que tiveram o aval do presidente Getúlio Vargas na década de 1950. No próprio Estado de São Paulo há vários projetos de colonização agrícola em municípios como São Miguel Arcanjo, Jacareí, Atibaia, Ourinhos.

A distribuição por Estado, até o momento revela que Estados do Nordeste como a Bahia que teve um importante projeto mantido pelo governo japonês, a colônia JK, por exemplo ainda não entraram no banco de dados.

Imigrantes japoneses do pós-guerra agricultores. Distribuição por Estado * Agricultores - Estado Freqüência Porcentagem

DF 1 0,2% GO 2 0,4% MG 5 1,0% MT 7 1,5% PR 26 5,4% RS 2 0,4% SC 8 1,7% SP 430 89,4% Total 481 100,0% *Dados parciais Fonte: Banco de dados MI

Para os que vieram para as cidades,ocorre o mesmo que entre os agricultores: o Estado de São Paulo é o pólo de atração já que é onde estão localizadas as empresas privadas com capital japonês. Essas empresas se localizam fora da cidade de São Paulo mostrando a tendência de interiorização das indústrias. Municípios como Indaiatuba, Mogi das Cruzes, Taubaté, São Bernardo do Campo, Guarulhos abrigam basicamente indústrias de manufaturados, de equipamentos eletrônicos como a Howa de máquinas testeis, a NGK de auto peças, Motores Yanmar. Os técnicos, engenheiros que se dirigiram para empreendimentos nos projetos de criação de infraestrutura incentivados pelo governo brasileiro como a Usiminas, Tubarão, as subsidiárias da Companhia Vale do Rio Doce, os estaleiros Ishikawajima no Rio de Janeiro não estão contemplados nesta base de dados porque estes entraram no Brasil pelo Rio de Janeiro.

Para a cidade de São Paulo vêm imigrantes para trabalhar em empreendimentos menores como pequenas empresas, até mesmo, carpintarias. Há empreendimentos de nipo-brasileiros como a indústria de rádios Motorádio, Nakata de auto peças, por exemplo. A

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dúvida que a pesquisa deverá tentar esclarecer é o porquê de trazer um imigrante de 63 anos para trabalhar numa carpintaria na Vila Carrão em São Paulo...

A distribuição por Estado destes que estão nas ocupações urbanas é a seguinte:

Imigrantes japoneses do pós-guerra em ocupações urbanas. Distribuição por Estado * Técnicos - Estado Freqüência Porcentagem

DF 1 0,2% GO 5 1,0% MG 9 1,7% PB 1 0,2% PR 2 0,4% SP 500 96,5% Total 518 100,0% *Dados parciais Fonte: Banco de dados MI

2. Tensões entre os japoneses no período pós-guerra

As considerações que se seguem são apontamentos para se refletir sobre a questão do tratamento que costumamos dar ao estudarmos os grupos imigrantes. Há uma tendência a se analisar esses grupos como grupos propriamente ditos, vendo-os como homogêneos. É claro que ao se trabalhar com diferentes grupos nacionais a tendência é essa mesma, ou seja, referir-se aos italianos e aos japoneses significa vê-los como grupo. Entretanto, quando nos voltamos para um grupo específico, nem sempre se percebem as divisões internas, as tensões que envolvem interesses diferentes, trajetórias diversas.

Esta questão veio à tona quando tivemos contato com a documentação que está sendo trabalhada no momento, e com informações sobre esses imigrantes do pós-guerra. Os dados apresentados na parte anterior traçam um perfil diverso daqueles que vieram no período da chamada Grande Imigração. São imigrantes com trajetórias diferentes, oriundos do Japão, mas de um país que tinha passado pela experiência da guerra, dos bombardeios, das mortes. Os que estavam no Brasil viveram a guerra de longe, mas os que vieram depois da guerra vivenciaram a guerra diretamente, ou através da experiência dos pais.

Sabe-se que a imigração em si cristaliza nos seus integrantes uma imagem do país de origem que não muda. Ela fica no imaginário do imigrante, que por sua vez transmite aos seus descendentes. É notória a imagem que pais e avós do primeiro período transmitiram para seus descendentes: é, como os estudiosos japoneses rotulam, a imagem do Japão da era Meiji (quando o Japão se abre e inicia o seu movimento de modernização a partir de 1868). Vários

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pesquisadores japoneses vêm para o Brasil para contactar velhos imigrantes para obter deles subsídios para entender como era o Japão daquela época, sobretudo do ponto de vista lingüístico. A língua japonesa falada pelos japoneses no Brasil é a língua cristalizada do início do século vinte.

Essas considerações são o ponto de partida para se entender as tensões e as acusações mútuas entre os dois grupos. Por um lado, os antigos imigrantes acusavam os novos de ‘folgados’, ‘interesseiros’ porque estavam apenas usufruindo daquilo que os antigos tinham duramente conquistado. O discurso anti-nipônico das décadas de 1930 e 40 havia marcado o grupo como um todo na sua relação com os outros brasileiros. O trabalho árduo, a necessidade de poupança para sobreviver e se tornar independentes economicamente, o choque cultural são aspectos que traçaram a trajetória das famílias desses antigos imigrantes. A difícil conquista de espaços dentro da sociedade brasileira é o argumento que esses imigrantes usam para se confrontar com os novos (do pós-guerra). Dizem que esses chegaram ‘já com a cama pronta’, não tendo que se esforçar para criar uma imagem positiva diante dos brasileiros.

Por outro lado, os novos se referem aos antigos como atrasados, anacrônicos, ‘caipiras’ como vulgarmente se fala na linguagem comum. Vêem os antigos como ignorantes, pois o seu nível de educação formal é mais alto que dos antigos, mesmo entre os agricultores, tal como se vê na tabela abaixo:

Escolaridadedade dos imigrantes japoneses por período

Escolaridade Pré guerra Pós-guerra

Freqüência % Freqüência % Primário 24525 74,2 2308 39,5 Secundário 7420 22,5 2412 41,3 Superior 929 2,8 1117 19,2 Lê e escreve 58 0,2 2 0,03 Analfabeto 112 0,3 1 0,02 Total 33044 100,0 5840 100,0

Fonte: Suzuki, 1964 tabela 313: 382-383

Outro ponto de polêmica é a questão da guerra. Os novos acusam os antigos de não serem mais japoneses sobretudo porque não tinham vivido as dificuldades da guerra, da ocupação norte-americana e todas as conseqüências desse período: os racionamentos de alimento, combustíveis, o desemprego (calcula-se que com a derrota, cerca de 6 milhões de

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japoneses retornam dos territórios ocupados pelo Japão desde o fim do século XIX). A emigração é mesmo uma válvula de saída para o Japão até o crescimento de sua economia no final dos anos 1960. A partir dos anos 1970, o Japão se dirige a países em desenvolvimento, como o Brasil, para fazer investimentos diretos ou indiretos, transferir indústrias sucateadas, como as têxteis, para lugares com mão-de-obra barata, disponibilidade de matérias-primas e energia para criar as subsidiárias ‘...do Brasil’ (Ferreira, idem). Esses novos imigrantes são os agentes desse processo que traz em sua esteira a marca da tecnologia, do avanço, em contraste com o imigrante da enxada, da pele tostada pelo sol. Até a cor da pele era motivo para acentuar as diferenças e dividir o grupo.

Essas diferenças tomaram corpo de fato, se concretizando em atributos de acusações recíprocas como o ‘caipira’, ‘o atrasado’, o ‘escuro’ de um lado, e de outro, o ‘nariz empinado’, ‘o folgado’, ‘o orgulhoso’. O problema se concretiza com confrontos diretos, como o que ocorreu em 1959 nas ruas do bairro da Liberdade (onde havia uma grande concentração de japoneses naquela época). Houve briga entre jovens dos dois grupos, conforme noticiam o jornal São Paulo Shimbun de outubro de 1959.

Há também notícia de um incidente na siderúrgica Usiminas em Ipatinga (MG). Como acionário majoritário na época de sua criação, a Usiminas era administrada por técnicos japoneses, mas também empregou descendentes de japoneses para preencher os seus quadros. No entanto, as diferenças culturais, a barreira da língua, vêm à tona a ponto de haver um boicote dos nipo-brasileiros em relação à forma como a empresa era administrada (CEHIB. 1992: 433).

O termo ‘japão novo’ era usado nas décadas de 1960 e 70 para se referir aos imigrantes do pós-guerra. Por outro lado, os novos chamavam os antigos de ‘burajiru bokê’:

bokê em japonês significa caduco, velho e burajiru é a pronúncia japonesa de ‘Brasil’. Eram

termos pejorativos mas comumente utilizado para se referir ao outro, para diferenciá-lo. Além da retórica e de incidentes como os citados, emerge um outro problema na relação entre os dois grupos. Na parte anterior foi traçado o perfil dos novos imigrantes que são, na sua maioria, jovens, do sexo masculino, solteiros. Quando o assunto é o matrimônio desses jovens, a questão se acirra. Não há estatísticas, mas relatos de que a grande maioria dos pais das jovens em idade de casamento recusava o ‘japão novo’ como genros. Alegavam as diferenças já levantadas apesar da melhor condição econômica desses jovens em relação às famílias que estavam começando a se estabelecer na cidade. É a época em que as famílias migram do campo para a cidade de São Paulo e seus arredores para tentar se inserir em ocupações urbanas. É o ápice da presença dos japoneses nas feiras livres, nas tinturarias, nos

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salões de beleza. A tensão para impedir casamentos entre jovens dos dois grupos é regular e se prolongou por mais de uma década. Era considerada uma vergonha para a família da noiva o casamento com um ‘japão novo’.

Entre os agricultores que vieram pelo projeto da Cooperativa Agrícola de Cotia ocorreu a prática do casamento por fotografia. Essa era uma prática bastante comum nos Estados Unidos antes da guerra 10. As ‘picture brides’ foram muitas naquele país em que predominou a imigração de jovens solteiros. No Brasil, como foi dito, o equilíbrio entre os sexos se mostrou favorável aos casamentos endogâmicos, sendo esta uma das razões para os japoneses serem acusados de inassimiláveis, com tendências ao enquistamento, mesmo depois de terminada a guerra. O problema matrimonial dos jovens imigrantes do pós-guerra foi solucionado em parte com a vinda dessas noivas por fotografia. Foram cerca de 400 moças japonesas que se casaram sem conhecer o noivo, cujo casamento foi tratado por um intermediário. Elas receberam o nome de hanayumi imin que em japonês significa flor do sonho 11.

5. Considerações finais

Os quase cem anos de história dos japoneses no Brasil são permanentemente recheados de atitudes opostas como os preconceitos e os elogios, por processos de rejeição e aceitação que em suma, marcam uma trajetória atribulada de busca de espaços sociais para esmaecer as diferenças deste grupo imigrante na sociedade receptora. O estudo dos imigrantes do pós-guerra é uma oportunidade para se avaliar o peso do ambiente receptivo na aceitação dos novos imigrantes perante a sociedade brasileira. No período anterior esse ambiente inexistia. Mas quando vêm os agricultores especializados, os técnicos portadores de tecnologia para inserir os brasileiros na economia internacionalizada, o clima é de deferência e respeito. Como é essa relação é um ponto ainda a ser refletido.

Se por um lado havia esse clima de abertura aos novos imigrantes por parte da sociedade maior, no interior do grupo havia desconfiança, tensões. A pergunta que fica no ar é como distinguir o estigmatizado ou os estigmatizados no grupo de imigrantes que teve

Madame Butterfly e as hanayumi como personagens?

10 Há um filme que mostra a vida dessas noivas por fotografia: Cinzas do Paraíso que retrata a vida de uma

dessas noivas no Havaí.

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6. Bibliografia citada

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CEHIB -Comissão de Elaboração da História dos 80 Anos da Imigração Japonesa no Brasil. 1992. Uma

Epopéia Moderna. 80 Anos da Imigração Japonesa no Brasil. São Paulo: Hucitec/ Sociedade Brasileira de

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