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Percepção de riscos socioambientais no uso de agrotóxicos – o caso dos assentados da reforma agrária paulista

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Academic year: 2021

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Percepção de riscos socioambientais no uso de agrotóxicos – o

caso dos assentados da reforma agrária paulista

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Janice Rodrigues Placeres Borges♣♣ Amaury Lélis Dal Fabbro♦♦ Antonio Luiz Rodriguez Jr♥♥

Palavras-chaves: Percepção de Risco; Saúde do Trabalhador Rural; Saúde Coletiva; Exclusão Social.

Resumo

O objetivo deste trabalho foi analisar as percepções dos assentados da reforma agrária paulista no Assentamento Monte Alegre, SP, a respeito dos riscos à saúde e ao ambiente, referentes ao uso, armazenamento e disposição final de agrotóxicos e seus resíduos, considerando indicadores sócio-demográficos, práticas relacionadas à utilização e armazenamento dessas substâncias e à intoxicação associada ao seu uso, com o intuito de entender a situação de exposição e contaminação socioambiental a que estão sujeitos. Foram aplicados questionários fechados, realizadas entrevistas gravadas e fotodocumentação. Os resultados apontam para a utilização de agrotóxicos em 92% dos lotes amostrados, onde 18% dos lotes amostrados os entrevistados afirmam terem se intoxicado nas últimas semanas. Em sua maioria, esses entrevistados são analfabetos ou possuem o antigo primário incompleto, renda entorno de 1 salário mínimo, sexo masculino e a idade varia dos 17 anos até mais de 60 anos.A unidade produtiva é a agricultura familiar. Declaram que os problemas de saúde que apresentaram foram de ordem dermatológica, digestiva, respiratória e neurológica. Os fatores de risco encontrados foram: ter contato freqüente com agrotóxicos; alto índice da prática do processo manual de pulverização; equipamento de proteção individual precário. O equipamento de proteção individual ideal foi apontado como “muito caro” ou “quente demais”, falas que comprovam que esse tipo de equipamento além de apresentar alto custo para o pequeno produtor é inviável para países tropicais. Sobre o armazenamento destaca-se o item depósito longe de casa e os métodos de incinerar e enterrar as embalagens utilizadas, como formas mais usuais de disposição final e por eles. Conclui-se que, as famílias encontram-se em uma situação de alto grau de riscos à saúde e ao ambiente, provenientes de sua situação de exclusão social no sentido restrito à via de execução do trabalho. Assim como, observa-se que a percepção de ricos dos entrevistados dividi-se entre os que possuem noção de riscos e os totalmente desinformados.

“Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú-M G-Brasil, de 20-24 de Setembro de 2004”.

Depto. de Medicina Social – FMRP-USP. E-mail:janicepb@terra.com.br .

Depto. de Medicina Social - FMRP-USP. E-mail: adfabbro@fmrp.usp.br.

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Percepção de riscos socioambientais no uso de agrotóxicos – o

caso dos assentados da reforma agrária paulista

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Janice Rodrigues Placeres Borges♣♣ Amaury Lélis Dal Fabbro♦♦ Antonio Luiz Rodriguez Jr♥♥

Introdução

Os estudos dos impactos negativos à saúde humana, advindos da relação trabalho, saúde e ambiente são produto de uma evolução cumulativa que contou com a colaboração dos diversos campos do conhecimento ao longo do tempo. Comprovado por Lieber e Romano-Lieber (2000), Chame (2000), entre outros, o tema é de natureza sistêmica e interdisciplinar e, por isso, mesmo, inesgotável e ainda se apresenta como verdadeiro desafio a ser interpretado.

Dentro dessa linha de estudos, os levantamentos e as relações dos fatores de risco associados ao regime de uso e agrotóxicos e saúde do trabalhador rural, são da maior importância para a saúde pública, uma vez que, a aplicação indiscriminada desses produtos vem afetando tanto a saúde humana quanto os ecossistemas naturais.

Comprovado cientificamente, o uso inadequado, como o uso sem discernimento de agrotóxicos associados, por exemplo, à erosão, são problemas que se generalizam e agravam cada vez mais, visto que, a mesma é um elemento potencializador da contaminação dos corpos d’água.

No caso específico da saúde humana, os danos podem atingir os aplicadores, os membros da comunidade, onde os mesmos estão sendo utilizados e /ou armazenados, os consumidores de alimentos contaminados com resíduos, os indivíduos que utilizam água contaminada, etc. Enfim, este é um tipo de risco ao qual toda a população está exposta, direta ou indiretamente, assim como, tem causado problemas ambientais em escala mundial.

Estudos vêm comprovando que a exposição a agrotóxicos pode levar a problemas respiratórios, efeitos gastrointestinais, neurológicos, dermatológicos, cardiovasculares e do aparelho locomotor (Antle e Pingali, 1994; Martin, 1993). Resíduos de agrotóxicos organoclorados são encontrados no leite materno, no plasma de crianças de 0 a 5 anos, nos mares e seus animais etc.

De acordo com Mearns at al. (1994), Pingali et al. (1994), Soares (2003) e Araújo (2001), os efeitos à saúde, ao longo do tempo de exposição aos agrotóxicos (as chamadas intoxicações crônicas) ainda são pouco estudados e documentados. No entanto, as pesquisas têm apontado para os efeitos negativos sobre a saúde mental, efeitos cutâneos, oculares, neurológicos e gastrointestinais.

De acordo com Bull e Hathaway (1986), a intoxic ação crônica pode não apresentar sintomas perceptíveis. Porém, “as propriedades teratogênicas e mutagênicas e a ação cancerígena, que a maioria desses produtos possui, podem ser responsáveis por graves danos à saúde”.

“Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú-M G-Brasil, de 20-24 de Setembro de 2004”.

Depto. de Medicina Social – FMRP-USP. E-mail:janicepb@terra.com.br .

Depto. de Medicina Social - FMRP-USP. E-mail: adfabbro@fmrp.usp.br.

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No caso específico do trabalhador, o tipo de método utilizado na aplicação/pulverização é também um fator de suma importância, para se entender de que forma o mesmo se intoxicou ou até que ponto está à merc6e do risco/dano. Sabe-se que na pulverização manual, sem equipamento de proteção individual ideal, em que o tanque da bomba é carregado preso às costas da pessoa que está exercendo a atividade, a exposição aos agentes químicos pulverizados é maior que na pulverização mecânica, em que o equipamento é acoplado ao trator.

O SINTOX, Sistema Nacional de Toxicologia, vêm apontando há anos os relevantes percentuais de pessoas intoxicadas por agrotóxicos agropecuários e chama a atenção para o caso das intoxicações por motivo profissional e conclui, devido a suspeita de serem subnotificados, uma vez que, os trabalhadores temem a perda do emprego e/ou represálias por parte dos patrões.

Na década de ’90 a OMS estimava que para cada caso registrado ocorriam outros seis para os quais não houve registro (World Health Organization, 1990).

Sewell (1978), em seu estudo sobre administração e controle da qualidade ambiental, cita que “as áreas do corpo diferem na capacidade de absorção dos agroquímicos: as mãos são relativamente resistentes, enquanto a virilha e as áreas das costas absorvem quase todo o produto agrotóxico que chega à pele”.

Diante desse quadro, surge a certeza sobre a importância dos estudos de percepção de risco para a compreensão das motivações que levam os indivíduos dos mais variados grupos sociais a agirem de formas tão diversas diante de uma situação tão delicada/danosa como o uso e armazenamento de agrotóxicos, assim como, esse tipo estudo é da maior valia para o sucesso de políticas e estratégias no campo da saúde, como por exemplo, campanhas informativas, educativas, treinamentos, entre outros.

De acordo com Peres (2000:135), “é muito mais difícil obter uma definição do que é o risco por parte de uma população ‘leiga’(cujos saberes diferem em sua origem e construção, daqueles dos avaliadores técnicos que trabalham o conceito de risco)”. Continua o autor afirmando que risco, para esse grupo, é sinônimo de perigo, daí, os riscos, para os usuários, podem passar desapercebidos pelos mesmos.

Ainda Peres (2001:137), em pesquisa com trabalhadores rurais, em Nova Friburgo, RJ, chegou `a conclusão da “importância das análises de percepção e risco para o entendimento da situação de exposição e da contaminação (humana e ambiental) por agrotóxicos”. O pesquisador destaca também o hiato entre produção científica e apropriação de informação por parte dos trabalhadores rurais, corroborando com Borges (2000).

Assim sendo, o presente artigo, considerando a escassez e a relevância de estudos rurais de base populacionais, tem por objetivo analisar a percepção de risco no contexto da agricultura familiar, quanto ao uso e armazenamento de agrotóxicos, tendo como estudo de caso as famílias do Assentamento Monte Alegre, SP, tutelado pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo, e considerando fatores sócio -demográficos, práticas de trabalho relacionadas ao uso de agrotóxicos, a intoxicação humana e contaminação ambiental associadas a seu uso, armazenamento e disposição final dos resíduos.

Nas reflexões que seguem busca-se, também, vislumbrar um outro olhar sobre a exclusão social e suas relações com a saúde do trabalhador rural, procurando unir três questões importantes: saúde, trabalho e meio ambiente (as duas primeiras tradicionais e sempre atuais e, a última, mais recente, ganhou relevância ao longo dos anos 80).

Metodologia

A preocupação de pesquisadores com o tema condições de vida da população brasileira vêm contribuindo, ao longo de décadas, para o desenvolvimento teórico e

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metodológico dessa linha de pesquisa. Porém, a pesquisa da Fundação SEADE (1992), sobre as condições de vida da população metropolitana paulista, trouxe grandes avanços teóricos e metodológicos, pois é capaz de captar elementos distintos, relacionados com as condições de vida da população e com a pobreza (saúde, renda inserção no mercado de trabalho, educação, participação social, etc.) (Troyano, 1990).

Mesmo não sendo um estudo voltado para a população do meio rural, e muito menos para famílias assentadas da reforma agrária, e sim para grupos sociais urbanos, a pesquisa da Fundação Seade (1992) oferece a metodologia que julgamos capaz para se atingir parte dos objetivos dessa pesquisa, pois, diferentemente dos trabalhos desenvolvidos até então, este trabalho corroborando com a Fundação, entende o tema condições de vida como uma questão “multifacetada”, em que são incorporados não somente variáveis clássicas, como renda e inserção no mercado de trabalho, mas também abarca variáveis como: atenção à saúde, educação, características da habitação e do entorno, características de saneamento básico, entre outras. Daí intenção de adotá-la - com algumas adaptações, devido ao referencial empírico desse trabalho.

Por outro lado, devido ao objeto de estudo (famílias assentadas da reforma agrária) há a necessidade de se incorporar algumas variáveis significativas para o modo de vida rural. Para tanto, o MAIA (Manual de Avaliação de Impacto Ambiental)/SUHREMA-Gtz (1992), tradicionalmente empregado em levantamentos de condições de vida de populações deslocadas e reassentadas, oferece outros elementos, também vitais, para a caracterização das condições de vida de famílias assentadas, tais como: destino dos resíduos sólidos domésticos e agroquímicos, incidência e freqüência de ataque de animais peçonhentos e silvestres, principais doenças que vêm recaindo sobre os animais domésticos e criações em geral, etc.

Assim sendo, os elementos inseridos na metodologia da Seade (1992) e do MAIA/Suhrema/Gtz (1992), nortearão a pesquisa.

Ainda da SEADE (1992), será adotada a família domiciliar como unidade de estudo. A escolha da família deve-se ao fato de que, além de unidade básica na vida econômica, ela, também, é unidade predominante no cultivo da terra, na lida com o gado e criações em geral. Por outro lado, as condições de sobrevivência e saúde do indivíduo também estão condicionadas às características da família a qual ele reside.

Será também adotado o estudo de caso.

Critérios para a escolha da área de estudo

Atualmente, a Região Administrativa de Ribeirão Preto abriga 8 núcleos de assentamento da reforma agrária e 7 áreas invadidas. Foi escolhidos para o estudo de caso desta pesquisa o Assentamento Monte Alegre, localizado entre os municípios de Araraquara. e Motuca. A escolha desse assentamento deu-se com base em critérios relacionados à:

- Densidade populacional: assentamento com o maior número de famílias assentadas (estimado em 500 famílias no Monte Alegre.

- Já existe, sobre o mesmo, uma pequena produção acadêmica – com quadro teórico diferente do proposto, mas com um nível de detalhamento muito grande, o que enriqueceu e auxiliou o desenvolvimento desse trabalho.

- O assentamento já está habituado a receber pesquisadores universitários e técnicos do Itesp, daí ser mais fácil obter permissão das lideranças locais para a execução dos trabalhos de campo.

- O assentamento Monte Alegre, a partir de 1997, o número de famílias assentadas saltou de 186 para mais de 500, devido `a postura do governo do Estado em relação `a reforma agrária. Do ponto de vista da sociologia e da saúde pública, a chegada desses novos migrantes contribui para o aumento da demanda do SUS,

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para uma maior pressão sobre o ambiente natural, para a importação de doenças, entre outros.

- O assentamento parece reproduzir o estilo de vida dos pequenos produtores, em geral, particularmente do estado de São Paulo.

- Um último aspecto trata-se do fato de, em 2001, o assentamento estar sob a suspeita por contaminação por Cromo, visto que, os assentados utilizavam resíduos de curtume para adubar as plantações de manga.

Amostra

Um plano de amostragem compreende a definição do tamanho e do desenho da amostra. O desenho da amostra consiste em decidir o modelo de sorteio ou o tipo de amostra (casual simples, estratificada, sistemática, por conglomerado) adequando-o às condições propostas no plano de observação. Nessa etapa, a população é delimitada em termos espaciais e temporais, viabilizando a identificação do total de elementos que a compõem.

O cálculo do tamanho da amostra considerou o total de famílias cadastradas no Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), do Ministério da Saúde, fornecido pela Secretaria de Estado da Saúde, por meio de suas Divisões Regionais de Ribeirão Preto e Araraquara, para o município Araraquara, Matão e Motuca. Foram consideradas as proporções de famílias que apresentam os serviços públicos de abastecimento de água, de coleta de lixo e esgoto, além de energia elétrica. Estas informações serão verificadas na amostra e possibilitarão, após a apuração final, a checagem de viés no estudo. O cálculo do tamanho da amostra, em cada município, foi feito pelas expressões para populações finitas (famílias), dadas por:

n= (1+1/no) / (1/no + 1/N) onde: no = t 2 .

p (1-p) / d2

em que:

t = a variável da distribuição “t” de Student para um intervalo de confiança de 95%;

p = proporção do que se está medindo (proporção de casas com abastecimento de água, por exemplo);

q = é o complemento de p (no caso, seriam casas sem abastecimento de água).

Foram considerados os valores t = 2 (aproximação de 1,96); d = 0,06 e p foi obtido pela proporção dentre as famílias cadastradas que apresentavam os serviços relatados pelo SIAB. A tabela 1 apresenta um resumo geral dessas informações e das estimativas dos tamanhos das amostras.

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Tabela 1 – Resumo geral das informações e das estimativas dos tamanhos das amostras

SIAB Araraquara

Famílias cadastradas 551 Famílias com água 220 Famílias com coleta lixo

195 Famílias com rede esgoto

158 Famílias com energia elétrica 516 Tamanho da Amostra Abast. água 180 Coleta lixo 175 Esgoto 162 Energia elétrica 60

Ficou definida, como tamanho da amostra o valor estimado, sendo 180 famílias. Procedimentos:

1) Pesquisa de campo com aplicação de questionário com questões fechadas e

formados por blocos de questões: I) Identificação dos membros do domicílio (nome, idade, sexo, escolaridade, renda); II) Doenças registradas no último mês (para facilitar a coleta de morbidade, serão consideradas todas as queixas possivelmente relacionadas com intoxicação/contaminação por agrotóxicos; III)

Condições de moradia (material utilizado na construção, número de cômodos e

usos dos cômodos (individual e coletivo); IV) Instalações sanitária e destino de

resíduos (esgoto e lixo); V) Utilização de serviços de saúde (distância, freqüência,

tipos, se são atendidos pelo programa de saúde da família, etc); VI) Condições

ambientais peri-domiciliares (risco de erosão e inundação), VII) Diagnóstico do uso de agrotóxicos (práticas e freqüência, armazenamento e disposição final).

2) Entrevistas gravadas. 3) Fotodocumentação.

Análise dos dados

A análise dos dados consistiu primeiramente de uma descrição do Assentamento Monte Alegre, seguida da análise descritiva, para caracterizar o processo do trabalho rural no assentamento, considerando os indicadores sócio-demográficos (sexo, idade, nível de instrução, relação de trabalho, origem do assentado); características ambientais do lote, quanto erosão e inundação; práticas de trabalho relacionadas ao uso de agrotóxicos (tipo de contato, tipo de proteção usada) e armazenamento e disposição final dos resíduos e, finalmente, a intoxicação relacionada a estas práticas. Em uma segunda etapa, foram analisadas as falas e incorporadas aos resultados dos dados quantitativos, para reforça-los ou, ainda, mostrar como, às vezes, as falas contradizem os dados.

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Resultados

O Assentamento Monte Alegre

Apontados por estudiosos da questão agrária como “processos sociais complexos”, os assentamentos da reforma agrária são comprovadamente uma luta das famílias assentadas pela construção de um novo modo de vida calcada num projeto de melhores condições de vida.

A vida familiar, nesse contexto, é marcada, para além da união de seus membros em torno do ideal comum de melhores condições, pela união necessária para o estabelecimento da agricultura familiar, modelo de produção adotado nos assentamentos. Dessa forma, a família assentada é o ponto central para a compreensão da vida cotidiana no assentamento nos aspectos que caracterizam a obtenção de expressões de condições e qualidade de vida centrada na construção de um modo particular de vida: a de assentado. É nesse cotidiano que ocorrem as mediações entre o vivido e o concebido sendo o seio familiar o lugar onde as representações tomam forma e se concretizam através das práticas sociais, que influenciarão, entre outros, sua condição de saúde.

Assim, para este estudo foi adotada a família domiciliar como unidade de estudo e optou-se pelo de caso, tendo como objetivo inicial caracterizar as condições de vida de famílias assentadas e qualidade do saneamento ambiental e posteriormente realizar estudo da percepção de risco do uso de agrotóxicos no Assentamento Monte Alegre, área do Programa de Reforma Agrária do Estado de São Paulo, sob a responsabilidade do Instituto de Terras do Estado de São Paulo, vinculado `a Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania.

O Assentamento Monte Alegre encontra-se localizado no Estado de São Paulo, na Região Administrativa de Ribeirão Preto, entre os municípios de Araraquara, Motuca e Matão. A área possui 6.595,1950 hectares, sendo que 5.230,6948 ha desses abarcam 358 lotes agrícolas e 5 agrovilas, abrigando 551 famílias. Faz-se necessário ressaltar que várias famílias optaram por residir em seus lotes ao invés de residir nas agrovilas.

A escolha recaiu sobre esse assentamento, porque o assentamento se encontra na fase de consolidação, concentra grande contingente populacional, que, por sua vez, pressiona a demanda por serviço de saúde, de educação, por água, seja para satisfazer necessidades domésticas ou para atividades ligadas a agropecuária (como, por exemplo, irrigação), entre outros, e, principalmente, já possui agropecuária estabelecida, o que está relacionado ao uso de agrotóxicos, uma vez que, sabe-se de antemão que não desenvolvem a agricultura orgânica. Diante desse quadro, optou-se pela escolha de um assentamento no qual as famílias já tivessem um modo de vida estabelecido, uma rotina, onde os serviços básicos de infra-estrutura estivessem em pleno funcionamento.

O Assentamento possui dois reservatórios, várias nascentes e córregos, o que o caracteriza como uma área farta em recursos hídricos, mas também como uma área que necessita de uma gestão local cuidadosa, devido ao perigo de contaminação por agroquímicos e/ou esgotamento sanitário, entre outros, tornando-os inviáveis para agropecuária e para consumo humano.

Devido `a sua extensão, o ITESP (Instituto de Terras do Estado de São Paulo) dividiu-o em seis áreas.

Observa-se, nessas áreas, a fruticultura, com destaque para manga e goiaba. Também, existem outras culturas expressivas como hortaliças, coco, mandioca, feijão e , recentemente, cana de açúcar. Há também criação de gado e suínos.

Análise descritiva

Perfil sócio-demográfico

Por meio de amostragem foram estudadas 180 famílias, totalizando 786 trabalhadores rurais, inclusos aí crianças e adolescentes, uma vez que, a política agrária se baseia na agricultura familiar, em que, fora do período escolar os jovens ajudam os pais nos lotes. Do

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total dos entrevistados, os homens constituem 56% da amostra e a média de idade é de 38,5 anos, sendo que 29% se encontravam na faixa dos 40 aos 60 anos de idade e 32% na faixa entre 7 a 15 anos de idade, o que era de se esperar, visto que, os assentamentos do Itesp são, em geral, formados por famílias nucleares completas e encontram-se em um cic lo de vida entre jovem e adulta.

O grau de instrução que se destacou foi o de antigo primário incompleto (33%), seguido por antigo primário completo (28%) e analfabeto (14%), indicadores que caracterizam a baixa escolaridade dos assentados. Outro fato marcante é que 62% dessas famílias assentadas são de origem é urbana, o que pode caracterizar esses trabalhadores como desqualificados para ocupações urbanas, que vieram “tentar a sorte” no campo.

Características ambientais dos lotes

Observa-se que 28% dos lotes apresentaram problemas de erosão e 25,5% apresentaram pré-disposição à inundação, fatores que potencializam a contaminação ambiental por agroquímicos. Essa preocupação de se verificar a ocorrência de erosão nos lotes foi devido ao fato de que a erosão pode atuar como mais uma fonte de poluição e/ou contaminação ambiental. Sabe-se que o impacto ocorre na medida em que os sedimentos e partículas podem transportar substâncias químicas absorvidas em suas superfícies, estes, por sua vez podem contaminar os corpos d’água. A contaminação dos solos e das águas pode se dar tanto por aplicação direta quanto por escoamento dessas (Martim, 1993).

Práticas de trabalho e problemas de saúde associados ao uso de agrotóxicos

Quanto ao uso de agrotóxicos, verifica-se que, dos 180 lotes amostrados, em 166 (92%) deles se fazia uso desse tipo de produto “em pequena quantidade” e “por poucas horas por dia”, “somente em determinada época do plantio” ou fase “da criação”. Observa-se, também, que, em sua totalidade, o método utilizado para a pulverização dos agrotóxicos é o manual, ou seja, tanque da bomba carregado nas costas do aplicador. E que, em 34 lotes (18%), houve pelo menos um membro da família que apresentou problemas de saúde ao entrar em contato com agrotóxicos. Foram citados problemas de ordem: neurológica (20), respiratória (33), dermatológica (29), gastrointestinal (43), cardiovascular (9) e do aparelho locomotor (3).

Nas falas os entrevistados afirmam que sentiram “dor de barriga”, “tontura”, “batedeira no coração”, “coceiras”, “vômito”, “dor de cabeça”, “desmaio” etc.

Uso de equipamento de proteção individual

Do total de lotes que afirmaram utilizar agrotóxicos, 67,3% do total desses disseram utilizar proteção individual. Foram citados como equipamentos de segurança utilizados: macacão impermeável (3,7%), luvas (23%), botas impermeáveis (32,5%), máscaras (25%), máscaras com filtros especiais (0%), camisa de mangas compridas (57%), calça comprida (62,5%) e lenço (20%). Muitos entrevistados afirmaram não utilizar proteção , porque “não gosta”, “porque usa pouco veneno”, “o local de trabalho é quente e a proteção esquenta muito”, “porque não tenho dinheiro para comprar”, entre outros.

Formas de armazenamento de agrotóxicos

A respeito do item formas de armazenamento de agrotóxicos destacaram-se as seguintes práticas: em depósitos longe da residência (53%), em depósitos próximos da residência (29%), em depósitos longe de corpos d’água (12,7%), na residência (2,5%).

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Formas de disposição final dos resíduos agrotóxicos

Quanto a esse item se destacaram: incinerados (47,5%), devolvidos na loja (32%) e enterrados (22%).

Discussão

No presente estudo, detectou-se, por meio das doenças referidas associadas ao uso de agrotóxicos, uma proporção preocupante de trabalhadores rurais intoxicados. Como a amostra foi aleatória, e, por isso, representativa da população estudada, a situação é alarmante e leva a reforçar a necessidade de estudos mais aprofundados com coleta de amostras de sangue dos assentados, de água e de solo, na área de estudo, para verificação de resíduos de agrotóxicos. Uma vez encontrados, mesmo que em quantidades baixas, o resultado das análises é da maior significância devido ao fato desses produtos terem efeito acumulativo, o que pode levar os trabalhadores a desenvolverem a forma crônica da intoxicação, assim como, a contaminação dos recursos naturais.

Levando em consideração a baixa escolaridade dos assentados, pode se afirmar que o aumento de risco de intoxicação deve estar, também, associado a esse fator, por outro lado, a literatura vem apontando para o fato de que programas de qualificação do trabalhador rural são de extrema relevância, pois se nota que os mesmos impactam positivamente os índices de doenças provocadas pela intoxicação por agrotóxicos, independente da escolaridade da clientela (Lyznicki, 1997). Os meios de comunicação são também importantes veículos para esses programas.

Quanto `a percepção de riscos, pode -se notar que no item “armazenagem” praticamente metade dos assentados entrevistados demonstraram possuir uma percepção apurada dos riscos/danos que os agrotóxicos podem causar, daí o fato de mantê-los acondicionados em depósitos longe das residências. Porém, o problema é que ainda existe a outra metade que usa práticas inadequadas, pondo em risco a saúde socioambiental.

Já no item “disposição final dos resíduos”, a opção por incinerar e/ou enterrar (69,7%) permitem observar a construção do pensamento desses trabalhadores, bem como sua percepção de risco, demonstrando que associam o ‘fim’ dos perigos a ‘invisibilidade’ das embalagens e dos “restos” de produto, fato que os colocam em maior exposição a estes agrotóxicos. Observa-se que é o mesmo caso daqueles que jogam os resíduos nos corpos d’água, como se esses fossem sumidouros naturais e fim dos efeitos deletérios.

A partir dos resultados discutidos até agora, é possível afirmar que para esses entrevistados existe uma hierarquia de riscos, a qual é modificada dependendo do ‘estado’ em que se encontra o produto agrotóxico, ou seja, como se os produtos ainda em condições de uso representassem um perigo maior e pós-utilizados, seus resíduos representassem um perigo menor, daí as práticas de queimar e enterrar. Nota -se que a percepção de risco, neste caso, está associada `a combinação de perigo/medo e confiança, bem como, essa hierarquia de riscos é modificada dependendo de valores culturais – haja visto, o percentual daqueles que devolvem as embalagens de acordo com as normas técnicas estabelecidas, isto é, nas casas especializadas (32%).

Assim sendo, podemos afirmar que a construção da percepção de risco desses trabalhadores está associada a símbolos encontrados em fatos e experiências de seu cotidiano, enraizados em seus valores culturais, quando se recorda que, em sua maioria são de origem urbana, isto é, com pouca experiência na lida com agrotóxicos, os fatos ficam mais elucidados.

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No tocante ao item uso de equipamento de proteção individual, sabe-se que na prática da pulverização manual de agrotóxicos, o equipamento considerado ideal é o macacão impermeável, acompanhado de botas e luvas de borracha, de máscara com filtros especiais para produtos químicos específicos. Entretanto, observou-se que dificilmente esse uso ocorre no assentamento Monte Alegre. Do ponto de vista da percepção de risco, apesar de reconhecerem os agrotóxicos como “perigosos” e afirmarem se proteger (67%), em sua maioria, acham que estão seguros vestidos de calças compridas, camisa de mangas compridas, botas de borracha ou não e lenço cobrindo o nariz e a boca. Por, outro lado, uma parcela considerável deles aponta a proteção ideal acima de seu poder aquisitivo ou muito quente para nosso clima, ou ainda, há aqueles que acham que, porque utilizam esses produtos em pequena quantidade encontram-se livres de contaminação/intoxicação.

Pode-se concluir com isso a existência de três grupos distintos de usuários: aqueles que reconhecem os agrotóxicos como nocivos e, por isso, se protegem, mas não o fazem adequadamente, por falta de informação; há aqueles que reconhecem os agrotóxicos como nocivos, mas se ‘arriscam’ por não se protegerem por motivos que vão de ordem econômica a desconforto físico e, por fim, o grupo daqueles se encontram totalmente desinformados e desprotegidos.

Verifica-se, dessa forma, o descompasso entre produção científica, produção de informação e sua distribuição e apropriação pelos trabalhadores rurais (Borges, 2000 e Peres, 2000).

Conclusões

Em síntese, pode-se concluir que os resultados da percepção de risco associada ao uso de agrotóxicos, dos assentados na fazenda Monte Alegre, SP, apontam para o alto grau de risco de intoxicação/contaminação da saúde socioambiental na área, assim como, ressaltam a necessidade de estudos toxicológicos aprofundados, de campanhas de informação, de cursos de qualificação desses trabalhadores.

Por outro lado, esse estudo ressalta a exclusão social desses trabalhadores rurais, no que se refere ao precário acesso a bens, cultura, educação, acabando por levá-los há uma maior exposição aos riscos via condições inseguras de trabalho.

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Referências

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