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Aspectos Sociodemográficos da População Rural do Estado do Mato Grosso: O Binômio Agricultura Patronal e Agricultura Familiar

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∗ Trabalho apresentado no VII Congreso de la Asociación LatinoAmericana de Población e XX Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Foz do Iguaçu/PR – Brasil, de 17 a 22 de outubro de 2016.

¹Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE).

Aspectos Sociodemográficos da População Rural do Estado do Mato Grosso: O Binômio Agricultura Patronal e Agricultura Familiar*

Renata Spolti Leão¹, César Marques¹, Julia Celia Mercedes Strauch¹

Palavras-chave: População rural; Agricultura patronal; Agricultura familiar; Agronegócio; Mato Grosso.

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1. Introdução

O Estado do Mato Grosso (MT) teve sua dinâmica demográfica fortemente associada às atividades agropecuárias, sendo atualmente o principal produtor de

commodities agrícolas do Brasil. O intenso crescimento populacional e o desenvolvimento econômico tiveram como base as políticas do governo militar para a consolidação de fronteiras com o apoio de empresas de capital a partir da década de 1960. Os investimentos em infraestrutura, como a abertura de grandes eixos rodoviários, a modernização tecnológica da agricultura e a abertura de mercados para grandes empresas, impulsionou no Estado um modelo de produção com pouca demanda de mão de obra e alta dependência de maquinários, organismos transgênicos e agroquímicos, resultando em extensos impactos ambientais e sociais, incluindo a desarticulação da agricultura familiar (MACHADO & MACHADO FILHO, 2014; CUNHA, 2006).

O Centro-Oeste é a região onde existe a maior concentração do agronegócio ligado à atividade patronal ou não familiar no Brasil (GUILHOTO et al., 2007). O agronegócio abarca tecnologias e políticas agrícolas sob o controle do capital, enquanto a agricultura familiar, quando participa desta estrutura, o faz de forma subordinada às condições do sistema (WELCH & FERNANDES, 2008). Segundo a FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations (2014), ao contrário do agronegócio, a importância da agricultura familiar é pautada principalmente na segurança alimentar, na proteção da agrobiodiversidade e do uso sustentável dos recursos naturais. Além disso, pode constituir uma oportunidade às economias locais, sobretudo quando atrelada à políticas públicas que promovam a qualidade de vida das comunidades.

A lógica econômica do atual modelo de desenvolvimento brasileiro reforça padrões de produção e de consumo injustos e insustentáveis, especialmente no que se refere à exploração de recursos naturais e do trabalho humano (PORTO, 2012). Em Mato Grosso, tal modelo tem comprometido seriamente as funções ambientais e favorecido a concentração fundiária e de renda, aumentando as desigualdades sociais e os impactos das externalidades na saúde ambiental e humana (PORTO, 2012; ALENCAR et al., 2011).

Neste contexto, o objetivo deste estudo foi avaliar aspectos sociodemográficos da população rural do Estado de Mato Grosso (MT) sob o viés do binômio agricultura

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patronal e agricultura familiar, através da análise de dados oriundos dos Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010, Censos Agropecuários de 1995/1996 e 2006, da Produção Agrícola Municipal e Produção Pecuária Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, e do Financiamento Rural do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA.

2. População Rural de Mato Grosso: Aspectos Sociodemográficos

Assim como no Brasil, no Estado do Mato Grosso a população rural já foi superada pela urbana, correspondendo a 18,2% da população total (3.035.122 habitantes). Este contingente populacional é relativamente jovem, com 28% dos habitantes entre 0 e 14 anos e 64% entre 15 e 64 anos, o que potencialmente colabora para o desenvolvimento econômico do Estado. A razão de dependência no campo (50,6), que mensura a participação relativa da parcela populacional potencialmente inativa que deveria ser sustentada pelo segmento potencialmente produtivo, vem declinando gradativamente em razão do processo de transição demográfica, seguindo a tendência nacional de baixa fecundidade (IBGE, 2010).

A partir do final dos anos de 1980, MT passa por um importante declínio no crescimento demográfico, contrariando as altas taxas de crescimento observadas entre os anos de 1970 até meados de 1980 (Figura 1). Concomitantemente, a urbanização se acentua, passando de 39,1% em 1970 para 81,8% em 2010. Tais singularidades refletem a intensificação do processo de ocupação demográfica e econômica nos anos de 1970, através da “marcha modernizadora do oeste”, levando a expressivos fluxos migratórios para as áreas mais favoráveis e às profundas transformações nas estruturas produtivas e fundiárias (OLIVEIRA, 1997; CUNHA, 2006). Porém, o processo de ocupação territorial e a disseminação do modelo agropecuário convencional em MT foram extremamente desfavoráveis para o modelo de agricultura familiar (CUNHA, 2006). Por um lado, investimentos maciços em infraestrutura e na inserção da cadeia produtiva nos grandes mercados, por outro, o mesmo modelo de colonização em áreas nativas destituído de assistência técnica e econômica que resultava na evasão das propriedades pelos assentados (SILVA, 1989). Segundo Cunha (2006), o arrefecimento dos fluxos migratórios a partir do final dos anos 80, esteve associado ao "fechamento" das

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fronteiras agrícolas, o que culminou no elevado grau de urbanização devido ao fluxo de migrantes recém chegados ao Estado para os centros urbanos.

Apesar da queda vertiginosa das taxas de crescimento da população rural desde a década de 1970, entre 2000 e 2010 houve uma pequena elevação provavelmente relacionada ao influxo migratório, uma vez que a taxa de fecundidade não sofreu aumento neste período (Figura 1) (IBGE 2010; ALENCAR et. al, 2011).

Figura 1. Populações total, urbana e rural e taxas de crescimento médio das populações urbana e

rural do Estado do Mato Grosso (1950-2010). Fonte: IBGE - Censos Demográficos 1970, 1980,

1991, 2000 e 2010.

Em 2010, a maioria da população de MT se distribuía em municípios de grande porte, que abrigavam 36,6% de seu total e outra grande parcela vivia em municípios com até 20.000 habitantes (31,5%). A população rural se encontrava, sobretudo, nos municípios de pequeno porte (86,2%) (Tabela 1). Dentre os 141 municípios do estado, apenas 28 (19,9%) ainda apresentavam população predominantemente rural, todos com população de até 20 mil habitantes (IBGE, 2010).

De acordo com a análise dos Indicadores Sociais Municipais do IBGE (IBGE, 2011), há uma relação positiva entre o porte populacional do município e as condições de saneamento dos domicílios, isto é, municípios de pequeno porte populacional geralmente apresentam piores condições de saneamento dos domicílios. Pode-se inferir esta mesma relação para o rural de MT quando se avalia os dados de saneamento básico dos domicílios e a ocorrência da maior parte da população rural em municípios de

-1,0% 1,0% 3,0% 5,0% 7,0% 9,0% 11,0% 0,0 500,0 1000,0 1500,0 2000,0 2500,0 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 TA X A C R ES CIM EN TO (% a.a.) PO PU LA ÇÃO ( h a. 1.00 0)

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pequeno porte. Em 2010, quase a totalidade da população residia em domicílios com saneamento semi-adequado (85,6% dos domicílios; 75,7% da população) e inadequado1 (13,7% dos domicílios; 23,7% da população) e cerca de 9% ainda viviam sem acesso à energia elétrica (IBGE, 2010).

Tabela 1. Classificação do porte dos municípios e distribuição das populações total e rural do Estado do Mato Grosso.

CLASSIFICAÇÃO PORTE

MUNICÍPIOS MT POPULAÇÃO MT POPULAÇÃO RURAL

Total (n) Total (%) Total (n) Total (%) Total (n) Total (%)

Municípios de Pequeno Porte 1: até 20.000 habitantes 112 79,4 954.948 31,5 349.994 63,4 Município de Pequeno Porte 2: de 20.001 até 50.000 habitantes 20 14,2 621.385 20,5 125.908 22,8 Município de Médio Porte: de 50.001 até 100.000 habitantes 5 3,6 346.520 11,4 35.449 6,4 Município de Grande Porte: de 100.001 até 600.000 habitantes 4 2,8 1.112.269 36,6 40.970 7,4 TOTAL 141 3.035.122 552.321

Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2010.

Em termos educacionais, os analfabetos ainda correspondiam a 13,6% da população rural de Mato Grosso em 2010, sendo as maiores proporções verificadas nas faixas etárias mais elevadas. Em média, os analfabetos correspondiam a 14,5% da população potencialmente ativa, chegando a 28,1% e 34,5% nos grupos etários de 55 a 59 anos e 60 a 64 anos, respectivamente. No entanto, o maior percentual da população rural entre 7 e 14 anos que frequentavam escola (94,5%) provavelmente contribuirá para a redução do analfabetismo na zona rural.

Em termos de rendimento, o estado apresentava 11% da população rural em estado de miséria (renda domiciliar per capita de até 1/4 de salário mínimo). Somado ao montante da população com rendimento entre mais de 1/4 e 1/2 salário mínimo (19,6%), quase 40% da população do campo estava em condição de pobreza. Outra grande parcela (32,5%) apresentava rendimento domiciliar per capita entre mais de 1/2 e 1 salário mínimo. A categoria Sem Rendimento, que também inclui os domicílios com

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Domicílio com saneamento adequado: domicílio com escoadouro ligado à rede geral ou à fossa séptica, servido de água proveniente de rede geral de abastecimento, com destino do lixo coletado diretamente ou indiretamente; Domicílio com saneamento semi-adequado: domicílio que possui pelo menos um dos serviços discriminados acima; Domicílio inadequado: domicílio que não apresenta nenhum dos serviços discriminados acima (IBGE 2010).

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rendimento apenas em benefícios, acabava por integrar mais 10,3 % desta população (IBGE, 2010).

Apesar da elevada pobreza ainda verificada no campo, o Coeficiente de Gini, um indicador do nível da desigualdade de renda que varia de 0 (todos com a mesma renda) a 1, mostrou evolução entre os anos de 2000 e 2010, passando de 0,57 para 0,45 na zona rural. Extrapolando para o estado, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM), um índice sintético que integra informações sobre longevidade, renda e educação, também evoluiu de 0,601 em 2000 para 0,725 em 2010 (PNUD, 2013). Quanto mais próximo de 1 o valor se encontrar, maior será o desenvolvimento humano, assim, Mato Grosso se encontra na faixa de Desenvolvimento Alto (IDHM entre 0,700 e 0,799), apesar do IDHM Educação ser de 0,635, considerado, portanto, como Médio (entre 0,600 e 0,699). Embora estes índices sociais tenham progredido, a análise dos dados mais recentes ainda revela fortes desigualdades no campo, onde grande parte da população rural vive sem condições básicas de saneamento, apresenta alto grau de analfabetismo e baixos rendimentos.

2.1 O Binômio Agricultura Patronal e Agricultura Familiar

De acordo com o último Censo Agropecuário em 2006 (IBGE 2006), a agricultura familiar ocupava apenas 9,9% dos 4.868.8711 hectares compreendidos pelos estabelecimentos agropecuários do Estado, apesar de encerrar 76% destas unidades (85.515) e empregar 63,5% (227.652) da mão de obra (Figura 2). Em média, um estabelecimento familiar apresentava área de 56,4 hectares, enquanto o de agricultura patronal (ou não familiar) possuía 1.613,8 hectares (IBGE, 2006).

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Figura 2. Distribuição das área e número dos estabelecimentos agropecuários e mão de obra entre a agricultura não familiar (patronal) e familiar no Estado do Mato Grosso. Fonte: IBGE - Censo Agropecuário 2006.

Além da análise da distribuição das terras entre a agricultura familiar e patronal, a progressão da concentração fundiária no Estado também pode ser evidenciada quando se verifica que as propriedades com 1.000 ou mais hectares englobavam 77,9% das áreas, apesar de integrar apenas 7,8% das unidades (8.744). Por sua vez, os estabelecimentos com menos de 100 hectares, ocupavam apenas 5,4% da área, mesmo contando com 68,6% dos estabelecimentos (76.770 unidades) (IBGE, 2006). Entre 1970 e 2006, o número de estabelecimentos com menos de 100 hectares aumentou em 108%, enquanto os de área entre 100 e 1.000 ou mais hectares tiveram um incremento de 313% no mesmo período. Considerando apenas os estabelecimentos com até 10 hectares, desde 1970 houve uma redução de 33% em seu número.

Segundo Cunha (2006), a rápida e intensa transformação produtiva de Mato Grosso favoreceu o acirramento da concentração fundiária nas décadas de 80 e 90, sendo os projetos de assentamentos rurais uma alternativa para contrabalançar este efeito ao reverter parte do processo de 'urbanização forçada' de um grande contingente de migrantes e nativos do próprio Estado. Para Oliveira (2007), quando se considera o modelo rural de exploração capitalista, a concentração de terras torna-se um mecanismo indispensável, isto é, quanto maior a terra, maior é poder de subtração do lucro. Deste modo, a concentração de terras é compreendida como o cerne dos conflitos das questões agrárias. 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Estabelecimentos (ha) Estabelecimentos (N) Mão de Obra (N)

%

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Na zona rural, a maioria das ocupações (66,3%) está relacionada às atividades agropecuárias, florestais, da caça e da pesca. De um modo geral, o rendimento dos trabalhadores rurais é baixo e compreende, sobretudo, as faixas entre mais de 1 e 2 salários mínimos (31,3%) e mais de 1/2 a 1 salário mínimo (25,4%). Uma pequena, mas não irrelevante parte dos trabalhadores apresenta renda de até 1/4 de salário mínimo (2%) e entre mais de 1/4 e 1/2 salário mínimo (5%) (IBGE, 2010). O nível de instrução também não figura entre os melhores. Discriminando os dados em função do nível de instrução da pessoa que dirige o estabelecimento de agricultura familiar e patronal, observa-se que, em ambos, a maioria dos trabalhadores apresenta apenas ensino fundamental incompleto (42,9% e 39,3%, respectivamente), todavia, notam-se duas diferenças importantes: o número de trabalhadores familiares que não sabem ler e escrever em comparação aos não familiares é cerca de duas vezes superior (26,7% e 12,4%, respectivamente); a proporção de trabalhadores não familiares com ensino superior é 7,5 vezes maior (10,5% e 1,4%, respectivamente) (Figura 3) (IBGE, 2006).

Figura 3. Nível de instrução do trabalhador que dirige o estabelecimento agropecuário na agricultura não familiar (patronal) e familiar no Estado do Mato Grosso. ALF - Alfabetização de adultos; EFI - Ensino fundamental incompleto; EFC - Ensino fundamental completo; ENM - Ensino médio completo; ENS - Ensino superior; SLE - Nenhum, mas sabe ler e escrever; NLE - Não sabe ler e escrever. Fonte: IBGE - Censo Agropecuário 2006.

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45

ALF EFI EFC ENM ENS SLE NLE

PROD UT OR (% ) NÍVEL DE INSTRUÇÃO

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O nível inferior de instrução dos produtores familiares pode implicar em um rendimento menor em sua atividade, pois uma maior escolaridade contribui para o melhor gerenciamento da propriedade, busca por aprimoramento profissional e de novas tecnologias. Neste contexto, a Figura 4 aponta para a discrepância entre os rendimentos dos estabelecimentos familiares e não familiares. A agricultura familiar, conta apenas com uma minúscula fração de estabelecimentos (1,2%) e terras (3,1%) cuja faixa de renda é elevada. O oposto ocorre na agricultura patronal, em que mais de 17% das propriedades e a maior parcela de terras (36,3%) apresentam rendimento superior a R$ 96.250,00 (IBGE 2006).

Figura 4. Renda monetária dos estabelecimentos agropecuários de agricultura não familiar (patronal) e familiar no Estado do Mato Grosso. Fonte: IBGE - Censo Agropecuário 2006.

A maior parte dos estabelecimentos (80,1%) e das áreas (85%) de agricultura familiar é destinada à produção pecuária, sobretudo de bovinos. O cultivo de lavouras temporárias tem posição secundária, ocupando apenas 11,9% destas áreas. Apesar da sojicultura ocupar grande parte das terras destinadas à lavoura temporária (50,5%; 2,5% da área total), a atividade é exercida em menos de 1,0% dos estabelecimentos rurais familiares. Nos estabelecimentos de agricultura patronal, as lavouras temporárias ocupam 22,4% das unidades e têm a soja em destaque em termos de extensão de área dentre as outras lavouras temporárias (69,3%; 15,2% da área total), mesmo sendo cultivada em apenas 9% dos estabelecimentos. A pecuária também é robusta na agricultura patronal, abrangendo 78,6% das propriedades e 65,1% das áreas (IBGE 2006). 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% < 10.500 > 10.500-28.000 > 28.000-52.500 > 52.500-96.250 > 96.250 %

Grupos Renda Monetária (R$) Agricultura Não Familiar Agricultura Familiar

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A sojicultora figura como um exemplo emblemático da expansão do agronegócio em Mato Grosso, sendo uma das culturas que menos ocupa mão de obra por unidade de área (BAGOLIN & STÜLP, 2012). A Figura 5 mostra a evolução da produtividade da soja no estado entre os anos de 2000 a 2014. Neste período houve um crescimento de cerca de 200% da área plantada e da quantidade de soja produzida. Desde o último Censo Agropecuário, entre 2006 e 2014, houve um incremento de 48,2% na área destinada ao cultivo de soja e de 69,9% na produção do grão. Atualmente, MT é o principal produtor da commoditie no Brasil, representando 30,5% e 63,1% das produções nacional e regional do grão (IBGE, 2014a).

Mesmo considerando a maior abrangência apontada pelo Censo Agropecuário de 2006 (IBGE 2006), o crescimento da pecuária não foi tão intenso quanto ao da soja entre 2000 e 2014, apesar de ter registrado um aumento de 51% do rebanho. Entre 2006 e 2014 este setor cresceu 9,7%. Atualmente, a pecuária mato-grossense representa 12,4% e 38,9% dos rebanhos nacional e regional, respectivamente (IBGE, 2014b).

Figura 5. Produção e área plantada de soja no Estado do Mato Grosso (2000-2014). Fonte: Produção Agrícola Municipal - IBGE.

De acordo com Domingues & Bermann (2012), a sojicultura contribui para o deslocamento das atividades pecuárias para novas áreas em MT, especialmente para a

0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 9000 10000 0 5000 10000 15000 20000 25000 30000 Á RE A 1.0 00 (h a) PROD UÇÃ O 1.0 00 (t )

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região norte do Estado, fato este observado pela diminuição do rebanho bovino em municípios com elevada produção do grão e o seu consequente aumento em municípios de fronteira móvel, contribuindo para o desmatamento de novas áreas para a conversão de pastagens. Este cenário favorece a concentração de terras, dos sistemas produtivos e, como efeito, da renda dos produtores. Tal processo de produção, conduzido muitas vezes por novos atores sociais oriundos de outras regiões, concorre para o deslocamento de pequenos agricultores para áreas menos favoráveis às atividades agropecuárias ou para as áreas urbanas em virtude da especulação imobiliária e de conflitos sociais (CUNHA 2001; DOMINGUES & BERMANN, 2012).

Quanto à modernização agropecuária, em 2006 quase 93% dos estabelecimentos familiares de Mato Grosso não apresentavam qualquer tipo de máquina ou implemento agrícola, contabilizando em média apenas 0,3 máquinas ou implementos agrícolas por estabelecimento. Por outro lado, a mecanização da agricultura patronal ou não familiar se estendia a 42,8% das propriedades e continha em média 3,5 máquinas ou implementos agrícolas por propriedade (IBGE, 2006).

Assim como a mecanização, os agrotóxicos são um símbolo da modernização da agricultura, e, segundo o Censo Agropecuário de 2006 (IBGE 2006), 14% das propriedades familiares faziam uso destes produtos, enquanto entre as não familiares a utilização ocorria em 25,4%, incluindo a pulverização aérea em 9,2% delas. Contudo, especula-se que esta proporção tenha aumentado em ambos sistemas agrários devido ao aumento considerável do consumo de agrotóxicos em MT nos últimos anos (Figura 6). De acordo com o histórico de comercialização de agrotóxicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA (IBAMA, 2016), a venda de agrotóxicos em MT aumentou em torno de 405% entre 2000 e 2014 e 159% desde o último Censo Agropecuário. A partir de 2013 o Estado passou a liderar o consumo de agrotóxicos no país, sendo responsável pela aquisição de quase 18% do total em 2014.

Mesmo não sendo o principal produtor agrícola mundial, o Brasil passou a ser o maior mercado consumidor de agrotóxicos no mundo em 2008. Este uso exacerbado de agrotóxicos tem contaminado os recursos hídricos, solos, alimentos, reduzido a biodiversidade e exercido, portanto, forte impacto à saúde humana, seja pela intoxicação aguda ou por seus efeitos deletérios à saúde em longo prazo (ABRASCO, 2015). As

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populações rurais são mais vulneráveis à exposição aos agrotóxicos utilizados nas atividades agrícolas, sobretudo pela proximidade das construções das áreas de lavoura. Pignati et al. (2007) caracterizaram esta situação como “acidente rural ampliado”, quando os riscos da exposição aos agrotóxicos extrapolam para o entorno dos cultivos contaminando o ambiente e as populações humanas, conforme foi documentado no município de Lucas do Rio Verde em MT em 2006. São as “externalidades negativas” que recaem sobre o meio social e ambiental sem que sejam incorporadas ao custo da produção (PORTO, 2007). Deste modo, o uso intensivo de agrotóxicos nas extensas áreas agrícolas de MT pode resultar não apenas na exposição ocupacional, mas também ambiental de parcela importante da população rural.

Figura 6. Vendas de agrotóxicos em toneladas de ingrediente ativo nos Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso (2000-2014). Fonte: IBAMA - Relatórios de Comercialização de Agrotóxicos.

Entre 1999 e 2012, o Produto Interno Bruto (PIB) de Mato Grosso aumentou em 553,7%. Em termos do PIB agropecuário, segundo Guilhoto et al. (2007), entre os anos de 2002 e 2004, o PIB do ‘agronegócio familiar’2 representou em média 12% do PIB

2

Segundo os autores do estudo, as atividades das cadeias produtivas da agricultura familiar são parte da denominada economia do agronegócio, daí o uso do termo “agronegócio familiar”.

0 10000 20000 30000 40000 50000 60000 70000 80000 90000 100000 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2009 2010 2011 2012 2013 2014 ING R ED IE N TE A TIV O (t ) GO MS MT

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total de MT, enquanto o do ‘agronegócio patronal’, representou 54,5% deste montante. Apesar da menor contribuição ao PIB agropecuário em comparação à agricultura patronal, cabe pontuar a importância da agricultura familiar na geração de divisas no Estado, ainda mais quando se considera a sua diminuta quantidade de terras, a insuficiência tecnológica e de assistência técnica e os ínfimos recursos de crédito rural. Corroborando para o quadro, quando se avalia o desembolso estatal do crédito rural, observa-se que pouco mudou em relação à proporção do financiamento obtido pela agricultura empresarial (patronal) e a agricultura familiar entre as safras de 2005/2006 (14,2%) e 2006/2007 (14,6%), período do último Censo Agropecuário (IBGE 2006) e a safra mais recente com dados divulgados (2012/2013) (12,2 %) (MAPA, 2016).

Este desequilíbrio de forças entre a agricultura familiar e a patronal remonta a política de modernização agropecuária excludente empregada durante a expansão da fronteira agrícola em Mato Grosso, que acabou por constranger o pequeno produtor às mesmas condições estabelecidas para as grandes empresas que pretendiam explorar a região (PEREIRA, 2005). De fato, sempre houve um predomínio dos interesses do agronegócio, sendo os assentamentos normalmente realizados em áreas inadequadas às atividades agropecuárias da agricultura familiar, levando ao deslocamento desta população para as cidades ou para áreas de expansão da fronteira agrícola (PEREIRA 2005; DOMINGUES & BERMANN 2012).

3. Considerações Finais

Com a integração ao mercado internacional, as assimetrias de poder e, consequentemente, as desigualdades sociais, foram intensificadas em Mato Grosso, apesar de alguns indicadores sociais apontarem para uma melhora. A produção de commodities agrícolas não estimula a fixação da mão de obra e agrega pouco valor à produção, favorecendo a concentração de terras.

Embora tenha elevado vertiginosamente a produção agrícola brasileira, a 'revolução verde' levou ao forte enfraquecimento da agricultura familiar, à expulsão de pequenos e médios agricultores do campo e a perda significativa da biodiversidade. De um modo geral, o atual sistema de agricultura convencional é energeticamente deficiente, degrada e contamina o ambiente, desconsidera as externalidades e as

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injustiças ambientais, sendo caracterizado, sobretudo, pela concentração de terra e do capital (MACHADO & MACHADO FILHO, 2014; PORTO 2012). Apesar disso, no Brasil, a agricultura familiar ainda ocupa 14 milhões de pessoas e responde pela produção de aproximadamente 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros, alimentos estes produzidos em apenas 24,3% das áreas agropecuárias do país (IBGE, 2006).

Embora a concepção da agricultura familiar esteja mais centrada em suas funções sociais em razão da menor incorporação tecnológica e produtividade, tal segmento agrário apresenta importante participação na produção de divisas agropecuárias, principalmente através das inter-relações que estabelece no mercado produtivo, inclusive dentro do próprio setor do agronegócio como observado no Estado de Mato Grosso, onde há um predomínio do agronegócio ligado à agricultura patronal (GUILHOTO et al., 2007). De qualquer forma, o modelo atual de agronegócio aumenta a vulnerabilidade ambiental e, consequentemente, as vulnerabilidades social e econômica, sobretudo dos agricultores familiares. As injustiças ambientais, intrínsecas ao modelo de desenvolvimento brasileiro e, por extensão, mato-grossense, expõe uma parte significativa da população a riscos ambientais, seja nos locais de trabalho, domicílios ou ambiente (PORTO, 2012).

A agroecologia ressurge como uma esperança para o desenvolvimento sustentável, pois tem como diretrizes a aplicação de conceitos e princípios ecológicos para o delineamento e manejo de sistemas agrícolas sustentáveis. Sistemas agroecológicos são excepcionalmente mais resistentes às mudanças climáticas e ao controle de pragas em comparação às monoculturas, garantindo maior estabilidade econômica ao produtor. Além disso, produz alimentos isentos de manipulação genética, agrotóxicos e fertilizantes sintéticos, contribuindo para a manutenção da qualidade ambiental e de vida das populações humanas (CAPORAL et al., 2009; MACHADO & MACHADO FILHO, 2014). Cabe a desconstrução dos conceitos e técnicas de agricultura convencional e o investimento no setor agroecológico que certamente contribuirão para o fortalecimento da agricultura familiar.

Apesar de ter a agropecuária como base econômica, apenas uma reduzida parcela da população mato-grossense ainda reside no campo, o que pode refletir o modelo econômico adotado baseado na produção de commodities agrícolas. Infere-se o

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enfraquecimento da agricultura familiar pela industrialização da agricultura, fato evidenciado pela concentração de terras pela agricultura patronal e o baixo volume de financiamentos destinado a este segmento.

Aparentemente o cenário para o produtor familiar no Estado do Mato Grosso é desfavorável à sua permanência no campo. O vertiginoso crescimento do PIB nos últimos anos não se traduziu em redução significativa da concentração de renda na zona rural, onde grande parte da população ainda vive em condições de pobreza, apresenta baixo nível de instrução e reside em pequenos municípios carentes de infraestrutura. Cabe, portanto, investigar mais profundamente o papel da dinâmica econômica do estado na configuração do quadro social da população rural de MT.

Referências Bibliográficas

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