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Nas Fronteiras da Argumentação

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Academic year: 2021

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2018

2.ª edição

Revista e atualizada

Rafael Giorgio Dalla Barba

Coordenador: Lenio Luiz Streck

Nas Fronteiras da

Argumentação

A Discricionariedade

Judicial na Teoria

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CAPÍTULO 2

DO POSITIVISMO CLÁSSICO AO

NEOCONSTITUCIONALISMO

No cenário da teoria e filosofia do Direito contemporâneas, não são raras as linhas teóricas que consideram o neoconstitu-cionalismo como uma proposta jusfilosófica que supera os pro-blemas deixados pelo positivismo jurídico, recebendo o epíteto de teoria pós-positivista. Não obstante a circunstância desta crença encontrar-se difundida no imaginário jurídico brasileiro, ela ainda esconde o reducionismo de análise que impossibilita justamente aquilo que busca oferecer. Para podermos esclarecer melhor essa problemática, devemos responder à pergunta que imediatamente se coloca: o que é o positivismo jurídico? O que pode ser considerada uma teoria pós-positivista? Conforme a (des)leitura do fenômeno que será reconstruído, distinto será o modo como ele nos aparece.

Diante dessa advertência inicial, a concepção de positivismo jurídico e neoconstitucionalismo enquanto possível alternativa àquele é tomada a partir da questão da interpretação jurídica, sobretudo no que concerne à complexa problemática da dis-cricionariedade judicial. Em outras palavras, o tema abordado pretende investigar como é pensada a interpretação do Direito no paradigma positivista e se a proposta neoconstitucionalista consegue superá-lo neste aspecto particular.

O propósito desta reflexão aponta para uma demonstração do positivismo jurídico compreendido não de forma limitada e homogênea, mas como fenômeno que se apresenta de maneira completamente distinta ao longo da História. Isso implica

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enten-der o neoconstitucionalismo não como marco de superação do positivismo, mas, na verdade, como teoria que acaba desabando nas seus mesmas limitações.

Como ponto de partida impera a necessária distinção entre aquilo que com Castanheira Neves podemos chamar de positivismo

legalista1, entendido nas suas três vertentes distintas conforme

o local de seu surgimento (França, Inglaterra e Alemanha) no decorrer no séc. XIX, com a segunda face deste fenômeno, que, na expressão de Lenio Luiz Streck passamos a denominar de

positivismo normativista2, contando com a figura de Hans Kelsen

como seu principal idealizador.

2.1. A TRÍPLICE VERTENTE DO POSITIVISMO CLÁSSICO

O conceito de “positivismo” se forma no decorrer do séc. XIX atendendo pelo termo positivo a referência à verificação factual, àquilo que se possa contar, medir, pesar, ou expressar, e que necessitam de uma comprovação empírica para poderem fazer sentido. No âmbito jurídico, o positivismo surge no século XIX de forma distinta na França, Inglaterra e Alemanha, mas em todos eles permanece uma característica comum: o fato de uma interpretação rigorosa e literal dos textos jurídicos, cabendo ao intérprete subsumir o fato à conduta abstrata descrita na regra jurídica.

Na França, devido à sua experiência advinda da Revolução que pôs fim ao ancien régime, o Direito passou a ser consagrado e regulado pelo Code Civil de 1804, elaborado por Napoleão Bona-parte com o intuito de inaugurar uma legislação singular e efetiva em todo território sob seu domínio. Essa ideologia contaminou a corrente metodológica que regulava as regras contidas na nova

1. CASTANHEIRA NEVES, António. Escola da Exegese. In: CASTANHEIRA NEVES, Antonio.

Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros.

Coimbra: Coimbra, 1995. v. 2, p. 109.

2. STRECK, Lenio Luiz. Aplicar a letra da lei é uma atitude positivista? Revista Novos Estudos

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codificação, apresentando como principal comando a respeitabi-lidade do intérprete frente à literarespeitabi-lidade do texto.

Devido à desconfiança dos franceses com a atuação dos juízes, era necessário que mantivessem total fidelidade aos artigos contidos na codificação vigente e nenhum tipo de complementação interpretativo-judicial era admitida, uma vez que o Direito e a lei equiparavam-se estritamente. Metodologicamente, a aplicação dos conteúdos legais dava-se por meio de subsunção: premissa maior estipulada na hipótese da lei, premissa menor apresentada pelo caso narrado, e a conclusão surge do simples processo silogístico entre o fato verificado e a sua correspondente previsão legal.

Diferentemente da Alemanha e Inglaterra, as leis em solo francês, por serem produto do parlamento, eram vistas como obra de um legislador racional que portava a vontade geral do povo. Conforme nos narra Mário Losano, “[...] a compilação de Justiniano foi substituída por uma codificação baseada em princí-pios racionais do Iluminismo, [...] remetendo-se a um novo texto sagrado: o Code Napoléon de 1804”.3

Esse tipo de abordagem metodológica do Direito se dava pelo ambiente de completa subordinação em que se encontrava a atuação dos juízes e doutrinadores. Desse modo, Van Caenegem sinaliza não ter espanto com o fato de que “[...] a escola dominante de pensamento praticasse uma interpretação literal dos códigos, razão pela qual ficou conhecida como Escola Exegética”.4

A Escola da Exegese, desde o seu período primórdio até o seu declínio nas décadas finais do século XIX, foi marcada, se-gundo Norberto Bobbio, pelas seguintes características: inversão das relações tradicionais entre Direito Natural e Direito Positivo, desvalorizando o primeiro na medida em que seus preceitos podem ser determinados somente pelo direito positivo; “[...] concepção rigidamente estatal do direito”, segundo a qual o Direito é

redu-3. LOSANO, Mário. Os grandes sistemas jurídicos. Tradução de Marcela Varejão. São Paulo:

Martins fontes, 2010. p. 59.

4. VAN CAENEGEM, Raoul C. Uma introdução histórica ao direito privado. Tradução de Carlos Eduardo Lima Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 208.

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zido exclusivamente às regras postas pelo Estado e implicando na onipotência do legislador; “[...] interpretação da lei fundada na intenção do legislador”, tendo em vista que o Direito é aquele con-tido na lei enquanto manifestação escrita da vontade do legislador; “[...] culto do texto da lei”, o que decorre ao intérprete o dever de rigorosamente subordinado às disposições dos Códigos; e o “[...] respeito pelo princípio da autoridade”, pelo qual ao legislador é atribuída a figura com poder final de decisão.5

A história do Direito francês não se repetiu na Inglaterra. O Direito britânico se formou não pela devoção e apego à legislação produzida pelo parlamento, mas pelas experiências judiciais con-cretas, o que levou os ingleses a repudiar as construções jurídicas dos estudiosos de Bolonha sobre o antigo Direito Romano. Do mesmo modo, os ingleses se mantiveram refratários ao movimento de recepção do Direito produzido na Roma Antiga que se iniciou na Alemanha desde o século XV.

Optando pela construção do Direito a partir da formação de um corpo comum de decisões tomadas no passado (Common

Law), a Inglaterra rechaça a tradição codificadora francesa por

enxergar nela um excesso de confiança no legislador, razão pela qual as “[...] forças conservadoras interessadas em manter o Di-reito nas mãos do Judiciário, não por amor aos juízes, mas pela convicção de que era preciso confiar mais no Judiciário do que no legislador para conservar a ordem social existente”.6

A terceira vertente do positivismo clássico despontou em solo alemão e recebeu o nome de Jurisprudência dos Conceitos (Begriffsjurisprudenz), representando o apogeu daquilo que Franz Wieacker denominou de ciência das pandectas7, ou pandectismo.

Muito embora este movimento seja chamado de jurisprudência, o termo recebe na Alemanha o sentido de ciência jurídica, sem

5. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do Direito. Tradução e notas

de Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006. p. 85-89. 6. VAN CAENEGEM, Raoul C. Juízes, legisladores e professores. Tradução de Luiz Carlos

Borges. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 2010. p. 34.

7. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste

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qualquer conotação às atividades dos tribunais, mas vinculado à produção doutrinária dos grandes professores tedescos.8

A Jurisprudência dos Conceitos, ressalvadas as circunstâncias históricas de cada nação, representou um papel equivalente ao da Escola da Exegese na França, tendo em vista ter sido essa possível devido ao emprego de um método formalista-conceitual que também delimitava o conteúdo jurídico a aspectos puramente formais. Ainda que comuns as experiências de reduzir significativamente o poder dos juízes na Alemanha e na França no século XIX, diferente será a figura para qual se direcionou o papel da produção do Direito nesses países: enquanto na França o Direito era produzido pelo legislador que representava a vontade geral da população, na Alemanha foram os eruditos doutrinadores que ocupavam essa função.9

O pandectismo também desenvolveu a concepção de que a atividade jurisdicional é uma simples função de conhecimento do magistrado, não lhe sendo autorizado fazer interpretações cons-trutivas que alterassem o significado dos conceitos que compõem os textos jurídicos. Contendo como os nomes de maior relevância Georg Puchta (1798-1846) e Bernhard Windscheid (1817-1892), a Jurisprudência dos Conceitos entendia que a ciência jurídica deveria realizar uma genealogia dos conceitos a ponto de agrupá--los em uma espécie de pirâmide estruturada segundo os critérios de lógica-formal.10

O plano de fundo pela qual se assenta a Jurisprudência dos Conceitos, como dirá Arthur Kaufmann, tem como traço central e característico:

A dedução de princípios jurídicos a partir de meros conceitos; por exemplo, do conceito de <<pessoa jurídica>> retira-se a consequência de que a pessoa jurídica, enquanto <<pessoa>>,

8. MIOZZO, Pablo Castro. Interpretação jurídica e criação judicial do Direito: de Savigny a Friedrich Müller. Curitiba: Editora Juruá, 2014. p. 90-91.

9. ABBOUD, Georges; TOMAZ DE OLIVEIRA, Rafael; CARNIO, Henrique Garbellini. Introdução

à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 333-334.

10. LOSANO, Mário. Sistema e estrutura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. v. 1.

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é susceptível de ser ofendida e de ser incriminada. Os concei-tos servem de fonte de conhecimento. É neste ontologismo, de acordo com o qual a existência procede da essência, que repousa a famosa demonstração ontológica de Deus: do con-ceito do <<ser mais perfeito>> resultaria necessariamente a sua existência (caso contrário ele não seria perfeito).11

O método do pandectismo serviu aos seus representantes como sustentáculo da noção de que o texto jurídico seria válido por si mesmo, independentemente das particularidades do caso concreto e sem necessitar de qualquer recurso às situações da vida fática. Ainda que o positivismo clássico tenha se desenvolvido com suas peculiaridades em cada território referido na Europa Ocidental durante o século XIX, comum a todos eles é a presença da subsunção como metodologia para assegurar a rigidez neces-sária e a aplicação do Direito.

No entanto, a partir do final do século XIX o positivismo clássico começou a fraquejar: diante dos complexos influxos so-ciais do raiar de um novo século que se lançava e de uma nova sociedade que rapidamente se aflorava sob as bases da incerteza, dialeticamente surgiram, no terreno jurídico, as antíteses ao tra-dicional modo de interpretação do Direito. Em outras palavras, os juristas se deram conta que o apego a métodos lógico-formais não era suficiente para dar as respostas à altura de uma sociedade já não mais presa às características que fizeram o próprio Direito ser construído daquela maneira.

Nos prelúdios do século XX, o formalismo foi confrontado diretamente pelo chamado Movimento do Direito Livre, que susten-tava que todo dever-ser, na verdade, é um querer. Por conseguinte, a sentença judicial não era resultado de uma dedução lógica a partir da lei, mas fruto de um ato de vontade pessoal do indivíduo que a reco-briria com a fundamentação lógico-jurídica em momento posterior.12

11. KAUFMANN, Arthur. A problemática da Filosofia do Direito ao longo da História. In: KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried. (Orgs.). Introdução à filosofia do direito

e à teoria do direito contemporâneas. Tradução de Marcos Keel e Manuel Seca de

Oliveira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 168. 12. Idem, ibidem. p. 174-175.

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Da mesma forma, correntes com profunda inspiração crí-tica surgiram no Direito através do realismo escandinavo – com Alf Ross e Karl Olivercrona – e norte-americano – com Oliver Wendell Holmes e Benjamin N. Cardozo -, flexibilizando a rígida vinculação da interpretação judicial em relação ao conceitualismo dos precedentes.13

Não suficiente, a Jurisprudência dos Interesses

(Interessenju-risprudenz) na Alemanha também modificou completamente os

pressupostos do formalismo jurídico, substituindo seus métodos pela possibilidade de o intérprete julgar segundo critérios voltados aos interesses reais do legislador subjacentes ao texto legal. Tendo Phillip Heck seu grande expoente, a solução foi encontrada em um sopesamento ou ponderação (Abwägung) como o método para com-por os interesses em conflito, conferindo maior liberdade aos juízes e contrariando completamente a sistemática positivista anterior.14

Essas novas correntes teóricas que se contrapuseram fron-talmente com a inflexível metodologia jurídica do formalismo novecentista concederam maiores poderes aos juízes, tendo em vista que os desvencilharam das amarras interpretativas a que outrora estavam atrelados seja pela lei, precedente ou doutrina. Entre-tanto, o positivismo clássico – que representa apenas uma e mais remota vertente do que posteriormente se chamou de “positivismo jurídico” - não foi sepultado completamente pelas teorias que lhe fizeram dura oposição. O positivismo vai reaparecer fortalecido no cenário jurídico com novas formulações e traços completamente distintos daquele que vigorou no século XIX, assumindo, agora, uma segunda (e nova) versão.

2.2. OS DOIS NÍVEIS EPISTEMOLÓGICOS DO JUSPOSITIVISMO NORMATIVISTA

Ainda que não seja frequente a referência a esse dado his-tórico, a primeira tentativa de resposta às correntes que fizeram

13. LOSANO, Mário. Sistema e estrutura no direito: o século XX. Tradução de Luca Lamberti.

São Paulo: Martins Fontes, 2010. v. 2. p. 144. 14. Idem, ibidem. p. 164.

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contraposição ao positivismo clássico foi apresentada por Hans Kelsen com sua Teoria Pura do Direito. O autor austríaco tinha noção de que, ainda que perseguisse o rigor formal que inspirara a Jurisprudência dos Conceitos, os mecanismos por ela utilizados eram insuficientes para garantir a necessária precisão epistemoló-gica de uma ciência jurídica, tendo em vista as críticas advindas da Jurisprudência dos Interesses e do Movimento do Direito Livre.15

Efetivamente, as propostas trazidas por essas novas correntes que se contrapuseram ao formalismo tradicional eram severamente repudiadas por Kelsen, tendo em vista que essas teorias estavam completamente contaminadas por argumentos ideológicos que cresciam paulatinamente sobre tendências políticas da época. O autor austríaco também não pactuava com as respostas dadas pelos ideais jusnaturalistas, pois não aceitava a noção de uma instância transcendente que fosse capaz de determinar a validade do conteúdo do direito positivo. Assim, o modo encontrado por Kelsen para escapar desse terreno ideologicamente poluído foi o de construir uma Teoria Pura do Direito.16

Ao elaborar sua teoria, um dos pontos centrais da abordagem foi a reformulação do conceito de norma jurídica, até então pouco explorado: o conceito de norma jurídica passa a ser trabalhado não isoladamente, mas a partir da noção de um ordenamento ju-rídico. Dessa forma, é com Kelsen que o conceito de ordenamento jurídico foi colocado como um problema autônomo dentro do contexto da ciência jurídica. Paradoxalmente, antes de Kelsen o conceito de ordenamento jurídico era tratado simplesmente como um conjunto de normas, mas não como um objeto autônomo de estudo e problematização pela ciência jurídica.17

O motivo nuclear desse aspecto é explicado pelas análises dos grandes sistemas jurídicos construídos no século XIX que

15. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discur-sivas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 34-35.

16. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São

Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 1.

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permaneciam restritos às codificações reguladoras do Direito Privado, sem haver qualquer preocupação de elaborar um sistema normativo que oferecesse uma resposta adequada à relação entre as regras do Código Civil e uma Constituição, por exemplo. Daí a preocupação de Kelsen com a construção de um ordenamento jurídico mais completo e sofisticado.18

Neste sentido, Kelsen elaborou a tese de que o ordenamento jurídico possui uma estrutura supra-infra-ordenada, remetendo-se à clássica noção da metáfora da “pirâmide normativa”. Trata-se, em verdade, de uma inovação trazida pelo autor para explicar a relação hierárquica entre normas superiores e inferiores em uma perspectiva que não se atrela ao conteúdo de tais normas (como poderia ocorrer em formulações jusnaturalistas), mas em uma perspectiva de validade.19

Na verdade, o que Kelsen oferece é um ordenamento jurídico construído a partir de uma estrutura ordenada em que a norma superior constitui o fundamento de validade para a norma inferior. Isto é, da norma superior o órgão aplicador pode deduzir a validade da norma inferior, e assim sucessivamente. Assim, a Constituição oferece o fundamento de validade das leis produzidas validamente pelo Poder Legislativo, que por sua vez fornecem o fundamento de validade para as decisões proferidas pelos juízes e tribunais.

Em outras palavras: a validade da norma jurídica hierarquica-mente inferior está estritahierarquica-mente condicionada à sua conformidade com a norma jurídica hierarquicamente superior, sem levar em consideração os termos conteudísticos delas, mas apenas o proce-dimento estabelecido pela norma superior. Entretanto, a inovação trazida por Kelsen não se limita simplesmente à teorização acerca da estrutura hierárquica de validade das normas jurídicas, mas apresenta uma hipótese que explicaria de que modo o ordenamento jurídico encontraria seu fundamento de validade.20

18. ABBOUD, Georges; TOMAZ DE OLIVEIRA, Rafael; CARNIO, Henrique Garbellini. Introdução

à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 287.

19. KELSEN, Hans. El método y los conceptos fundamentales de la Teoría Pura del

De-recho. Madrid: Editorial Reus, 2009. p. 68 e seguintes.

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Para não recair no regresso ad infinitum, Kelsen finaliza o ordenamento jurídico com uma norma que se pressupõe como a última e a mais elevada, visto não poder ser simplesmente instituída por uma autoridade competente, uma vez que se exi-giria uma autoridade com competência fundamentada em uma norma ainda mais elevada. Tal norma, pressuposta como a mais elevada de todas, é designada como norma hipotética fundamental (Grundnorm). Por isso, Kelsen acrescenta que:

Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. O fato de uma norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em que o seu último fundamento de validade é a norma fundamental desta ordem. É a norma fundamental que constitui a uni-dade de uma pluraliuni-dade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa.21

Dessa forma, a partir da Teoria Pura do Direito é possível dizer que é a norma jurídica que imprime significado jurídico aos atos da conduta humana, observando-se que ela própria é produzida por um ato jurídico que, por sua vez, recebe o significado jurídico de outra norma hierarquicamente superior dentro da estrutura do ordenamento jurídico válido. Trata-se de um recurso mental logicamente necessário proposto por Kelsen, uma vez que em sua extremidade atua um pressuposto gnosiológico, considerando que o ordenamento jurídico “[...] tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e a mais elevada. Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada”.22

21. Idem, ibidem. p. 217. 22. Idem, ibidem. p. 217.

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