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Novas abordagens teóricas à luz da matriz estrutural-funcionalista-sistêmica em estudos organizacionais

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Academic year: 2021

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‘Novas abordagens teóricas’ à luz da matriz estrutural-funcionalista-sistêmica em estudos organizacionais

Pedro Henrique de Gois1

Resumo:a discussão proposta no ensaio problematiza a apresentação de perspectivas

teóricas em estudos organizacionais que sob um viés de originalidade e contribuição nova para o campo lançam mão de recursos de revisão e reenquadramento de quadros teóricos pertinentes a matriz estrutural-funcionalista-sistêmica, ainda predominante enquanto quadro teórico.

Palavras-chave:Estudos Organizacionais. Estruturalismo. Teoria Sistêmica. Funcionalismo.

Novas propostas em estudos organizacionais que se justificam sob a representaçãoda originalidade, ineditismo e a superação do velho pragmatismo clássico em torno de temas e metodologias de análise, em muitos espaços, caracterizam um espaço discutível à luz do que se percebe enquanto contribuiçõesoriginais. A tão acentuada superação de modelos ditos tradicionais, evoluindo de uma matriz clássica para novas propostas teóricas construídas com base na flexibilidade e em elementos críticos merecem cuidadosa atenção, sobretudo considerando as recorrentes tentativas de imprimir o rótulo de novidade a ideias contidas em formatos adaptados e sem a devida referência. Deste modo, visando este amplo panorama e tendo como ponto de partida a problematização em torno das chamadas ‘novas abordagens teóricas’ como sendo uma superação da matriz estrutural-funcionalista-sistêmica, discuto neste ensaio as limitações de tais ideias progressistas por meio da caracterização de elementos que permitam identificar com clareza que muito do que se toma como soluções inovadoras, abordagens orgânicas e inovadoras, na verdade, podem representar modos de reconduzir modelos teóricos fundamentalmente associados à matriz estrutural-funcionalista-sistêmica.Em tais abordagens percebe-se o trabalho de reorganizar as ferramentas disponibilizadas por esta matriz,ainda preponderante,para imprimir um caráter diferenciado em suas práticas. Assim, coloco como pergunta norteadora deste ensaio: como é possível reconhecer a configuração de novas abordagens teóricas sobre organizações, em muitos momentos, associada à tradição estrutural-funcionalista-sistêmica? Seguindo esta provocação, desde já destaco dois elementos centrais na delimitação desta reflexão:

1. Em primeiro lugar, é importante demarcar que os elementos teóricos (quando alcançam este nível) em relação às proposições com base na matriz estrutural-funcionalista-sistêmica têm um propósito claro de caracterização de um modelo organizacional que atende a determinados interesses, quais sejam, a configuração de um espaço organizacional baseado na delimitação de tarefas e a articulação destas de forma a estabelecer um controle intensivo, visando à máxima eficiência produtiva. Portanto, não se desqualifica a sua importância enquanto propósito teórico, mas a frágil associação desta matriz teórica a imagens e práticas flexibilizadoras e atenuantes desta vinculação paradigmática, pretendendo estabelecer meios de expandir tais modelos como se não visassem, com o mesmo perfil de controle, a estruturação do modelo produtivo.

1Doutorando em Administração, linha de pesquisa Gestão de Pessoas, junto ao Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre e Graduado em Administração.

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2. O segundo ponto que destaco é que o predomínio destas abordagens, contudo, não exclui e não torna menos importantes iniciativas (de certa forma tem como objetivo ter clareza em relação a este ponto) constituídas de modo autêntico e não vinculado a matriz estrutural-funcionalista-sistêmica. Portanto, os esforços de pesquisas construídas em bases críticas e de problematização do colonialismo e neo-colonialismo teórico, por exemplo, são importantes expressões e movimentos para consolidação de um paradigma efetivamente dissociado no modelo estrutural-funcionalista-sistêmico.

Destacados estes elementos iniciais, na discussão a seguir argumento em relação à predominância da matriz estrutural-funcionalista-sistêmica, atentando para os arranjos sobre os quais se constitui, em relação às novas configurações que alcança e, por fim, os esforços despendidos em minimizar a concepção de definição de papéis sociais e de sistematicidade social. Tais arranjos surgem como tentativa de adoção de um apelo conciliatório entre uma intensificação cada vez mais forte da busca por resultado e de geração de capital e os benefícios que, consequentemente, chegariam a todos os participantes deste processo. Assim “embora à primeira vista possa parecer bastante eclético, o campo dos estudos organizacionais é composto, majoritariamente, de teorias e pesquisas que se encaixam no paradigma funcionalista” (Cabral, 2004, p.12) de um ponto de vista sociológico e também, de forma importante, construídos sobre uma base estrutural e sistêmica.

Está presente na análise organizacional o espaço que os papéis sociais ocupam no sistema social, como expõe Parsons (1973) em sua problemática apropriação conceitual em relação a Weber. Esta apropriação dos elementos de racionalidade weberianoscaracteriza uma estruturação clara na relação entre o indivíduo e o espaço social, configurando uma concepção teórica em muito enaltecida e difusa nos estudos organizacionais. A busca pela compreensão das ações sociais, manifestada pela atribuição de sentido pelo homem ao seu entorno e a si mesmo pode ser associada a elementos elencados por Weber (2004) enquanto motivos que definem o comportamento como ações atribuídas de sentido. Dessa maneira, a busca por explicação e legitimidade das ações praticadas socialmente, muitas vezes, se confunde com a noção de tipo ideal, como se a ferramenta metodológica que permite enxergar a realidade com base em conceitos e fatores explicativos fosse resposta definitiva e irrevogável, servindo como ferramenta aos diferentes tipos de dominação, como orientador das ações a serem desenvolvidas socialmente em diferentes perspectivas causais. Assim, nota-se claramente o distanciamento da concepção impressa por Parsons e um nítido viés aplicativo da teorização de Weber, caracterizando em muitos momentos este modo funcional em teoria das organizações com relação a outros pensadores das ciências sociais e humanas. Como destaca Prestes Motta (2001, p. 18) “a análise estrutural funcionalista das organizações, fiel às orientações de Talcott Parsons, tem também gerado uma teoria organizacional de nível médio, via estabelecimento de tipologias organizacionais”. Assim, toda a caracterização das organizações sob este prisma funda-se em classificação e enquadramento em nível intra e inter-organizacional, de acordo com elementos comparativos que possam ser estendidos e ampliados com certa facilidade entre as organizações.

A constituição da teoria organizacional clássica, remetendo a Taylor (1995), Fayol (1994), entre outros, marca um momento singular no que se refere à concepção de organização como espaço organizado de trabalho, dada as alterações que a indústria e a consolidação do capitalismo traziam no momento histórico de sua afirmação. As construções teóricas e as propostas de arranjos organizacionais, neste sentido, imprimiam forte determinismo e um caráter positivista-estrutural pela própria lógica de

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intensificação do trabalho, inclusive pela forma experimental que os autores evidenciam em suas obras em relação à configuração do espaço organizacional. O que não se perde como foco e se intensifica (podendo tomar outros rumos, mas não deixando de estar presente em propostas teóricas posteriores) consiste no delineamento estruturado dos papéis de trabalho e concepção de gerenciamento e produção (BARNARD, 1968). Neste contexto, a emergência de propostas baseadas em elementos ditos humanistas – como os que emergem com a Escola de Relações Humanas e na teoria comportamental – evidencia esforços em torno de elementos ora tomados de forma imprópria e recortados de concepções construtivas (DYE; MILLS; WEATHERBEE, 2005) e, por vezes, ainda, utilizados de forma pragmática, visando justificar ações evidentemente estrutural-funcionalistas por meio de medidas valorativas do sujeito no espaço de trabalho.Aproximando-se do campo organizacional, a concepção estrutural

Significa tudo o que a análise interna de uma totalidade revela, ou seja, elementos, suas inter-relações, disposição. O conceito de estrutura é especialmente importante para a ciência porque pode ser aplicado a coisas diferentes, permitindo comparação. [Além disso] O estruturalismo considera os fenômenos ou elementos com referência a uma totalidade, considerando, pois, o seu valor de posição [...] O estruturalismo implica em totalidade e interdependência, já que exclui os conjuntos cujos elementos sejam relacionados por mera justa-posição (Prestes Motta, 1970, p.24).

A citação destacada de Prestes Motta reflete, resumidamente, mas de forma significativa, o elemento que talvez melhor represente a condição em que o estruturalismo se estabelece como paradigma para construção teórica no campo organizacional. A possibilidade extensiva, comparativa e de controle, expresso pelo caráter de organização da totalidade como forma de dar corpo a uma disposição clara de exercício de poder permite que a configuração de teorias voltadas para a organização se firme como possibilidade construtiva de capital. Desse modo, a fragmentação é combatida e a concepção estrutural, mesmo ampliada quando as organizações ganham volume e ultrapassam suas fronteiras de origem, encontra em articulação com a teoria sistêmica em um arcabouço teórico ainda mais consistente para definir relações produtivas, marcadamente estruturadas e profundamente coerentes enquanto totalidade que permita o exercício de controle.

A incorporação da teoria sistêmica na análise organizacional, como as demais influências teóricas destacadas, segue a perspectiva de construção teórica baseada em elementos comparativos, ordenados e como a própria definição ‘sistematicamente constituída’ (com influência importante de Bertalanffy, 1975, entre outros), trazendo ares de relação e de importância fundamental para aplicação de modelos complexos – como os de natureza biológica – para as organizações.Assim, a perspectiva de análise estrutural-funcionalista-sistêmica constitui como um amplo conjunto de elementos teóricos que são a base fundadora de grande parte da teoria organizacional. A estrutura e seu desdobramento funcional e sistêmico se acentuaram desde a incorporação de referenciais ao campo organizacional, refletindo as práticas em que organizações e instituições reforçam o seu aparato estrutural, constituindo espaços de consolidação de atividades formais e claramente definidas. A intensificação do capital privado e a crescente busca por acumulação, no seio da sociedade capitalista, reforçam ainda mais este processo mediante a necessidade de expansão geopolítica das fronteiras da corporação, sem, contudo, perder o controle intensivo do todo e o aumento das receitas. Desse modo, movimentos como reengenharia, reformulação de processos e qualidade de vida no trabalho seguem imperativos categóricos em relação a sua finalidade, uma vez que seu aspecto construtivo tendepara a consolidação de práticas de acumulação ainda

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mais intensivas e formas ainda mais precisas, para na relação tempo e trabalho obter melhores resultados.

Os discursos em torno da reconfiguração teórica na área organizacional, em muitos momentos, tende a privilegiar este olhar mais atenuante e menos rígido as práticas organizacionais, o que destaco aqui como um aspecto limitado. Neste sentido, destaca-se o que apresenta Lex Donaldson (2007, p.105) quando afirma que:

O estudo da estrutura organizacional testemunhou uma mudança de paradigma quando a escola clássica de administração foi suplantada pelo novo paradigma da teoria da contingência [...] isso inaugurou uma fase de ‘ciência normal’ dentro do paradigma contingencial (Scott, 1992). Assim, o estudo da estrutura organizacional é atualmente pluralístico, com conflito entre paradigmas e ciência normal no interior dos paradigmas.

A proposta de Donaldson, ainda que marque elementos contingências para destacar sua proposta de ‘revolução paradigmática’ (KUHN, 1970), não demonstra suficiente sustentação teórica para demonstrar que, de fato, ocorra nas teorias organizacionais uma diferenciação, onde destaca que “o crescimento corpo de conhecimentos é marcado por revoluções paradigmáticas, quando um paradigma é abandonado e substituído por outro” (DONALDSON, 2007, p. 105). As proposições teóricas neste período, marcado pelas teorias ambientais, pelas teorias prescritivas neoclássicas e pelo participacionismo, entre outras correntes, mantém forte vinculação, nos termos do próprio autor citado, ao mesmo paradigma teórico que sustenta a abordagem funcionalista-sistêmica. A expansão dimensional da organização, ampliando os espaços e níveis de atuação, neste sentido, apenas fomenta uma ampliação deste escopo teórico estrutural-funcionalista-sistêmico. Assim: “trata-se, mais uma vez, de um desenvolvimento do funcionalismo sistêmico, voltado para análise do universo inter-organizacional, que, no entretanto, é aplicado também a outros níveis de complexidade social” (PRESTES MOTTA, 2001, p. 35).

É sugestivo propor, desse modo, que refletindo sobre esta configuração do campo teórico organizacional devamosobservar o que está a nossa frente com as lentes teóricas em sua integridade, ou seja, desnaturalizar a teorização como algo evolutivo e natural. É importante – e não se pretende rebater isso aqui – que novas proposições teóricas guardam diferentes níveis de relação com os modelos que a antecederam (a exemplo de Gouldner, Burns e Stalker, Woodward, entre outros, com relação as teorias estruturalistas-sistêmicas). Contudo, é possível visualizar a proposição de novas construções teóricas no campo organizacional como problematização ou crítica das propostas colocadas, não associando a crítica apenas à caracterização pejorativa que muitas vezes é associada ao termo, como elemento destruidor e contestador unívoco, mas como forma de colocar em evidência as insuficiências e as limitações de modelos teóricos amplamente utilizados para suscitar o exercício de novas propostas. O pragmatismo com que os proponentes de teorias estruturais e seus sucessores sustentam o discurso ‘incremental’ dos modelos teóricos que apresentam fortalece um distanciamento central da proposta científica. Entendo que observar a realidade e, a partir dela, provocar discussões em torno das respostas que os modelos teóricos existentes têm como fornecer – limitados em suas possibilidades - é um exercício fundamental para desencadear respostas adequadas a cada contexto sócio-histórico. Isso também é válido, de acordo com a pergunta colocada neste ensaio, para pensar o espaço da corrente estrutural-funcionalista-sistêmica na teoria organizacional.

Como destaquei acima, avançar nas propostas de teorização organizacional exige desprendimento e a possibilidade de lançar novas proposições às condições pelas

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quais o pesquisador analisa seu entorno. É importante dizer, ainda, que a disposição efetiva de por em prática tal atitude é um projeto de construção teórica e de problematização dos modelos vigentes que exige empenho, dedicação e efetivo trabalho construtivo por parte de quem se lança a esta proposta. Mediante este ponto, destaco novamente o texto de Donaldson como reflexão em torno do tema

Uma vez que a teoria da contingência estrutural começou como uma síntese entre as ideias opostas da administração clássica e da escola de relações humanas, não é de se admirar que venha a servir como elemento de síntese para uma teoria organizacional mais ampla. A questão é saber se a teoria da contingência estrutural se torna uma parte maior ou menor da nova síntese (DONALDSON, 2007, p. 124).

No fragmento destacado a proposta de continuidade abrange a corrente que predomina no campo e que se organiza para sustentar sua posição. Da proposta de sintetização anterior forma-se um novo compêndio teórico constituído pelas inúmeras proposições associadas à raiz estrutural, com a perspectiva de condensação, sem preocupação com a efetiva reflexividade, visa sustentar a mesma ideia clássica, mesmo sob uma justificativa inovadora em sua estrutura. A limitação das possibilidades de avanço inerentes a este paradigma é evidente, sobretudo considerando o esgotamento propositivo e, a partir desse momento, o esforço acentuado em manter a posição conquistada, pouco refletindo em trabalho construtivo para os estudos organizacionais.

Outro ponto importante a se destacar é a necessidade presente para as organizações que se estruturaram ao longo do século XX destes modelos estruturais, ou seja, a origem de tantas propostas associadas a este delimitador e sua sustentação passa pelos espaços em que tais proposições teóricas foram criadas ou que inspiraram tais teorizações. Isso não justifica a escolha de uma posição teórico-conceitual dos teóricos organizacionais em sua totalidade, contudo, reflete como em muitos espaços acadêmicos as possibilidades apresentadas e assimiladas replicam este viés, o que é chamado por muitos estudiosos de posicionamento ‘prático’. Assim, com base nessa compreensão, se sustentam elementos teóricos que tratam as problemáticas organizacionais sem maior questionamento sobreas formasde organizar, se prestando de forma restrita ao trabalho de ampliar a compreensão dos mecanismos que possam melhorar ainda mais a estrutura existente. Assim, refletindo um pouco desse direcionamento, a pequena variabilidade teórica no campo reflete a mecânica da vida que faz apenas ‘seguir em frente’, ou seja, suplanta a reflexão crítica sobre os modelos de organização e a relação destes com a realidade social, permanecendo ambos em um plano secundário, evidenciando a contínuacondição de reforço ao modelo estrutural, adequado à geração de mais valor e concentração de poder.

A definição do modelo estruturalista na perspectiva organizacional – evidentemente associada à provocação deste ensaio e não aos modelos criados a partir dele – é problemática em se considerando a frágil caracterização social do processo de integração do homem e do trabalho como construções facilmente descritíveis e, desse modo, passíveis de serem tratados sistematicamente como simples elementos de uma complexa estrutura. A possibilidade de problematização em torno deste tipo de construção teórica reflete-se diretamente na teoria organizacional e, a despeito dos modelos organizacionais em evidência na atualidade, o tensionamento detais estruturas teóricas é uma possibilidade presente e de amplo aspecto exploratório, sem o qual não se permite avançar frente ao funcionamento do modelo estrutural predominante. Destaca-se como reducionismo preocupante neste sentido construções como a que segue:

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O estruturalismo, através do manejo dos modelos, oferece não mais do que um via de acesso à compreensão da realidade social. As sínteses a que chamamos depois de percorrer o método estruturalista são sempre questionáveis. O próprio Lévi-Strauss forçou as suas provas a caberem em modelos perfeitamente simétricos. Mas esta é uma deficiência do etnólogo Lévi-Strauss,não do método que ele criou. Em que pensem riscos como estes, a construção e a interpretação dos modelos estruturalistas, seja intelectualmente, seja a partir de observações, permitem considerar categorias, contrastes e co-ocorrências que não só elevam as possibilidades de simplificação e de inteligibilidade dos objetos, como jogam uma luz revolucionária sobre fatos aparentemente estabelecidos e autorizam o lançamento de hipóteses e predições inovadoras (THIRY-CHERQUES, 2004, p. 43-44, nosso grifo).

Como destacado no início da reflexão, a proposição de um modelo estruturalista em si mantém coerência como uma proposição teórica clara, sendo dessa forma uma construção possível e sustentável sob o ponto de vista científico. Inclusive, cabe destacar, em muitos campos científicos este paradigma sustenta muito do que se produz cientificamente, evidenciando seu potencial para construção de conhecimento. O destaco, contudo, é a categorização e a dita possibilidade de simplificação – como no excerto destacado acima – que não é extensiva de maneira literal as ciências sociais. Assim, conceber uma ciência social que se preste a classificar e tratar o sujeito como elemento hipotético de um modelo passa a ser uma possibilidade autêntica do campo, o que afirmo aqui ser umademonstração de uma limitação (para não dizer uma imprecisão em algumas situações) séria em relação a tais construções em se tratando de ciências sociais.

A teoria organizacional, em acordo com o destaque apresentado, tem como possibilidade concreta avançar em suas proposições teóricas, sobretudo superando esse pragmatismo estrutural que tem em seu cerne a perspectiva simplificadora e preditiva que em muito destoa das condições sociais que envolvem a organização. Há clareza ao quão bem cabe o modelo estrutural aos modelos que visam o controle e a intensificação do resultado, inquestionavelmente. Contudo, nota-se que a problematização de tais condições é fundamental em proposições que pretendam enxergar o sujeito como protagonista e não como sujeito passivo a serviço da reprodução de uma sistematicidade, elevando o papel da estrutura em relação a quem possa se beneficiar ou dela fazer uso.Não há coerência em desassociar a construção teórica da condição histórica, o desafio sempre presente é não permanecer passivo a tais movimentos, buscando compreender os interesses e motivações que o avanço propositivo das formulações teóricas pode apresentar no presente.

Como propõem Kilduff e Dougherty (2000), ao retornar aos trabalhos clássicos – como os apresentados por Taylor, Fayol, Mayo – tem-se uma possibilidade concreta de conhecer a área organizacional sob a ótica destes escritores, dimensionar os elementos históricos importantes para cada contribuição teórico-empírica apresentada e, por fim, visualizar como os estudos organizacionais avançaram por meio da trajetória de seus autores. No mesmo sentido, ao considerarmos o contato contínuo com contribuições de áreas como a sociologia, a psicologia, economia, por exemplo, podemos ter uma ideia de como os estudos organizacionais se utilizam destes saberes e de que maneira tais contribuições são apropriadas com fidelidade as contribuições originais tomadas como referência. Sobretudo, faz-se necessário atentar para o uso inadequado das fundamentações teóricas e para o problema de desconsiderar o contexto e as influências pontuais do momento histórico em que as teorias sobre a organização foram desenvolvidas. Isso desencadeia a relação fundamental que deve existir para identificar

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teorias dominantes, tais como interesses econômicos e políticos, como fatores que tornam frágil a concepção de uma neutralidade no que se refere à intenção de pesquisa desenvolvida em certo espaço. Como destacam Bruce e Nyland (2011), a receptividade de Elton Mayo no campo organizacional, por exemplo, levou a escola de relações humanas a receber grande destaque e representa, em grande medida, a associação de interesses de grande vulto econômico e de controle social dos trabalhadores no espaço organizacional, valorizados naquele momento histórico. Dessa maneira, ao retornar a estudos clássicos, como a tão propagada experiência de Howthorne, deve-se ter consciência das condições que levaram a sua popularidade (e não a de outras teorias) e em que medida os saberes concebidos naquele espaço serviram aos interesses dominantes. A repercussão da experiência clássica atribuída a Mayo, neste sentido, encontrou forte associação com a expectativa de gestores que buscavam conhecimento para manter sob controle os movimentos de sindicalização e qualquer forma de organização social que pudesse desestabilizar a ordem econômica das grandes empresas (MULDOON, 2012; BRUCE, NYLAND, 2011). Neste sentido, destaca-se ainda que

A forma pela qual foi tratado o problema dos incentivos pelas escolas de Administração Científica e de Relações Humanas é para os estruturalistas a conseqüência de uma visão fragmentada da realidade da organização e da natureza humana. Entendendo organização como um sistema formal, no qual o trabalhador tinha um papel absolutamente passivo e a natureza humana como egocêntrica e voltada tão-somente para fins econômicos, os incentivos eficientes teriam necessariamente que ser monetários e tal foi realmente a

receita dada pelos teóricos da administração científica (PRESTES MOTTA,

1970, p. 34).

É importante considerar e retomar tais elementos conceituais para compreensão da área tal como se configura em um momento posterior, sobretudo com relação à teoria organizacional. A chamada ‘receita’ destacada por Prestes Motta coube como justificativa para um momento determinado e, subjacente a tal descrição, é possível visualizar como tal sustentação se deu ao longo do tempo, refletindo inclusive a forma de se conceber os novos modelos teóricos propostos. Se para os teóricos da administração científica a delimitação estrutural tinha clara a correlação entre eficiência e remuneração, o que fez com que tal representação fosse desconstruída – ao menos teoricamente – na teoria organizacional?

Para Tragtenberg (2006, p.108) “[...] as categorias básicas da Teoria Geral da Administração são históricas, isto é, respondem a necessidades específicas do sistema social”. Dessa maneira, o encadeamento de interesses teóricos repercute os interesses políticos e econômicos do momento em que são concebidas. As teorias críticas têm um papel importante para discutir tais articulações, mas continuamente são confrontadas pela ideologia predominante. Assim, a sustentação de propostas estruturalistas no campo organizacional se justifica em muitos momentos pela forte pressão do sistema social que privilegia o controle e que é sustentado por uma lógica de exploração do trabalho. O aparato estrutural-funcionalista, neste sentido, demonstra forte articulação com as políticas e práticas organizacionais colocadas em funcionamento, como rotina a ser seguida e aprimorada continuamente. A possibilidade contestatória, crítica e propositiva teoricamente em teoria organizacional é uma possibilidade importante que existe e que deve ser exercida, sobretudo enquanto prática autônoma em relação ao tipo de organização existente e a necessidade aplicativa imediata de tais proposições. A possibilidade de colocar em questionamento a aparente ordem relacionadaao modelo estrutural de organização representa uma possibilidade concreta de construir, de fato, novas proposições teóricas ligadas a paradigmas originais.

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O avanço teórico, neste sentido, vai além de uma postura incremental ou evolucionista. Em muitos momentos, as propostas ditas inovadoras, ainda enraizadas no estruturalismo, fazem parte apenas de uma reformulação, em que “o debate enfoca apenas detalhes, tendo sempre um tom “amigável” e “construtivo”, girando em torno das melhorias técnicas que podem serfeitas ainda que de uma perspectiva funcionalista como um todo” (CABRAL, 2004, p. 12). A minimização da concepção de papéis sociais pertencentes a uma estrutura e a concepção da organização como sistema amplia os elementos conceituais utilizados meramente como arcabouço para sustentar um discurso essencialmente estrutural-funcionalista, ou seja, é associado a formas mais flexíveis e participativas. Esta flexibilidade, contudo, se converte em maior volatilidade nas relações que estabelece e, consequentemente, lhe imputa maior comprometimento ao posto de trabalho que ocupa.

Assim, reconhecer a configuração de novas propostas de práticas organizacionais inovadoras e, sobretudo, construções teóricas em teoria das organizações exige um cuidado acentuado e uma análise crítica em relação à iniciativa propositiva em avançar enquanto contribuição efetiva. Ao termo desta reflexão, destaco que a matriz estrutural-funcionalista-sistêmica permanece fortemente vinculada a muito do que se produz em teorias organizacionais. Contudo, como possibilidade de avanço, é fundamental considerar que a problematização da realidade e dos modelos tradicionais – que não deixaram de ter a sua importância histórica, mas nem por isso deve ser perpetuamente aplicados – em favor de proposições que tenha como enfoque propor conceitos originais e críticos, não apenas como revisões insistentes de modelos já extenuados no paradigma estruturalista. A disposição em atender necessidades atuais, neste sentido, acaba por se aproximar novamente a ideia do reformismo e da possibilidade incremental, reparando o velho para dar conta das ineficiências que o próprio modelo estrutural-funcionalista apresenta.Destaco, novamente, que uma limitação para tal postura permanece na insistência em enxergar a necessidade de aplicar uma reflexão original ao tipo de organização que se conhece ou o seu oposto, ou seja, pressupor construir elementos novos tomando como referência um espaço que carrega em si uma disposição fundada fielmente ao modelo anterior. Mediante a problematização e a crítica é possível avançar neste sentido.

É importante lembrar, a despeito da crítica aos posicionamentos apontados por de Donaldson, por exemplo, que o próprio autor reconhece a importância de novas teorias. Sua fragilidade está em afirmar que estas novas proposições tenham que compartilhar, em maior ou menor grau, com a concepção da contingência estrutural. Neste sentido, é importante frisar que a noção de liberdade (responsável e comprometida com um intenso trabalho acadêmico!) na reflexão em torno dos problemas de pesquisa que se coloquem como desafios de pesquisa devem contemplar estas questões. O compromisso do pesquisador, neste sentido, com o exercício de sua atividade acadêmica como espaço reflexivo representa uma possibilidade, concreta de expressão real de novas ideias e de avanço teórico no campo organizacional. A maneira como este propósito pode ser concretizado passa por inúmeras condições que podem ser destacadas aqui: importância de conhecer a área para construir argumentos sólidos sobre sua transformação, capacidade argumentativa desvinculada de modelos estruturados a

priori, aproximação efetiva dos campos de estudos, debate e apresentação das reflexões

como exercício prático da atividade acadêmica.Enfim, estas e outras possibilidades que podem contribuir para avançar formas não associadas à matriz estrutural-funcionalista-sistêmica que ‘aprisiona’ a criação de um pensar acadêmico novo.

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Deixo, por fim, como reflexão,algumas provocações nos termos assinalados acima, inserindo o próprio autor e aqueles que se fazem parte da academia interessados pelo tema a refletir sobre sua postura enquanto pesquisador, reconhecendo as inúmeras dificuldades e desafios que se colocam para concretização deste trabalho. Como exercício contributivo para futuras reflexões: como repensar a postura profissional do pesquisador (mestre ou discente) neste processo de reconhecer sua área e, mediante tal conhecimento, lançar a propostas de trabalho que estejam comprometidas com a consolidação de argumentos críticos, coerentes e provocativos em relação à realidade em análise? Em que medida deve-se pensar a formação em nível de graduação, mestrado e doutorado neste sentido? Como se pode visualizar o espaço acadêmico aos novos pesquisadores em formação – assim como para aqueles em atividade – em relação aos desafios da vida em sociedade?

REFERÊNCIAS

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